As Chamas da Vingança escrita por Tayle


Capítulo 10
A Queda do Cometa


Notas iniciais do capítulo

"Que foi? Já tava assim quando eu cheguei!"
— Sckhar, Dragão-Rei dos dragões vermelhos, sobre o cometa.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/573144/chapter/10

Ainda era dia quando Ryer, Aegis e Leo chegaram nos portões da cidadela de Khalmyr. O mago não havia se recuperado totalmente do choque de ver seus pais mortos e Leo não sabia muito bem como agir, mas Aegis ignorava tudo. Para ele, o importante era a missão.

Os portões da muralha da cidadela eram tão enormes que o próprio Sckhar, o líder dos dragões vermelhos, poderia passar por ali. Nenhum dos três sabia dizer se aqueles imensos portões eram feitos de prata ou se era apenas uma ilusão criada pela neve que caía. Cerca de cinco metros mais alto do que os portões, estava o ponto mais alto da montanha. Leo, mesmo sendo o mais alto dos três, quase não conseguia ver o fim. Lá em cima, anões patrulhavam sem serem vistos, com seus mantos brancos ocultados pela nevasca. Por baixo dos mantos, armaduras pesadas de metal altamente resistente. Somente os anões teriam acesso aos tais minérios necessários para forjar algo tão resistente. Na parte de baixo, no meio dos portões, havia uma porta bem pequena com um trinco simples que só abria por dentro, para que os patrulheiros pudessem olhar para quem quer que estivesse tentando entrar e permitir ou não a passagem.

– Como fazemos para entrar aqui? – Perguntou Leo.

– Não faço ideia. – O mago foi sincero.

Aegis caminhou em direção à porta e parou bem perto dela. Apoiou as mãos sobre a superfície gelada da porta e acabou deixando parte da pele dos dedos no metal frio. Chegou com o ouvido bem perto e deu uma pancada bem de leve na falsa prata dos portões. Nem o Solaris e nem o minotauro entenderam o que ele estava fazendo, mas acharam melhor apenas observar, enquanto pensavam o que tentar quando a tentativa do pistoleiro desse errado. Com um soco forte nos portões, no ponto certo, toda aquela montanha de metal em formato de porta gigante ressoou, como um sino de igreja, mas cerca de vinte vezes mais alto.

Ryer prendeu a respiração quando ouviu o barulho de algumas pedras rolando do alto da montanha em direção à eles, mas conforme elas foram chegando mais perto, ele percebeu que eram apenas pedrinhas pequenas e incapazes de fazer qualquer mal. Respirou aliviado e foi até Aegis para perguntar o que ele estava fazendo, mas antes mesmo de chegar ao mais recente amigo, a portinhola se abriu e olhos de anão saltaram para ver quem incomodava.

– O que querem, viajantes? – Perguntou a sentinela, com uma voz mais rouca do que o normal para a sua raça.

– Nada além de um pouco de calor e comida nesse frio congelante da montanha. Não faremos mal, lhe juro. – Prometeu o mago.

– Vou perguntar se podem entrar. Mais alguma coisa?

Ryer já ia dizendo que não, quando Leo interrompeu.

– Sim, precisamos falar com seu líder, o líder de Doherimm.

– Como sabem disso? – O reino de Doherimm era um reino subterrâneo sagrado e exclusivo para anões, mas um reino misterioso, que somente muito poucos não-anões sabiam que existia e ninguém que fosse mais alto do que um metro e meio conhecia qualquer entrada para lá.

– Apenas sei. Diga-lhes que preciso falar com algum representante do reino dos anões que está aqui na Cidadela.

O anão se foi e fez o que Leo havia pedido. Poucos minutos depois, os imensos portões se abriram, fazendo um ruído de metal arrastando em metal tão alto e perturbador que faria qualquer um desejar ser surdo. Atrás dos portões, a cidadela se dividia em magma usado para forjar, anões trabalhadores agitados como formigas protegidas com metal ultra resistente e construções grandes e médias cobertas pelo teto de uma caverna com mais estalactites do que qualquer um dos aventureiros conseguiria contar. Qualquer tremor e choveria agulhas de pedra sobre eles.

Dentre todo aquele caos urbano coberto por camadas e camadas de rocha e uma neve não tão fofa, mas muito tranquila e pura, um anão se destacava por possuir armadura dourada e barba e cabelos ruivos. Não era muito mais alto do que o resto de seus companheiros, mas tinha o dobro do tamanho, quando se tratava de largura. Via-se de longe, pelo orgulho com o qual ostentava o seu brasão que tratava-se de um Paladino de Khalmyr, um dos deuses que é alvo da devoção dos anões, junto com Tenebra.

O guerreiro veio caminhando na direção dos viajantes com uma expressão séria e imponente no rosto, para mostrar ao povo da Cidadela que um servo do Deus da Ordem merecia respeito apenas por ser tão honrado. Além disso, aquele anão sabia que teria assuntos especiais a tratar com os três esfarrapados que o observavam.

