Se o Amor é uma Ilusão, Deixe-me Ser Iludida escrita por snow Steps


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Espero que todos tenham tido um excelente Natal com muita comilança e presentes! E que gostem do capítulo!
Beijoos



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A segunda-feira chegou e fui para a faculdade com a ansiedade me dominando. Estava na hora de colocar o meu plano em prática, o qual batizei carinhosamente de Operação Dionísio. Como o de costume, entro na sala de aula atrasada e o professor de Prática Jurídica me entreolha com desprezo, e eu agradeço por estar com pontos de sobra na sua matéria. Sento atrás de Clarice, que me passa um chiclete de menta e sussurra:

_ Cacete, eu não aguento mais esse velho.

Rio baixinho e coloco a goma de mascar na boca, tirando o caderno e o estojo da mochila. Clarice está certa: o professor é um porre. Além de falar exageradamente baixo (talvez propositalmente), ele faz questão de pausar entre as palavras demasiadamente, levando quase um minuto para terminar uma frase. Sem mencionar o seu irritante tique nervoso: seus olhos piscam em uma frequência arrítmica, então eles fecham por um longo momento (ao ponto de você acreditar que o velho está batendo as botas) e de repente eles abrem num impulso, tornando-se arregalados e amedrontadores, terminando o circuito em várias piscadelas consecutivas como se tivesse um cisco. Este ciclo se repete por toda a aula, e pode acreditar, se você o acompanhar com os olhos por muito tempo o tique nervoso se torna contagiante.

Invés de me autoflagelar com o professor de Prática Jurídica, prefiro observar o terreno em minha volta para certificar de que a Operação Dionísio poderá ser acionada. Marco e seus amigos estão no canto direito da sala, e noto que meu príncipe libertino está cochilando com a cabeça encostada na parede. Sua mão está cobrindo parcialmente seu rosto, para disfarçar a boca aberta. Não o culpo: ter uma aula daquelas às sete e meia da manhã de uma segunda-feira não é coisa de Deus. Logo atrás dele está minha vítima: Tomas Ferreira Parker, o filho híbrido de uma mãe brasileira com um pai inglês. Eu soube superficialmente sobre sua história: morou em Londres até os 16 anos, quando seus pais se divorciaram e sua mãe resolveu voltar ao Brasil com o filho. Tomas ainda não domina completamente a Língua Portuguesa, e adora expandir o vocabulário brasileiro com suas novas palavras. Uma vez eu o ouvi falar “isso é uma exageridade!” quando gostaria na verdade de falar “isso é um exagero”. Talvez por tal razão Tomas seja tão tímido, e dificilmente eu o vejo conversando com pessoas que não pertencem ao seu círculo de amigos. Seu sotaque ainda carrega um pouco da rigidez e formalidade do Inglês europeu, e eu acho isso até fofinho nele. Na verdade, ele é todo fofinho, desde os cabelos levemente ondulados e loiros, os grandes olhos azuis e a carinha de bebê. Ele é alto, não tanto quanto Marco, e suas bochechas são realçadas pela cor vermelho-pimenta devido ao sol que castiga sua pele excessivamente pálida. Tomas percebe que meu olhar recai sobre ele e me encara, fazendo com que eu rapidamente vire meu rosto para o professor, o qual está piscando freneticamente e assim fechando mais outro ciclo de seu tique nervoso.

A aula termina e vou almoçar com Clarice na praça de alimentação do campus. Acho que somente nós duas continuamos a almoçar na cantina da faculdade. O meu motivo é porque recebo apenas sessenta reais por semana, e com esta verba tenho que pagar a passagem do ônibus (que agora custa 3 reais, sendo 30 centavos mais caro desde a revolução dos 20 centavos que sim, foi por causa de 20 centavos), almoço e eventuais coxinhas de frango com catupiry, além das pilhas de xerox de apostilas e livros. Quanto a Clarice não sei muito bem, pois ela ganhou um carro Honda Fit de aniversário e provavelmente dinheiro não deve ser o problema. Provavelmente é preguiça de andar.

Nós apanhamos as bandejas e seguimos para a guerra diária. Eu vejo de esguelha o vulto do grupo de amigos de Marco, e os observo caminhar entre tapas nos ombros e gargalhadas em direção ao estacionamento do campus. Estão indo embora, e no meio deles, o alvo do meu plano também. Hoje não foi o dia.

¨¨¨¨¨¨*¨¨¨¨¨¨

A terça-feira se procede de forma eventual, exceto pelo fato de que estamos às vésperas da entrega do trabalho com mais de quinzes itens de pesquisa sobre Ética Civil, e como bom estudante universitário, a maioria da turma deixou para fazer na última hora. Almoço na companhia de meu frango empanado, pois Clarice já desistiu da matéria e foi embora para casa. Após de escovar os dentes, vou até a biblioteca atrás dos livros para o trabalho e o bibliotecário me recebe com uma cara de condolências,e eu penso, “aí vem merda”.

_ Todos os livros sobre Ética Civil estão emprestados, sinto muito – Ele me responde, e eu deixo uma bufada de raiva escapar.

_ Como assim, todos? Não há nenhum? Quer dizer, no catálogo há pelo menos sete livros sobre o assunto, e cada um tem três unidades para empréstimo…

_ Sinto muito, senhora – Por que senhora? Pareço velha por acaso? – mas todos estão emprestados. Houve uma procura muito grande de ontem para hoje, e a não ser que alguém devolva neste período, não há nenhum para empréstimo.

Eu sei que ninguém vai devolver nenhum livro às vésperas do prazo de entrega.

_ E os livros de consulta local? Também estão sendo utilizados?

