Posso te contar um segredo? escrita por LittleDreamer


Capítulo 4
Capítulo 4- A máscara que cobre o seu rosto


Notas iniciais do capítulo

"A vida é um grande baile de máscaras, e a cabe a nós desvendar o que tem atrás de cada máscara."

— Rafael Silveira



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Faltava uma hora para a festa, e pela primeira vez na minha vida eu não estava tão preocupada com o que eu usaria, mas sabia que não poderia ser qualquer coisa.

Escolhi então uma das coisas mais discretas em meu armário, uma calça jeans preta, uma camiseta do Paramore cinza e uma jaqueta de couro. Calcei meu velho tênis preto

desbotado e fui terminar de me arrumar. Meu telefone tocou, era Pedro.

"-Oi Pedro, aconteceu algo?"

Ele parecia ofegante do outro lado da linha, como se estivesse acabado de correr uma maratona.

"-Não... Está tudo bem...Eu só quero saber o que vai fazer hoje, precisamos ter uma conversa."

Eu me olhei no espelho e pensei duas vezes se iria ou não na festa com Vinícius. A resposta era sim, eu iria.

"-Olha Pedro, essa noite tenho uma festa para ir. Se importa se marcamos para amanhã?"

Pedro ficou em silêncio, ele parecia desapontado

"-Pedro? Você está ai?"

"-Oi, estou sim Ana. Ah, tudo bem então...Só tenho mais uma pergunta"

"-Qual?"

"-Essa festa, você vai com aquela cara lá, não é?"

"-Vinícius?Sim, é com ele."

Ele parou de parecer ofegante e então deu um suspiro, eu consegui imaginar o jeito que ele revirou os olhos naquele momento.

"-Tudo bem então, só toma cuidado. Não quero que você seja a próxima a desaparecer."

"-Tomarei, Pedro. Fique bem, até."

Eu consegui ouvir seu sorriso naquele momento.

"-Me ligue quando chegar, ou mande mensagem. Boa festa."

Após acabar a ligação, eu guardei meu celular na minha bolsa junto com meus documentos e desci as escadas.

Eu não sabia porque tinha aceitado ir a uma festa com aquele cara que todos diziam que não prestava e que acabaria me matando e sumindo com meu corpo...Mas eu sabia o

motivo pelo qual eu tinha aceitado ir a uma festa com o cara que só era estranho, mas que no fundo era legal.

Quando cheguei ao primeiro andar, consegui ouvir sua voz vinda da cozinha, e aos poucos que eu me aproximava eu conseguia ver a sua sombra. Ele se virou assim que eu cheguei bem mais perto.

"-E por falar nela, olha ela aí." Minha mãe disse se dirigindo a mim

Vinícius estava realmente bonito e eu acabei me arrependendo de não ter me arrumado à altura dele.

Ele deu um sorriso que parecia inocente, um sorriso que o fazia parecer uma pessoa pura e sensível, não esse maníaco que o pessoal dizia que ele era.

"-Você está muito bonita, Ana.Deveria ter me arrumado mais para você."

Eu agradeci, parecia que ele lia meus pensamentos.

"-Então...Já podemos ir ou vai se arrumar mais?"

"-Podemos ir, já estou pronta."

Ele assentiu com a cabeça, nos despedimos de minha mãe e saímos de casa. O clima estava frio, e eu pensei em que sorte eu tive ao lembrar-se de pegar a jaqueta.

A festa não era muito perto dali, era mais perto do centro da cidade que por sinal ficava vazio ao anoitecer.

"-Então, o que terá nessa festa de hoje?" Eu não sabia do que se tratava a festa, nem sabia porque tinha aceitado ir a um lugar em que eu nunca fui antes e estava começando a me arrepender antes de chegar à festa.

"-Bom, alguns covers de bandas de rock...Só o de sempre, não é nada demais."

O silêncio começou.

A rua estava escura, nem as luzes da cidade conseguiam iluminar seu rosto direito. Mas eu consegui ver seus belos olhos claros e notar uma cicatriz em seu nariz no momento em que ele acendeu o isqueiro perto de seu rosto.

"-Como conseguiu essa cicatriz?" Perguntei apontando para o seu nariz

"-Ah, não foi nada demais. Só uma briga no colégio. Longa história."

Continuamos nosso caminho silencioso até chegarmos à festa. O local era bonito, as paredes de fora eram pretas e havia um grande letreiro em neon verde escrito "Big problema" e eu não via necessidade nenhuma em mesclar o inglês com o português, mas pelo visto o dono do local achava legal.

Quando entramos no lugar a música era agradável, um cover de AC/DC estava tocando a famosa "Highway to hell" e eu me senti mais calma ao som da música.

