Gostava tanto de você escrita por Daughter of Zeus


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Obrigada pela favoritação ;)



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O sol estava insuportavelmente quente há alguns dias, fazendo com que eu tivesse a sensação de estar andando sobre lava, e não asfalto. Minha cabeça queimava, e os tênis baratos apertavam e esquentavam ainda mais o que já estava ruim. Aquele longo caminho, percorrido todos os dias até a escola, já seria ruim o suficiente pelas longas subidas, mas o calor que fazia na pequena cidadezinha do interior o ano praticamente inteiro tornava o humor de todas as garotas o pior possível. Elas andavam em uma fila indiana, a qual fiquei para trás de propósito, onde poderia andar no meu ritmo sem ninguém me apressando, com uma ansiedade tremenda de chegar no lugar que obviamente odiavam, mas pelo menos tinha sombra e água gelada.

Nina andava na minha frente, seus cachos pretos pulando como molas em suas costas, a bolsa de pano bem segura sob o braço. Ela cantarolava uma música qualquer, em uma tentativa de fugir do mormaço insuportável para algum lugar mais fresco e feliz dentro de sua mente. É o que ela dizia. Eu acho que ela só gosta de cantar, mesmo. Depois daquela noite, não tocamos mais naquele assunto, nem Vítor voltara ao orfanato. Dali dois dias completariam três semanas desde a minha primeira e última visita. Eu pensara muito na proposta, e no que Nina dissera. Ela deixara sua opinião bem clara. Agora estava em minhas mãos.

Vez ou outra ela lançava-me um olhar estranho por sobre o ombro, sem nem mesmo para de andar. Eu estava mesmo mais quieta que o habitual, mas era porque minha cabeça estava cheia demais com pensamentos para se focar em uma conversa normal. Havia recebido uma carta de Vítor, dizendo que retornaria no próximo dia de visitas, que era, feliz ou infelizmente, eu não conseguia me decidir, em dois dias. Ele certamente esperava uma resposta concreta. Eu já tinha dado uma, mas ele se recusava a aceitar, e eu começava a pensar se não isso não fora uma coisa boa. Apesar do calor infernal, estremeço. Não. Calma.

Os portões enferrujados se aproximavam, mas estava tão perdida em devaneios que só percebi quando todas as garotas pararam, e esbarrei nas costas de Nina, que rosnou um "olhe por onde anda, palerma!", com seu jeitinho todo meigo de sempre. Todas correm para dentro, agradecendo pela frieza das paredes, como vinham fazendo há algum tempo. O tempo era sempre relativamente quente, mas aquilo era demais. As freiras felizmente concordaram em nos deixar usar uma blusa qualquer, já que a camiseta do uniforme do lar era feita de um tecido quente demais para suportarmos. Tenho certeza que até elas, se pudessem, se livrariam dos paramentos. Andavam se abanando e puxando os hábitos para cima.

A vida no orfanato estava cada vez mais monótona. Meninas solitárias se arrastavam pelos corredores, entediadas, esperando ansiosamente a chegada do domingo, quando teriam o máximo de agito que nos era concedido. O sábado foi quente e pacato, e uma sensação de ansiedade crescia gradativamente. Estava nervosa pela próxima visita de Vítor. O que eu diria? Será que a proposta continuava de pé? Será que minha vida realmente seria melhor com ele? São tantos serás, será que é bom arriscar?

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No domingo, o que finalmente nasceu sem a presença desagradável do sol causticante. O mormaço ainda estava lá, mas, convenhamos, foi uma melhora.

O café da manhã foi animado. Meninas de diferentes idades e cores arrumavam umas às outras para as visitas, mal tocando em sua comida. As que não tinham ninguém devoravam seus pãezinhos como se fossem as coisas mais interessantes do mundo. Geralmente eu fazia parte daquele time, mas não hoje.

Nina insistira em prender meus cachos rebeldes em uma trança, onde os fios teimavam em escapar, e uma blusa sem alças, velha e rosa bebê, fazia par com a saia cinza, substituindo a camiseta abafada. Era o melhor que podia fazer, e, sinceramente, me sentia ridícula.

