Warmata escrita por The Vex


Capítulo 1
Capítulo 1. Bouquet de nerfs


Notas iniciais do capítulo

O título "Bouquet de nerfs" é o nome de uma música que aparecerá no capítulo. É da banda francesa "Noir Désir".



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Algumas pessoas costumavam dizer — ou pelo menos, ele achava que o faziam — que só existiam dois tipos de clima na cidade: “calor dos infernos”, ou “frio do caralho”; o que, na visão de Ícaro, era um exagero. Naquela tarde, o sol pairava alto no céu, dando um tom amarelado ao asfalto das ruas, às casas com cores mais fracas, e a todo o resto. Não era um amarelo o qual ele chamaria de “enjoativo”, mas algo agradável, assim como o clima; não estava frio, nem quente demais. A única coisa que lhe causava uma sensação de incômodo naquele momento era a imensidão azul acima dele. Nenhuma nuvem no céu, nenhum pássaro, por menor que seja. Nada.

— Ainda são duas e meia — disse uma voz atrás dele. —, tá fazendo o que aí?

— Nada — respondeu sem virar o rosto. — Esperando.

— Nem venha. Ninguém mandou você chegar cedo. — Lúcio caminhou até o banheiro, passando por ele com uma toalha vermelha sobre os ombros. — Duas e cinquenta — entrou e fechou a porta com um dos braços, sem olhar para trás. — Eu disse duas e cinquenta.

Ícaro se virou, e apoiou as costas na janela, cruzando os braços.

— Eu sei. — Olhou para cima.

— Agora você espera eu tomar banho e me trocar.

“Fazer o que, né”, pensou. Não gostava de se atrasar para as coisas, nem de chegar e encontrar a pessoa lá esperando, mesmo se ele tivesse chegado no horário. Só restava esperar. Tinha intimidade o suficiente com o amigo para saber que Lúcio não costumava demorar muitos para tomar banho, mas também não tomava um “banho de gato”, só para dizer que tinha tomado um. Ícaro o conhecia há mais tempo do que poderia contar, mas de amizade verdadeira, eles tinham uns dois ou três anos. Foi na metade desse tempo que ele tinha começado a gostar de Lúcio. Até tinha pensado em se declarar uma vez, um ano atrás. Lúcio também era gay, ele tinha dito isso poucos meses depois de começarem a se falar, mas, na época, a família dele passava por uma fase difícil, então Ícaro preferiu guardar para si mesmo por um tempo, e, depois de deixar o sentimento guardado durante todo aquele tempo, aquilo foi, aos poucos, sendo roído pelas traças.

O que Ícaro sentia por Lúcio agora nem ele, e talvez ninguém, saberia dizer. Não sabia se ainda estava apaixonado, pois o que sentia não era uma necessidade de ficar perto do amigo todo o tempo, nem de colocar a felicidade de Lúcio à frente da sua, mas, no fundo, sabia que sentia algo. Desde a primeira vez que o tinha visto, ele sabia que Lúcio não seria uma pessoa qualquer na sua vida e, bem, não era.

Foi até o sofá, tirou um dos travesseiros do meio, e o colocou no braço do sofá. Deitou metade do corpo, deixando as pernas para fora do estofado, e puxou o fone de ouvido com uma certa dificuldade. Magicamente, o fone não tinha embolado totalmente no bolso da calça. A mágica consistia em dar voltas com o fio, e criar uma espécie de argola para que o fone não fugisse muito daquela “formação”. Esticou o fio, e colocou um dos fones no ouvido esquerdo. Tirou o celular do bolso traseiro, este, com mais dificuldade, tendo que levantar um pouco o tronco para que sua mão conseguisse chegar até lá.

Demorou quinze segundos para decidir a música que iria escutar, alternando entre as categorias de “Artistas”, “Álbuns” e, a mais confusa, “Músicas”. Parou quando avistou uma banda que não ouvia há dois ou três meses. A imagem que estava ao lado de um nome em francês era a de três silhuetas negras em um fundo vermelho com uma espécie de rádio no ouvido, e que apontavam pistolas um para o outro. Acima deles, ele podia ver, com um pouco de dificuldade, quatro patas que pareciam ser de um cavalo. Ícaro tinha dois álbuns inteiros, e só um deles tinha imagem de capa. Selecionou a primeira música que viu, e fechou os olhos. Mesmo depois de semanas sem escutar, a letra da música a qual ele mais gostava no álbum voltou à sua cabeça num instante. Colocou o outro fone, e aumentou o volume da música para desligar o mundo um pouco.