O lugar era escuro e estava cheio, havia mesinhas espalhadas em um canto do ambiente que parecia ser um bar, e uma pequena multidão perto do palco dançando e aproveitando a música. As luzes neon e a luz vermelha bem no canto que só iluminava o bar eram as únicas coisas que me permitiam ver o rosto de Vinícius.

"-Então, você quer beber alguma coisa?" Eu fiz que não com a cabeça.

"-Tudo bem, vamos para o bar mesmo assim." Acompanhei Vinícius até o lado do bar, e consegui vê-lo melhor com a iluminação vermelha bem no seu rosto. Nós pegamos uma mesa bem de frente para o palco, ele acendeu um cigarro e me ofereceu.

"-Por que você não fuma, Ana?"

"-Não quero acabar com meus pulmões" Ele deu uma risada

"-O que foi?"

"-Por que se preocupa tanto em não acabar com seus pulmões? Alguma hora você vai morrer mesmo."

"-Mas pretendo ficar viva pelo menos até os cinquenta." Ele revirou os olhos e voltou a fumar o seu cigarro, olhando o show atentamente.

A banda parou e as palmas começaram, agora eram só músicas de diferentes gêneros tocando aleatoriamente.

"-Quer dançar, Ana?" Ele me perguntou apontando com a cabeça para a multidão que se juntava perto do palco dançando ao som de uma batida eletrônica. Eu fiz que sim com

a cabeça e então ele me acompanhou até a multidão. Dançamos e dançamos e acabamos nos afastando, eu sabia que ele estava atrás de alguma garota.

Eu o vi encarando uma loira bonita do outro lado do ambiente, parecia um leão atrás de uma caça. Assumo que aquilo partiu um pouco o meu coração. Ele se aproximava cada vez mais dela, até que ela percebeu e sorriu para ele assim que ele chegou bem próximo. Eu vi seus rostos sendo iluminados pela luz neon, o vi sussurrando em seu ouvido e os vi saindo pela porta dos fundos. Eu nem pensava em como voltaria para casa, só pensava no porque ele me levou para uma festa e simplesmente me deixou lá.

A música acabou e em seguida começou outra. Eu passei pela multidão e sai pela mesma porta que eles, havia algumas pessoas do lado de fora bebendo e conversando. Mas ele e a loira não estavam por ali. Eu ouvi alguém me chamar e então me virei na esperança que fosse ele.

Não era ele, mas me assustei ao ver que era meu professor de história.

"-O que faz aqui, Professor?"

Ele sorriu

"-Acho que só porque sou mais velho não tenho o direito de me divertir?"

Eu não respondi, apenas retribui o sorriso

"-Eu sempre frequento o Big, sou grande amigo do dono.Então, você veio aqui fora procurando alguém?"

"-Sim, Vinícius veio comigo e acabou sumindo com uma garota...Só queria procura-lo para dizer que vou para casa, nada demais."

"-Você vai voltar sozinha? Não é melhor esperar que ele volte ou ligar para ele?Se não conseguir, eu até te dou uma carona até a sua casa."

"-Vou tentar falar com ele, não se preocupa professor. Qualquer coisa eu falo com você."

Ele sorriu novamente.

"-Tudo bem então. Tome cuidado, Ana e aproveite. Ah, e não precisa me chamar de professor toda hora, pode me chamar só de Anderson."

Então eu voltei para a festa e tentei não pensar muito naquilo, mas eu não tinha mais nada para pensar além daquilo. Eu não conhecia ninguém ali.

Resolvi mandar uma mensagem para ele que dizia "Onde você está?", mas ele não respondeu. Sentei-me no bar e observei as pessoas dançando bêbadas e aparentemente alegres ao som do cover de Artic Monkeys que estava tocando. Por mais que eu amasse as músicas, eu não estava conseguindo me divertir. Quando eu estava perdendo a

esperança, meu celular vibrou. Era ele dizendo que já estava de volta na boate, eu o procurei no meio da multidão até que o vi entrar pela mesma porta por onde ele saiu, mas eu não vi a loira que estava com ele. Ele se aproximou de mim, estava estranhamente suado e com sua camiseta branca levemente suja de terra.

O estado dele só estava me deixando mais irritada, eu aumentei a voz.

"-Eu não sei porque te esperei, eu deveria ter pegado um táxi! Olha seu estado, Vinícius. Você me traz para uma festa e depois me deixa para ir a algum canto com uma garota qualquer."

Ele abaixou a cabeça sem saber o que dizer, e eu simplesmente não conseguia parar de falar. Levantei-me ficando de frente para ele.

"-Por que não veio sozinho já que sua intenção era se divertir com garotas que acabou de conhecer?"

