O Tamanho dos Meus Sonhos escrita por IsaS


Capítulo 1
Capítulo I - "Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências." Pablo Neruda


Notas iniciais do capítulo

O texto citado na História é da autoria de Sophia de Mello Breyner, da obra "A Menina do Mar"



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Chegara o momento.
Ferdinando embarcou no comboio, levando consigo um misto de emoções. Por um lado, estava feliz porque ia voltar para a sua terra, Santa Fé, e como tinha saudades da calmaria e do trigal a perder de vista… Sem falar da vontade que tinha de ver sua irmã Pituquinha. Sentia falta também de Catarina, apesar de trocar correspondência com ela frequentemente.
O reverso da moeda quanto aos seus sentimentos ao voltar a casa tinha um nome: Coronel Epaminondas. A sua relação com o seu pai sempre foi difícil, principalmente depois que a mãe morreu. Não fazia a mínima ideia como iria lhe contar que não estudou advocacia, como o pai tanto queria, mas sim agronomia. Como fazer o seu pai entender que o que ele queria mesmo era trabalhar nas suas terras, ajudar os cultivos a crescer de forma sustentável? Sempre cresceu admirando o poder da mesma. Não por ter tornado a sua família rica. Ferdinando nunca ligou muito para posses, poder ou dinheiro. Na verdade sempre a quis compreender, à terra. Ao contrário de toda a gente em sua volta, que via aquela terra, aqueles terrenos como mais um servente da família e dos seus interesses, ele nunca a conseguiu ver por esse prisma. Para ele, eram os Homens que deviam servi-las, e nunca o contrário. Eram os Homens que deviam estar agradecidos pela bondade da mãe natureza em alimentar os Homens sem pedir nada em troca.
Quando na escola estudou História, adorou a simplicidade com que os primeiros Homens viviam. Caçavam animais, colhiam o que a terra lhes dava, e faziam questão de agradecer à Mãe Natureza pelo milagre da vida, mesmo não compreendendo o porquê de tudo. Aí o Homem quis saber mais, e o compreender gerou arrogância, egocentrismo e desrespeito por tudo que não fosse o EU. Ferdinando era ávido pelo conhecimento, mas sensato ao ponto de saber o lugar de cada coisa, e a necessidade do respeito pelo que é maior que o Homem. E por isso, tudo que via lhe interessava.
Quando era pequeno, ele e os seus melhores amigos, Gina e Zelão, corriam atrás das borboletas, se banhavam em riachos que atravessavam as suas terras, e ficavam horas escondidos no Trigal, simplesmente admirando o céu, criando histórias com as formas das nuvens, numa altura em que a liberdade e a alegria de ser criança se aliavam à imaginação infinita de quem tem inocência e pureza no coração. Ai nasciam histórias incríveis, com heróis improváveis, onde o sol brilhava sempre e o amanhã era uma promessa de novas aventuras.
Agora, olhando através da janela do comboio, se perdendo nos pensamentos e no horizonte, Ferdinando sabia que ser criança, era o verdadeiro regresso às origens, aquela altura da pré-história onde o Homem pouca sabia, mas era feliz assim, com pouco e com tudo ao mesmo tempo.
Mas Ferdinando não era mais uma criança, e nem tudo poderia ser resolvido com essa simplicidade. Ser adulto trazia novos desafios, e mais responsabilidade. E ele sabia disso, sempre soube que a partir do momento que decidiu contrariar a vontade do seu pai, e seguir o seu sonho. Agora chegara o momento que ele sempre temeu, e para o qual nunca se sentiu preparado, muito menos agora: enfrentar o grande Coronel Epaminondas, seu pai.


Enquanto isso, na vila de Santa Fé, a menina Pituquinha saltava e dançava, enquanto percorria os campos floridos que iam dar ao centro da Vila. O seu amigo Serelepe corria escondido, a acompanhando, e aparecendo por vezes de surpresa, fazendo graças. Foram brincado assim, até chegaram aquela árvore, tão deles, e de onde, escondidos, tantas vezes observavam a pequena Vila e os seus habitantes. Criavam histórias, riam, eram crianças, eram felizes. Eram melhores amigos, e um dia sem se verem, era um dia triste, sem cor.
