As Chamas da Vingança escrita por Tayle


Capítulo 9
O Sinal de Fogo


Notas iniciais do capítulo

"O que é aquilo no céu?"
— Bárbaro habitante das Montanhas Uivantes.



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–Será que é quem eu estou pensando? – Perguntou Ryer ao irmão, se referindo à figura que aparecia no topo de uma colina distante e parecia aguardar pelos dois irmãos.

– Só pode ser ele. – Respondeu Kurt, sem desviar o olhar da figura imóvel que se erguia a duzentos metros de distância. – Mas ele já era velho quando eu nasci. É impossível que ele ainda esteja vivo! Só pode ser magia.

Os três foram caminhando em direção à figura e conforme foram chegando perto, reparam que o enviado do Pégaso havia carregado uma verdadeira casa na bagagem. Isso só confirmava as suspeitas de Kurt. Só poderia ser ele.

O homem trazia consigo uma carruagem que parecia vir de uma família muito rica e inovadora, porque tratava-se de uma carruagem que era aparentemente capaz de andar sobre a neve das Uivantes sem nenhum problema. Com rodas de aço que tinham um anão de altura, movida à um motor que funcionava com carvão, que era bem mais potente do que parecia e com a carcaça em forma de bolha feitas de placas de metal intransponíveis umas sobre as outras, o que transformava aquele veículo numa espécie de tanque de guerra medieval, com a peculiaridade que ele não tinha armas, ou pelo menos parecia que não. Aquela carruagem mais parecia uma cápsula de metal com rodas do que um veículo. Definitivamente não parecia confortável.

– Diga-me que não vamos viajar naquilo. – Suplicou Leo. – Eu acho que não passo pela porta e não estou nem um pouco a fim de escutar piadinhas como “ah, porque ele não puxa a carruagem”.

– Fica tranquilo. – Disse Kurt, depois de uma risada bem humorada. – Se a pessoa que estiver em pé ao lado daquilo for quem eu estou pensando, nunca vai escutar esse tipo de coisa... E aquela carruagem cabe muito mais do que você.

Continuaram caminhando lentamente por mais três minutos até chegarem bem perto da máquina e de seu operador. Um homem alto, magro e calvo, com um bigode branco que faria com que qualquer um que o visse, pensasse que ele era um personagem diretamente reciclado de alguma história em quadrinhos. Sua boa educação e postura denunciavam sua profissão e o enorme brasão estampado naquela cápsula de metal com rodas anunciava para todos nas Uivantes que ele servia à casa Solaris. Mais tarde, Leo veio a perceber, pelo modo como os irmãos o tratavam, que aquele empregado fosse talvez o mais antigo da família e trabalhava lá há mais tempo do que Kurt e Ryer haviam vivido. Seu nome era...

– Alfredo! Há quanto tempo não te vejo, cara. – Era Kurt, deixando a formalidade de lado e dando um abraço no mordomo que era, acima de tudo, um velho amigo.

O rosto de Alfredo criou uma expressão de surpresa tão inusitada que Ryer teve que se esforçar para não rir.

– Vejo que não mudou nada, Senhor Kurt. – Ele nunca soube como reagir às informalidades do então guerreiro. – E esse aqui é... Senhor Ryer?

– Sim. – Ryer respondeu, ainda meio tímido. Ele se lembrava muito pouco do mordomo, já que sempre fora uma pessoa isolada e preferia a companhia de um livro do que de um ser vivo. Além do mais, ele havia saído de casa com o irmão enquanto ainda possuía apenas onze anos.

– Ora! Como você mudou, Senhor Ryer! Não parece mais aquele frágil garoto que vivia sempre na biblioteca da casa! O que houve, decidiu abandonar os livros?

– Vá por mim, ele jamais abandonaria os livros. Ele apenas ascendeu em um estágio de intelecto ainda maior. – Disse Kurt com uma ironia zombeteira nas palavras.

– Como assim? – Alfredo não pôde deixar de ficar curioso com as palavras de Kurt.

– Eu memorizei eles... – Ryer havia ficado ainda mais tímido.

