O Peregrino escrita por Deusa Nariko


Capítulo 5
Capítulo V


Notas iniciais do capítulo

Quinto capítulo dedicado à Sayori e à Miss Asuna pelas lindas recomendações! *-*
Obrigada mesmo!
...
Boa leitura!



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O Peregrino

Capítulo V

Yu no Kuni (País das Fontes Termais), dias atuais.

Durante boa parte da minha vida, eu fui acossado pelos fantasmas do meu passado. Fossem as lembranças agradáveis de minha infância, fossem as mentiras que permiti que me manipulassem em meu período mais sombrio.

Certa vez, cogitei a ignorância como uma benção. Hoje, no entanto, a repudio com todo o meu ser. Afinal, a ignorância imposta a mim levou à destruição do meu clã, à morte dos meus pais, ao exílio de Itachi e, posteriormente, à sua própria derrocada.

É porque fui ignorante e leviano que os perdi. Minha relutância em tentar compreender as razões do meu irmão levou-me a um caminho sem volta. Tudo teria sido diferente se eu apenas o entendesse na época, se eu apenas tentasse encaixar as peças.

O fato é que Itachi não o permitiu, prezou minha inocência — ainda que esta tenha sido corrompida na noite do massacre — e ocultou-me toda a verdade durante tantos anos.

Eu aprendi que a verdade fere, que a realidade está pautada em nossas meras concepções e que nós a moldamos a nosso bel-prazer individualista e narcisista. A minha realidade, entretanto, esteve moldada nas mentiras desde que me conheço e me entendo: as mentiras que me contaram e as mentiras que eu contei a mim mesmo no intuito de alimentar o meu próprio ódio.

E, no entanto, eu me questiono se não estou mentindo para mim mesmo nesse momento enquanto cruzo a fronteira do país das Fontes Termais.

A lua cheia tem me observado como um único olho agigantado e vigilante desde que iniciei esse percurso, no auge de meus desvarios mais sombrios, e a floresta que me cerca está inquietantemente vazia e enlutada devido ao inverno.

Eu me movo por entre as copas vistosas das árvores; eu me movo para que minha mente se mantenha ocupada e, consequentemente, os meus pensamentos não caminhem em uma direção perigosa: o abismo que me aguarda resignadamente, a porta escura no fundo do meu consciente que eu tranquei há três anos — minha insanidade, meu desespero, todo o meu tormento escoam pelos vãos destes mesmos pensamentos inquietos.

O meu inferno particular ameaça ficar vazio, uma vez que todos os seus demônios atentam a minha integridade, construída e conquistada com afinco desde a minha luta com Naruto.

Cerro os dentes e avanço em meio às ramagens, desatento, quase descuidado em meu compasso desordenado, ao ponto do meu manto enroscar-se em gavinhas e as minhas faces arranharem as folhagens densas. Encontro-me nesse estado de frenesi vigoroso desde que abandonei Akane, a cidade turística aos pés do monte Ontake onde deixei os dois Shinobis de Konoha inconscientes.

A adrenalina é tamanha que mal percebo o meu Sharingan ativando-se no bosque ermo, minha vista está mais aguçada, minuciando cada pormenor, cada ruído, fosse farfalhar ou estalido a reverberar no véu de breu absoluto.

Quando a tempestade dentro de mim arrefece, contudo, sou forçado a diminuir o ritmo, assim como desço das ramagens das árvores, pousando silenciosamente em meio à neve que cobre a relva.

Um facho de luz do luar atravessa a abóboda formada pelas ramagens mais densas e ilumina o pequeno descampado, descobrindo para os meus olhos a beleza serena da noite. Eu estou ofegante e momentaneamente desorientado, mas não demoro a me situar. Preciso reestabelecer minhas prioridades, traçar um novo objetivo.

— Sakura está viva — eu repito para mim mesmo num murmúrio que se perde no silêncio excruciante da floresta e há uma parte de mim que duvida, que se fecha para a minha própria afirmativa.

O meu corpo se curva involuntariamente e meus arquejos penosos arrefecem de intensidade; eu inspiro e expiro uma vez de cada e minha respiração, antes ruidosa, torna-se uniforme gradativamente. Entre mais alguns ofegos sofridos e espasmos abruptos do meu corpo, eu me reencontro enfim.

Inicialmente eu havia planejado seguir para Takigakure e revirar cada polegada de terreno atrás de Sakura, mas agora vejo que esse plano pode não surtir o efeito desejado. Eu preciso de respostas, pistas; eu preciso da verdade em sua plenitude.