Parentes distantes visitariam Marina hoje, também. Ela diz que eu tenho sorte, e que se esses primos quisessem levá-la embora, ela estaria com as malas prontas em dois minutos. Mais um pouco de pressão. Ela ganhou uma blusa nova, azul, que realça totalmente seu tom de pele. Está bonita, e a invejo um pouco por isso. Tenho consciência que minha aparência não é das melhores: pálida, sem graça, cabelos armados e um tanto magra demais pela adolescência difícil. Sei que pode parecer futilidade, mas eu queria ser bonita. Queria ser desejada e invejada, quando passasse na rua, exibindo pernas bronzeadas e musculosas, entrando no meu carro de lux...

— Mia! - berrou Nina, perigosamente perto do meu ouvido, e me tirando dos meus sonhos - Abriram os portões do pátio. Vamos, eles estão chegando - E seus primos realmente chegaram cedo. Eles tinham a aparência simples, mas me perguntei se realmente não podiam tirar Marina dali. Ela queria tanto. Merecia tanto.

Passara-se meia hora do horário de entrada dos visitantes, e nada de Vítor aparecer. Eu estava ficando nervosa. Será que ele desistira? Se arrependeu, e decidiu sumir sem dar as caras? Meu coração se acelerou. É, com certeza era isso. Também, quem é que ia querer uma adolescente problemática (porque todo adolescente é problemático) para cuidar? Ele provavelmente viu a burrada que estava fazendo a tempo de consertar. Bem, bom pra ele. Mas meus olhos queimavam pelas lágrimas não derramadas.

Não ficaria ali esperando por alguém que não viria. Meu tempo seria mais bem gasto me dedicando ao romance que escrevia em um dos cadernos (feios) doados pela prefeitura, os quais geralmente ficavam para mim, já que ninguém encontrava qualquer utilidade para eles. Entrei no prédio, passando reto pela cozinha, e ignorando as perguntas de uma das Irmãs ali presente sobre meu destino.

Os corredores estavam vazios, e deveriam estar silenciosos, mas vozes ecoavam, tanto femininas quanto masculinas, o que era bem estranho, já que homens raramente se faziam presentes dentro do prédio. Todos temos aquele defeito praticamente mortal, com o qual você já está até mesmo resignado a conviver para sempre, certo? O meu é a curiosidade. Minhas pernas me levavam em direção à origem do som antes mesmo que eu me desse conta ou tomasse uma decisão racional. As vozes vinham do escritório principal, que raramente era usado, quando alguns dos administradores do lar faziam as escassas visitas. Seriam eles ali? Isso eu descobriria logo, logo.

—... deixou claro que sua vontade é permanecer aqui! - Irmã Dora replica, em um tom exaltado.

— Ela é uma criança! - disse um homem cuja voz não me remetia à ninguém na memória. Aproximei rosto da porta, espiando por entre uma pequena fresta da porta de madeira grossa. Eu realmente não conhecia o cara que estava falando. Ele tinha uma barba espessa e grisalha, e o cabelo da mesma (falta de) cor perdia o corte. Suas roupas eram finas, uma camisa (aparentemente de marca), e uma calça social, mas isso não tirava dele a impressão de mendigo que me transmitiu. Fechei um dos olhos e colei o rosto ainda mais no vão, tomando cuidado para que a porta não se escancarasse, revelando minha presença - Não sabe o que diz, o que é melhor para ela - Eu deveria ter entrado mais cedo, assim saberia de quem estavam falando. Droga de irmão desaparecido!

— Ela tem dezessete anos - argumente a Irmã - e você não é muito mais velho - Ela aponta para alguém fora do meu campo de visão limitado. Contorcendo-me mais um pouco, viro a cabeça para um lado, de modo que consegui ver o pequeno escritório por completo. Então, tentando abafar uma exclamação de surpresa, vi que a Irmã Dora se referia à Vítor. Lá estava ele, sentado em uma das cadeiras de espaldar reto na frente da escrivaninha. Em seu rosto estava uma expressão desgostosa.

