Gostava tanto de você escrita por Daughter of Zeus


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Olá olá. Boa leitura :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/577137/chapter/6

Tudo ali parecia novo, frio e sem vida. Já estava acostumada à falta de cores, mas descobri que o prata passa uma impressão muito menos acolhedora que o cinza. O apartamento não era muito grande, mas era bonito e bem organizado. Não sei o que eu esperava. Talvez... roupas espalhadas e algumas latas de cerveja. Mas não. Na verdade, o local nem parecia estar sendo habitado. Nem uma fotografia, ou pertence pessoal identificável.

— Bem vinda à sua nova casa, Mia - Disse Vítor após fechar a porta.

Apenas cruzei os braços como resposta. Ainda estava brava, e minha maturidade quando estava irritada não era das mais admiráveis. Me recusei a falar qualquer coisa além do estritamente necessário na viagem de três horas e meia. Os homens também estavam quietos, o que me fez agradecer internamente. Seria bem mais difícil manter a pose emburrada com duas pessoas tentando conversar.

Deixamos Joaquim (que descobri ser o nome do cara insuportável) na frente de um prédio, e seguimos para outro. O que foi bom. Imagine se o sr. Barba Negra (nem tão negra assim...) morasse perto de minha nova (argh) casa.

— Não vai abrir a cara? - ele revirou os olhos - Você está assim desde que saímos.

— Você queria o que? Me tirou de onde eu tinha amigos, quase uma família, contra a minha vontade. Agora me deixe em paz para pelo menos fazer um drama.

— Mia, por favor - ele se aproximou - Você não queria vir, certo? Mas eu preciso de você aqui! Quero a minha irmã de volta. Não sabe o quanto eu lutei para estar onde eu estou, com tudo o que tenho agora, para que você pudesse estar aqui comigo.

— Aí eu não quis e você ficou nervosinho, foi? - Vítor descruzou meus braços, segurando minhas mãos entre as suas.

— Não. Eu simplesmente não quis fazê-la passar por tantas dificuldades quanto certamente iria. Eu quero te dar um futuro, Mia. Um futuro brilhante. Quero que seja uma médica, atriz, veterinária, ou sei lá, uma cantora. Mas o que quiser! Simplesmente não podia aguentar ver seu caminho sendo trilhado pelo destino, sem que você tivesse oportunidade de escolher. Entende? Só fiz isso pelo seu bem.

Torci os lábios. Ele certamente falava bem. Eu entendia, de certo modo... eram os mesmos motivos que me fizeram cogitar a possibilidade de ir por vontade própria. Bem, ele certamente me poupara de uma decisão difícil. Rá-rá.

— Você entende? - Ele repetiu, dando ênfase às palavras. Puxei minhas mãos das suas, mas murmurei um "sim", voltando a analisar o ambiente ao meu redor.

— Bem, fique a vontade - ele sorriu - Pedi para que uma colega escolhesse umas roupas pra você. Eu sabia que não tinha muita coisa e... bem, é como um presente de boas vindas - Vítor indicou uma sacola grande encostada no sofá, de uma marca conhecida. Não era uma grife, ou nada assim, mas bem melhor que as que eu estava acostumada a ter.

Agradeci, tirando meu presente de dentro. Umas blusas, jeans e shorts. Havia até mesmo uma saia. Eu sorri. Era tão infinitamente mais bonita que as que eu usava como uniforme. Do lado da sacola estava uma caixa, contendo uma sapatilha. Senti meus olhos se encherem de lágrimas. Não tinha coisas lindas assim desde que... bem, desde que meu pai morreu.

— Obrigada - Sussurrei novamente.

— Bem, foi o que deu para comprar no momento - ele soltou uma risadinha - Vamos comprar mais coisas depois, eu espero.

Lancei-lhe um sorriso, esquecendo-me de manter a postura mal-humorada.

— E ah, você irá na escola amanhã. Já fiz sua matrícula e tudo - Falou. Trinquei os dentes, tentando conter a irritação sobre toda premeditação.

— Eu não posso faltar um dia? Eu... não sei, tenho certeza que será bem diferente da minha antiga escola, e cheguei aqui hoje... eu... queria um tempo para, hm... me acostumar? - Eu não queria ir, estava bem claro. Haviam boatos sobre escolas particulares onde eu estudava, cheias de pessoas metidas, roupas de marca e mania de superioridade. Sabia que não poderia evitar para sempre, mas um dia só não mataria ninguém, mataria?

— Você já está no último ano, Mia - falou ele, com a voz autoritária - Precisa se esforçar para passar em um bom vestibular. Estudar bastante. Não vai ser fácil pagar as mensalidades, então, por favor, faça valer a...

— Tudo bem - cortei-o, reconhecendo a derrota - Eu vou. Só que...

— Que?

— Um dia não faria diferença, né?

— Mia - Ele revirou os olhos, com uma bufada que se tornou uma risadinha.

— Tá bom, tá bom, vou ficar quieta.

— Venha, vou te mostrar o seu quarto - Disse Vítor, já andando. Supondo que deveria o seguir, recolhi minha sacola de pano e os presentes, e fui atrás dele, analisando o ambiente à minha volta. Ele parou na frente de uma porta, e a abriu, sem cerimônias. Dei uma espiada lá dentro. Como todo o resto do apartamento, parecia sem vida, mas era elegante. Torci que, ao colocar algumas coisas pessoais ali, o ambiente se tornasse mais acolhedor.