De lá conseguiam ver o seu Giacomo à porta da sua venda, observando quem passava, sempre com o seu “Buongiorno”, tão apreciado por todos, enquanto a filha Milita se desdobrava para dar conta de todos os pedidos. Todas as manhãs eram assim. Aquele era o ponto de encontro dos habitantes da vila, não só porque era a única venda da mesma, mas porque também eram ai que se sabia das novidades.
Pituca e Serelepe estavam então novamente naquela árvore, quando de repente viram alguém correndo ao longe, no meio da floresta que circundava a Vila.
– Pituquinha, viste aquilo? – Perguntou Serelepe.
– O quê Lepe? … Uai, eu vi agora sim! Está alguém correndo pela floresta!
– Hum…acho que devíamos ir lá ver o que se passa! – Disse Serelepe já com um sorriso travesso nos lábios, vendo aí uma oportunidade de uma nova aventura com a sua amiga.
– Estás louco? Sabes lá quem anda correndo assim, tão afoito, por entre as árvores! E se é alguém mau? E se nos prende lá e não conseguimos sair mais? – Disse Pituquinha, com o seu jeito doce, mas demonstrando receio.
– Pituca, alguém mau, em Santa Fé? Só se for o teu pai…esse cá abre a boca, e eu já fico com as pernas bambas! – Disse Lepe zombando da amiga.
– Ah obrigadinha! O meu pai não é mau…ele só…
– Ele só não é bom! Ahahhahaha – Ao dizer isso, Pituca fez uma expressão de desagrado e o seu sorriso desapareceu, virando a cara ao amigo.
– Ah Pituquinha! Não fiques assim comigo. O Coronel Epaminondas é teu pai, mas toda a gente morre de medo dele! E eu sou um deles, e não nego. Agora, tens duas opções: ou ficas ai de cara amarrada, te convencendo que o teu pai é um santo, ou vens comigo decifrar este mistério! E do jeito que eles correm, ainda chegamos lá e não descobrimos é nada!
– Ah Lepe, eu não vou discutir contigo não… Até eu tenho medo do meu pai…às vezes… Vamos lá! Estou morrendo de curiosidade! Mas, hey, não podemos demorar muito! Vês ali o Rodapé?
– Hum, sim, ele está ali fazendo figura de estátua porquê? – Disse Serelepe desatando a rir novamente.
– Ué, o meu maninho Ferdinando chega hoje! A minha mamã preparou uma grandeee festa, cheia de doces e comida da boa. Aliás, a Amância parece que está há uma semana dentro daquela cozinha. – Disse ela, rindo também.
– Mas porquê? O Ferdinando é só um, não é um batalhão inteiro!
–Ai Lepe, até parece que não conheces a Madame Catarina…ela exagera em tudo!
– E eu não sei? Sempre que vou lá às escondidas, ela põe tantas coisas na mesa, que eu só de olhar já me sinto satisfeito! Mas hey, vamos deixar a conversa para outra hora, e vamos tentar descobrir esse mistério, detective Pituca?
– Sim Senhor Delegado Serelepe!
Começaram a descer a árvore, de forma a matarem a curiosidade e a verem o que passava, então, na floresta. Tentaram não serem vistos, porque caso alguém os visse a entrar lá, por certo que os impediriam.
– Lepe, está um pouco escuro aqui…
– Pituquinha, nunca tinhas entrado aqui antes? – Perguntou Serelepe admirado.
– Eu? Mas porquê haveria de entrar aqui? Tenho medo, sabes.
– Ai, minha amiga, nós devemos é ter medo dos Homens, e de orfanatos, claro… Da mãe natureza não temos que ter nada além de admiração. – Disse Lepe já com um brilhozinho nos olhos, como se tivesse dentro de si o segredo mais belo e mais bem guardado do mundo.
– Falas como se conhecesses esta floresta como a palma da tua mão…
– E conheço mesmo! Quando fugi daquele orfanato, com o qual ainda tenho pesadelos, para onde achas que fugi? Tive que vir para aqui, porque reparei que toda a gente passa lá na Vila, e nem sequer olha para este lugar.
