— Trem das 21:47, com destino a Paris, embarque imediato — Adrian escutou a mulher dizer através dos alto-falantes pela terceira vez. E só assim, o garoto se levantou do banco que estava sentado pelos últimos trinta minutos.

Ele nem mesmo queria viajar, e não soube como conseguiu a força de vontade para caminhar até a porta do seu trem. Mas achava que devia isso aos seus pais. Ele quase nunca os via, e tinha em mente que não compartilhavam a melhor relação. Contudo, Adrian não podia negar um convite para passar o natal com a família. Eram os seus pais, no final das contas, e não deixariam de ser.

Entregou o bilhete ao atendente, que lhe lançou um sorriso muito animado ao destacar o papel em dois. O garoto não retribuiu, só balbuciou um “boa noite” antes de entrar no vagão com certa pressa.

Ade já estava bem acostumado com o ambiente. A viagem de Londres à Paris lhe era bem habitual. Seja para visitar o seu irmão mais velho na França, ou somente para feriados em família como aquele, o garoto sempre preferia pegar o trem — era bem rápido, exatamente duas horas e quinze minutos, além de ser muito mais agradável e trazer boas lembranças. O primeiro passo para relaxar na viagem e conseguir viver todas essas recordações, era conseguir um ótimo lugar. Olhou no seu bilhete: assento 12B.

O vagão estava bem vazio. Claro, ninguém era tão louco o suficiente para viajar na noite de natal. Exatamente na virada do dia 24 para 25 de dezembro. E foi exatamente por isso que ele reservou sua viagem para aquela hora, para viajar com tranquilidade. Como trajetos noturnos exigiam reserva de assento, Adrian procurou o seu número, e se deparou com um par de poltronas bem no meio. Parecia muito bom para ser verdade, tão longe do banheiro quanto da entrada. Tirou o casaco enorme, se sentindo quase abençoado. E quando ele finalmente afundou na cadeira da janela, pôde respirar fundo e fechar os olhos, estava pronto para tirar um bom cochilo e descansar durante toda a viagem.

Isso, claro, se não fosse atrapalhado com o azar de alguém ter pego o assento ao seu lado.

E foi só pensar nisso que sentiu a poltrona dupla cedendo ao peso de mais alguém, logo quando sentiu o trem dar a partida nos trilhos. Porque todo mundo sabe que Adrian Lockheart era azarado demais.

Talvez ele devesse continuar com os olhos fechados, fingindo dormir e com a cabeça encostada no vidro gelado, mas a curiosidade acabou sendo mais forte. Abriu um olho só.

— Oi — ela disse tímida, ao perceber que ele lhe olhava.

“Ela” provavelmente era uma das garotas mais lindas que o garoto já vira. Seu cabelo dourado caía em ondas até os ombros, onde ela usava um casacão em algum tom pastel, e um conjuntinho branco por baixo. Tudo extremamente claro, e meticulosamente planejado para contrastar com aqueles olhos muito mais escuros que a paisagem através do vidro. “Ela” provavelmente achara que Ade era algum maluco, porque estreitou os olhos como se perguntasse “porque você está me encarando?”. Ao notar isso, o garoto se adiantou:

— Oi — respondeu sem mais hesitar. A loira não pareceu muito satisfeita com a resposta, mas deixou para lá e voltou o seu olhar para a frente do trem.

Adrian não era tão sociável quanto parecia. Tudo bem, era um garoto razoavelmente bonito, fazia uma boa faculdade e tinha alguns bons amigos. Mas na verdade, ele era fechado demais. Não conversava muito e quase nunca dizia os seus pensamentos em voz alta. E com uma completa estranha não teria sido diferente, ainda mais ela sendo tão deslumbrante.

— Então... viajando no natal, é? — ela perguntou, para quebrar o gelo.

Lockheart voltou o olhar da neve do lado de fora para ela novamente, e dessa vez com os dois olhos. A garota deu um sorrisinho. E ele teve de desviar o olhar, encarou a poltrona da frente.

