Smother escrita por stardust


Capítulo 3
Cigarettes and candy




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No domingo saí pra regar os queridos arbustos da minha mãe, à pedido dela, que não tinha tempo porque estava fazendo o almoço. Assim que passei pela porta, vi Emma agachada em frente a eles, vasculhando as folhas cuidadosamente com uma mão e com seu clássico cigarro na outra.
“Mas o que é isso?”, perguntei.
“Você parece tão ridículo com esse regador na mão”, comentou ela, ignorando minha pergunta.
“É... é, eu sei, mas o que você tá fazendo no meio dos arbustos da minha mãe?”
“Procurando joaninhas.”
“Isso me lembra daquele dia que você quase me fez engolir uma formiga”, repliquei, rindo. Fui ao lado dela e abri uma torneira pra encher o regador.
“Olha só”, ela disse, com uma joaninha no dedo indicador.
“Qual o objetivo disso?”
“Não sei”, ela disse, devolvendo a joaninha às folhas e se levantando. “Joaninhas são interessantes.” E deu uma tragada.
“Porque você acha isso?”, perguntei, fechando a torneira e me levantando também. Certifiquei-me de que a joaninha estava longe e reguei as folhas. Acho que Emma me estrangularia se eu matasse sua “amiguinha”.
“Gosto delas porque naquele lugar que te levei ontem tinha muitas delas. Meu pai juntava elas em meus dedos e eu ficava feliz com isso, por algum motivo. As coisas mais simples, feitas com quem você ama, podem virar momentos incrivelmente inesquecíveis”, e completou com um sopro de fumaça.
Eu não sabia muito bem o que responder, então apenas disse: “Hmm.”
“Termine isso e vamos comprar uns cigarros”, ela disse. “Mas não vou te obrigar a fumar comigo, pode ficar tranquilo.”
“Ok”, concordei, molhando bem os arbustos. “Chaminé.”
“Realmente”, ela retrucou, soprando fumaça no meu rosto.
“Pronto.” Coloquei o regador escondido sob as folhas e lavei as mãos rapidamente na torneira. “Vou avisar minha mãe que vou sair, se não ela vai ter um treco.”
“Vai lá”, ela respondeu.

10 minutos depois estávamos caminhando até um armazém no fim da rua. Emma já estava em seu segundo cigarro, o que me dava cada vez mais vontade de perguntar por quê. Por que ela fumava tanto.
“Não levei a escola muito a sério nos últimos anos”, ela comentou, chutando as pedrinhas da calçada. “Supostos amigos... Miseráveis. Sempre nos manipulando.”
“Claremont não é muito rígida. Você vai poder fumar no intervalo”, repliquei.
“Pouco.”
“Quantos você fuma por dia?”, perguntei. Não sabia se era muito... Seguro perguntar isso. Mas a expressão dela não mudou, então supus que sim.
“Muitos”, foi sua simples resposta. “Muitos”, repetiu.
“E... porque?”
“Talvez um dia eu te conte.” E o assunto foi encerrado.
Continuamos andando, até chegarmos no armazém. Emma comprou seus cigarros, enquanto eu optei por umas balinhas. A vendedora loira de unhas muito compridas e vermelhas me encarou, provavelmente se perguntando por que eu estava com Emma. Eu comia balinhas, ela fumava. Mas ela fez seu trabalho, aceitando o dinheiro e ficando quieta.
“Balinhas, Lagartixa?”, Emma zombou, retirando um cigarro da caixinha.
“Cigarro não é minha praia”, respondi, abrindo a embalagem. Tirei uma bala cor-de-rosa e enfiei-a na boca. “Quer?”, ofereci, estendendo a embalagem pra ela. Ela sacudiu a cabeça e acendeu o cigarro.
“Obrigada pela companhia”, ela disse, e entrou em sua casa, sem se despedir. Franzi a testa e entrei na minha.
Minha mãe acabara de colocar o último prato na mesa. “Charlie? Que cheiro de cigarro é esse?”, ela perguntou.
“Emma”, respondi, indo ao banheiro lavar as mãos. Guardei as balas no bolso, junto com a pedrinha do dia anterior.
“Essa garota fuma demais!”, exclamou ela, secando as mãos em um guardanapo.
“Você não viu nada.”
“Por Deus... Eu fiz macarronada com queijo, que você gosta”, ela disse. Eu já tinha dito milhares de vezes que não gostava de queijo, mas por algum motivo minha mãe insistia em achar que eu gostava. Mas eu comia, de qualquer jeito. “Vai dormir cedo hoje, amanhã tem aula.”
“É, eu sei”, respondi, puxando uma cadeira e sentando. Não estava com muita fome, mas sabia que minha mãe ia me obrigar a comer pelo menos um pouco.