– Mas, não tiveste medo?
– Eu? Medo?? Pituca, sou eu, o Serelepe, eu não sinto medo…só do teu pai. – Zombou de novo ele, com a sua pose orgulhosa, e sorriso travesso. Como a menina deu um suspiro de irritação, ele continuou. – Quando comecei a olhar em volta, senti-me em casa. Aqui tudo é livre. Os pássaros voam quando e para onde querem, o vento passa sem pedir licença, e olhando para o céu, pela primeira vez em muito tempo, não me senti só. Por entre as copas das árvores, de dia via os meus amigos passarinhos a cumprimentarem-me de forma apressada, voando de árvore em árvore. E eu via as nuvens, se formando, e a cada nuvem, uma história passava na minha cabeça. À noite, as estrelas faziam-me companhia. Era uma mais linda que outra. Mas haviam duas que brilhavam mais que as outras. Gosto de pensar que eram os meus pais, me fazendo companhia…
– Nossa Lepe… Então gostaste de viver aqui? – Perguntou Pituca encantada.
– Se eu gostei Pituquinha? Esta, para mim, foi a minha primeira casa. Brincava todo o dia, corria sem ninguém me repreender o tempo todo … O tempo era meu, e eu sentia-me feliz, livre.
De repente os dois amigos, ouviram ao longe uma voz. Foram se aproximando, encontrando uma grande clareira, onde estavam cerca de 10 meninos e meninas, que aparentavam ter entre 4 a 10 anos, os mais novos, e os mais velhos pareciam já ter à volta de 15 anos.
No centro da clareira, estava uma menina loira, que não teria mais de 10 anos, e ela dizia, de forma teatral, para os outros que estavam sentados assistindo:
“- Eu sou uma menina do mar. Chamo-me Menina do Mar e não tenho outro nome. Não sei onde nasci. Um dia uma gaivota trouxe-me no bico para esta praia. Pôs-me numa rocha na maré vaza e o polvo, o caranguejo e o peixe tomaram conta de mim. Vivemos os quatro numa gruta muito bonita. O polvo arruma a casa, alisa a areia, vai buscar a comida. É de nós todos o que trabalha mais, porque tem muitos braços. O caranguejo é o cozinheiro. Faz caldo verde com limos, sorvetes de espuma, e salada de algas, sopa de tartaruga, caviar e muitas outras receitas. É um grande cozinheiro. Quando a comida está pronta o polvo põe a mesa. A toalha é uma alga branca e os pratos são conchas. Depois, à noite, o polvo faz a minha cama com algas muito verdes e muito macias. Mas o costureiro dos meus vestidos é o caranguejo. E é também o meu ourives: ele é que faz os meus colares de búzios, de corais e de pérolas. O peixe não faz nada porque não tem mãos, nem braços com ventosas como o polvo, nem braços com tenazes como o caranguejo. Só tem barbatanas e as barbatanas servem só para nadar. Mas é o meu melhor amigo. Como não tem braços nunca me põe de castigo. É com ele que eu brinco. Quando a maré está vazia brincamos nas rochas, quando está maré alta damos passeios no fundo do mar. Tu nunca foste ao fundo do mar e não sabes como lá tudo é bonito. Há florestas de algas, jardins de anémonas, prados de conchas. Há cavalos marinhos suspensos água com um ar espantado, como pontos de interrogação. Há flores que parecem animais e animais que parecem flores. Há grutas misteriosas, azuis-escuras, roxas, verdes e há planícies sem fim de areia branca, lisa. Tu és da terra e se fosses ao fundo do mar morrias afogado. Mas eu sou uma menina do mar. Posso respirar dentro da água como os peixes e posso respirar fora da água como os homens. E posso passear pelo mar todo e fazer tudo quanto eu quero e ninguém me faz mal porque eu sou a bailarina da Grande Raia. E a Grande Raia é a dona destes mares. É enorme, tão grande que é capaz de engolir um barco com dez homens dentro. Tem cara de má e com e homens e peixes e está sempre com fome. A mim não me come porque diz que eu sou pequena de mais e não sirvo para comer, só sirvo para dançar. E a Raia gosta muito de me ver dançar. Quando ela dá uma festa convida os tubarões e as baleias e sentam-se todos no fundo do mar e eu danço em frente deles até de madrugada. E quando a Raia está triste ou mal disposta eu também tenho que dançar para a distrair. Por isso sou a bailarina do mar e faço tudo quanto eu quero e todos gostam de mim. Mas eu não gosto nada da Raia e tenho medo dela. Ela detesta os homens e também não gosta dos peixes. Até as baleias têm medo dela. Mas eu posso andar à vontade no mar e ninguém me come e ninguém me faz mal porque eu sou a bailarina da Raia. E agora que já contei a minha história leva-me outra vez para o pé dos meus amigos que devem estar aflitíssimos…”
Os amigos estavam fascinados com a pequena que falava com tanto conhecimento do mar, mesmo estando longe. Parecia um teatro, e todos davam risinhos, mas todos estavam concentrados na história que a menina contava.
