Sujo escrita por NN


Capítulo 1
Capítulo Único - C'est la mort


Notas iniciais do capítulo

Claramente, o que escrevo não tem nenhuma relação com os fatos narrados pelos desenhistas e roteiristas originais do Mercenário. Mas também não atrapalha nem modifica nada. Os fatos ocorrem logo após de ter saído do exército, já descobrindo o prazer de matar. Ou seja, antes se tornar inimigo do Demolidor ou Justiceiro ou qualquer super-herói/anti-herói - antes de se tornar realmente um mercenário. Boa leitura!



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Capítulo Único

Entediado. Muito entediado.

Eram as palavras certas para o que estava sentindo.

O boné azul gasto e marcas de barro seco que se confundiam com as gotas vermelho-carmim. O alvo na testa. Parecia, de alguma forma, irreconhecível. Não eram as roupas, sempre tão rudimentares. Muito menos a aparência, certamente poderia ser alguém comum em alguma outra realidade, talvez até casado e amado. Mas as pessoas pareciam desconfortáveis em sua presença, não tão desconfortáveis a ponto de notarem, mas o tipo de desconforto sóbrio, que temos quando o ar parece mais pesada ou a sala menor. Era como uma mosca quando queria, um incômodo grande mas pequeno ao mesmo tempo - "inofensivo". As pessoas passavam, tentavam não observá-lo, e saíam o mais depressa possível quando o olhar voltava debaixo do boné. Era gélido, cruel, assassino. Como se estivesse escrito: "sim, matei. E sim, você sentiu frio agora, como se o Inferno fosse gelado e não quente, e de fato, talvez seja".

Não fazia nem meio ano desde que saíra do exército com uma vontade inumana de matar. E matou tantos, mas a dignidade... ansiava-a. Não queria ser apenas um ladrãozinho de bancos que assassina os reféns e sobrevive com a grana pelo resto do mês, era entediante e de muito baixo nível comparado com o que realmente podia fazer.

Era mais do que isso. Muito mais. Era um assassino, um mercenário.

Dos bons. Dos melhores.

Pensava sempre que queria entrar neste novo ramo de um jeito diferente, de um jeito inovador. De forma que fosse temido, odiado.

Certo dia alcançou uma banca e rolou os olhos para um jornal, na primeira página fotos de super-heróis, que somente por impedirem um assalto já estavam sendo vangloriados. Via mãos roçando na borda do papel e levando, após pagar, apenas para observarem as mulheres e homens que exibiam corpos perfeitos em seus uniformes agarrados. Comentavam quão incríveis eram, quão destemidos e admiráveis conseguiam ser.

"Incríveis...?", soltou uma risada debochada, "São idiotas. Trapalhões. Poderia mata-los com um dedo. Muitos poderiam."

Um minuto de silêncio. Parou em meio à multidão.

"E muitos não, mas eles querem. Precisam saber que eu existo, precisam saber que o mercenário existe! Tenho que ser como estes  toscos super-heróis, preciso estar em todos os outdoors, em todas as revistas e jornais, precisam que todos comentem sobre mim e me façam famoso. Alguém digno. Digno."

Sorriu. Um sorriso grande e maldoso, obsceno. Horrível. Arrumou o boné e seguiu em frente, com um plano já em mãos.

UMA SEMANA DEPOIS

Alcançou o Bistrô D'Angelo.

Perguntava-se como havia parado ali e precisou segurar uma risada infantil ao sentir a camiseta empapada de sangue por debaixo da blusa. A secretária resistiu, mas não aguentou no terceiro soco e gritou a localização do patrão. 

Entrou pela porta dos fundos, atravessou a cozinha despercebido e subiu os degraus cobertos por um tapete vermelho de veludo. Em meio aos poucos que ali estavam, ele encontrou uma cabeça gorda no bar, a única, petiscando alguns amendoins junto a um Cosmopolitan. Mordiscou a azeitona, alcançando-a do fundo da taça com os dedos gordos e curtos, que mais pareciam salsichas enlatadas. Tão nojentas quanto, pensou.

Sentou-se no banquinho ao lado, passando pelos dois seguranças enormes parados dois metros atrás, eretos e que o encararam desconfiados.

— Olá.

Uma pausa. Um sorriso convidativo.

— Soube que trabalha com publicidade. Preciso que as pessoas me conheçam - ele virou para observar o rosto indiferente de Burgess.