Se há, de fato, uma instabilidade política e diplomática entre Konoha e Taki eu não posso me dar ao luxo de piorar a situação. É por isso que me decido, consultando a parte racional e pouco afetada de minha mente, que ao romper da alvorada voltarei para Konoha a priori, apenas lá decidirei o meu destino seguinte.

Sou cético demais para chegar ao ponto de acreditar que os dois Shinobis que nocauteei em Akane mentiriam sobre Sakura e sobre o pseudo-conflito entre os dois países: Fogo e Cachoeira. Além disso, em épocas mais remotas, se me forçar a me recordar, ouvi rumores a respeito de um novo Lorde Feudal ter assumido o cargo em Taki.

Inconscientemente, meus dedos se afundam na neve, criando sulcos profundos enquanto sinto um reflexo que já não tinha há anos: o meu punho esquerdo inexistente se cerra, os meus dedos fantasmas apertam-se contra a palma da mão que não possuo mais, as unhas afundam-se na carne imaterial.

Minhas terminações nervosas interrompidas no toco do meu braço esquerdo latejam, logo acima do meu cotovelo, trazendo à lembrança uma velha dor conhecida, quase um amigo de uma vida inteira. Essa dor foi o meu mais cruel algoz nos primeiros dias de minha redenção, como um lembrete de minhas falhas, de minhas fraquezas, de minha impotência perante o meu próprio ódio.

Eu aceitei a perda do meu braço esquerdo como a minha penitência — embora tenha lamentado amargamente arrastar Naruto comigo para isso — pelos meus atos mais vis e desumanos. Ainda custo a me perdoar por ter tentado ceifar a vida daqueles que mais amo, embora estivesse apartado de minha lucidez na época em que atentei contra Kakashi e Sakura, não posso valer-me dessa mesma desculpa pífia para o caso de Naruto, meu irmão de consideração.

Eles me perdoaram e, contudo, eu ainda não me perdoei.

Sentando-me em meio à neve e aos arbustos lenhosos que circundam a clareira, eu reflito sobre essa parte desprezível do meu passado, sobre os ideais distorcidos que me compeliam, a minha própria visão errônea sobre a vida e sobre o mundo. Eu já fui punido o bastante pela própria vida para que algo valioso seja arrancado de mim na verdade.

O meu transtorno é tamanho que eu pressiono a mão contra o rosto como algum tipo de gesto involuntário para buscar cobrir a minha vergonha e a minha desolação. Pelas frestas de meus dedos, miro a floresta silente, o facho de luz do luar que vanesce paulatinamente, reprofundando a tudo sob o véu denso da noite.

O céu anuviado é como um reflexo acerbo do meu próprio estado de espírito atormentado. A luz fosca da lua cheia já não permeia com tanta veemência a abóboda intrincada das copas das árvores, de forma que a luminescência da madrugada mingua comedidamente.

Eu decido me ajeitar ali mesmo, no intuito de descansar a minha casca atormentada. Encosto-me ao tronco achavascado de uma tília centenária e fecho os meus olhos na ânsia desalentada de buscar abrigo.

Sakura está viva; eu sei, eu intuo, eu afirmo para mim mesmo no silêncio agonizante dos meus pensamentos ocos.

Mais cedo do que previ, caio no sono e, como já antevira previamente, naquelas poucas horas que adormeci, sonho com lírios-aranha vermelhos, rubros como sangue brotando e desabrochando, tão oníricos quanto entidades, sobre a brancura impecável da neve.

Higanbana, eu os reconheço, amargurado.

O sol pálido do inverno não está à vista no horizonte que ainda branqueja gradativamente sob o efeito da alvorada quando eu decido que é hora de partir em direção à Konoha. Faz pouco mais de um ano desde que pisei no solo do país do Fogo durante uma crise emergencial envolvendo meteoritos e a lua.

Eu prometi a Kakashi que na ausência de Naruto protegeria a vila e foi exatamente isso que fiz.

Não por uma necessidade de compensação e nem por causa de algum senso de obrigação ou dever, mas porque eu percebi que queria reatar os meus laços afetivos com a minha vila natal, transformá-la no meu lar outra vez.

Eu não sinto fome e dormi algumas poucas e angustiosas horas na noite passada, de todo modo, logo estou avançando por entre as árvores mais uma vez, sob um sol nascente e inibido e um céu quimérico que se assemelha à tela de um pintor.

Quantas vezes ignorei a beleza amena da manhã devido ao meu propósito de vingança? Tantas e tantas vezes deixei de contemplar o mundo ao meu redor para me focar na escuridão que carregava dentro de mim: a mudança de estações, os efeitos gradativos do tempo, o avançar dos dias.