Pituca e Serelepe estavam tão concentrados naquele espectáculo, que além de secreto, parecia ser mágico, especial, que nem repararam que alguém se aproximava.
– Quem são vocês, e que raio estão a fazer aqui? – Disse um rapaz, que aparentava ter mais de 15 anos, puxando a orelha de cada um. Os dois amigos se olharam, assustados…


– Bom dia Seu Giaco. – Disse Gina, entrando pela venda do italiano, como sempre, de cara amarrada.
– Bom dia menina Gina, o que a trás por cá hoje? – Disse o italiano, como sempre solícito e gentil.
– Eu vim porque a mãe pediu para comprar umas coisas…está aqui a lista.
Enquanto isso, numa mesa perto do balcão, dois homens falavam alegremente…
– Pois é amigo Francisco, hoje chega o filho do Coronel Epaminondas, agora Doutor Ferdinando.
– Mas o Coronel deve estar com o peito inchado de tanto orgulho! Ele anda dizendo aos 4 ventos que o filho se formou advogado. Lá tem ele mais uma ajudinha para as suas incursões políticas…
Gina imediatamente se desligou da conversa. Só o nome, “Ferdinando”, a deixou zonza… Ele estava de volta.
– Aqui está tudo que a sua mama pediu, Senhorita Gina. – Disse o Sr. Giacomo, interrompendo os pensamentos da ruiva, lhe entregando também uma saca cheia de produtos.
– Ah… Obrigada Seu Giaco, passe bem.
– Ciao, Senhorita Gina! Volte sempre.
Gina tomou o seu caminho sozinha, como sempre, mas desta vez a sua mente não ia concentrada em trivialidades, ou na história do livro que estava a ler. Gina lembrou-se da conversa que ouviu na venda.
– O Ferdinando…ele voltou, passado esses anos todos… - Disse ela para si mesma.
Lembrava-se bem do último dia que o viu, à 7 anos atrás, quando, escondida na estação de comboios, o via se despedir da família, e de Zelão. Lembra-se bem como ele nem sequer perguntou por ela, nem a procurou para se despedir.
A partir desse dia, Gina não viveu para mais nada a não ser para as terras do Pai. Praticamente nunca mais falou com Zelão. Ela mudou, e ele também. Depois que Ferdinando partiu para a cidade grande, ele passou a ser o capataz frio e implacável do Coronel. Gina, que dantes lhe chamava amigo, não o reconhecia mais, e o via como uma marioneta ao serviço do grande e poderoso…e tacanho… Coronel Epaminondas.
Gina se fechou para todos. Praticamente só contactava com os pais, e se refugiava em livros e mais livros, que devorava com gosto, e os quais considerava como amigos e conselheiros.
Lembra-se bem de como gostou de Ferdinando… E de como ele nunca a viu.
– Para Gina! A volta dele não te vai afectar sequer. Graças a Deus iremos andar por caminhos opostos…
Gina tentou pensar em outra coisa, esquecer tudo aquilo, tentou até nem sentir nada, quando, de repente, viu alguém bastante…peculiar, descendo de um carro, que parou mesmo em frente da nova escola que acabava de ser construída ao lado da Igreja.