Quase adormeceu. Quando sentiu os dois fones sendo puxados das suas orelhas bruscamente, abriu os olhos, assustado.

— Morreu? — Lúcio perguntou com um dos braços na cabeceira do sofá, sustentando o corpo. Sua pele era um tom leve de cor de oliva. O cabelo e os olhos eram castanho-escuro, daquele tipo que as pessoas geralmente confundem com preto. O peitoral se sobressaía um pouco, como os seios de uma garota de nove ou dez anos numa versão mais masculina. A barriga era lisa, e fazia uma ínfima curva antes de acabar na cintura, resultado dos biscoitos recheados que Lúcio comia duas vezes por semana, juntamente com o sedentarismo.

Ícaro se surpreendeu. Lúcio estava quase em cima dele; se ele se levantasse um pouco, poderia beijá-lo, mas se limitou a relaxar o peito, e baixar os olhos. — Não. — respondeu, apático. — Já tá pronto? — Fez menção de levantar, e Lúcio entendeu rápido, saindo de cima e erguendo a coluna.

— Só preciso achar um short. — Quando Lúcio se afastou, Ícaro percebeu que ele só vestia uma cueca além da camisa. Era uma boxer, um pouco esticada por suas coxas que não eram as mais finas do mundo. Não ficou olhando muito. Já o tinha visto de cueca uma vez, quando era mais apaixonado por Lúcio. Agora, já não tinha nenhuma esperança, então, não fazia sentido.

Lúcio saiu da cozinha, que era embutida com a área de serviço, com uma bermuda e uma calça jeans em cada uma das mãos.

— Bermuda ou calça? — Perguntou.

Ícaro franziu o cenho. — Não ia de short?

— Acabo de perceber que shorts são pequenos demais — afirmou enquanto cruzava a sala. — Pelo menos, os meus são. E você sabe que eu não gosto de sair mostrando as pernas por aí...

“Ainda sim, está mostrando elas para mim”, pensou, mas disse:

— Calça. — Começou a enrolar o fone de ouvido com as mãos, e, quando Lúcio já estava voltando para o quarto, disse: — Não. Bermuda, ou calça, sei lá. — Quando viu que ele estava parado na porta do quarto o encarando com uma cara de “se decida logo”, esclareceu: — É que bermuda jeans fica muito gay. Se for usar, use aquela preta de malha que você tem.

Ele semicerrou os olhos, como se pensasse no que Ícaro tinha dito. Depois de três segundos, foi até o quarto sem falar nada. Ícaro tinha terminado de enrolar o fone, então se levantou para coloca-lo no bolso. Olhou para o quarto de Lúcio, e percebeu que ele não tinha fechado a porta. Realmente não tinha sentido em fazê-lo.

Ligou a tela do celular para checar o horário. Eram duas e quarenta e sete. Talvez Lúcio ficasse pronto antes do horário, afinal. Mas descartou esse pensamento quando ele saiu correndo do quarto, segurando dois tênis numa mão só.

— Você sabe colocar cadarço? — Perguntou enquanto sentava e largava um dos tênis no chão, e colocava o outro sobre o colo. O cabelo estava desarrumado, mas não estava feio. Certamente, ele não tinha penteado ainda, nem sequer tinha se lembrado de fazê-lo.

— Não. Nunca preci... — disse enquanto se sentava de novo.

— Tá, segura aqui — Lúcio o cortou. Colocou o tênis em cima de suas pernas, esperou até que Ícaro caísse em si e segurasse o sapato, e começou a colocar o cadarço.

— Você não consegue fazer isso sozinho?

— Ele fica escapando às vezes. — Lúcio respondeu sem levantar o olhar. Para Ícaro, aquilo não incomodava nem um pouco. Se perdeu algumas vezes enquanto Ícaro ia meio que costurando o tênis, passando o cadarço branco por cada um dos buraquinhos laterais do calçado. No final, o cadarço tinha sido colocado perfeitamente, parecia novo em folha, como se ele tivesse acabado de comprar.

Lúcio calçou o tênis rapidamente, se levantou correndo, e foi até o quarto passar perfume. Ícaro se levantou de novo, desta vez, não pretendia sentar de novo. Foi até a porta enquanto olhava o horário novamente. Quando colocou a mão na maçaneta da porta, Lúcio saiu do quarto, apressado, e tentou ironizar:

— Bem na hora, né?

Ícaro ligou o celular novamente antes de coloca-lo de vez no bolso para ter certeza, e abriu um pequeno sorriso. Lúcio não tinha penteado o cabelo, mas passado a mão para que ficasse do jeito que ele gostava. — Dois minutos atrasado.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Me avisem qualquer erro.



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