Estas mesmas mudanças, indistintas a olhos desnudos menos atentos como os meus um dia já foram, não mais me escapam; eu as sinto, as distingo enquanto aperto meu passo. As árvores crescem em tamanho e vistosidade, as copas imensas encimam os troncos sólidos envoltos em mantas de musgo e plantas trepadeiras.

A neve que ainda repousa nas ramagens mais altas rareia a cada braça que percorro. São raros os invernos em que neva no país do Fogo, eu lembro um pouco tarde demais e uso deste forte sentimento de nostalgia para aumentar minha velocidade, e antes que eu me dê conta sou um relâmpago incomplacente, um facho entrajado em negro e vestes puídas cruzando as copas das árvores.

Estou me aproximando do imenso território que pertence ao país do Fogo e a expectativa do que posso — do que devo — encontrar nauseia o meu estômago que ainda não se recuperou de todo do baque da noite passada.

Durante o percurso, procuro não pensar em Sakura, preferindo me focar, por ora, na atual crise política entre duas nações poderosas o bastante para iniciar uma nova guerra. Konoha está aliada às cinco mais poderosas delas, e eu sei que Suna (mais precisamente o Kazekage) não hesitaria em se lançar em uma guerra para auxiliar minha vila em virtude de sua amizade com Naruto. Por outro lado, Taki também forjou alianças nos últimos anos com países menores.

E se a situação chegasse a um extremo irreparável, sei que haveria uma calamidade nos próximos meses que reverberaria por todo o mundo ninja. Ainda é cedo para suposições e achismos, mas eu preciso de respostas e apenas Kakashi e Naruto podem me fornecê-las.

Cerro os dentes quando me dou conta de que já adentrei o território do país do Fogo e aumento ainda mais minha velocidade, enviando chakra para os meus pés e ativando o meu Sharingan. Terei tempo para descansar devidamente mais tarde.

Levo quase um dia todo de viagem para chegar à Konoha e quando o faço estou exausto e esgotado como há muito tempo não me sentia. Ainda assim, cambaleio através da floresta de abetos que protege e circunvala a vila; por algumas frestas das ramagens, vejo os murados imensos e, apenas de relance, algumas das construções modernas que agora integram a vila, os imensos monólitos cinzentos e retangulares.

São visões estranhas para mim ainda, o modo como o mundo tem progredido nos últimos anos, mas não dou muita atenção a este estranhamento fugaz e sigo meu caminho, descendo das copas das árvores e seguindo pela trilha de terra e cascalhos até os portões da vila.

Não me preocupei com o modo como seria recebido, pois o passe que recebi de Kakashi me permitia ir e vir quando bem entendesse e quisesse, no entanto parece que nem todos ainda estão contentes com a absolvição dos meus crimes, ou ao menos é isso o que constato quando, ao cruzar os imensos portões abertos, sou recebido por uma escolta de Jounins preparada especialmente para mim.

É claro que eles reagiriam ao meu chakra e à minha presença pelo estardalhaço que minha chegada causou, concluo com certo azedume.

— Especifique as suas razões para estar aqui, Uchiha Sasuke! — Um dos Jounins demanda com urgência; ele não parece particularmente feliz com a minha presença.

— Are, are, Takumi-san, deixa isso comigo — ouço uma voz feminina e aguda (e facilmente reconhecível) enquanto uma silhueta esguia se aproxima, abrindo espaço entre os demais ninjas.

É Ino Yamanaka, eu percebo com ligeira surpresa e ela não está sozinha: meu substituto do Time 7, o tal Sai, está bem ao lado dela, sério.

Os olhos azuis da Yamanaka brilham de leve ao me reconhecer, mesmo esfarrapado como me encontro.

— Sasuke-kun, já faz algum tempo.

Eu respiro fundo e isso parece evocar uma reação inesperada da escolta Jounin ao meu redor; seus olhares austeros estão todos direcionados a mim, o ex-renegado que decidiu retornar à sua vila natal.

— Levem-me até o Kakashi — eu exijo sem rodeios, dispensando a frívola procrastinação, completamente desnecessária àquela altura.

É claro que todos sabem a razão de eu estar aqui outra vez.

E é claro que todos eles sabem que se trata de Sakura.

Ho no Kuni (País do Fogo), três anos antes.

— Você está quieta agora — observei com certa inocência e irritação, mirando de soslaio a silhueta soturna de Sakura.

Quando ela se vira para mim, sobressaltada, recebo a confirmação de que precisava para saber que há algo errado, algo que a preocupa. Seus olhos jamais mentiram para mim — jamais mentiriam.

Fecho o livro que estou fingindo ler há pelo menos um quarto de hora e me recosto nos travesseiros. Sakura, contudo, continua imóvel, olhando pela janela do meu quarto de hospital; seu corpo é delineado pela luz filtrada pela vidraça descortinada.

