Silver Snow ESPECIAL DE NATAL DO TAP vol.2 escrita por Matheus Henrique Martins


Capítulo 5
Estrela Perdida




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Quando Andressa e eu entramos no nosso quarto, deixamos escapar juntos um gemido de admiração ao avaliarmos o local.

O quarto é chique, limpo e grande com dois candelabros iluminando cada lado dele. Tem um espelho sobre o teto, refletindo a imagem perfeita da cama vermelha com travesseiros cheios e macios.

Andressa joga sua mochila em um canto ao lado da enorme cômoda que de alguma forma combina com a iluminação do quarto.

– É realmente cinco estrelas – ela diz enquanto toca o controle remoto de uma TV de tela plasma no alto da parede.

– Uau – comento ao ver que abaixo dela tem um aparelho de cor preta chique. – O que deve ser isso?

– Um DVD? – ela questiona, mas então toca o que parece ser outro tipo de controle, onde pode ser pego com as duas mãos. – Parece um joystick.

– Talvez seja – suspiro e então encaro o incrível janelão. Esgueiro-me até ele e olho a vista de uma piscina em formato de serpente lá embaixo. A água é limpa e o sol banha as pessoas na beira da piscina.

– Isso é realmente muito bom – Andressa diz a meia voz, avaliando o quarto. – Ele é realmente um cara legal.

Viro-me para ela cuidadosamente.

– Quem?

Ela me olha e franze a testa.

– Não me vem com essa de quem – ela cruza os braços e sorri lascivamente para mim. – Estou falando do Felipe.

Agora sou eu quem olho ela confuso.

– O que tem ele?

– Fê, na boa – ela se joga no meio da cama e espreguiça as pernas. – Não precisa disfarçar, eu saquei tudo.

Quero mesmo entender do que ela esta falando, porém não faço a menor ideia.

– Disfarçar o que Andressa?

Ela então me olha bem atentamente e eu começo a ficar constrangido.

– Talvez você não entenda ainda – ela murmura.

Estou prestes a questionar mais, porém ela agita a mão no ar, como se prevendo mais uma pergunta minha.

– Escuta, acho o Felipe um cara legal – ela repete a mesma frase de antes.

– E ele é – comento.

– E sinto muito por termos dificultado para ele no começo – sua voz é carregada de sinceridade.

Dou de ombros e começo a esvaziar minha mochila.

– Se sente tanto porque não vai falar com ele ao invés de mim?

Acho que fui meio grosso, mas Andressa apenas estala a língua e acena com a cabeça.

– É verdade, eu falo com ele depois.

– Ok, então – sorrio completamente cansado.

Ela me mede com o olhar.

– Por que esta tão tenso?

Bufo fracamente.

– Não estou nervoso – minha voz sai tremida e isso dificulta minha resposta.

Ela olha o céu pela janela e seu rosto fica apreensivo.

– Tá chegando a hora, né? – seu tom é cheio de pena.

Dou de ombros e pego o controle remoto, mudando os canais da TV sem olhar. Andressa suspira, tira o controle de mim sem muito esforço e afaga meu cabelo loiro.

– Não precisa ficar me consolando – resmungo. – Acontece todos os dias.

– E você fica assim todo o dia antes de acontecer.

Suspiro derrotado e ela me abraça carinhosamente. Se Eduardo ou Felipe entrassem ali e nos vissem abraçados, daquela forma, eu diria que iriam pensar maldades.

Mas não tem nada disso. Andressa é tão irmã minha quanto eu sou irmão dela.

– Vocês se parecem muito – ela fala baixo de repente.

Afasto-me dela e a cutuco de brincadeira.

– Pode, por favor, parar de ficar soltando essas perguntas sem dizer os nomes das pessoas? – mordo o lábio inferior. – Não sou nenhum adivinha.

– É isso que torna a coisa toda engraçada – ela ri, mas então me olha com carinho. – Estou falando do Felipe, bobo.

– De novo? – guincho. – Não se cansa não? Estou começando a achar que você tem uma queda por ele.

Ela me olha sugestivamente.