— Ah, por favor. Eu sou formado. Estou ganhando mais dinheiro do que ela vai conseguir juntar a vida toda se continuar aqui, indo trabalhar em um caixa de supermercado daqui um ano - Estavam falando de mim, eu percebi. De mim.

— Mas ela não quer ir! - A Irmã Ádrila, que é algo como a superior de todas as freiras ali, falou, fazendo-me notar sua presença pela primeira vez.

— Nós entramos com o pedido da guarda da menina - o cara estranho falou, sem se preocupar que seu tom não estava sendo dos mais educados, e que estava na presença de freiras - E ele nos foi concedido - Terminou, instalando um silêncio profundo e desconfortável no local. Tive medo de que ouvissem minhas respirações naquela falta de sons absoluta. Prendi o fôlego, esperando alguém se manifestar.

— Só se passaram três semanas - finalmente disse Irmã Ádrila, parecendo muito entendedora do assunto - Não é tempo suficiente para entrarem com uma ação e terem uma resposta!

— Temos contatos - Explica Vítor, simplesmente, cutucando uma pele solta no dedão

— E uma liminar - Acrescenta o homem, revirando os olhos quase perdidos em meio a tanto pelo na cara.

— Nesse caso, não podemos fazer mais nada - falou a regente do orfanato, em um tom duro, e a Irmã Dora solta um "mas...!" exasperado - Eles tem permissão judicial. Avise a menina para que arrume suas coisas.

Foi nesse momento que todo ar que prendia nos pulmões foi liberado de uma só vez. Não. Eles não podiam fazer isso. Era minha vida. Minha. Tudo bem que estava pensando mesmo em ir com Vítor, mas depois daquilo a ideia me enojava. Sentia minha cabeça rodar. Ele e aquele cara iam me tirar à força do lugar onde passei a maior parte da minha vida. Meu estômago queimava de raiva. Eles não podiam.

Acabei me desequilibrando, e na posição em que me encontrava, de cócoras, isso me rendeu um tombo. Infelizmente sobre a porta, abrindo-a e me deixando deitada sob o olhar das freiras e dos homens ali.

— Amélia! - Espantou-se a Irmã Ádrila, provavelmente surpresa com meu "enorme pecado de bisbilhotar a vida alheia". Não, espera. Não era a vida de ninguém além da minha. Tentei dizer isso para eles, me justificar, mas as palavras simplesmente não saíam. Fiquei lá, quieta, tentando me levantar enquanto todos me encaravam sem nem mesmo piscar.

— Ela saberia, de qualquer maneira - Vítor falou, alguns segundos após eu me levantar.

— É muito feio o que acabou de fazer, mocinha - repreendeu Irmã Dora, entrando no modo educadora - Ouvindo atrás da porta sobre coisas que não te dizem resp... bem, te dizem respeito - ela fez uma pausa - mas isso não te dá o direito de ficar abelhudando as conversar das outras pessoas.

Abelhudando? Essa palavra existe?

— Mas eu saberia disso logo, não? Da decisão de vocês de me levarem contra minha vontade, envolvendo até a justiça. É difícil me deixar em paz? - me virei para Vítor - Por que você insiste tanto nisso? Por que? - Lágrimas de raiva escorriam livremente pelos meus olhos, e nem os lábios franzidos na cara triste de cachorrinho perdido que meu irmão exibia faziam com que eu o odiasse menos. Porque naquele momento, sim, eu o odiava.

— Mia, não é bem assim... eu só queria que voc...

— Vocês terão muito tempo para conversar depois - interrompeu o homem barbado - Vá arrumar suas coisas, Amélia. Partiremos assim que possível.

— Partiremos? Quem diabos é você?! E eu não vou alugar algum!

— Primeiramente; sou um amigo do seu irmão. Ajudei ele a conseguir sua guarda. E, querida, sim, você vai. Se não quiser se meter em problemas e envolver essas doces Irmãs, você vai e vai quietinha - Quando ele terminou o discurso, eu já sabia que o odiava. Quem ele pensava que era? Olhei em volta, para ver se alguém se mostraria indignado com a injustiça e maldade das palavras, mas todos estavam inexpressivos.