– Obrigada Sr… desculpe a indelicadeza, mas como se chama? – Perguntou a bela jovem de olhos azuis, e cabelo cor de rosa claro.
– Eu, Professora Juliana, chamo-me Marimbondo… quer dizer, toda a gente me conhece por esse nome. – Disse o Homem, encabulado.
– Que nome mais engraçado! Prazer Sr. Marimbondo! Esta é a escola onde vou leccionar?
– Le…o quê?
– Ahahah … Dar aulas, quero eu dizer. – Disse Juliana achando graça ao jeito do homem.
– Ah! Sim, Senhorita Juliana, é esta mesmo. Aqui bem no centro da Vila.
– Amei! É tão colorida! Aliás, toda a vila é cheia de cor. Que lugar encantador, Sr. Marimbondo.
– Hum…é…Pois, nossa Vila sempre foi assim, colorida. E as pessoas são bem felizes também! Acho que a senhora via gostar daqui. – Disse Marimbondo, confiante.
– Não vou gostar, já gostei. – Disse Juliana sorrindo docemente.
Ao longe Gina olhava, sem entender nada.
– Mas…quem será esta ave rara? – Pensou alto Gina intrigada.


Ferdinando finalmente chegou a Santa Fé. Quando o comboio parou, o seu nervosismo aumentou, mas a saudade também.
– Nem acredito, já estou aqui. Mas já que estou ferrado e estou, vamos lá enfrentar a fera…e ver a minha linda irmã! – Disse ele, como que se convencendo que tinha que sair daquele comboio.
Ao sair, e depois de pagar as malas, se dirigiu à entrada da estação. Seus olhos brilharam com a paisagem… Como tinha saudades do colorido de Santa Fé. A simplicidade em cada coisa, as casas coloridas, pessoas felizes…a sua terra. Em nada tinha a ver com a grande cidade onde estudou, onde tudo era cinzento, as pessoas pareciam vultos, sempre correndo sem sequer reparar em nada nem em ninguém.
Lembrava-se ainda hoje de como era fascinado pela ideia de ir morar para uma cidade, quando era adolescente. Lembra-se bem de uma conversa que teve com Gina e Zelão, quando tinham por volta de 14 anos, meses antes de partir de Santa Fé…
–----Flashback-------
– Não, não, naaaooooo – Disse Gina entre gargalhadas, enquanto Ferdinando a carregava ao ombro para o riacho. De nada adiantou. Ferdinando chegou ao riacho e caiu com ela na água, ficando os dois completamente ensopados.
– Ahahahahhaha. Nando, conseguiste domar a fera… - Enquanto Zelão dizia isso, Gina conseguiu recuperar a posição, e empurrou Ferdinando para debaixo de água. – Retiro o que disse, a tua vitória só durou uns segundos, como sempre. – Disse Zelão, se acabando de tanto rir.
– Eu nem vou retaliar, que essa ai é brava por demais! – Disse Ferdinando, recuperando o fôlego.
– Brava é a Senhora sua Tia! Não tenho culpa que sejas um frangote, que só consegue atacar de surpresa. – Disse ela, já saindo da água.
– Muito engraçada, Senhora Dona Gina. Falas assim de mim, mas vais morrer de saudades minhas quando eu for lá para a cidade grande E olha que lá não vai faltar quem queira brincar com o frangote aqui. – Disse Ferdinando, sorrindo, mas Gina estava tudo menos feliz. A sua cara fechou, e ela teve que se controlar para aquela lágrima teimosa não cair.
– Pois que façam bom proveito. Deve ser muito boa essa cidade grande, deve. Prédios e mais prédios… - Disse Gina de costas, ainda tentando não demonstrar o quanto a alegria daquele que tanto gostava a magoava.
– Muito melhor do que aqui! Maior, e tem tudo, mas tudo. Não é como aqui, esta Vila pequena, em que os sítios para onde podemos ir se limitam a trigais, riachos, a floresta… Lá é um novo mundo, tantas possibilidades. Estou ansioso para ir para lá, e saber mais do que alguma vez poderei saber aqui. – Disse ele, com aquela pose tão sua, tão orgulhosa, como se ele soubesse a verdade do mundo, e a sua verdade fosse a única certa.
