– Milady, o que fará? – perguntou um jovem de cabelos negros e olhos castanhos. Ele tinha um par de asas enormes e o corpo cheio de cicatrizes. Estava sem camisa, e suas pernas eram tampadas por uma calça folgada e branca. – O garoto está prestes a despertar.

A deusa Agatha olhou para o anjo. Ela era extremamente linda. Os olhos azuis como o céu em um dia de sol; os cabelos ruivos presos em uma única trança, caídos sobre o ombro esquerdo; a pele levemente bronzeada tinha um toque especial de delicadeza, mas a expressão no rosto era a de uma guerreira sempre pronta para combate. Ela usava um vestido branco que ia até o joelho e tinha um decote não tão decente, mas que não deixava aparecer nada além do que deveria. Na mão, sua lança repousava como de costume. A figura de uma deusa guerreira.

– Você terá de descer, Kayo – disse a deusa, pacientemente. – É o único capaz de vigiá-lo.

– Mas, senhora, Samuel...

– Esqueça Samuel – ordenou Agatha, olhando para o anjo. – Ele não é de total confiança, sabe disso.

– Isso é um exagero – disse uma terceira pessoa, entrando na conversa. Esta era uma garota, Fernanda; a bela morena de olhos dourados e pele alva; o corpo bem definido e as asas brancas com detalhes vermelhos.

Agatha sempre a comparara com sua mãe, uma humana que morrera há alguns anos, tentando salvar a filha em um incêndio. Ela não conseguira salvar Fernanda, mas Agatha, ao ver o esforço da mãe tentando salvar a criança; decidira lhe dar um lugar no Reino dos Deuses, mas a mulher recusara, pedindo que sua filha assumisse seu lugar. Assim fora feito.

– Olá, Fernanda – disse Agatha, olhando a garota curiosamente. – Diga-me, onde exagerei?

– Samuel caiu por uma razão nobre – alegou Fernanda. Ela era uma das poucas no Reino dos Deuses que desafiavam a autoridade de Agatha e, de certa forma, a deusa apreciava isso. – E, logo que chegou à Terra, procurou o garoto.

– Ela tem razão, milady – disse Kayo. A opinião dele não contava tanto, pois concordaria com qualquer coisa que Fernanda dissesse. – Samuel caíra nos seus encantos. Como muitos antes fizeram.

– E todos se uniram ao meu tio no Inferno – disse a deusa, olhando para o anjo. – E agora tentam me matar.

– Todos – disse Fernanda, chamando atenção de Agatha. –, exceto Samuel.

– Já chega – cortou a deusa. – Não quero ouvir o nome do caído em minha casa. Agora, sem mais reclamações. Kayo, você descerá.

– Posso ir junto? – indagou Fernanda.

– Como quiser. – Agatha preferiu não discutir. Ela sabia que não daria em nada. – Quando o garoto estiver pronto, eu aparecerei.

– Sim, milady – assentiu Kayo. Fez uma rápida reverência e olhou para Fernanda. – Vamos?

– Claro. – Fernanda curvou-se rapidamente e saiu do palácio real, ao lado de Kayo.

Eles caminharam até o fim do Reino dos Deuses – uma imensidade branca, cheia de nuvens e anjos –, onde ficava uma passagem que os levaria direto à Terra. Kayo parou na beirada e Fernanda fez o mesmo.

– Quando chegarmos lá embaixo – disse Kayo, olhando para a garota. –, diga-me se doeu cair do céu.

Fernanda revirou os olhos e sorriu.

– Nunca mais diga isso.

Ela inclinou-se na direção do anjo e deu-lhe um beijo rápido. Kayo sorriu e segurou a mão de Fernanda. Ele fechou os olhos, ela fez o mesmo. Juntos, saltaram na direção do enorme buraco preto e assustador que era a Terra.