O som grave dos violoncelos começaram a fluir em meus ouvidos já insensíveis, o triângulo tilintando levemente. Veio os violino, furtivamente subindo o tom.

Começam a tocar num ritmo rápido, em camadas sonoras. Subindo, descendo, subindo, subindo.

Algumas flautas atreviam-se a entrar na melodia dos instrumentos de cordas. O oboé rapidamente juntou-se também, trazendo alguns clarinetes consigo.

Os trompetes, para ouvidos com audições brutas, passavam-se despercebidos. Mas os atentos captavam tanto os trompetes como a trompa, forte e imponente.

O tímpano sempre tocando num tempo de quatro segundos. Perfeito.

Então, como se a música tivesse caído no sono, o solitário piano surgia melancólico. Os violinos e violoncelos aproximavam-se sorrateiros.

Mas nesse momento, perdi-me totalmente. Meus olhos estavam voltados apenas para a pessoa que regia a orquestra. Meu amor, minha única vida.

Com aquelas mãos que tanto clamei, conduz a música e meus sentimentos com tanta maestria e delicadeza.

Beija-me, enlaça-me. Estou novamente na multidão, ansiando o show. Sentada, chorando pela minha aprisionada alma. Já sabe que estou presente.

Sinta-me, foi meu pedido antes do julgamento final.

Lembrarás de mim quando eu estiver pairando sobre teu corpo adormecido? Acariciando o rosto que tanto vi sorrir para mim, tocando o corpo que me chama nos sonhos.

Deixe-me ir, como a lágrima da sua face quando olha para a musa do retrato. Ela caiu, bem no chão. Oh, essa dor alucinante. Rasga-me os pulmões, quebra-me os ossos, estraçalha o crânio.

Tira a grade que te prende, olhe para a janela. Vê? O mundo ainda clama tua música e alguém quer ouvi-la. Por favor, mesmo que não queiras, tire a ideia de torná-la exclusiva.

Deus, se estiver ouvindo-me, peço apenas a oportunidade de ser a ceifadora da sua ligação. Prometo que o Senhor verá, em apenas uma pessoa, o segundo Sol que criaste na Terra. Mas apresse-se, pois a luz dessa estrela apaga-se lentamente, dolorosamente.

Aqui jazo. Derramo-me sobre o chão enquanto o céu é invadido pelas nossas juras de amor. Eu banho-me no sangue enquanto tua presença ocupa-me.

Como um prédio abandonado, desabo em ti. Me perdoe. Me perdoe. Me perdoe.

Esse monstro obscuro, que crescia e tomava meus pensamentos e ações, tirou tudo de mim. Mas meu amor continua a bater fortemente nesse coração exangue.

Ainda estou viva. Viva como fogo. Nos teus movimentos, nos teus pensamentos, nos teus sentimentos, na força, na música.

Como disseste uma vez, musas são eternas e eu sou a tua.