CAPÍTULO XIV

Minha noite se resumiu a inquietação. Mexendo de um lado para o outro na cama, sem encontrar uma posição favorável. O choro demorou a passar e chegou um momento na noite em que aceitei o fato de que não conseguiria dormir. "Mas e como ficarei amanhã, cheia de olheiras?" peguei-me perguntando, mas daria um jeito com maquiagem no dia seguinte. Sempre tenho como dar um jeito.

Quando vejo no relógio que já são um pouco mais de seis da manhã, resolvo me arrumar para tomar café, de preferência antes de todos. E assim o faço: escolho um vestido vermelho e uma peruca amarela, depois me concentro em disfarçar as marcas das olheiras com muita maquiagem. Tendo sucesso nisso, resolvo sair do quarto e, assim como eu esperava, ninguém está na sala de jantar, exceto os avoxes, como sempre.

Sento-me à mesa e começo a me servir, lançando olhares ansiosos para o corredor, apenas para me certificar de que ninguém está vindo. E assim se procede até que eu termine de comer e me conforte no sofá para assistir o que estiver sendo exibido na TV.

Minhas pálpebras começam a pesar e, aos poucos, fecho os meus olhos, até ouvir alguém me chamar.

– Effie! Effie! - a voz fica mais forte e sinto mãos me balançando. Quando abro os olhos, vejo Peeta me olhando de uma forma divertida. - Não dormiu a noite? - indaga e ri brevemente.

– Não, eu... - tento me explicar, mas bocejo. - Só estou com sono mesmo, eu acho...

Peeta sorri e se levanta. Com certeza essa cena o divertiu bastante, mas não estou me sentindo confortável com a situação. Me recomponho no sofá e, quando olho para o lado, vejo Haymitch sentado na poltrona, com sua dose inseparável. Seus olhos estão com uma expressão cansada e me pergunto se ele conseguiu dormir. Provavelmente também não.

– Hoje é o dia do desfile - Cinna começa a dizer, andando de um lado para o outro. - Então terminem logo de comer que temos que arrumar os dois. Mesmo que seja à noite, precisamos finalizar alguns ajustes das roupas de vocês e quero que fique melhor que no ano passado.

Cinna consegue tomar a atenção de todos e volto a me confortar no sofá. Haymitch continua na poltrona e, mesmo não estando mais olhando para ele, sei que continua com o olhar preso em mim. Minha cabeça começa a doer e chego a conclusão que isso não vai passar. Olho mais uma vez para Cinna, que estava acenando para os garotos irem na frente e então ele olha para mim. Logo em seguida vejo-o vindo em minha direção. Ele para atrás do sofá e se abaixa um pouco.

– Não precisa vir conosco se não quiser - ele diz com a voz baixa. - Percebi de longe o seu cansaço. Quero dizer, todos perceberam - em seguida lança um rápido olhar para Haymitch e abaixa ainda mais o tom de voz, agora sussurrando. - Você está bem mesmo?

– Estou - sussurro em resposta. - Mas eu preciso ir... minha agenda...

– Sua agenda só precisa da sua presença na hora do desfile para prestigiar os garotos - ele me interrompe. - Esqueça sua agenda, só um pouco, tudo bem? Tente descansar um pouco.

– Do jeito que eu estou, acabaria dormindo aqui mesmo - minha voz sai cada vez mais fraca, então sinto minhas pálpebras pesarem mais uma vez.

– Faça isso - Cinna diz e passa a mão de leve pelo meu rosto. Fecho os olhos com o toque e decido que acabarei dormindo aqui mesmo. Me acomodo no sofá, ignorando Haymitch que ainda está na poltrona, até encontrar uma posição favorável.

Acordo de repente, assustada. Não lembro se tive algum tipo de pesadelo, mas percebo que, pelo menos, a dor de cabeça passou um pouco. Minha peruca pende quando começo a me levantar, então me adianto em colocá-la no lugar e me sento, sentindo-me péssima. Onde está a etiqueta, Trinket?, a voz pergunta na minha cabeça. Mas precisei dispensá-la por um tempo, por necessidade. Não consegui pregar os olhos durante a noite inteira e este foi o único momento em que consegui. Quando dou de ombros, vejo Haymitch também jogado, mas na poltrona, sendo consumido pelo seu sono.

Penso em acordá-lo, mas acabo hesitando apenas em imaginar qual seria sua reação se eu o fizesse, mas repenso e percebo que se eu não acordá-lo agora, será pior depois. Me levanto do sofá e vou até ele a passos lentos, até que encosto de leve a mão no seu ombro.

– Haymitch - chamo, mas ele sequer se mexe. - Haymitch! - chamo mais alto e começo a sacudi-lo, até que ele finalmente parece despertar. Me sinto um pouco sem jeito, mas prossigo. - O desfile será dentro de uma hora - com a mão livre, esfrego meus olhos, tentando me despertar um pouco mais. - Melhor se arrumar.

Haymitch resmunga algo desconexo e em seguida me dirijo ao meu quarto, tomo um banho e separo um vestido azul com uma peruca num tom mais claro da cor e faço a maquiagem rapidamente. Quando saio, percebo o ambiente vazio e me pergunto se Haymitch já desceu. Vou até a porta do seu quarto, mas não ouço barulho algum, então me direciono até o elevador, esperando-o chegar. Não demora mais que um minuto e as portas se abrem. Quando aperto o botão para descer até o térreo e as portas começam a se fechar, uma mão as impede e os sensores fazem com que abram novamente.

Levo um susto quando vejo Haymitch entrar no elevador.