Eu? – aponta para o próprio peito num tom seco. – Tem certeza que é de mim que esta falando?

– Bom, não é de mim que estou falando – rebato.

Ela revira os olhos, como se estivesse vendo algo completamente repetitivo.

– Você se parece bastante com ele – ela suspira. – Ambos loiros. Ambos fortes. Apesar de você ser mais forte e os olhos dele serem castanhos.

Vou um pouco para trás, analisando a verdade em tudo o que ela diz.

– Sério?

– Seríssimo. E não é só no físico. Vocês dois são bem teimosos e arrogantes que chega a dar nos nervos – ela me cutuca com a ponta do pé. – Mas no fundo são caras legais.

– Uau, há doze horas atrás você queria esse cara longe – balanço a cabeça. – O que mudou sua decisão?

– Um outro garoto arrogante e legal – ela morde o lábio e então se dirige até o banheiro. – Agora cai fora, panaca, vou tomar um banho.

Faço um som de vomito e ela me atira um vaso do tamanho da minha cabeça. Ele cai sem fazer barulho no carpete macio e fofo do quarto.

– Eu realmente amei esse lugar – ela sorri antes de se jogar para dentro do banheiro.

* * *

Logo depois de Andressa começar a ligar o chuveiro, me retiro do quarto e me jogo contra o corredor. Vejo a porta do quarto 15 não muito longe dali e me pergunto como Eduardo e Felipe estão lidando com isso. Será que se abraçaram? Estão assistindo TV juntos? Bisbilhotando o frigobar?

Balanço a cabeça, me sentindo bastante palhaço e entro no elevador, compelido a fazer um tour por esse lugar perfeito que chamam de pousada. Pra mim isso seria uma visita ao céu uma vez por mês.

O elevador enfim se abre e estou de volta no saguão. Passo pelo balcão e Beatrice, a mulher que nos atendeu mais cedo, acena para mim.

– Vai dar uma volta? – pergunta gentilmente.

– Algo assim – sorrio de volta.

– Por que não aproveita a piscina? – ela aponta para um corredor estreito atrás de mim. – Está mais do que um dia perfeito para ir hoje.

Penso um pouco nisso e me refreio no saguão, um pouco pensativo.

Beatrice ainda me avalia com o olhar.

– É vergonha de mostrar seu corpo? – ela questiona. – Ou alguma tatuagem tribal?

Franzo a testa para ela.

– Não, de jeito nenhum.

– Pode ir – ela sorri de novo. – Não tem quase ninguém na piscina nessas horas. A maioria esta enjoada de já ter aproveitado o dia inteiro.

Olho o céu, as nuvens se arrastando e a cor escurecendo. Não vai demorar muito. Dentro de uns dez minutos o sol vai desaparecer e vou me transformar em algo que eu não sou... digo, em parte.

Desisto do plano da piscina e estou prestes a virar o corredor para subir para o quarto de novo, quando de repente, vejo um flash em um montão azulado.

Olho pela soleira e me aproximo mais da entrada da área da piscina. Aperto meus olhos e vejo que Felipe esta parado na beira, parecendo afagar algo em sua frente enquanto bate os pés na água.

Chego mais perto e olho por sobre seu ombro. Sua espada de bronze esta em seu colo e ele a limpa com bastante calma, enquanto seus olhos castanhos se perdem na água. Parece distraído.

– Não é uma beleza tudo isso?

Engulo em seco. Ok, talvez não tão distraído.

– Tudo isso o que? – cruzo os braços.

Ele aponta com o queixo para frente posso ver do que ele esta falando. O fim da tarde no céu se reflete na água limpa e perfeita. Suspiro com essa visão.

– É mesmo uma beleza.

Ele assenti enfaticamente.

– Então – me volto para ele. – Curtindo nossa estada aqui?

Felipe retorce o rosto.

– Dificilmente. As coisas brilham demais aqui. Parece até um daqueles estádios de beisebol com aquelas luzes em todo o campo.

Afasto a cabeça para o lado.

– Já foi em um?

– Sim. Antes de vir pra cá eu ia com meu pai.

Fico apreensivo.

– Sinto muito.