Gina finalmente virou-se, e começou aos berros, não controlando já as lágrimas:
– És um idiota! Nem eu nem o Zelão representamos NADA para ti! E como podes falar assim, do nosso pedacinho de chão onde já vivemos tantos momento felizes? Como podes dizer que gostavas de trabalhar na terra, e como podes falar tanto, com tanto encanto dessa mesma terra, se o que realmente achas é que o centro do mundo fica onde a terra serve apenas de suporte á pesada herança humana? Sim, betão e mais betão, onde o natural é o cinzento e não o verde? Onde tens fontes, e não rios? Um sítio onde tudo está ao serviço do Homem, e ele não se importa se polui, se destrói, porque para essa gente o Homem é o centro do Universo e não o Sol! És tão estúpido quanto eles! Então fica por lá, e não voltes mais. Eu pnesei sim que iria morrer de tantas saudades tuas, que o meu peito não aguentaria um coração tão doente de saudade! Mas sabes que mais? Só quero é esquecer que algum dia exististes, e que um dia eu gostei tanto de ti, como gosto deste lugar. E sabes porquê? Porque não adianta simplesmente falar palavras bonitas sobre o Universo, sobre o céu, sobre a mãe natureza. Porque falar, toda a gente fala, mas é mais difícil realmente compreender e respeitar! Adeus e até nunca! - Disse ela, já recolhendo as suas coisas, e saindo de lá a correr.
Zelão, que assistiu aquilo tudo calado, simplesmente abaixou a cabeça triste, sem proferir uma palavra.
– Mas é uma bronca mesmo! Eu só estava a brincar, e ela põe-se a insultar! Achas isto normal Zelão? Eu é que não quero vê-la nunca mais… chega de tanta estupidez, sim porque estúpida é ela… - Ia falando com indignação Ferdinando, quando Zelão interviu.
– Nando, já tens idade para saberes qual o momento e o assunto com o qual podes brincar, e quando tens que ter cuidado para não magoares as pessoas de quem gostas. Eu concordo com a Gina. Fico muito feliz que vás atrás dos teus sonhos, que vás estudar para onde sempre quiseste ir, mas isso não quer dizer que tens que desprezar a tua terra. Sim, porque podes percorrer o mundo, que esta será sempre a tua terra, o sítio que te viu nascer. Santa Fé fará parte de ti para sempre, vás onde vás. Renegá-la, é como renegares a ti próprio. Até podes ter as tuas razões para estares triste com ela, mas sinceramente, não imagino o porquê disso. Sempre foste amado por toda a gente, sempre tiveste amigos que te admiraram e te seguiram. E esta terra é o sustento da tua família, é o que faz teres todas as coisas que tens, e principalmente, é por causa dela que o teu pai tem posses para te enviar para a capital para estudares. A Gina tem razão. Não bastam palavras bonitas, o respeito é muito mais valioso que tudo isso… - Disse Zelão, com uma cara de quem estava profundamente desiludido.
– Mas Zelão, eu não queria… - Começou Ferdinando, se demonstrado abalado com as palavras do amigo.
– É por isso Nando, que é tão importante pensarmos antes de falarmos. Minha mãe sempre me diz isso, e espero que um dia entendas. Porque nessa cidade grande, não vais ter amigos como tens aqui, e a vida é diferente. Mas, também como a minha Mãe diz, a vida ensina. Espero que ela seja bondosa contido, e que tu sejas seu observador e bom ouvinte… - Disse o amigo, já recolhendo as suas roupas.
