O silêncio de Cobra já estava se tornando ensurdecedor, por isso Jade repetiu:

– Ricardo Cobreloa, eu quero uma resposta! Onde você tava?

– Eu acho que você já sabe... - Pronunciou-se Cobra, baixando a cabeça.

– Eu não acredito! - A voz da garota começou a ficar embargada. Mas ela não choraria, pelo menos não na frente dele. Tentando dissipar o nó que se formava na garganta, ela gritou: - Você tinha me prometido, Cobra!

– Eu sei! - O lutador já começava a se desesperar com a reação da bailarina. - Mas é que eu sei o que é não ter dinheiro! Eu não queria te ver sofrendo, passando necessidade! E aí eu...

– E aí você resolveu me mentir. Karina te machucando? Agência de banco? Sério, Cobra, quantos anos você acha que eu tenho?

– Olha, Jade, eu sei que você tá nervosa, mas tenta me entender... - Cobra tentou chegar mais perto, porém ela se afastou.

– Eu juro, Cobra, que tentar te entender é só o que eu tenho feito ultimamente... - Ela estava irredutível e isso assustava o garoto. Ele viu a visão ficar embaçada, mas nunca tinha chorado na frente de ninguém e aquela não seria a primeira vez. - Por que você lutou? Não tinha algum outro jeito de me ajudar... Sei lá, só um apoio já servia... Tinha que voltar a ser o velho Cobra de novo? Ou será que você nunca deixou de ser? - Ela o encarava, séria. Quanto sentiu a frieza do olhar da Jade, foi como se várias facas atravessassem seu peito. Ele estava com medo de perdê-la.

– Você sabe que eu mudei, Jade... - Mais uma vez ele tentou se aproximar. - Não faz isso... Poxa, eu só queria te ajudar! - Pegou o braço da menina, fazendo um carinho no mesmo.

– Tira a mão de mim. - Cobra automaticamente o fez. - Eu... Eu vou para casa! Ah, e pega essa grana... - Jogou o dinheiro no peito do lutador. - Eu não quero mais sujar as minhas mãos com esse dinheiro sujo! Por favor, não me procura. - Ela virou-se e saiu. Quando já estava bem distante, deixou que algumas lágrimas rolassem. Ela só queria que aquele dia acabasse.

***

Cobra observou a garota até que a sua imagem desaparecesse. Ainda atordoado, juntou o dinheiro que tinha caído no chão e foi lentamente para o QG.

Quando entrou, todo machucado, na loja, não pôde evitar de pensar nas outras vezes em que aquela situação tinha acontecido. Lembrou-se da Jade cuidando dos seus ferimentos. Mesmo não querendo admitir, ele sabia que um bem maior que todos os outros ela tinha acabado de abrir. Ele sentia sua falta.

E foi aí que ele chorou.

– Eu sei que errei! E eu sei que eu tomei a pior decisão que alguém podia tomar! Eu sei! Mas... Mas eu te amo, sua mimada! - Confessou para as paredes do QG, em meio a soluços. - E eu queria te ajudar! Eu não queria que você tivesse que passar pelas coisas que eu passei quando não tinha dinheiro! Você não sabe o que é isso porque você é uma dama! Eu sei! - Transtornado, ele gritava. - Mas eu sou "o mau" da história, lembra? O vilão que faz tudo errado! Dessa fez não foi diferente... Caramba, esse só foi o meu jeito de resolver as coisas! - Sem folego, ele se jogou no colchão.

Estava sujo, sangrando e algumas lágrimas ainda teimavam em cair, porém ele não era capaz de tomar nenhuma atitude. Estava destruído e precisava de ajuda. Precisava dela, mas ela não estava lá. Triste e cansado, ele adormeceu.

***

Ainda era cedo quando Jade apareceu na Ribalta. Subindo as escadas, ela olhou na direção da Academia e percebeu que eles se organizavam para receber um aviso. Instintivamente, Cobra direcionou seus olhos para as escadas e a viu. Ela estava linda e pelo que deduziu quando a viu seguir seu caminho, ainda estava magoada. Então ele voltou sua atenção para o Mestre:

– Pessoal! Vocês podem voltar para casa... Hoje não tem treino! - Gael parecia preocupado. - A Karina sumiu desde ontem a noite e eu tô sem cabeça para aguentar um dia inteiro nessa Academia! Todo mundo dispensado! - Quando o cochicho tomou conta do local, Gael virou-se e já ia embora quando Cobra disse, meio preocupado:

– Mestre! Desculpa a pergunta, mas o que aconteceu?

