Smother escrita por stardust


Capítulo 9
I discovered that I hate my life




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Decidi não ir pra escola naquela segunda feira. Estava com um pouco de enjoo e dor de cabeça, então minha mãe apenas suspirou e me deixou voltar a dormir, o que, na verdade, estava sendo bem complicado. Eu não conseguia parar de pensar em tudo aquilo que Emma havia me contado. E eu também comecei a pensar sobre o meu pai.
Eu sei que eu deveria aproveitar o fato de que tinha faltado à aula para descansar, mas eu levantei da cama, cambaleando um pouco e segurando em tudo que me desse algum apoio.
Meio que me esqueci do fato de que a Emma provavelmente tinha ido para a aula, mas mesmo assim fui até a sua casa. A Sra. Adams me atendeu, e parecia bem diferente do que o normal. Geralmente ela estava sempre sorrindo, talvez demais, até o ponto de parecer falso. Mas agora parecia cansada, meio paranoica e algo do tipo.
“Ãh, bom dia, Sra. Adams, me desculpe por vir aqui tão cedo...”, comecei mas ela me interrompeu.
“Emma chega em 20 minutos. Pode esperar por ela em seu quarto.” Franzi a testa lentamente e murmurei um “ok”. Subi as escadas, enquanto a Sra. Adams sentava-se no sofá e encarava um ponto qualquer no chão, com avidez.
Eu também deveria simplesmente ficar sentado na cama dela, mas tudo ali era interessante demais para que eu ficasse sem observar. Desde os desenhos e pequenas luzes de natal penduradas na parede até os materiais de pintura, a estante lotada de livros, o violão e o teto cheio de estrelas pintadas cuidadosamente.
Fui até a estante e fui lendo os títulos. “Um grito no vazio”, de Bonnie Snyder. “Amour Colossale”, de Mark Webb. “A menina que transbordava poesia”, de Laura Gardner. Pareciam ser bons, apesar de eu nunca ter ouvido falar deles.
Reparei nos desenhos. Todos cautelosamente pintados e colados à parede. Flores, paisagens, pessoas, partes do corpo. No cantinho mais afastado, havia um desenho que aparentava ser mais antigo do que os outros. E eu o reconheci instantaneamente, ficando paralisado de surpresa.
Lembro bem do dia em que Emma o fez. Eu estava junto com ela. Estávamos sentados na grama, sem nada a fazer, aparentemente. Então ela simplesmente pegou um papel e começou a desenhar.
Foi pouco antes da morte do seu pai. Era como se ela soubesse que ia embora, que algo iria acontecer. Desenhou nós dois juntos, em meio a um campo cheio de joaninhas e borboletas acima de nós, e me deu o papel. Eu fiquei bem feliz, e colei-o no meu quarto. Alguns dias depois, fui até a casa da Emma para chamá-la pra fazermos algo juntos. Mas ela tinha ido embora. Lembro que fiquei bem chateado com isso. Ela era a única que realmente gostava de mim pelo que eu era. Eu não precisava ser inteligente, não precisava ser do time de futebol da escola, não precisava ser popular nem nenhuma dessas coisas bobas. Eu só precisava ser eu mesmo, ser o Charlie. E estava bom.
Mas de repente ela tinha ido embora.
Fiquei algum tempo bem mal por causa disso. Eu até negava que era amigo dela, porque eu era um babaca. Não que tenha deixado de ser. Mas mesmo que às vezes negasse isso, eu gostava de verdade dela. E ela era meio que minha única amiga.
Arranquei o desenho da parede do meu quarto e o enterrei no fundo da casa dela. Até ela voltar, eu não me lembrava disso. Aliás, nem lembrava de que eu estava extremamente frustrado quando ela foi embora, e isso também tinha me deixado meio magoado e irritado. Por que ela não tinha nem se despedido?
Mas com o tempo eu me esqueci disso, só que não me esqueci dela. Não existe possibilidade de esquecer Emma Adams.
“Charlie?” Quase dei um pulo quando ouvi sua voz atrás de mim. “O que você tá fazendo aqui?”, ela perguntou, meio espantada.
“Eu... não fui para a aula porque estava mal, e não conseguia dormir. Vim te vir mas esqueci que você não estava em casa porque estava na aula...”, tentei explicar, me enrolando. “Sua mãe falou pra eu esperar aqui.”
“Você achou esse desenho”, ela disse, franzindo a testa. “Fazia tempo que eu não olhava pra ele desde que o achei e colei aí.”
“E eu... Desde que...”
“Você enterrou ele nos fundos da casa”, completou, com um sorrisinho. “Que ideia, hein? Acho que você não teria feito isso se soubesse o quanto eu não queria ir embora daqui.”
“É. Com certeza não teria.”
Ela jogou a mochila num canto qualquer e depois se jogou na cama.
“O que você xeretou aqui?”, ela perguntou, séria, depois de alguns segundos pensativa.
“Ãh, os desenhos e os nomes de alguns livros.”
“Nada mais?”
“Não”, respondi, me perguntando por que ela queria tanto saber disso.
“Ok, vou confiar em você.” Ela abraçou um travesseiro e fechou os olhos.
“Eu não te vi mais fumando esses dias”, comentei. E isso, é claro, não era nada ruim.
“Tô tentando parar, mas dou umas escorregadas... Agh, esse lugar. Vamos pra outro”, ela disse, se levantando de repente. Abriu a gaveta, pegou uma caixinha de cigarros e um isqueiro e ajeitou o cabelo rapidamente.
“Para onde?”, perguntei.
“Sei lá. Essa é a graça de andar comigo. Você não sabe onde vai parar.”