Ao ver os olhos esbugalhados de surpresa no rosto do mordomo, o minotauro riu. Os irmãos não puderam deixar de achar graça e Alfredo os acompanhou, um momento mais tarde. Naquele momento, nada daria errado. Se ele era o enviado do Pégaso para ajuda-los, então os irmãos Solaris tinham certeza de que estavam em boas mãos, afinal Alfredo nunca negou ajuda à nenhum dos dois irmãos e sempre tentou ser o mais prestativo possível, mesmo quando sabia que os dois estavam errados. Ele perdera a conta de quantas vezes encobrira as travessuras dos irmãos para que não levassem bronca dos pais.

– Vamos, Leo, entre na carruagem. – Kurt convidou em ironia, imitando desajeitadamente os gestos que um mordomo faria.

– Ah, precisam de uma porta maior? Com sua licença. – Alfredo se aproximou da carruagem e tocou um pequeno quadrado de metal que só então Leo percebeu que existia e então a porta se alargou e ficou mais alta quase que instantaneamente. – Siga para dentro.

Leo foi o primeiro a entrar e o que viu deixou sua mente confusa. Por fora, a carruagem não parecia caber nem mesmo um cavalo, mas por dentro ela era dividida em muitos cômodos.

– Seja bem-vindo à carruagem do Panteão. – Disseram os outros três em uníssono.

Internamente, o veículo tinha uma área central que era uma grande sala com poltronas e livros em todos os cantos das paredes. Na verdade, quase não dava para ver qualquer vestígio disso naquela sala quadrada. Em cada lado do ambiente havia um portal, todos dando acesso à corredores longos.

No portal do norte, o corredor tinha onze portas, assim como no portal sul. Cinco em cada lado e uma no fim do corredor. Segundo o mordomo, a última porta de cada corredor era uma passagem para um banheiro. Nos corredores norte e sul, haviam dez quartos e cada um contava com quatro camas, dois armários e era decorado internamente de acordo com as preferências de um deus do Panteão. Vinte quartos para vinte deuses. Além disso, em cada quarto, leis especiais deveriam ser seguidas, para honrar as estatuetas dos deuses que ficavam num pedestal, ao centro de cada quarto.

Nos portais leste e oeste, ficavam a passagem para corredores também iguais e com onze portas de cada lado, mas essas davam para quadras de esportes, pistas de corridas, cozinhas, áreas de serviço e, como sempre, a última porta era a do banheiro.

O minotauro não entendia como aquela mansão coube dentro daquela pequena cápsula, mas também não entendia como a porta havia alterado seu tamanho para que ele pudesse entrar, então decidiu fingir que compreendia e seguir sem perguntar, mas Kurt percebeu a confusão refletida no focinho do amigo.

– “Ciência junto com magia” é a marca registrada da família Solaris. – Disse o guerreiro. Na verdade, nem mesmo ele entendia como aquilo funcionava e ele sabia que o que acabara de dizer não ajudaria a explicar, mas quando era ele o confuso e não o minotauro, foi assim que fizeram com ele. Aceitar as coisas às vezes é bem melhor do que questioná-las.

– Partimos para a nossa casa agora? – Perguntou Ryer, ansioso por rever os pais, antes de perceber que estava agindo como uma criança ansiosa de onze anos novamente, assim como era quando havia saído de casa.

Como eu amo Time Skip.

Não demorou muito até que chegassem à mansão no meio das Uivantes, mas foi tempo o suficiente para que Alfredo os levasse até o grande armário da carruagem e os obrigasse a trocar de roupa e tirar as armaduras por algum momento, para que pudessem relaxar e deixar que os narizes sentissem um cheiro que não fosse de suor e sujeira. O banho também fora obrigatório. A função de um mordomo é fazer com que todos mantenham as aparências, explicou.

Ao saírem da Carruagem do Panteão, sentiram o frio das Uivantes novamente e só então perceberam que além de todo aquele espaço interno, o veículo também contava com um bom sistema de climatização. Se as rodas fossem de liga leve, muitas pessoas comprariam sem nem mesmo um test drive.