Ferdinando ficou sem reacção, com os olhos cheios de lágrimas desejosas por cair, mas o seu orgulho era ainda demasiado grande para chorar em frente do amigo. Esperou que ele fosse para o poder fazer. Quando pensava que Zelão já ia, o deixando sozinho, o amigo virou-se para trás, lhe dizendo algo que o deixou ainda mais abalado:
– E Nando, desculpa voltar usar as palavras da Gina, mas tu és um idiota sim. A Gina é completamente apaixonada por ti, e já não de hoje. E o que tu fazes? Além de a relembrares que vais partir, ainda insinuas que vais te divertir com outras raparigas. Por isso, e caso não tens percebido, ela não ficou triste somente com que disseste pela nossa amada Vila. Partiste-lhe o coração em mil bocados. E se bem conheço a Gina, dificilmente ela te perdoará, nem que passem mil anos. Agora, vive com isso…
–-------- Fim do Flashback -------
Agora ao pensar nisso, até ele pensava que fora um idiota. Pela parte da terra, sim, porque tudo que a Gina disse era bem verdade. Mas pior que isso, foi ter mesmo perdido a sua amizade para sempre. Não sabia ao certo se alguma vez estivera apaixonado por ela, mas sabia que gostava e muito dela. E com a sua frieza e arrogância, a afastou de vez. Ainda tentou falar com ela, mas Gina fechou-se em casa, e nunca mais falou com ele, nem mesmo no dia em que partiu. Com a briga entre o seu pai dela, um pedido desculpas tornou-se ainda mais impossível. Coronel Epaminondas, proibio-o de pisar nas terras do rival.
Mas Ferdinando sabia que não valia a pena pensar nissoa gora. Eram coisas do passado, talvez coisas que nem podiam mais ser emendadas. Neste momento tinha um desafio ainda maior pela frente.
Encontrou Rodapé, quase dormindo em pé, na entrada de estação.
– Demorei muito, amigo Rodapé? – Disse ele com um sorriso, vendo a figura do homem. Este, por sua vez, deu um salto, com o susto.
– Senhor, humm…quer dizer…Doutor Ferdinando! Claro que não demorou, eu é que passei pelas brasas, sacomé… Mas que alegria em vê-lo!!! Madame Catarina e Seu Epaminondas estão esperando ansiosos pelo Senhor! – Disse Rodapé, sempre com a sua forma atrapalhada de ser.
– Bom, já cheguei, não é? Então vamos lá… matar essa ansiedade. – Disse ele com um sorriso amarelo, sendo que a razão para o seu desconforto só ele saberia. Ele e Catarina. E contava muito com ela para o ajudar.
Os dois foram conversando animadamente até ao carro. Assim seguiram, até pararem em frente ao grande casarão.
Ferdinando saiu do carro, e ficou admirando tudo em volta, com um ar saudoso… Como sentia a falta de tudo aquilo, e como estava feliz de finalmente voltar.
Rodapé o ajudou com as malas, e ambos entraram em casa. Na sala, o seu pai e a sua madrasta estavam inquietos, lado a lado, quando o viram entrar.
– Meu filho! Meu Deus, finalmente estás de volta! Nem posso acreditar! – Disse Epaminondas, num dos seus raros momentos de demonstração de afecto, abraçando o filho com força.
– Ai, meu pai, também tive saudades suas, mas se não me deixar de apertar tanto, acho que vou desmaiar – Disse ele já quase sem ar.
– Ah, sim, sim, desculpa meu filho. Isto são saudades…
Catarina aproximou-se do enteado e lhe deu dois beijinhos, o encarando em seguida, com um olhar que espelhava nervosismo.
– Bem-vindo, meu querido. Seu pai estava quase tendo um troço aqui, de tanta ansiedade. – Disse Catarina, rezando internamente para que, pelo menos este primeiro dia fosse de paz.
– Estou a ver que sim. E onde está a princesa da casa? Cadê a Pituquinha? Estou morrendo de saudades! – Perguntou ele.
– Ai, e eu sei lá? Essa menina é mais difícil de encontrar que um passarinho. Mas logo logo ela aparece. Ela nos últimos tempos, não parava de falar no maninho, que o maninho estava chegando. Mas vem, que a Amância fez um verdadeiro banquete em tua honra, meu querido!
– Hey hey hey! – Disse Epa, interrompendo a conversa – Antes de tudo isso, eu preciso de ver, eu preciso que me mostre esse diploma de advogado! Quero pô-lo num quadro, lá no meu escritório! Assim já posso morrer, que morro feliz! – Disse o velho Coronel, com um brilho nos olhos, que mais parecia uma criança á espera de chocolate.
Ferdinando e Catarina se entreolharam apreensivos….


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