No fim, acabamos no campo aberto atrás da plantação que eu tinha lhe mostrado naquele dia. Sentamos na grama, como fazíamos quando éramos menores, e Emma colocou um cigarro na boca.
“Eu tentei”, ela declarou, e o acendeu, assoprando a fumaça para cima.
Fiquei ouvindo os pássaros cantando na direção das árvores, enquanto pensava.
“Você é muito quieto... Sempre foi. Eu estava pensando se isso não é por que eu falo demais. Pode falar tudo que quiser sempre que quiser, sabia disso?”, ela perguntou.
“Não, não é. Na verdade eu nem sei por que sou assim. As vezes faz mal.”
“Já falei bastante coisa pra você. Acho que é sua vez... Mas só se quiser”, ela propôs, assoprando a fumaça novamente.
Eu estava prestando mais atenção no fato de que, quando expostos ao sol, seus olhos ficavam mais azuis ainda. Mas ergui as sobrancelhas lentamente e concluí que talvez fosse bom mesmo falar um pouco.
“Bem... Eu acho que estou preso numa rotina sem propósito. É sempre a mesma coisa pra todo mundo, sabe? Nasça. Estude. Se forme. Estude mais. Estude. Estude. Se forme da faculdade. Arranje um emprego. Trabalhe. Trabalhe. Trabalhe. Se case. Trabalhe. Tenha filhos. Trabalhe. Se aposente. Morra. Isso é comum. E tem muita gente comum no mundo. Eu não queria ser só mais um, só mais um comum, só mais um com uma rotina repetitiva sem nenhum propósito que vai acabar em morte, de qualquer jeito. Eu queria ter algo especial pra contar pros meus filhos quando eu estiver velho. Tem tanta coisa boa a ser feita, mas somos impedidos... Eu não sei bem o que tô falando.” Eu ri e parei de falar. Não foi muito, mas foi algo. O suficiente. “A vida é uma porcaria mesmo”, completei. “Posso pegar um dos seus cigarros?” Emma me observou curiosamente e me entregou um. Acendi-o e fumei com ela.
“Eu entendo isso. Também não gosto do fato que somos criados com isso na mente. Na verdade, meu pai me dizia o contrário, e ele era o único. Aliás, preciso contar a citação de um dos meus livros favoritos.” Ela limpou a garganta e finalizou o cigarro. “Devemos sair do padrão. Sair do comum. Ser só mais um é eterno desperdício de nossa pessoa. Devemos viver de verdade, fazer com que nossa reles existência tenha algum valor.”
“É uma boa citação”, eu falei. E era verdade. “Você decorou isso?”
“Li o livro muitas vezes”, ela respondeu, sorrindo levemente. Tinha covinhas bem suaves. “Frances Wright. Tenho que ler algum livro dele pra você. É ótimo.”
“Boa ideia. Aliás, se você puder me emprestar algum dos seus livros... Eles pareceram interessantes.”
“Claro!”, ela sorriu, provavelmente satisfeita por eu me interessar por coisas do tipo.
Suspirei profundamente, e ficamos em silêncio por um tempo.
“O que foi?”, ela perguntou.
“Sei lá. Descobri que odeio minha vida.”


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