— É bonito - Falei, porque sentia que deveria falar alguma coisa. Qual é, ele estava me encarando, ali, com aqueles olhões, esperando uma reação.

Vítor sorriu.

— Se você não gostar, podemos economizar e, sei lá, pintar de alguma cor ou colocar um papel de parede.

— Assim está bastante bom - Digo, colocando as coisas que segurava no chão. Percebi, com um pouco de surpresa, que havia um banco sob a janela. Por ali era bem incomum, e era algo que me trazia recordações.

— Tem um banquinho na janela - sorri - O que isso te lembra?

Ele parecia confuso, alternava o olhar entre o banco e o meu rosto.

— Não lembra nada? - ergui uma sobrancelha. Se eu tinha seis anos e me lembrava, Vítor, que tinha onze, deveria se lembrar também, não? - No nosso quarto, na casa do papai. Tinha um igual a esse. Não se recorda?

— Ah, claro! - Vítor riu, mas a risada pareceu meio estranha, falsa, até mesmo para mim - Como pude me esquecer? Deve ser a idade chegando.

Soltei uma daquelas risadinhas que parecem um gemido, mais por educação mesmo. Aquela era a piadinha mais clichê e sem graça do planeta.

— Bem, vou te deixar a sós para ajeitar as coisas - ele já estava fechando a porta - Já está um pouco tarde para almoçar, mas vou pedir uma pizza, ok? - Assenti, e com isso ele saiu. Ouvi seus passos ecoando no corredor, e logo depois uma outra porta se fechou.

Havia uma televisão presa na parede, bem na frente da minha cama. No lar também tem, uma velha, daquelas que parecem um caixote. E tem uma. Com tantas meninas, eu praticamente nunca assistia o que queria. Agora tinha uma só minha. Liguei-a, hesitante, como se fosse algum tipo de falta de educação. Não sentia que a casa fosse minha. Coloquei em um canal qualquer, onde passava um filme qualquer. Deixei o volume baixo, me deliciando com a qualidade da imagem, bem melhor do que estava acostumada. Eu tinha tão poucas roupas que decidi não valer pena arrumá-las no momento. Deixaria para colocá-las no guarda-roupa de madeira branca depois, quando estivesse menos cansada.

Aquela cama parecia tão boa. Confortável, e macia. Parecia me atrair, como um magnetismo. Atirei-me no meio dos lençóis acinzentados, e todo o peso do dia finalmente caiu sobre mim. Deixei que uma lágrima escorresse, mas só. Sem lamentações. Não mais.

—_________________________________________________________

Algum tempo depois, o baralho da campainha tocando me despertou.

— Amélia! - gritou meu irmão - Pegue a pizza por favor. O dinheiro está na estante ao lado da porta.

Cocei os olhos, tentando espantar o sono. Ajeitando os cabelos da melhor forma que podia (já havia desistido da trança há horas), peguei o bolinho de dinheiro que Vítor havia deixado embaixo de um vaso metálico, e entreguei-o ao motoboy... que já não era tão "boy" assim. Na verdade, ele parecia ter idade demais para dirigir uma moto. Dei-lhe um sorriso sonolento, pegando a caixa, que exalava o cheiro mais delicioso que já sentira na vida. Minhas refeições geralmente consistiam em arroz, feijão, salada e um pedaço torrado de carne. Pizza era uma coisa tão... especial. Inalei o aroma, deliciada, louca para abrir a caixa, mas sabendo que deveria esperar Vítor. Quer dizer, a casa era dele, o dinheiro que comprou a pizza era dele também. Falando nisso, onde estava o cara?

— Eu adoro pizza - falou ele, parecendo ser atraído pelos meus pensamentos - Vamos, o que está esperando? - Completou, vestindo uma camiseta. Desviei os olhos. Em um lar só de garotas, você acaba desenvolvendo algum tipo de... pudor.

— Eu nem sei onde é a cozinha.

— Ah, é verdade - ele abriu uma porta, revelando a cozinha pequena - Esqueci que agora tenho a presença de uma figura feminina - Vítor riu - Eu geralmente sento no sofá e mando ver.

— Com as mãos?! - Pergunto, horrorizada. Qualquer uma das Irmãs teria um ataque diante da demonstração da falta de organização de higiene.

— É, com as mãos - Falou lentamente, com um sorrisinho. Tentei conter minha expressão chocada, mas ele já estava longe. Pegou pratos em um armário, e (agradeci mentalmente) talheres.

Coloquei a caixa sobre a mesa, e sentei-me ao seu lado. Esperei que ele se servisse primeiro, e depois peguei meu próprio pedaço. Contive um gemido na primeira mordida. Aquela porcaria era tão, tão gostosa.

— Nada como uma boa pizza - Vítor riu - Mas não se acostume com as mordomias. E eu não sei cozinhar, então provavelmente viveremos de comida congelada e macarrão instantâneo.

— Eu sei.

— Hein?

— Cozinhar, digo. Aprendi com as Irmãs. O básico, mas ajuda. Se quiser, posso fazer a comida. As vezes— Acrescentei.

— Ah, que maravilha! A era do miojo finalmente chega ao fim - ele colocou a mão no peito, fingindo uma cara de choro. Eu ri, e Vítor se aproximou, bagunçando meu cabelo permanentemente desarrumado - Você é uma bênção na minha vida, garota.

Sorri, mas não disse nada. Que eu saiba, você não obriga bênçãos a virem pra você.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

É isso, beijos.