Eu a leio como um livro aberto há anos, prestando atenção em suas oscilações de humor, pormenorizando suas expressões faciais, decodificando cada emoção por trás dos seus olhos.

Eu a conheço mais do que conheço a mim mesmo e essa é a verdade contra a qual lutei por todos esses anos: meus sentimentos, meu afeto por Sakura. Devo ter admitido isso para mim mesmo apenas algumas vezes, e o fiz no conforto covarde dos meus próprios pensamentos.

O luto e o medo sempre estiveram frescos demais, vívidos demais em mim para que me tornasse audacioso e egoísta o bastante para admitir tudo para ela ou outrem. E mesmo agora que não reste mais nada da minha vingança ou do meu ódio, eu permaneço em silêncio, apático demais até para o meu próprio desgosto e infortúnio.

No entanto, que direito tenho eu?

— Sasuke-kun — ela me chama, interrompendo-me em meu monólogo macambúzio, e caminha até o meu leito devagar.

A julgar por seus olhos anuviados, sei que ela está ponderando algo, remoendo alguma coisa. O modo como mordisca o lábio, como desvia o olhar para qualquer lugar que não seja o meu rosto; o modo como suas sobrancelhas se crispam sobre os seus olhos. Eu conheço tudo sobre ela e me envergonho de admiti-lo.

Ela respira fundo e tomo ciência nesse instante de que está buscando forças de algum lugar de dentro dela para despejar a verdade, o silêncio sempre a sufocou, afinal — fosse o meu, fosse o dela.

— Sasuke-kun, eu estou preocupada.

— Com o quê? — eu a questiono, atento ainda às suas expressões.

Mais uma vez, ela toma fôlego e decide se sentar à beira do meu colchão. Faz poucas horas desde que retornamos da cerimônia em homenagem aos mortos na guerra. Não foi tão terrível quanto eu pensei que seria, mas os olhares de reprovação e desprezo ainda estavam lá, embora a maior parcela da vila tenha decidido ignorar minha existência.

O toque da mão de Sakura na minha me desperta; sua pele é macia, quente, viva.

— Kakashi-sensei vai assumir oficialmente o cargo de Hokage amanhã, isso deixa mais tempo livre para Tsunade-sama estudar uma solução para o seu caso e do Naruto.

— E o que tem de errado nisso? — pergunto atônito, mas ela meneia a cabeça devagar, os olhos fugidios evitam os meus a qualquer custo.

— Kakashi-sensei nos contou que os demais Kages estão irredutíveis quanto a levar você a um julgamento. Além disso, querem que você seja preso até que eles tomem uma decisão concreta. Naruto está usando a sua influência para reverter a situação, mas...

— Se tiver que ser assim, Sakura — eu murmuro e minhas palavras chocam Sakura, que arqueja e se afasta de mim abruptamente. Ela me encara e sei que está magoada; eu suspiro. — Eu cometi muitos erros e não posso esperar ser tratado com leniência. Eu não espero, para ser franco — admito com pesar. — Se eu for a julgamento e for condenado pelos meus crimes, não espero nada menos do que uma execução sumária.

— Mas você não estava lúcido naquela época no País do Ferro!

— Não devo e não vou me justificar alegando uma insanidade temporária, Sakura.

Não fico exatamente surpreso quando ela me esbofeteia a face, mas fico completamente sem reação quando sinto os seus braços deslizarem pelo meu pescoço no segundo posterior. Sakura me abraça com força, apertando seu rosto contra o meu. Ela soluça e só então eu percebo que está chorando.

— Nós não vamos desistir de você, entendeu?! — ela sussurra com raiva contida, sua respiração quente e entrecortada pelos seus murmúrios raivosos atinge com força a pele do meu pescoço. — Eu, o Naruto e o Kakashi-sensei não vamos deixar que eles te machuquem! Então, é melhor que você também não desista de si mesmo!

Sakura praticamente treme de fúria a essa altura e eu relaxo meu corpo contra o dela, sentindo seu calor, seu perfume. Ela ainda me desarma com a mesma facilidade de anos atrás.

Permanecer ali, seguro e aquecido dentro do seu enlace, evoca velhas sensações que eu poderia jurar que não sentiria nunca mais. Mas ainda as sinto, agora, irrevogavelmente.

Eu ainda sou capaz de senti-las.


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Notas finais do capítulo

Pra quem achou que o Sasuke daria uma passadinha em Konoha antes pra tirar essa história a limpo... Bem, acertou! HAHA
...
Obrigada a todos pelos reviews maravilhosos! *-* Espero que comentem nesse também!
Até o próximo ;D