— Claro, todos precisam - respondeu com certa ironia.

— Preciso que financie meu começo de carreira.

— Cara, se não sair daqui agora, vou chamar meus seguranças.

— Chame, posso mata-los num piscar de olhos se isso te provar que sou bom - pegou um amendoim do potinho e engoliu-o, antes de continuar - Soube que quer que matem um "inimigo" seu, um tal de Quentin Back. Parece que o garoto que está alcançando sua empresa, acabando com seu posto de primeiro lugar como melhor empresa de publicidade da América.

Os olhos pareceram pular da dupla camada de gordura na bochecha e o homem quase caiu do banquinho que impressionantemente aguentava o peso.

— C-como sabe disso, seu desgraçado?

— Sei lá. Quando se tem uma arma apontada para o saco, qualquer um fala o que sabe - não se conteve a soltar uma risada ácida - Pena que o cara demorou muito. Nunca mais vai ter filhos. Não porque não tem mais saco, mas porque, como todos sabem, mortos também não pode ter filhos - deu uma outra breve risada, que remeteu a alguma besta e fez Burgess paralisar por um instante.

Um dos seguranças se aproximou.

— Algum problema? - perguntou, notando a expressão assustada do Chefe.

— Não, de forma alguma. Certo, Samuel? - ele respondeu, forçando uma voz fina e simpática.

— C-certo. Pode ir, Jason.

O segurança assentiu e voltou ao posto, ainda desconfiado.

— Posso matar Quentin Back. É um trabalho muito sujo e um tanto arriscado para os covardes do mercado negro. Não tenho medo, e gosto do sangue quente batendo no meu rosto.

— V-você matou Carl?

— É, sim. Está me escutando?

— Eu não quero que mate Back para mim, tenho...

— EU sei que está quase falindo por conta desse viadinho do Back, sei que não pode esperar sequer mais um mês antes de aparecer nas revistas com sua cara gorda estampada junto à palavra FALIDO. Sou sua única e melhor chance.

Ele engoliu um seco, em seguida alcançou a taça e envergou para os lábios e o líquido desceu como delicioso veneno. Por de baixo do terno Prada, ele empapava a camisa branca de suor, o Mercenário sabia, sentia o cheiro de medo, de ameaça, de um pouco de raiva e inveja. E gostava.

— O que quer em troca?

Mercenário, é o que quero estampado em todas os jornais - os lábios finos encurvaram em um sorriso sádico.

DIAS DEPOIS

"Quentin Back é um prodígio, e aos 25 anos já é considerado um dos jovens mais ricos da América. Ele herdou a Empresa de publicidade Dann's do pai e transformou-a em uma superpotência que atualmente está sendo paga por marcas extremamente famosas como..."

— Blá, blá, blá... Nada disso importa - interrompeu.

— Sinto muito, senhor, mas o senhor Burgess insistiu para que eu lhe contasse isso. Back é cercado de seguranças - disse o homem grande, guardando a pasta.

Estavam em um carro, um carro velho e alugado, a alguns quarteirões da mansão Back. Era madrugada e apenas os dois quebravam o silêncio da noite.

Mercenário, meu nome é Mercenário - enfatizou.

— Claro, Mercenário. Sinto muito.

O nome é bem legal. Talvez precise de uma roupa que combine com isso. É, talvez. Iria pensar nisso depois. Ele empunhou duas facas pequenas, gostava de andar com elas. Melhor que armas, que faziam muito barulho.

— Okay, quando começamos? - indagou, saindo do carro.

— Espere um pouco, se... Mercenário - interrompeu o sorriso dele - O senhor Burgess quer que você seja discreto, não mate ninguém além do Back. Faça com que pareça um suicídio.

Dentro do carro não conseguia enxergar, mas na escuridão do lado de fora ele tremeu de tanta raiva e se controlou para não degolar o pescoço do segurança. Franziu o cenho e as mãos tremeram.

— Ele quer me dar... ordens?

— Ele disse que seu pedido custará milhões de dólares e o mínimo que ele exige é isso.

Suspirou.

— 'tá bom. Eu sei ser muito discreto.

.

Andou até a mansão. E não foi preciso de muito esforço para pular o muro, escalar as árvores, desviar dos inúmeros seguranças. De fato, a parte mais complicada foi entrar na casa. Precisou contornar a casa - o que tomou quase meia-hora - e escalar uma parede alta por de mais.

