Se o Amor é uma Ilusão, Deixe-me Ser Iludida escrita por snow Steps


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Desculpe-me a demora, queridos leitores! Esta época de final de ano é corrida e a inspiração demorou um pouco para chegar, mas aí está. Espero que gostem!



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As temperaturas de inverno estão se aproximando e finalmente posso tirar os casacos e blusas de manga, os quais tanto gosto, do armário. O verão não é para mim. Esta etiqueta de levar uma vida saudável e esportiva, onde se anda de bicicleta na ciclovia da orla da praia embaixo de um calor de 40 graus e fazer uma parada para um suco verde que limpa todas as porcarias do seu corpo, definitivamente não é para mim. Eu sou uma criatura taciturna do inverno. Eu sou a maior cultivadora da cor de shopping, aquela pele branca-amarelada a qual se pode até ver o mapa das veias azuis pelas pernas. Eu sou a esquisita que põe casaco, botas e cachecol no morno clima invernal do Rio de Janeiro de 20° Celsius, e se este ainda for mais ameno e gentil caindo para uns 18 a 16°, arrisco-me com um par de luvas, levando o jornal da previsão do tempo para provar às pessoas que me olham torto que eu realmente tenho motivos seriíssimos para estar bem agasalhada. Eu nasci no país errado. Eu amo o outono com suas folhas caducas, e eu amo a primavera com seu mar de cores. Aqui, o máximo de outono que tenho são as amendoeiras da minha rua que ficam peladas no início de agosto, e o máximo de primavera é o minúsculo jardim de margaridas que a minha mãe cultiva na beirada da janela da cozinha. E eu acabei descobrindo que elas florescem durante o ano inteiro.

Como hoje a temperatura está agradável, visto a minha blusa predileta de mangas longas e listradas e minha calça vermelha-carmesim. Falaram-me que sou hipster. Na verdade, eu nem sabia o que era um hipster até me chamarem de hipster. Antes que você também se pergunte o que ser um hipster, vou clarear um pouco as ideias: hipsters são pessoas pertencentes à classe média urbana que sempre procuram autenticidade em todos os seus gostos, desde o modo de vestir – uma mistura de modernismo com o retrô da época da vovó – até na musicalidade – sempre alternativa. Então, os hipsters querem tanto ser autênticos que acabam gostando da mesma coisa, porque, ora bolas, se eles são um grupo lógico que irão ter interesses em comum, e acabam deixando de ser autênticos. Pelo menos essa é a definição que encontrei na Wikipédia.

Enfim, hoje é sexta-feira e estou saindo da última aula da semana (Amém). Vou para o ponto de ônibus como o de costume e aguardo a minha Mercedes-Benz coletiva pacientemente, enquanto a fumaça de monóxido de carbono dos carros da rodovia me envolve como uma nuvem. Confesso que estou com um pouco de medo, pois há somente três pessoas no ponto: eu, uma velhinha com andador e um cara de barbicha estranha que está olhando para mim de cinco em cinco segundos. Pergunto-me o que eu devo fazer se o cara vier até mim e penso: grito por socorro. Mas não há ninguém por perto há quilômetros, já que a passarela é lá na puta que pariu. Então só me resta ser defendida pela velhinha do andador, e algo me diz que ela não poderá fazer muito por mim. A segunda alternativa é sair correndo, feito uma barata tonta. Também não é uma boa escolha, se ele tiver uma arma. A terceira opção seria afrontá-lo antes que ele me afrontasse. Isso o intimidaria. Mas como? Posso encará-lo nos olhos. Estou fazendo isso. O cara da barbicha se vira de novo e crava seus olhos doentios nos meus, e rapidamente viro o rosto para a rua. Deus me proteja. Ele pode levar até meus brincos de latão, portanto que não leve minha vida.

De repente, escuto o som de uma buzina cortar o trânsito de maneira estridente e contígua. Num reflexo, olho em direção para o vulto de um carro branco que fecha todas as outras pistas de carros que buzinam de volta enfurecidamente, fazendo com que os motoristas soquem os volantes e coloquem as mãos que fazem gestos obscenos para fora da janela. Um Grand Livina branco estaciona intrepidamente na frente do ponto de ônibus, chegando a cantar os pneus. Eu permaneço perplexa e com a mão no peito, achando que aquele maluco poderia ter subido a calçada e me atropelado feito um pino de boliche. O vidro do carona abaixa calmamente na velocidade de um botão automático, e um rosto de bebê surge no quadrado da janela com um sorriso mais sem graça que o especial do Roberto Carlos de fim de ano.

_ Quer carona? – Oferece Tomas.

Olho para os lados e passo a mão pela testa, rindo nervosamente.

_ Acho que sim – Respondo, abrindo a porta do veículo e entrando com as pernas bambas.