A mansão Solaris fixa parecia exatamente como Kurt e Ryer se lembravam, com exceção de uma coisa: não havia ninguém na casa.

O mago às vezes se sentia assim naquele lugar, mesmo com as dezenas de empregados, porque a mansão era algo verdadeiramente grande. Não demorou muito até que Alfredo explicasse o que havia ocorrido.

– Senhores. – Disse o mordomo com dificuldade. – A mansão foi atacada por um dominador das chamas. Seus pais lutaram como puderam, mas não conseguiram resistir. Gladius...

– Então o tal dominador das chamas era mesmo Gladius. – Kurt interrompeu o empregado. – Estávamos na pista certa. Vamos ver se achamos mais alguma coisa.

Sem que Alfredo pudesse terminar o que dizia, os três aventureiros entraram na mansão inabitada e foram explorando. Estranhamente, nada estava fora do lugar e nada que pudesse denunciar se Gladius havia desviado o rumo ou se seguia mesmo para Tapista, a fim de vender os escravos sequestrados. Foi quando Leo tropeçou em algo.

– Cuidado cara! Você parece um touro numa loja de porcelana! – Kurt gritou, ao ouvir o som do vaso que enfeitava um pequeno pedestal no meio da ante sala se espatifar no chão.

Algo na mente de Ryer estalou. Havia alguma coisa errada naquele vaso. Não parecia ser feito do mesmo material que antes.

– Leo, soque a parede! – Ordenou o mago.

– Cara, eu sei que ele é forte, mas não vai conseguir quebrar a parede. – Contestou Kurt. – Além do mais, porque você está pedindo pra ele fazer isso?

– Confia em mim... Leo, estoure a parede com um murro. Se precisar, use o machado! – Ryer ordenara ainda mais imponentemente.

Sem argumentar, Leo socou a parede e a madeira que foi usada para cobrir as pedras que sustentavam a casa explodiu em farpas que voaram para todos os cantos. Leo não entendeu o que havia acontecido, mas quando se virou, viu os rostos dos irmãos pasmos.

– A madeira está queimada por dentro. – Disseram os dois.

– Mas a pedra continua dura. – Rebateu Leo, apertando as mãos.

De súbito, toda a decoração falsa da casa que havia sido feita com magia para disfarçar os estragos se desfez e os dois correram para o quarto onde os pais costumavam repousar e onde a mãe deles, que antes fora uma clériga de Azgher, o Deus-Sol, guardava os pergaminhos e livros sagrados que fora incumbida de proteger. Leo fora atrás. Subiram dois andares de escadas, atravessaram quatro corredores e passaram por dúzias de portas, até que os irmãos pararam pouco antes de chegar a uma porta que em nada diferia das demais e Leo foi obrigado a frear também.

Com o mínimo de ruído possível, Kurt deslizou para em frente à porta e se preparou para arromba-la, enquanto Ryer já tinha energia arcana nas mãos e Leo já havia sacado seu machado, mas assim que tocou na maçaneta, ouviu-se um estrondo de explosão, uma faísca saindo do ombro metálico de Kurt e um susto por parte dos três. Um buraco na porta ainda saía fumaça. Ryer sabia o que era. Um tiro.

Kurt arrebentou a porta andando e entrou no quarto, seguido pelo seu irmão e pelo minotauro. Lá dentro, estava sentado na cama de casal um homem todo encapuzado com dois revólveres no colo e cercado de pergaminhos abertos e livros jogados no chão. Provavelmente já lidos. Leo notou que as armas de fogo deveriam ser bem modernas, porque existia um estranho sistema de engrenagens que permitia que o atirador disparasse oito tiros em cada revólver, antes de precisar recarregar.

– Quem é você? – Perguntou Kurt – E o mais importante: o que está fazendo aqui.

– Você me conhece. – Respondeu o estranho, tirando o pano que cobria seu rosto e o a touca, para que pudesse ser visto por Kurt.

Era verdade, o Solaris realmente conhecia aquele cara.

– Gladius! Seu maldito! – Kurt já estava irado. – Tem noção de quanta merda você fez? Seu babaca.