Parei de falar na espera que ele me desse alguma resposta no mínimo educada, então ele levantou a cabeça e começou a me responder.

"-Posso pagar um taxi para voltarmos para casa."

Eu suspirei. Não era o que eu queria ouvir mas acabei aceitando.

"-Está bem, você é quem sabe."

Peguei minha bolsa e saímos da festa. A rua estava completamente vazia, e o tempo estava muito frio.

Pegamos o taxi e fomos embora, sem dizer uma palavra um com o outro. Eu queria muito perguntar o que havia acontecido com a loira que ele conheceu, mas preferi não perguntar.

"-Bem, chegamos." Ele disse, seguido de um suspiro curto. Nós saímos do taxi e ele me levou até a minha porta, estava tudo escuro na minha casa. Eu toquei a campainha mas ninguém atendia. Eu me sentei no chão e encostei minhas costas contra a porta, cruzando os joelhos.

"-Sua irmã e sua mãe devem ter saído, você não tem a chave?"

Então por coincidência me lembrei de que minha mãe sairia com os avós de Vinícius e levaria Clarisse com eles.

"-Sim, elas saíram com seus avós. Não tenho a chave ainda"

"-Se quiser você pode ficar na minha casa até elas chegarem, eu não me importo."

Meu corpo tremeu com a proposta.

"-É, pode ser..."

Ele me ajudou a levantar me dando sua mão, e não soltou até chegarmos à frente de sua casa.

"-Bom, fique a vontade." Entrei em sua casa logo atrás dele, me sentei no sofá e permaneci em silêncio observando-o tirar seus tênis, que estavam sujos de terra e tinham algumas manchas vermelhas embaixo. Assustei-me ao começar a imaginar na hipótese de que aquilo poderia ser sangue.

"-Pode tirar os tênis Ana, sinta-se em casa." Ele me deu um sorriso inocente.

Eu tirei meu tênis e continuei sentada no sofá sem saber o que fazer, apenas vendo Vinícius seguindo sua rotina quando está sozinho em casa.

Ele pegou seu celular e se sentou ao meu lado, pegando minha mão e colocando o celular nela.

"-Você não parece nem um pouco confortável. Aqui, tente ligar para sua mãe para saber que horas ela volta." Ele deu aquele sorriso inocente, aquele sorriso que parecia ser de qualquer pessoa menos dele.

Então eu liguei para minha mãe, o celular tocava mas ninguém atendia.

"-Deve estar fora de área" Ele disse e eu permaneci em silêncio "-Quer que eu ligue para os meus avós?" Eu fiz que sim com a cabeça, ele pegou o telefone da minha mão e discou o número que chamou, chamou até que alguém atendeu. Ele se levantou do sofá e se afastou um pouco, dando voltas pela sala enquanto conversava com seu avô, eu não prestei atenção no que eles diziam só ouvi a breve despedida deles.

"-Ele disse que vão demorar. Não estão na cidade, tiveram uma festa na cidade vizinha e o trânsito está um inferno...Enfim, quer comer alguma coisa?" Eu fiz que não com a cabeça, enquanto observava Vinícius ir até a cozinha.

Caminhei pela sala e observei as fotos de sua família na estante, vi a foto de um casal, a moça estava grávida e sorridente. Ela tinha grandes olhos azuis como os dele. Surpreendi-me quando Vinícius apareceu ao meu lado comentando sobre a foto

"-Eram meus pais e esse na barriga dela sou eu." Eu sentia que havia um vazio em sua voz quando ele tocava no assunto sobre seus pais, um vazio que me deixava com vontade de abraça-lo. Eu sabia como era o sentimento de perder o pai, mas não como era perder os dois ao mesmo tempo.

"-Eu sinto muito, Vinícius." Eu disse tocando em seu rosto, ele então apoiou sua mão gelada em cima da minha dando um beijo em minha mão.

"-Foi há muito tempo, e eu nem conheci a minha mãe. Isso só me ajudou a não sentir nada que seja muito forte." Ele abaixou minha mão sem tirar a sua de cima da minha e sem tirar seus olhos dos meus. Eu travei por um momento, até que ele reparou e voltou a falar das fotos, enfim, soltando a minha mão.

Sentamos-nos novamente e conversamos por um tempo sobre as fotos da estante e sobre sua família, até que seu avô ligou dizendo que estariam chegando a cerca de meia hora.

"-Bom, pelo visto você conseguiu ser soltar mais no final." Eu ri com seu comentário, o que fez rir também.

"-É, até que me soltei um pouco." Concordei.