Fecho a porta e o ambiente do interior de um carro se reconstitui: o ar-condicionado refresca minha face e se mistura ao doce cheiro de aloe vera que vem daqueles potinhos de fragrância. Meu corpo rapidamente se acomoda ao assento acolchoado e penso como existe uma vida bem melhor que os sovacos soados, as pessoas enlatadas feito sardinhas e o balé que preciso dançar todos os dias na Mercedes-Benz coletiva. Por um momento eu me esqueço de que não estou num carro qualquer, estou no carro de Tomas, meu alvo. Lentamente me viro para ele e o vejo, sorridente e com a mão estacionada no câmbio.

_ Você fez toda aquela manobra só para me dar uma carona? Cuidado para o seu cotovelo não doer de tanto xingamento que aqueles motoristas falaram – Brinco, e ele ri junto.

_ Eu a vi muito em cima da hora. Lembrei que você mora em Jacarepaguá também e… well, fui por impulso – Ele explica.

_ Puxa, estou super agradecida pelos seus impulsos. Obrigada, impulsos do Tomas!

_ Você é muito engraçada – Ele diz ainda rindo, sem tirar os olhos do trânsito. – Então, em qual parte de Jacarepaguá você mora?

_ Ah, hoje não ficarei em Jacarepaguá. Eu estou indo dormir na casa da minha tia em Niterói.

Tomas ergue as sobrancelhas, e deixa óbvia a sua hesitação.

_ Eeeh… acho que eu posso deixá-la em Niterói…

Eu solto uma gargalhada e imediatamente digo:

_ Estou brincando, estou brincando! Eu moro na Freguesia, sem erro. E eu vou dormir na minha casa.

_ Aaah, você me pegou! Eu já estava aqui desesperado, pensando em como eu faria para chegar em Niterói…

_ Tadinho! Você me salva de uma furada e eu ainda faço uma coisa dessas!

_ Que furwada?

_ Tinha um cara me olhando torto no ponto de ônibus. Acho que ele queria me assaltar.

Tomas arregala seus grandes olhos azuis e demonstra surpresa.

_ Rio de Janeiro é um lugar muito perigoso! Você não deveria voltar para casa sozinha, Eleonoura. Torna-se um alvo muito fácil. – Ele repreende, com um tom de preocupação fofo.

_ Acho que só nós dois moramos em Jacarepaguá, Tomas. Ninguém mais vai para aquela parada de ônibus. E pode me chamar de Nora, Eleonora é apenas para a minha mãe quando ela está brava comigo.

_ E você pode me chamar de Tom. Se somente nós dois moramos em Jacarepaguá, sinto-me obrigado em deixá-la em casa com segurança.

_ Ooown, você é um verdadeiro gentleman! Mas não precisa, imagina. A não ser que queira garantir um espaço no céu, não me aguentará todos os dias nem por uma semana.

_ Eu gosto muito da sua companhia, Noura – Ele interpõe, fazendo com que suas bochechas peguem fogo.

_ Você é muito gentil, Tom. Ah, se todos os homens fossem iguais a você… - Faço uma pausa estratégica. – Principalmente aquele Marco, só escuto horrores a respeito dele.

Tomas se mantém quieto, e em seguida prossegue a conversa com cautela.

_ Marco é uma boa pessoa. Não se prenda apenas pelo que as fofocas dizem sobre ele. – Tomas se demonstrou um amigo fiel. Seria difícil extrair informações dele.

_ Mas são tantas! Eu sei que ele é o seu amigo, porém é difícil acreditar que ele possa ser um cara diferente do que dizem sobre ele.

_ Eu o considero legal. E quando tiver oportunidade, verá também que ele é.

Eu quero ver muito mais, penso cá com meus botões.

Tomas liga o rádio do carro e coloca um CD para reproduzir. Começa a tocar Fake Plastic Trees, de Radiohead. Fico admirada, pois é bastante difícil encontrar alguém que goste da banda inglesa deprê-cortadora de pulsos.

_ Eu adoro Radiohead – Admito, aumentando um pouco o volume.

_Really? Sou fã há muito tempo. Eu sei que é um pouco…

_ Deprê-cortadora de pulsos?

_ What?

_ Triste.

_ Sim, triste. Mas a melodia é incrível. No entanto, eu evito ouvir esse tipo de coisa em dias nublados.

Nós rimos juntos.

_ É uma boa. – Eu concordo.

Conversamos durante todo o trajeto e ele me deixa no portão do meu prédio, mesmo eu insistindo que não seja necessário. Nos despedimos com um embaraçado beijo no rosto, e Tom permanece olhando para baixo até que eu saia do carro. Dou um aceno e ele retribui por atrás do insufilm do vidro, e observo o Grand Livina partir. Por um momento, sinto-me mal por usá-lo como cobaia para os meus planos.


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