Horas mais tarde, me sinto uma alienígena sentada na grande mesa de mármore carrara de Helena, que rola os dedos pela tela do celular com o cenho franzido, como se algo não estivesse certo. Do outro lado, Henrique tem o seu próprio celular na altura dos olhos e se esforça para digitar com uma mão enquanto a outra segura o garfo. Fora o som de talheres batendo no prato o silêncio era absoluto, me arrependo de ter deixado meu celular no quarto, pois nesse silêncio os minutos parecem se estender por horas.

— Querido, não se esqueça que a prova final amanhã às 15h00 e Edgar acabou de me avisar que tiveram que trocar o queijo do buffet.  - Helena soa controladora.

— Hã… ah sim, tudo bem querida. - O noivo responde distraído, sem desviar os olhos da tela. 

— E você Sammy? O que vai fazer amanhã? Posso te alugar um carro, você poderia fazer um tour pela cidade! - Helena diz animada o que me pega de surpresa, pois não estou preparada para o tom meloso em sua voz, que ela usa para falar comigo como se falasse com uma criança.

— Acho que não teria graça sozinha. Pensei que... você poderia me mostrar o seu ateliê, talvez… - Vejo as sobrancelhas de minha mãe se juntarem antes mesmo de eu terminar minha fala, como se eu tivesse dito que o céu é vermelho.

— Por Deus Sammy! Não seja boba! - Ela disse em total descrença conforme cortava um pedaço de cenoura no prato. - Vou me casar depois de amanhã, tenho TONELADAS de compromissos agendados, prova final do vestido, confirmar os fornecedores... - Ela pega o copo de suco em sua frente para levar aos lábios, falando em ritmo rápido como se estivesse estressada demais para ter essa conversa. - Kris Jenner fará minha despedida de solteira, eu não tenho tempo para tolices no momento. Podemos fazer isso depois, quem sabe no próximo verão.

— Você não teria tempo de qualquer forma. - Eu murmuro, me encolhendo na cadeira almofadada, pelo menos Henrique ainda parecia alheio a conversa, digitando freneticamente algo em seu celular.

— Céus! Sammy, você está realmente agindo como um bebê chorão agora. Bateu em minha porta sem qualquer aviso, dois dias antes do meu casamento e ainda espera que eu cancele meus compromissos importantíssimos para te dar atenção! - Ela disse com a voz alterada, largando os talheres no prato.

Sinto um bolo se formando em minha garganta  e instintivamente me seguro na cadeira para impedir que as lágrimas rolassem.

— E-eu mãe…- Balbucio as palavras como um verdadeiro bebê.

Pela primeira vez durante a conversa Helena direcionou seu olhar para mim, seus olhos amendoados perfeitamente delineados de preto amolecem ao ouvir a palavra que eu não falava desde que ela mesma havia me pedido para não repeti-la.

— Sammy, deixe disso… - Ela começou mais calma. - Eu não quero brigar com você, não me torne a vilã aqui. Olhe, vou pedir que Syrena acompanhe você pessoalmente em uma visita pelo ateliê amanhã, é o máximo que posso fazer. E depois da cerimônia você deve voltar para casa, chega de matar aula. - Ela disse com sua voz melosa como se eu fosse uma criança birrenta.

A mesma voz que ela usava quando me dizia que estava indo embora para trabalhar, ganhar dinheiro para nós duas em outra cidade, quando eu tinha 13 anos de idade.

As palavras não se formavam em minha boca, o bolo só crescia dentro de mim e tudo o que consigo fazer é balançar a cabeça, me levantando da cadeira e saindo para o quarto antes que eu pudesse chorar na frente de Helena e Henrique.

Me recuso a chorar ali, em vez disso entro no banheiro me esforçando para tirar a roupa com rapidez e entrar debaixo do chuveiro. As lágrimas finalmente rolaram em meio a água corrente com uma força que eu nunca havia sentido.

O arrependimento de ter voado até Nova York só não era maior que a minha frustração por pensar por um milésimo de segundo que Helena, um dia realmente me quis. Era como um tentar engolir um comprimido que não desce, encarar a verdade me deixou com um gosto amargo na boca.

Por que Samantha? Você nunca ouve o alarme de Vai Dar Merda!

Passo um bom tempo no banho, esperando que os meus piores pensamentos fossem levados com a água que escorria por meu corpo. Esfreguei minha pele com a esponja e sabonete caros, apenas saio quando percebo que minha pele está vermelha e dolorida.

Coloco meu pijama e me jogo na cama macia, afundando entre os travesseiros, fico um momento olhando para o teto estático até perceber que a tela do meu celular está se iluminando, é uma chamada de vídeo.

— Garotaaaaa! - Os rostos de Alexy e Rosayla surgem em uma metade da tela, os dois estão juntos no que parece ser o quarto de Rosa, que vejo no fundo. 

Na outra metade, a imagem de Castiel me faz perder o fôlego, seus fios vermelhos estão bagunçados e úmidos como se tivesse acabado de sair do banho, posso ver ao fundo o sofá de seu apartamento e alguns sons de latidos que me faz imaginar a cena de Kia e Dragon juntos em uma brincadeira canina, automaticamente o meu coração se aquece e a tensão que eu sentia à minutos atrás parece se esvair um pouco.

— Heeey guys… - Digo tentando manter a voz firme, torcendo para que nenhum deles note meu nariz vermelho e cara inchada, de quem acabou de chorar litros.

— MININAAAA! Eu nem acredito que estou falando com uma famosa de verdade! - Alexy diz empolgado sem conseguir deixar o telefone parado. - Você tem que nos contar TODOS os detalhes!