– Você não ouviu? A Karina sumiu! - O Gael parecia irritado.

– Tá... Mas aconteceu alguma coisa para ela sumir, ou ela foi sequestrada...?

– Ela descobriu alguma coisa da Bianca e do Pedro... Eu não sei... Ninguém me explicou direito ainda, mas eu só sei que ela resolveu sumir no mapa! - Foi então que ele notou o olho roxo do Cobra. - O que aconteceu, garoto? Não me diz qu...

– Eu errei... Me desculpa, mas não vem com sermão porque eu já tô pagando um preço bem alto. Não vai se repetir. - Antes que o Mestre lhe fizesse mais perguntas, ele sai da Fábrica e foi para o QG.

***

Durante todo o dia, Jade não conseguiu se concentrar na aula. Ela só pensava que o Cobra tinha mentido. E engando. E voltado a fazer coisas que não devia. E aquela lista só aumentava.

Percebendo a distração da garota, no fim das aulas, Dandara foi falar com ela:

– Aconteceu alguma coisa, querida?

– Várias... - Respondeu, tristonha.

– Alguma em especial?

– Dandara, se alguém fizesse uma coisa ruim, porém tentando te ajudar... Você perdoaria?

– Olha, Jade... Teve uma vez que, enquanto eu assitia uma série de TV, um dos personagens falou que "fazer algo errado, pelo motivo certo, ainda é errado". E ele tinha razão, afinal, o que é errado sempre será errado, independente das intenções da pessoa. Agora se você, bem aqui ó... - Levou a mão em direção ao lado esquerdo do peito da menina. - Ainda sente um aperto quando pensa nessa pessoa, perdoa. Não fique se machucando. - Ela sorriu, cúmplice. - Eu não sei o que o Cobra fez, mas faz as pazes com ele.

– Como você sabia que era dele que eu tava falando? - Perguntou Jade, surpresa.

– Porque todo mundo assistiu a saga do romance de vocês. Jade, você moveu mundos para ficar com esse garoto... Você enfrentou a opinião da sua mãe, que Deus a tenha, você enfrentou a opinião Edgard, você enfrentou a opinião de todo mundo para poder namorar em paz com ele. E pelo que eu fiquei sabendo, o Cobra tá mudando... O Gael me contou que ele ajudou a prender uma galera aí... Eu não sei, mas eu acho que vocês se gostam de verdade, tô errada? - A garota negou. - Então para você, sempre tão focada, ficar desse jeito, só podia ser por ele, não é?

– É... - Ela ficou pensativa. - Obrigada, Dandara. Você tem razão... Eu tô me prendendo a coisas pequenas, né? - Dandara concordou. - Muito obrigada, mesmo! Eu vou ensaiar mais um pouco e vou fazer as pazes com o vagabundo!

– Com quem? - A professora não entendeu.

– Deixa pra lá! - Ela riu, deu um abraço na Dandara e foi para sala de dança. Tinha que botar os ensaios em dia.

***

Já anoitecia quando Cobra percebeu uma movimentação na praça. Checou mais de perto e percebeu que era a Karina. E ela estava péssima.

– Ka! O que aconteceu? - Perguntou, preocupado.

– Ai Cobra! Você não vai acreditar! - Ela chorava muito, deixando o rapaz angustiado. - Eu descobri que... que...

– Que o que, garota? Fala logo!

– A Bianca! Ela... Ela pagou o Pedro... - Cobra não estava entendendo. - Pra ele me... me namorar! E ele aceitou! Era tudo mentira, Cobra! - Ela chorava mais ainda. Por impulso, Cobra abraçou a lutadora.

– Ah, mas eu mato aquele desgraçado! - Disse Cobra, com raiva.

– Não! - Karina sabia muito bem que o Cobra era capaz de fazer aquilo. - Eu sei que eu sou uma idiota por causa disso... Mas eu ainda gosto dele, Cobra!

– Ô Ka! Não fica assim... - Cobra a abraçou mais forte e afagou seus cabelos.

Jade já tinha terminado seu ensaio e saiu da Ribalta. Quando estava indo para o QG, percebeu que tinha alguma coisa errada.

Então ela viu o Cobra abraçando a Karina no meio da praça.

Sem saber como reagir, ela ficou observando a cena. Ele estava sendo tão carinhoso... Seus olhos ficaram marejados e estava pronta para ir embora quando sua presença foi notada.

– Jade? - Assustou-se Cobra. Ele sabia como a garota podia ser ciumenta, por isso logo soltou a Karina e tentou se explicar. - Não é nada disso que você tá imaginando!