Não deixou de pensar se fosse um homem comum, seria facilmente pego pelos seguranças e câmeras. Caso, por algum milagre, chegasse onde chegou, jamais conseguiria subir a parede. Não foi à toa que precisou fazer aquela prova "de bosta" e enfrentar três homens (que aparentemente eram faixa preta em artes marciais) de uma vez. Matou todos usando apenas as mãos. Por isso comentavam tanto no Mercado Negro, não era medo de ser pego e ir preso, mas medo da morte. Se não conseguissem passar pelos testes de Burgess, morreriam sem piedade. Naturalmente, o Mercenário não mediu esforços e em menos de meia-hora, já estava sendo aceito e cochilando numa poltrona na mansão de Burgess.

Pegou o clipe no bolso e segurando-se apenas com uma mão na borda da janela, abriu a fechadura. E entrou - agora que a diversão começa.

A janela era de um quarto vazio. Ele caminhou até a porta e acabou num longo corredor. Lembrou-se do mapa da casa, guardou o clipe e alcançou o quarto escuro de Back sem ser notado ou escutado. Fechou a porta, tirou a lanterna pequena do bolso da jaqueta e com a ajuda de dois cintos que encontrou nas gavetas fez uma corda improvisada, enlaçou no ventilador de teto que facilmente alcançou com a ajuda de uma cadeira. Em seguida, andou até Back e ficou sobre ele, e antes que o mesmo pudesse acordar com um grito abafado, Mercenário cobriu a boca dele com a mão.

— Quietinho, filhote. Não vai doer tanto, quando se ter por si, já estará no Inferno.

Não conseguia enxergar direito, mas a lanterna que segurava pela boca auxiliava-o um pouco. Back resistia, mas não atrapalhava muito já que o Mercenário era quase o dobro do garoto, e tinha muito mais força. Colocou-o em um dos ombros e amarrou o cinto em volta do pescoço fino. Tirou o apoio ao mesmo tempo que tirou a mão da boca, a luva molhada pelas lágrimas.

Acendeu a luz e ficou admirando o corpo se remexendo, os lábios se tornando roxos e os gritos sendo abafados. Era um prazer indescritível, sem medidas, melhor do que qualquer droga. Era viciante matar. No fim, nem precisou usar as facas, afinal... por que as trouxera?

Antes que enfim fosse, deixando apenas o corpo mórbido o encarando, os olhos passaram pelo livro "Helter Skelter", de Vincent Bugliosi e Gentry Curt, que falava sobre os assassinatos de Charles Mason, que tornou-se famoso por sua personalidade perturbadora.

Por matar.

E... uma ideia surgiu em sua doentia e perturbada mente. Sorriu. Encarou as facas.

Já sabia porque as trouxera.

Minutos depois, com as facas sujas e fazendo questão de não ser tão discreto, saiu da casa, pilhas de corpos por onde passara. Andou, passando reto pelo carro que não o notou, até a cidade e alcançou a mansão enorme de Burgess. Os policiais que ousaram pará-lo foram facilmente mortos, os pescoços quebrados, os corpos enfeitando as ruas vazias. Invadiu a moradia quando chegou, esfaqueou a mulher de Burgess sem acordá-lo. Só parou quando escutou um grito esganado.

— O QUE ESTÁ FAZENDO?! - o gordo berrou, pulando da cama pelo susto, o corpo caiu em um baque surdo no carpete.

O rosto completamente sujo de sangue, as roupas (embora pretas) visivelmente vermelhas. O boné mudara de cor, agora da cor que mais amava.

— Não pode me dar ordens, e de qualquer jeito, tenho uma ideia bem melhor - sorriu, andando até o corpo paralisado de medo do senhor Burgess - Mais divertida.

E a noite acabou em gritos, jorros de sangue e uma risada um tanto maníaca.

No dia seguinte, todos os jornais e revistas, todos os noticiários, tudo estampava duas paredes manchada de sangue. O sangue dos seguranças, de Back, de Burgess e sua esposa.

Um alvo desenhado com dedos encharcados de sangue, no centro da mesma, a faca curta e afiada, presa à parede pela lâmina vermelha. Ao lado, em letras garrafais: MERCENÁRIO.

E ele tornou-se famoso da noite para o dia - não demoraria muito para vilões o contratarem, e encontrar seu maior (e mais difícil) trabalho, também conhecido como Demolidor. Mas, antes de atender aos pedidos, precisaria do uniforme.


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