Seu olhar se cruzou com o meu, e antes de perceber estávamos lá nos encarando cada vez mais perto um do outro. Ele se aproximava mais e mais, até que começou a me beijar. Ele estava me beijando de um jeito que nunca havia sido beijada, sua mão direta estava na minha nuca e sua mão esquerda alisava a minha coxa. Ele jogava seu corpo por cima do meu, alisando meu corpo inteiro sem parar de me beijar, até que ouvimos barulhos do carro vindo do lado de fora da casa, ele se afastou devagar e eu me ajeitei em meu lugar. Entraram pela porta; Os avós dele, minha mãe e minha irmã.

"-Oi crianças, ficaram bem?" Ele olhou para eles, disse que sim e olhou para mim com um sorriso no rosto.

"-Se divertiram?" Ele perguntou se levantando do sofá, e eu continuei sentada lá tentando fingir que nada aconteceu.

Todos estavam conversando na sala as risadas, isso incluía Vinícius. Até que minha mãe percebeu que já era bem tarde e perguntou se eu ou minha irmã queríamos ir para

casa. Clarisse não estava com sono, óbvio que queria ficar mais um pouco na casa da Dona Claudia. Já eu, disse que queria sim voltar para casa.

Vinícius pareceu surpreso com a resposta.

"-Não precisa ir comigo, mãe. Está tudo bem!" Eu calcei meu velho tênis, me despedi de todos e sai da casa dele colocando meus fones de ouvido e acabei me lembrando de

que me esqueci de avisar ao Pedro que já havia saído da festa. Mas já eram 3h e eu não queria acorda-lo...Então, resolvi apenas mandar uma mensagem.

"Oi Pedro, estou bem. Cheguei da festa e não aconteceu nada comigo, Vinícius conheceu uma garota e saiu com ela. Não foi nada demais, até amanhã."

Mandei a mensagem e guardei o celular no bolso novamente, abri o portão do quintal e entrei. Senti meu celular vibrar em meu bolso, mas quando me movi para pegar

senti alguém tocando em meu ombro. Era Vinícius. Estava escuro, a luz que vinha da rua iluminava apenas metade do seu rosto e o lado do nariz com a cicatriz.

"-O que faz aqui?" Perguntei, me esquecendo de completamente do meu celular que vibrava em meu bolso

"-Achei melhor te fazer companhia, sua mãe e sua irmã vão demorar lá." Ele sorriu, e eu o convidei para sentar comigo na varanda e observar a noite.

Sentamos-nos na varanda um do lado do outro. Quietos, apenas olhando o céu sem estrelas.

"-Eu te assusto?" A pergunta veio como um tiro: Foi inesperada e eu não sabia o que fazer.

"-Você me assustava um pouco...Não me assusta mais."

Ele riu, eu ri e nós nos beijamos novamente.

Nós conversamos, rimos e eu sabia que daqui a pouco o dia amanheceria e eu já estava muito cansada.

"-Vou te deixar ir dormir" Ele disse, sorrindo porém desapontado.

"-Boa noite, Vinícius."

"-Boa noite, Ana." Ele se levantou e saiu do meu quintal, indo na direção da casa dele.

Eu entrei na minha casa, subi as escadas e joguei meus pertences em cima da cama indo direto para o banheiro tomar um banho quente antes de dormir.

Entrei no chuveiro, e deixei que a água quente lavasse meu corpo enquanto eu pensava em tudo que havia acontecido naquela noite e naquela madrugada. Sai do banheiro e me deitei em minha cama, lembrando-me do meu celular que estava vibrando quando Vinícius chegou novamente. Provavelmente eram mensagens de Pedro.

Peguei o celular e vi as mensagens que eram todas dele. Todas sobre Vinícius.

Li uma por uma.

Na primeira, Pedro dizia que pesquisou, pesquisou e pesquisou...e descobriu que Vinícius Eduardo estava com as garotas desaparecidas no dia em que elas sumiram.

Em outra, ele disse que uma garota já tentou denunciar Vinícius dizendo que ele tentou agredi-la logo após sair de uma festa, ele mentiu seu nome e a levou para uma mata perto do local, mas ele era menor de idade e não foi preso, por motivos desconhecidos a garota não quis levar isso adiante. E Pedro disse que havia mais do que só aquilo, mas que precisávamos nos encontrar pessoalmente para conversar.

Eu não sabia o que sentir naquele momento. Era uma mistura de decepção, ódio, tristeza e medo. Tudo isso com o meu coração partido.

Respondi as mensagens de Pedro, dizendo que poderíamos nos encontrar pela manhã e ele poderia almoçar na minha casa. Coloquei meu celular ao lado da minha cama, e senti as lágrimas quentes descendo pelas minhas bochechas. Aquilo não era tristeza, era raiva.


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