Enfio minha cara no travesseiro quando escuto o despertador tocando ensurdecedoramente ao meu lado. Não, não, não.
Dou um soco nele pra que ele pare. Esfrego os olhos, me espreguiço e levanto em um pulo. Tomo um banho rápido e me arrumo pro colégio.
“Bom dia, mãe”, digo, jogando a mochila nas costas e dando um beijo na bochecha dela.
“Come pelo menos um pão, menino!”, ela pede.
“Acho que não dá tempo... Tchau.”
Fecho a porta e vou até Emma, que está, como sempre, fumando em frente à sua casa, com uma mochila preta nas costas, uma trança bagunçada e, curiosamente, um all star de cada cor. Um branco e um preto.
“Bom dia, lagartixa. Sua cara de sono é impagável”, ela disse.
“Seus tênis também. Porque um de cada cor?”, perguntei.
“Uso branco se estiver feliz, preto se estiver triste”, ela respondeu, dando uma tragada. “Branco e preto, meio a meio. É esquisito. Eu sou. Mas não faço isso sempre. Não gosto que saibam como me sinto.”
“Todos esses dias você estava de preto. E não diga que é esquisita”, repliquei. Ela franziu a testa e suspirou profundamente, começando a andar.
“Estaria mentindo se dissesse que não sou.”
“Todos somos.” E ficamos andando em silêncio.
Silêncio era algo comum entre nós, eu reparei. Eu queria ter assunto com ela, como tínhamos quando éramos menores. Emma tinha assuntos curiosos, e eu sempre ficava a ouvindo falar. É estranho pensar que a garotinha que parecia sempre feliz, falando sobre flores, joaninhas, as coisas que fazia com o pai e raposas se tornou uma fumante que se autodenomina esquisita.
Chegando ao colégio, Emma jogou seu cigarro inacabado no chão e o esmagou com o tênis preto.
“Ok, seja meu guia.”
“Hm... tá.”
Fomos até a secretaria pegar nossos horários, e tínhamos algumas aulas juntos, inclusive a primeira de hoje.
“Biologia... Por aqui”, eu disse, adentrando o mar de adolescentes cheios de olheiras e cara de “alguém-me-tira-daqui”.
Como chegamos um pouco atrasados, só restavam lugares no meio. Escolhi a terceira fileira, e Emma escolheu a quarta, relativamente perto.
O professor entrou, e todos ficaram quietos. Eu não o conhecia.
“Bom dia. Meu nome é William, e serei o professor de biologia de vocês. Antes de tudo, eu queria deixar bem claro que não aturo alunos com brincadeirinhas. Vocês estão numa época muito importante das suas vidas, e tem que estudar. Não é mais primeira série, e vocês tem que ter vergonha na cara para estudar bastante e ser alguém na vida. Dúvidas?” Silêncio. “Ótimo. Vou passar um texto pra vocês, e depois explico e discuto o assunto.”
Quando o sinal bateu no fim da aula, todos saíram, ainda em silêncio. O professor era bem rigoroso, e sinceramente ninguém ia querer levar uma bronca dele. Emma veio logo atrás de mim.
“Estou doida pra fumar, quando vou poder?”, ela perguntou, se remexendo com ansiedade.
“Daqui 3 aulas”, respondi.
“Tô mal acostumada... Matava aula. Malditos que chamei de amigos”, ela murmurou pra si mesma.
Na saída da terceira aula, ela parou e ficou encarando uma garota.
“Qual é o nome dessa menina?”, perguntou ela. Segui a direção do seu olhar.
