Just a Little Boy escrita por Panda girl


Capítulo 3
Pequena Melodia




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Brian acordou com fome. Olhou o celular, que estava sobre o criado-mudo. O relógio marcava sete horas em ponto. Sua mão caminhou pelo móvel lentamente, os dedos dançavam pela madeira estupidamente pintada de branco. Alcançou o aparelho e ligou-o. Uma notificação, Taylor havia enviado uma mensagem:

Rua Saltergate, próximo ao Jennys. É uma casinha pequena de portão verde, parece um apartamento

Levantou-se, precisava visitar a nova amiga o quanto antes. E pensar que a conhecera há menos de três dias. Conseguia, facilmente, visualizar a cena: a garotinha loira, jogada ao chão. Agora, porém, não a via como alguém que pudesse amar. Depois de tantas mensagens trocadas em tão pouco tempo, a menina adquirira algo a ais para ele, um ar mais respeitoso vindo de Brian, como um irmão ao olhar para a irmã.
Ainda vestindo apenas a bermuda que usava para dormir, dirigiu-se à cozinha da casa, onde se entupiu de biscoitos e separou alguns para Taylor. Ele se sentiu mal por tratar uma garota que acabara de conhecer como alguém importante, apenas pelo fato de ela estar doente.

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O carro parou alguns quarteirões antes do local combinado, Brian não queria que o motorista soubesse de seus problemas. Caminhou até a lanchonete dada como referência. Logo, avistou o pequeno portão verde citado pela menina.
Passara tantas vezes por aquela rua, como o portão pudera passar despercebido? Era estupidamente diferente das outras construções naquele setor: não havia jardim, nem cerca e, muito menos, crianças brincando na rua.
Tocou a campainha. Minutos se passaram até que, finalmente, uma senhora apareceu por uma portinha no canto do portão. O rosto lhe era familiar, mas o garoto não conseguiu relacioná-lo a nenhuma memória.
–Bom dia, como posso ajudar? -ela perguntou
–Bom dia. Vim visitar Taylor e trazer uns biscoitos para ela.
A senhora franziu o cenho, como se não entendesse o que ele dizia. Algo naquela expressão mandava-o virar-se e sair correndo, mas o pequeno e aconchegante portão verde chamava-o desesperadamente para dentro.
–Você é amigo dela?
–Sou sim.
–É bom saber que minha filha tem amigos. -a mulher sorriu de lábios fechados -Entre, ela gostará de vê-lo.
O portão se abriu por completo, revelando uma casa simples, sem pintura, apenas o reboco, e com milhares de assinaturas e desenhos de crianças na parede. Brian forçou-se a não reparar na simplicidade do local, para não parecer rude e inconveniente.
Seguindo a senhora, entrou em um quarto pequeno, onde, em uma cama vela, estava Taylor. Não era a mesma garoa que vira dias atrás: a pele rosada dera lugar a uma cor branca como o leite, cheia de manchas roxas; o cabelo penteado estava, agora, sujo e bagunçado; e os olhos, antes sorridentes, pareciam fundos e mortos.
–Brian? -perguntou a menina -É você, não é?
–Sim, sou eu. Está tudo bem?
–O que você acha? -Um sorriso mórbido surgiu em seu rosto
–Trouxe biscoitos.
–Taylor gosta de biscoitos. Mas ela não pode comer... -A garota resmungou como uma criança e fez um biquinho
Brian colocou suas mãos sobre as da amiga, que estavam frias e arroxeadas. Olhou para os lábios semi-abertos dela, pareciam tentar puxar ar para dentro a qualquer custo. Uma lágrima escorreu pelo rosto pálido e Taylor começou a chorar.
–Foi horrível. Eu fiquei tonta e me sentei na calçada, mas não melhorei. Faltava... Faltava alguma coisa, Brian. Faltava ar. -disse entre soluços
As mãos do garoto se desprenderam lentamente dos pequenos dedos que começavam a envolvê-las. Era estranho sentir medo de perder alguém que acabara de conhecer, mais ainda sentir como se aquele corpo quase imóvel fosse o de uma irmã. E já havia pensado nisso antes.
–Vai ficar tudo bem. -sussurrou para a menina -Você deve ter comido algo estragado, só isso.
–Brian, por favor, não tente me encorajar assim. Eu faltei quase três dias de aula, passei a maior parte do tempo deitada e quase não consegui comer nada. Isso não pode se algo normal.
Brian assentiu com a cabeça. É óbvio que aquilo não era algo normal, mas poderia ser apenas uma virose, uma gripe, um resfriado. Não tinha motivo para ficar com medo. E precisava mostrar-se seguro quanto a isso na frente de Taylor.
–Sua mãe disse que você não tem muitos amigos. -falou, finalmente quebrando o silêncio -Eu também não. Quando você melhorar, que tal fazermos um passeio? Assim você pode conhecer pessoas novas.
–Pessoas novas? É, talvez seja uma boa idéia. Que tipo de passeio?
–Andar de bicicleta pela cidade, tomar um café, visitar a Catedral... Você vai gostar.
Os olhos da garotas começavam a fechar-se e o rosto adquiriu um ar de cansaço.
–Brian, você pode sair um pouco? Preciso dormir.