— Não é natal ainda, só daqui a duas horas — lembrou, afundando a cabeça no apoio. — vamos chegar em Paris meia noite, não vou passar o natal no trem.

Ela ainda o examinava com cautela, e pareceu se divertir com o comentário dele.

— Vamos chegar meia noite e dois — a loira acrescentou, rindo. — você vai passar dois minutos do natal aqui.

Ade não respondeu, mas surpreendentemente, conseguiu dar um sorriso discreto de canto. O que ela levou como uma vitória, e logo voltou a olhar para frente novamente.

Ele lembrou de uma vez na sexta série do fundamental, onde uma garota tentava conversar com ele. Adrian, como era sempre quieto, simplesmente escutava. E ela acabou gritando com ele por “não saber bater-papo”, e o garoto nunca ligara muito para isso, na época ele tinha simplesmente dado de ombros e continuado lá sozinho. Mas naquele momento, ele realmente tentou achar alguma coisa para dizer.

— E você? Por que está viajando no natal? — perguntou, ainda com a cabeça funda no apoio. Ele a olhava de soslaio, e pôde ver a surpresa dela com a pergunta, seguida de um olhar estreito novamente.

— Eu perguntei primeiro.

Ele deu uma risada abafada, junto com um revirar de olhos. Ela tinha que retrucar tudo o que Ade dizia?

— Vou passar o natal com minha família — respondeu, sem rodeios. — e eu gosto de viajar em feriados.

— Por quê? — a loira perguntou sorrindo, e se desencostando da poltrona para vê-lo melhor. Estava realmente interessada.

— É mais vazio.

A garota arqueou as sobrancelhas com essa resposta, como se não esperasse por isso.

— E você gosta de ficar sozinho — ela constatou, balançando a cabeça em afirmativa, e finalmente entendendo. Fez uma careta como se tivesse feito algo errado.

— Na maioria das vezes — Adrian completou.

— Então... acho que vou deixar você dormir — disse, estampando a sua melhor expressão de “me desculpa” no rosto.

Mas o garoto franziu o cenho ao vê-la virando para o outro lado, reconhecendo que ela havia entendido tudo errado. Ele sabia que não tinha muito jeito para conversar, e achava que seria até melhor passar o restante do tempo dormindo, mas alguma coisa o fez tocar no ombro dela para chamar-lhe a atenção.

— Na maioria das vezes — ele repetiu. — mas esse momento faz parte da minoria.

Ela riu sem muito som antes de virar o rosto novamente para Ade. O examinou com um ar travesso, e deixou claro que só estava fazendo drama de propósito.

— Legal, e qual o seu nome? — a loira perguntou, novamente parecendo muito interessada, o que fez Adrian se sentir um pouco melhor com a situação toda.

Normalmente ele nem chegaria ao estágio do nome, numa conversa. Mas depois de um debate consigo mesmo sobre “dormir ou conversar?”, ele decidiu que queria saber onde isso iria dar. Baniu completamente a ideia de tirar um cochilo da sua mente.

— Adrian — respondeu, ainda com um sorriso bem discreto.

— Sério? — ela riu, como se tivesse lembrado uma piada muito engraçada, e o olhou ainda risonha — Meu ex também se chamava Adrian.

O garoto também soltou uma risada abafada, e a encarou novamente. Passou dois ou três segundos, talvez pelas pequenas rugas que surgiam em seus olhos quando ela ria, ou talvez porque ele simplesmente não sabia o que dizer quanto a isso.

— Bom, não ache que pode mudar de assunto — Adrian falou, imitando o estreitar de olhos dela, e tentando ao máximo soar convincente. — você não disse o seu nome.

— Você não perguntou — a loira deu de ombros, revirando os olhos, um gesto que não combinava nem um pouco com o sorriso largo que surgia em seus lábios a cada momento.

— Perguntei agora — o garoto afirmou, já ficando meio impaciente com os retruques.

— É Emma — ela sorriu tímida. — Emma Cook.