“Rachel”, respondi. “Espera, vocês eram amigas, não eram?” Ela não respondeu. Continuou encarando Rachel, com a testa franzida.
“Me dê um minuto”, ela disse, e andou até Rachel.
Fiquei observando elas de longe. Emma falou alguma coisa, e Rachel quase pulou nela lhe abraçando. Depois me chamaram.
“Charlieee!”, ela exclamou, me esmagando também.
“Ahn, oi, Rachel. Há quanto tempo”, comentei. Na realidade eu não lembrava muito dela, mas não quis parecer idiota.
“Meu Deus, Emma, eu senti sua falta! Você tá bem?”, Rachel perguntou. Aí eu lembrei. Ela e Emma eram amigas desde que entraram na escola anterior, e continuaram assim por um bom tempo. Rachel estava sempre com os cabelos loiros presos em dois toquinhos cheios de presilhas cor-de-rosa, e Emma era o oposto. Mas estavam sempre juntas.
“Estou”, Emma respondeu. Por um momento, pareceu que ela estava mentindo. Talvez estivesse. Eu não tinha como saber.
“Que ótimo! Ah...” Elas ficaram em silêncio por um tempo. Achei que a amizade delas não teria se abalado muito apesar dos anos sem se verem, mas aparentemente foi. Elas se despediram e Emma deu um sorriso que me pareceu triste.
“Não é mais a mesma coisa”, ela disse. “Ambas mudamos e... só tínhamos 12 anos quando éramos amigas. Agora temos 17. Nunca vai voltar a ser o que era.” Abri a boca pra responder, mas ela interrompeu. “Não precisa responder. Gosto do seu jeito de só ouvir. Sempre me foi útil.”
“Vou me manter assim então.” E ela sorriu. Mas aquele mesmo sorriso triste que me fez perceber que ela era mesmo diferente. Não diferente de um mau jeito. Emma Adams só era diferente. Não estranha, como ela dizia ser. Talvez fosse. Mas quem não é? Todos temos nossas esquisitices.
Depois fomos pro intervalo. Não falamos nada. Ela fumou, sentada comigo no chão frio de um lugar mais isolado.
“Sabe, Charlie”, ela começou. Apoiou a cabeça na parede e cruzou as pernas. “As vezes até eu me perguntou porque eu fumo tanto.”
“E você tem uma resposta?”
“Talvez. Eu não sei bem. Eu só fumo. Isso nutriu minha necessidade social por um bom tempo. É também um vício, claro. É, não sei.” Ela soprou a fumaça e suspirou, passando a mão pelo cabelo. “Vou ir de novo pro ‘Córrego das Joaninhas’. Eu chamava assim. Quer ir junto?”
“Tudo bem”, respondi. Eu tinha gostado do lugar. Como o pai dela dizia, era um lugar que dava certa tranquilidade. Carros não costumavam passar por aquele lugar, o que era ótimo. O silêncio era agradável.
Um tempo depois, estávamos lá. Sem proferir uma palavra. Sentados na terra, encarando o céu e ouvindo os sons tranquilos da água.
“Charlie, você já fingiu ser feliz?”, ela perguntou. Eu franzi a testa e encarei a terra.
“Acho que já”, eu respondi. Ela inspirou profundamente e arrancou tufos de grama do chão.
“Acho que todos já fizeram isso.” E ergueu as sobrancelhas, parecendo pensativa. Eu tinha muitas perguntas. Perguntas que não seriam feitas. Pelo menos não agora.


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Notas finais do capítulo

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