x.x.x

Brian esperou por cerca de uma hora até que, enfim, a voz de Taylor chamou pela mãe. Sentado no humilde sofá da casa, viu quando ela passou pela porta do quarto, apoiada na mulher. Havia vestido outra roupa e calçava pantufas de monstrinho. A senhora cuidadosamente colocou-a ao lado do menino e entregou-lhe o controle da televisão.
–Se importa em cuidar dela enquanto faço umas compras? Não estava preparada para recebê-lo, desculpe.
–Sem problemas. Oh, por favor, permita-me pagar as compras. Foi culpa minha ter vindo sem avisar! disse enquanto pegava a carteira no bolso A propósito, ainda não sei seu nome, e suponho que não saiba o meu. Sou Brian
–Alice. Não posso aceitar seu dinheiro, desculpe.
O garoto insistiu até convencer Alice de que estava tudo bem e de que ele se sentiria extremamente envergonhado caso ela não aceitasse. Por fim, a senhora saiu e Taylor ligou a televisão, colocando-a em um canal de desenhos animados.
O desenho que passava resumia-se em um pássaro dodô fugindo de um lobo cor-de-rosa com bolinhas azuis, um tipo muito comum. Obviamente, por mais que o lobo tentasse, nunca conseguia pegar o Dodô e, além disso, só conseguia se machucar.
–Ele não pega o outro. Gasta tanto dinheiro fazendo armadilhas, quando poderia simplesmente comprar comida. disse a menina. Brian pensou que ela estivesse delirando, aquilo era uma coisa tão óbvia, não seria possível que a amiga só tivesse descoberto agora -É como a vida, não é? Você trabalha duro para alcançar seus objetivos, mas poderia correr atrás de outros mais fáceis. E, no fim, só consegue machucar seu coração.
–Taylor, você é um gênio. -Brian falou brincando
–Obrigada. -E voltou sua atenção para o desenho
Subitamente, o garoto sentiu dedos frios tocarem sua mão e subirem até seu ombro. Então, percebeu que a amiga se inclinava em direção a seu ouvido.
–Estou com frio, Brian. Quero meu cobertor.
Com preguiça de se levantar, fez a única coisa que podia para aquecê-la: retirou seu casaco e colocou-o sobre as costas da menina. Esta aproveitou e deitou-se em seu colo. Passou a mão sobre os cabelos de Taylor, desembaraçando-os.
–Posso te dar um apelido? -Ela já não prestava atenção no programa
–Claro.
Um minuto de silêncio se passou até a garota decidir apelidá-lo de Bray-Bray. Era um apelido bobo e sem graça, mas Brian decidiu rir e fazer piadinhas com o intuito de fazê-la se sentir melhor. Por fim, acabou apelidando-a de Tay, a doninha albina, o que gerou mais risadas.