— Como assim? Do que vocês estão falando? - Eu peço desentendida, enquanto Castiel ajeita os fones de ouvido.

— Como assim do que estamos falando?! Estou falando da sua entrevista! Está por toda a internet! 

— A coisa é séria Sam, você está no trending do twitter. - Rosayla completa, mas eu não estou realmente ouvindo porque só agora percebo as milhares de notificações no meu celular. São centenas de comentários e tweets especulando sobre minha relação com Helena, se perguntando porque Helena nunca havia falado sobre mim ou porque eu nunca havia aparecido em público com ela.

— Amor...Sam! - A voz de Castiel faz com que eu volte à mim mesma. - Você está aí ainda? - Ele franziu o cenho parecendo mais lindo do que nunca.

— Oi er...estou aqui. - Minha boca responde, mas minha mente ainda está processando a informação. Nunca me imaginei sendo reconhecida nas ruas como filha de Helena Moore, mas agora essa cena poderia realmente acontecer. O pensamento é empolgante e assustador ao mesmo tempo.

— Você deveria ter visto a cara da Ambre quando todos na escola estavam comentando sobre você. - Alexy disse com uma risada abafada. - Olha miga, não quero ser desmancha prazer, mas bem que você poderia ter colocado um lookinho melhor pra sua entrevista.

— Aimeudeus! Eu realmente não tinha ideia de que aquilo iria acontecer! Foi completamente um acidente. - Apresso em me explicar, porque com certeza todos devem se perguntar como a filha de uma gênia da moda tem 0 senso de estilo.

O som de campainha surge de repente, só então me toco que o barulho está vindo do celular, onde vejo Rosa correr para atender a porta.

— Ai graças aos deuses! Nossa comida chegou. - Ouço Rosa comemorar.

— Sam, precisamos ir agora...Eu estou FAMINTO! - Alexy diz aproximando a câmera e fazendo biquinho. - Mas estamos morrendo de SAUDADES! Queremos te ver logo! POr favor não se esqueça de nós, sei que não chegamos aos pés da Kendall Jenner, mas você não pode nos abandonar. -  Alexy diz com um tom dramático.

Rio sinceramente ao ouvi-lo.

— Humm não sei não, Paris Hilton acabou de confirmar presença no casamento, quem sabe não ficamos amigas… - Eu respondo em tom de brincadeira e vejo ambos fingirem uma cara de espanto. - Tudo bem… também amo vocês. - Declaro sorridente e a sua imagem some, deixando apenas eu e Castiel na linha.

— O que há de errado? - Ele pergunta com a voz grave, mas suave. Ele está sem camiseta e tenho um vislumbre de suas tatuagens.

— Como assim? - Eu me faço de desentendida.

— Estou dizendo que sinto que algo não está certo, você não me parece… feliz. Você até pode enganar Alexy e Rosa porque eles estão empolgados demais para perceber, mas eu vejo Sam… 

— E-eu… - Para minha surpresa minha voz sai como um fio, e todos os sentimentos que eu havia deixado no chuveiro teimam em voltar.

— Sam, Sam… você está chorando? - Ele franze as sobrancelhas grossas e aproxima seu rosto da tela, preocupação toma sua face. Enquanto eu desvio o meu da câmera segurando qualquer vontade de chorar novamente. Você não vai fazer isso de novo Samantha! Estou cansada dessa merda

— O que ela fez pra você?! - Ele questiona, e eu posso ver a tensão em seu corpo, um brilho de ira em seus olhos. - Se ela ousar te magoar de novo! Eu nem sei - Ele se interrompe com seu momento de raiva. - E-eu sou capaz… - Sua voz some.

— Calma Castiel! É só que… - Eu tento. - Não é como eu esperava. Helena continua completamente sem noção. 

— Oh Sam… Eu não sei o que dizer. - Seus olhos são ternos e por um minuto penso que tudo o que eu mais gostaria era estar ao seu lado agora. De repente a falta de sua companhia, seu cheiro, nossos dias preguiçosos no apartamento… parecem tão distantes. - Eu sinto muito - Ele diz por fim.

— Eu vou passar por isso. - Tento soar firme. - Eu vou ficar bem. 

— Baby, você não precisa fazer isso… Se for demais… Você pode voltar quando quiser. Pegue o primeiro vôo e eu te busco onde você estiver. - Sua voz é calma, mas preocupada.

— Eu preciso fazer isso, preciso mostrar para Helena que eu não sou mais a criança carente que ela abandonou. Eu preciso fazer ela ver… 

— Ok… - Ele diz triste. - Mas se lembre disso ok… Eu te amo muito e todos aqui em Sweet Amoris também! E tenho que manter meu celular longe para conter a vontade de te ligar a cada minuto, porque a saudade que eu estou sentindo é algo inexplicável. 

Sua palavras me tocam de tal forma, que tenho que segurar o impulso de arrumar as malas e partir no primeiro avião.

— Eu também amo muito! Sinto muito a sua falta! - Minha voz sai embargada e não soa como eu. - Você pode...ficar na linha? Só até eu pegar no sono. - Peço.

— Eu vou ficar aqui o tempo que você quiser. Você sempre pode contar comigo, Sam.

— Eu sei. - Respondo sincera, puxando as cobertas e encostando a cabeça no travesseiro.

Naquele momento minha decisão já estava tomada, eu iria ao casamento e mostraria para Helena que ela não pode mais me tratar como a criança que ela pensa que eu sou, ela não pode me ignorar, ela não pode agir como se eu fosse apenas um nome em sua agenda.