_ Sim, senhora…

_ Pode me chamar de Nora.

_ Sim, senho… Nora. Os últimos foram pegos há pouco tempo. Talvez ainda estejam espalhados pela biblioteca.

Olho em volta e me deparo com a biblioteca vazia. Muito provavelmente os livros estão com os alunos da minha turma, e não importa se eu me simpatizo ou não com eles, é uma questão de nota. E estou profundamente desesperada. Começo a perambular pelos corredores entre as extensas mesas da biblioteca, observando sorrateiramente a capa dos livros que estão derramados por suas superfícies. Ao longe, avisto a minha presa frágil e solitária. Tomas, concentrado nos textos compridos de Ética Civil, sozinho na ponta da longa mesa. Poderia eu ter uma oportunidade melhor que aquela? Aproximando-me com a mesma perspicácia de uma onça que se aproxima de um animal indefeso, cutuco suas costas e Tomas dá um sobressalto da cadeira.

_ Desculpa, desculpa! – Peço no mesmo instante, desconcertada. – Assustei você?

_ Apenas um pouco – Ele me responde, com um sorriso torto e sem jeito. – Estava distraído com a leitura…

_ Foi mal. Foi péssimo, quer dizer. É que eu estou precisando muito dos livros de Ética Civil para fazer o trabalho, e todos estão emprestados… - Introduzo, mordendo o lábio inferior.

_ Pode sentar aqui comigo, se quiser, no problem – Ele oferece, puxando uma cadeira ao seu lado. Seu tom de voz é baixo, e preciso fazer um esforço para conseguir entendê-lo.

Descanso minha mochila sobre a mesa e sento, colocando meus braços entre as pernas. Tomas não fala mais nada e volta para seu trabalho. Estudo o seu modo de agir, que me surpreende: seu caderno apresenta todas as aulas anotadas, com uma organização que não se encontra no universo masculino. Os itens de pesquisa estão escritos num papel, e embaixo de cada item, estão explicitadas quais as páginas e capítulos referentes ao tema em cada livro, sendo alguns até evidenciados com marca-texto cor verde. Noto que o trabalho, escrito à mão, está quase terminado e faltam apenas os últimos dois itens. A medida que ele vai escrevendo, Tomas checa em seu Ipad o e-mail no qual está explicado o que o corpo do texto precisa ter de acordo com as exigências da professora.

_ Nossa, você já está no final! – Comento, demonstrando admiração.

_ Estou fazendo este trabalho há quase três semanas – Ele diz, sem levantar os olhos do livro.

_ Hmmm… que vergonha, a entrega é amanhã e eu ainda nem escrevi meu nome – Digo, embaraçada.

Tomas se volta para mim e ergue as sobrancelhas, meneando veementemente a cabeça.

_ Não, não, não me entenda mal! Não estou fazendo gabo – Tomas replica, suas bochechas se ruborizando mais que o normal.

_ Gabo? – Pergunto, imaginando que seria mais uma das palavras inventadas por ele.

_ Hã… well… não estou debochando de você, em outras palavras.

_ Aaah, você não está se gabando, é isso?

_ Sim, sim – Ele concorda, sorrindo de orelha a orelha. – O único motivo para eu estar tão adiantado é por pura necessidade. Como pode perceber, meu português é terrível…

_ Você sabe falar muito bem, para meu gosto – Intercepto, e as bochechas dele pegam fogo no mesmo instante.

_ Obrigado, obrigado. Para ser sincero, estou até atrasado. Eu precisava entregar este trabalho ontem para a minha mentora de Língua Portuguesa revisar e, sabe, consertar todos os erros. Sem ela, eu seria um homem morto – Ele se sentencia, rindo espontaneamente outra vez.

Eu rio do modo com ele fala “homem morto”, deixando vívido o seu sotaque britânico.

_ Entendo. Eu também seria uma mulher morta sem a minha mãe, que também é uma professora de Língua Portuguesa – Brinco.

_ Curioso – Ele diz, invés de empregar “coincidência”.

_ SHHHI – Reclama alguém de uma das mesas, e nós fechamos a boca com um riso abafado.

Voltamos para o nosso cárcere estudantil, pois a minha consciência pesada bate à minha porta dizendo que não posso me dar ao luxo de perder mais tempo com distrações. Tomas não leva mais que 40 minutos para terminar o trabalho, quanto que eu ainda não cheguei na metade. Ele arruma as suas coisas e coloca a mochila nas costas, sussurrando perto de mim:

_ Preciso ir, o caminho até Jacarepaguá é longo – Ele avisa, pronunciando Jacarepaguá com a língua mais enrolada do que eu tentando cantar Gangnam Style do Psy.

_ Eu também moro em Jacarepaguá! – Me excito ao falar, e ao mesmo tempo sinto os olhares das pessoas ao redor me cravarem como estalactites de gelo. – Sou da Freguesia – Falo bem baixinho, com a mão cobrindo a boca.

_ Curioso! Eu moro na Pau-Ferro – Ele responde no mesmo tom. Pau Ferro é uma grande rua residencial com vários condomínios de casas e prédios, conhecida como a “Suíça Carioca” pelo seu clima bastante agradável e fresco, devido a proximidade da Serra Grajaú-Jacarepaguá.

_ Então é melhor você ir andando, antes que o engarrafamento comece – Recomendo, e ele assente com a cabeça.

_ Até – Tomas cumprimenta e sai de cabeça baixa.

Plano: 15% por cento completo. Agora eu tenho um assunto em comum com Tomas, e ele me pareceu um cara bem simpático. Acho que mereço um Sundae de chocolate como prêmio.


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