– Obrigado por esperar - ele diz sarcasticamente.

– Achei que já tivesse descido - digo com o olhar fixo a minha frente. Encaro os botões do elevador para evitar olhar para Haymitch.

O silêncio se estende por mais alguns minutos e começo a me sentir constrangida. Mordo o lábio, pensando em falar alguma coisa, mas nada me vem a cabeça por um bom tempo.

– Me desculpe - digo com a voz fraca. - Você sabe, por ontem.

Não obtendo resposta, dou de ombros e vejo Haymitch me estudando, até que ele volta a olhar para frente e o que ouço é apenas um "hm" vindo dele. Suspiro, voltando a encarar os botões, então levanto o meu olhar até ver em que andar estamos. Acabamos de passar pelo terceiro.

– Depois falamos sobre isso - ele diz. Meu estômago congela. - Vamos nos concentrar no desfile.

Ele está chateado, isto é óbvio. Mas nada posso fazer. O que está feito, está feito. Estou apenas sofrendo as consequências mediante a minha atitude sem ter pensado antes.

No segundo andar o elevador para e, o que acredito que sejam os mentores dos tributos do Distrito 2 entram no elevador e nos olham de cima. Haymitch e eu ficamos a cada extremo do elevador enquanto ele desce até o térreo. Até lá, ninguém ousa falar uma palavra sequer.

Chegamos ao térreo e troco um rápido olhar com Haymitch quando os mentores saem. A confiança deles transborda e isso acaba me deixando um pouco para baixo. Queria estar assim também. Vejo Haymitch se distanciar sem dizer absolutamente nada e então sinto-me obrigada a caminhar aleatoriamente até encontrar os meus vencedores que, por sorte, não demoro a tê-los no meu campo de visão. Quando me aproximo, Cinna deixa Katniss sozinha e se vira, me encontrando. Imediatamente vem em minha direção, com sua típica seriedade no olhar.

– Onde está Portia - indago quando ele se aproxima o bastante para me ouvir.

– Está cuidado do Peeta - Cinna diz. - Está se sentindo melhor? - ele abaixa o tom de voz e olha rapidamente para Haymitch, que conversa com outros vitoriosos que agora não recordo o nome. Um deles deve ser Chaff, de quem ele vivia falando anos atrás.

– Um pouco, sim - respondo com o olhar baixo, então volto a olhar para Cinna. - Só estou com um pouco de sono mesmo.

– Vocês discutiram feio dessa vez, não foi? - Cinna indaga, mas já sabendo a resposta. Assinto com a cabeça e ele apenas concorda. - Effie, vocês tem que encontrar um ponto de equilíbrio. Brigar é normal, mas vocês não conhecem os limites.

– Diz isso para ele, então.

– Ele não me ouve. E também não vou pedi-la que me conte o que houve dessa vez - ele diz enquanto segura minha mão. - Quero que você pense e tome uma atitude sozinha e que vocês encontrem uma solução... ou serei obrigado a trancá-los num quarto e obrigá-los a transarem e só vão poder sair de lá depois que admitirem que gostaram e vão repetir isso mais vezes!

– Cinna! - minha voz sai mais fina que o normal. Sinto minha face corar e desato a rir. Cinna sempre consegue me fazer rir.

Um alarme toca, sinalizando o início do desfile dos tributos. Todas as carruagens estão preparadas e, quando encontramos Katniss e Peeta, no final da fila, acenamos desejando boa sorte, recebendo um sorriso de agradecimento deles. Um telão nos dá a visão do evento e então me acomodo ao lado de Cinna para assistir, até perceber Haymitch sentar do meu outro lado, sem se pronunciar. Começo a me sentir desconfortável, mas me preocupo em me concentrar no desfile. E quando Katniss e Peeta entram, posso ouvir os gritos da multidão que os adora. O "casal desafortunado" gerou milhões de fãs após a vitória dos últimos jogos e, sendo Haymitch, isso poderia ser uma vantagem se pudessem usar bem. Quando eles estão na metade do caminho, suas roupas pegam fogo e a multidão vai a loucura, gritando ainda mais alto. Acabo deixando um grito escapar e começo a bater palmas, assim como os outros. Logo após abraço Cinna e o parabenizo pelo feito.

– Você é genial! - digo para ele. Cinna abre ainda mais o seu sorriso e volta a me abraçar.

Esperamos o pronunciamento de Snow finalizar para poder nos reunir novamente e voltar para o décimo segundo andar. Os garotos não ficam muito tempo no térreo e logo sobem, seguidos por Cinna e Portia. Mas acabo não seguindo-os, pois paro para conversar com a escolta do Distrito 3, Miri, e comentar como o seu vestido está deslumbrante. Ela ri e elogia o meu vestido também, mas uma expressão de preocupação não sai do seu rosto.

– Aconteceu alguma coisa? - indago.

– Você não está sabendo? - ela indaga como se o assunto fosse óbvio. Peço para que ela prossiga. - Estão havendo tumultos, Effie! Já foram registrados em alguns Distritos, mas estão abafando para que não espalhe.

Ponho uma mão na boca, tentando disfarçar meu assombro. Tumultos. Possíveis revoltas, consequentemente. Minha cabeça está uma completa confusão agora. Digo a Miri que estou com sono - o que não é uma total mentira - e me despeço dela, indo em direção ao elevador, agradecendo a mim mesma que agora tenham poucas pessoas aqui embaixo e boa parte delas está longe, o que deixa o elevador só para mim.

Ou eu pensava que ficaria sozinha.