– Tá tudo bem – ele revira os olhos. – Eu ia arrastado.

Reviro os olhos e ele ri alto.

– Não sinto tanta falta da minha antiga vida, se quer saber – ele ainda sorri, mas seu tom é sério.

– Não?

– Não. E sei que não é comum me sentir assim. Mas sei lá... Dois anos, já me desapeguei.

Dou de ombros.

– Você tinha que desapegar uma hora ou outra – suspiro. – Ao menos você teve essa escolha. Eu nunca tive que me apegar ou desapegar a nada.

Ele nota a intensidade no fim da frase e ergue o olhar para me analisar.

– Você é um dos órfãos, não é? – ele questiona.

– Que palavra forte – debocho. – Aprendeu sozinho?

Felipe afaga a própria espada.

– Anna me disse que a maioria dos adolescentes de lá foram jogados pelos próprios pais.

Meu peito se aperta. Essa com certeza não é uma ferida que quero cutucar.

– Você acha que seus pais...?

– Não tenho pais – ergo o olhar. – Nunca tive.

– Claro que tem – ele ri sem humor. – Ou se não como acha que...

– Eu não acho nada – corto. – Só o que eu sei é que aos meus sete anos eu fui colocado pra brigar com caras maiores que eu. Levei uma surra de todos que eu enfrentei. E mesmo eu dizendo que eu não queria, eu era forçado. Era ser ferido ou ferir. Optei pelo caminho mais fácil. Não tive mimos e nem nada. Eu não tive uma vida normal. Nem faço ideia do que é uma droga de joystick.

Ele me encara em silencio assustado. Respiro fundo.

– Desculpa – suspiro. – Não gosto muito do assunto.

– Não se desculpe – ele sorri. – Eu é que deveria. Gostei dessa sua sinceridade.

Cerro os olhos para ele.

– Mas você sabe que não dá pra deixar pra lá, não sabe? – ele me pergunta depois de um instante.

Tento não ficar com raiva.

– Mas você mesmo estava falando antes que desapegou totalmente dos seus pais – eu o lembro.

– Mas eu disse isso porque os conheço. Não são os tipos de pessoas que você queira conhecer – ele resmunga. – Você não conheceu seus pais. Sei que é insensível dizer isso, mas não tem como saber se eles foram ruins ou bons.

As palavras dele cortam como faca, mas lembro que essa não é a intenção dele e fico bem. Não tem nada para sentir, lembro a mim mesmo.

– Na verdade tem como eu saber sim – comento.

Ele franze a testa para mim.

– Como?

– Olha só pra mim – sorrio sem nenhum humor. – Sou a prova viva de que eles não se importaram. Nunca estiveram por perto para se importar o suficiente. Sou o que sou hoje graças a eles.

Começo a me afastar, olhando o céu escurecer aos poucos.

– E também não me apego à ideia de saudades, se quer saber.

* * *

O elevador esta subindo de volta para o meu andar e corro contra o tempo. Os minutos passam lentamente e posso sentir meu corpo formigando. Quando ele abre, salto no corredor e um hóspede faz careta para mim.

Eu o ignoro e entro no quarto. Andressa esta virada para o outro lado na cama, roncando suavemente. Começo a sentir meus dedos tremendo e vejo minha silhueta no espelho começar a distorcer.

Rapidamente arranco uma camada de lençóis de dentro do armário e me jogo no canto do quarto, me cobrindo inteiro até o pescoço. E logo, a tremedeira não demora a voltar.

Antes de a tremedeira se espalhar, penso em uma águia, uma acinzentada com olhos quase dourados e um bater de asas suaves enche minha mente.

Não demora muito para que meus pelos comecem a crescer, trazendo a mim mais calor do que o necessário. Minhas pernas vão encolhendo e não sinto dor quando elas se dobram. Minha cabeça vai diminuindo e ficando mais arredondada, mas ainda sim sou puxado para baixo do cobertor.

A última coisa que vejo antes de me transformar completamente são meus olhos em um pequeno pedaço do espelho ambulante no teto. Eles estão dourados. Não são mais meus olhos.

Não sou mais eu.


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