Dei-lhes as costas, marchando rumo meu quarto. Eu não sabia o que fazer. Eles agora aparentemente tinham minha guarda, mas e se eu me recusasse a ir? Eu tenho quase dezoito anos, será que realmente causaria problemas? As freiras e o lar seriam prejudicados? Aquele cara me assustava. Sem dúvidas poderia assustar muitas outras pessoas.

— Mia? - uma voz feminina me chama da porta. Fecho a cara, pensando ser uma das Irmãs para me ajudar a ajeitar as minhas poucas coisas, ou me repreender por ter saído daquele jeito, mas era só a Nina - Já estou sabendo.

— Como? Aconteceu há uns dez segundos!

— As paredes desse lugar tem ouvidos e bocas, meu amor - ela se senta ao meu lado - Não vai arrumar as malas?

— Eu... eu... eu não sei - a última palavra saiu arrastada e fungada. Sabia que devia. Mas... não. Sem mas. Aquela coisa de sempre haver um "mas" acabaria ali. Eu não podia prejudicar as Irmãs. Não iria - Eles me obrigaram, Nina. Pediram minha guarda, mesmo sem minha resposta - Chorei.

— Eu já sei de tudo isso, querida.

— Mas isso é tão injusto!

— Ele querer te dar uma vida melhor é injusto? Meus primos foram embora há uns minutos. Se eu pudesse teria pulado no carro deles. E você aí fazendo charme. Ah, Mia, pode parar.

— Eu não quer...

— Psiu! Levante-se - ela me puxou da cama, e foi até o armário compartilhado onde guardávamos as roupas. Tirou de lá as poucas calças de ir para escola e algumas camisetas velhas, e ela mesma enfiou numa sacola de pano que não era minha - Vai me ajudar ou vai ficar para enquanto arrumo as suas coisas?

Atônita, junto meus cadernos, que considerava mais importantes que as roupas e sapatos acabados. Estava chorando. Não queria ir, não queria deixar Nina. Ela era minha única amiga de verdade.

— Pare de chorar, sua débil mental! - ruge ela, com lágrimas nos olhos também - Viu, você me fez chorar também - Nina me abraça, e diz o quanto vai sentir minha falta, e prometo arrumar um jeito de visitá-la.

— Vim oferecer ajuda, mas parece que já cuidaram de tudo - Irmã Dora está na porta, com um sorrisinho triste - Eu me apego muito à vocês, sabe. Sei que não deveria, mas... - Corro até ela, envolvendo seu pescoço com ambos os braços. Ela pareceu meio surpresa e sem jeito, mas retribuiu o gesto, dando tapinhas nas minhas costas.

— Vamos? Seu irmão está te esperando no portão.

Sinto minha barriga ardendo de raiva novamente, mas apenas concordo com a cabeça. Nina me abraça novamente, e me faz prometer escrever. Ando pelos corredores, absorvendo cada detalhe do lugar que eu podia jurar odiar, mas no momento sentia uma profunda relutância em deixá-lo. Na sala de recreação, me despeço de todas presentes, algumas ainda estão com as famílias, então peço para que digam que mandei um tchau. Todas as freiras estão lá. Minhas mães de coração. Mesmo aquelas que nem pareciam ligar muito para mim. As Irmãs Ádrila e Dora me acompanhariam até os portões.

Lá estavam Vítor e o homem nojento, na frente de um sedan preto e reluzente. Meu irmão sorriu para mim, mas o cara nem desviou os olhos da tela de seu celular. Fechei a cara. As Irmãs acenavam para mim enquanto entrava no banco traseiro. Vítor se sentou ao volante e o cara ao seu lado. Ótimo. Não suportaria tê-lo ao meu lado.

Não olhei para trás nem uma vez. Se iria começar uma nova vida, faria aquilo direito.


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Notas finais do capítulo

Espero que estejam gostando.