– Irmão, acho que esse não é Gladius. – Disse Ryer timidamente. – Se fosse realmente ele, estaria nos atacando com fogo de verdade, não com armas de fogo. Além do mais, nosso velho amigo não tinha essa marca na face.

Isso também era verdade. Quem quer que fosse, esse estranho tinha uma marca de nascença no rosto que mais parecia uma tatuagem tribal moderna.

– Pode ser que seja verdade. – Todos eles abaixaram as armas, mas Kurt ainda estava preparado para o combate. – Onde estão nossos pais, você sabe?

– Achei que o mordomo que o Pégaso mandou tivesse lhes contado sobre isso. – O pistoleiro pareceu surpreso. – Antes de tudo, meu nome é Aegis... E seus pais estão atrás daquela porta.

A porta em questão era um cômodo da casa que servia de armário pro casal. Kurt foi andando lentamente em direção à porta, sem tirar os olhos de Aegis. Ele poderia estar usando isso para golpeá-lo pelas costas. Quando finalmente abriu a porta, percebeu que o verdadeiro golpe não viria de trás, mas sim de dentro.

– Irmão, o que houve? – Perguntou Ryer, ao perceber que Kurt estava paralisado, mas Leo foi mais rápido e andou para perto de seu companheiro, para ver o que havia atrás daquela porta.

Leo não conhecia o Senhor e a Senhora Solaris, mas também sentiu pena e um pouco de nojo. Com dois grandalhões na frente, Ryer não conseguiria ver o que estava em exposição.

– Deixem-me ver! – Pediu o mago.

– Acredite garoto, você não quer ver isso. – Disse Aegis, voltando-se novamente para os pergaminhos de Azgher.

– Eu preciso ver, me deixem ver! – Ryer gritou impaciente e só então o irmão voltou a si.

Kurt se virou, levantou seu irmão mais novo pelos ombros e, chorando de raiva, urrou. Um urro tão violento que deixou todos naquele quarto surdos por três segundos e tão potente que os anões da Cidadela de Khalmyr pensaram ter ouvido algum dragão rugindo. Ryer se assustou com aquilo.

– Me diz quem fez isso! – Kurt gritou para Aegis. – ME DIGA APENAS UM NOME!

– Foi Gladius.

Irrompendo em chamas e por pouco não matando todos naquele quarto, Kurt estourou o teto de pedra com a cabeça, enquanto suas chamas motivadas pela raiva lhe davam propulsão suficiente para voar.

Naquele dia, o povo das Uivantes viu seu primeiro cometa.

Curioso, Ryer quis olhar, enquanto o minotauro ainda estava distraído. Ele teve poucos segundos para ver, antes que seus olhos se enchessem de lágrimas, mas esses escassos momentos foram suficientes para lhe traumatizar eternamente com uma visão aterrorizante de seus próprios pais meio carbonizados e jogados ali dentro, como dois bonecos de pano estragados.

O mago caiu de joelhos no chão e, assim como seu irmão, urrou. Não um som de fúria e raiva, como o de Kurt, mas sim um grito que exprimia desespero. Amaldiçoou sua memória sobrenatural, porque sabia que jamais esqueceria cada detalhe daquela cena. Amaldiçoou seus pais por terem sido fracos e morrido. Amaldiçoou Azgher por não ter protegido ao menos sua mãe e amaldiçoou a si mesmo, por não ter ficado junto com os pais, e ao irmão, por não ter ficado ali junto com ele e ter abandonado o grupo por causa da raiva. Naquele dia, Ryer sentiu toda a sua mente sendo afetada por aquela imagem. Algo seria mudado.

– Vamos. – Era Aegis do lado de fora do buraco que Kurt criara no teto. – Temos que passar na Cidadela de Khalmyr e depois irmos atrás do seu irmão. Não há tempo para choro.


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Notas finais do capítulo

Saiu mais um capítulo e eu espero que vocês tenham gostado! No meio da semana vai sair mais um, provavelmente na quarta ou na quinta-feira. O motivo de eu publicar um capítulo no meio da semana é porque meus companheiros de mesa estão quase me batendo para eu colocar logo a história em dia e poder voltar a jogar a mesa com eles.



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