x.x.x

–Brian, Taylor, cheguei. -Alice entrou pela porta carregando três sacolas plásticas cheias de frutas e legumes
O garoto ajudou a preparar o almoço. Não se comparava aos enormes banquetes servidos em sua casa, mas a comida possuía um gostinho caseiro delicioso.
No começo, Taylor recusou-se a comer, dizendo que passaria mal. Porém, ela a obrigou, usando o velho truque do aviãozinho. Era quase como cuidar de um bebê: carregá-la no colo, assistir desenhos, dar comida...

x.x.x

Passou a tarde com a amiga e, na hora de ir embora, disse que voltaria na segunda-feira para levá-la para a escola. Taylor abraçou-o forte e sorriu de uma forma muito fofa e agradável. Brian sentiu medo de deixá-la para trás, mas o motorista já o esperava a alguns quarteirões de distância. Despediu-se e seguiu em frente.
No carro, ficou imaginando o que causara o mal-estar da garota. Lembrou-se da frase que ela dissera mais cedo: você trabalha duro para alcançar seus objetivos, mas poderia correr atrás de outros mais fáceis. Na hora, a chamara de gênio por brincadeira, agora, porém, fazia total sentido.
Sentiu-se mal por possuir uma vida tão luxuosa, cheia de regalias, enquanto outras pessoas viviam de forma tão humilde. Como o mundo podia ser tão injusto? Como ele podia ser tão injusto? E por que só parara para pensar nisso agora? Como conseguira viver tantos anos sem perceber a desigualdade social? Eram tantas perguntas que foi necessária um boa dose de música alta para calar a mente.
Colocou fones de ouvido, escolheu um ótimo álbum dos Beatles e aumentou o volume até o máximo. A música percorreu seu corpo e alma, preenchendo todos os espaços vazios. Sentiu arrepios. Estava tão alto que não compreendia a letra, e, ainda assim, tinha certeza absoluta de que era maravilhosa, não tinha como não ser.
Sempre amara os Beatles, desde pequeno. A mãe o ensinara a escutar coisas do tipo. Entre seus cantores preferidos se encontravam Elvis, Paul McCartney e John Lennon. As pessoas estranhavam o fato de um geek gostava de rock clássico, mas ele achava legal.
Fechou os olhos e fez o que mais gostava de fazer: imaginar-se num vácuo, sozinho, sem nada e ninguém. Era maravilhoso. Por um instante, sentiu como se todos seus problemas tivessem desaparecido. Apenas ele, a melodia e o nada.
Então, ouviu uma voz. Não, não era John, nem Paul, muito menos Ringo, George, Pete ou Stuart. Era Taylor. Ela dizia alguma coisa, mas não era possível entender o quê. Brian gritou seu nome, nada. Abriu os olhos e se viu ainda dentro do carro. Arrancou cós fones da orelha, na esperança de escutá-la novamente. Lágrimas escorriam pelo seu rosto e ele tentou não parecer um maluco. O motorista parou o carro e olhou para trás.
Gerald sempre trabalhou para a família, pelo menos desde que Brian conseguia se lembrar. Tratava o garoto como se fosse seu filho, tentando compensar a falta de atenção por parte dos pais biológicos. Não conseguia vê-lo magoado ou machucado e estava sempre tentando fazê-lo sorrir.
No momento em que viu o menino chorando, o homem passou para o banco de trás e abraçou-o.
–Ei, Brian, que foi? Você parecia tão feliz. Acalme-se, está tudo bem.
–Eu a deixei para trás, Gerald. Taylor não gosta de ficar sozinha. Posso... Posso voltar lá amanhã?
–Você pode fazer o que bem quiser, meu senhor.


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Notas finais do capítulo

*Travessões trocados por hifens devido a um bug no meu pc*
*Não teve como escrever as notas iniciais devido a um bug também*
Capítulo dedicado a Yu Ackerman