– Me acompanhem. – Disse o Paladino, parecendo preocupado que alguém estivesse prestando atenção no que se passava.

Sem questionar, os três seguiram o brilho reluzente da armadura dourada e constataram que era impossível se perder daquilo no meio da cidade. Menos de quinze minutos de caminhada depois e eles estavam no terceiro nível do subsolo, numa sala pequena e cercada apenas por rocha da própria caverna, com alguns minérios de ferro aparecendo na parede. Ali eles poderiam falar sem serem espionados, segundo o paladino garantira.

– Como vocês sabem de Doherimm? – Ele foi direto ao ponto. – Não contamos disso para ninguém.

– Caí lá acidentalmente enquanto andava por Arton. – Respondeu Leo.

– Até aí eu posso acreditar. Doherimm tem muitas entradas que se abrem por causa de solo fraco, mas como sobreviveu à queda e como conseguiu sair de lá sem ser morto por anões e sem conhecer os caminhos de saída e de entrada?

– Minotauros nunca se perdem. Além do mais, – Leo estufou o peito com orgulho. – Não sou apenas um minotauro, sou um Clérigo de Tauron. Custou algumas cabeças de anões, mais saí e depois procurei saber mais sobre essa imensa caverna.

– Pode ser verdade. – O servo de Khalmyr ainda estava desconfiado, mas não queria correr o risco de julgar erroneamente. – Mas como...

Antes que ele pudesse terminar a frase, um tremor intenso dominou a montanha e um anão entrou correndo na sala para avisar que a cidadela estava coberta de neve, mas que pelo menos eles haviam conseguido trazer o veículo de metal para dentro, antes que a neve engolisse tudo. Aegis deu graças à todos os deuses do Panteão por sua moto estar salva.

O tremor se dissipou quase tão rápido quanto surgiu, mas algo pareceu perturbar o povo, pelo silêncio que se ouvia do nível principal da Cidadela, logo acima deles. Ao subirem novamente e chegarem perto dos portões, eles perceberam o que havia acontecido.

Durante muitos anos, o amor não correspondido de Sckhar havia habitado as Uivantes. Beluhga, a Dragoa-Rainha da Luz, líder dos dragões brancos, havia sido aprisionada por Khalmyr numa cadeia de montanhas verdes e férteis, mas o frio vai onde a Beluhga está e a Beluhga vai onde está o frio. Com o tempo, as montanhas começaram a ter seu clima alterado pela presença da dragoa e se tornaram infinitas nevascas que os mortais chamaram de Montanhas Uivantes. Muito tempo depois, Beluhga foi morta, mas a neve continuou a cair naquela cadeia montanhosa.

– Quando Beluhga morreu, alguns dragões brancos mantiveram o afeto pelos anões e outros mortais que ela possuía. – Explicou o paladino. – Um desses decidiu tomar o lugar da Beluhga, para que nada mudasse para nós, mas parece que agora ele saiu da montanha.

– Porque diabos ele sairia agora? Já faz tanto tempo da morte da Beluhga. – Perguntou o mago.

– Acho que eu sei porque. – Aegis disse. – Dragões brancos costumam amar o gelo e o frio, mas hoje uma bola de fogo viva atravessou os céus de seu reino. Não duvido que tenham pensado que foi um ato de Sckhar.

– Ótimo. – Disse Ryer. – Agora temos que seguir uma bola de fogo descontrolada e um dragão branco que provavelmente vai matar todos nós? Como eu vim parar nisso?

– Parem aquele cometa antes que o dragão atinja ele e vocês terão um desejo realizado por Khalmyr. – Disse o anão. – Têm a palavra de um paladino do Rei dos Deuses.

****

Os poucos habitantes das tribos bárbaras que viviam nas uivantes não entendiam o porquê de um meteoro estar cruzando os céus, acompanhado de uma nevasca extrema que fazia um barulho de ronco muito alto, como se uma máquina estivesse prestes a destruir todo aquele reino, mas muitos davam seus palpites, dizendo que o cometa simbolizava bons anos férteis que estavam por vir, seguidos de uma longa era de miséria, entre outras coisas.

Na velocidade em que Kurt estava, o atrito com o ar fazia suas chamas aumentarem ainda mais, mas ele não ficava muito atrás da velocidade de voo do dragão que o perseguia e a moto de Aegis, com Ryer e Leo na garupa, estava se aproximando cada vez mais.

Os artonianos possuíam o hábito de nomear qualquer fenômeno natural e os cometas não eram exceção.

– Qual o nome do cometa que você está perseguindo nessa lata velha? – Aegis ouviu algum bárbaro andante gritar.

– Tá de brincadeira? Isso aqui é uma Harley! – Respondeu furioso com o insulto à sua máquina.

– Halley? Bom nome...

O cometa foi engolido pela nevasca e começou a cair um pouco antes de Korm. De início, todos pensaram que fosse atingir a vila em cheio, mas acabou desviando de rota e caindo um pouco depois. Kurt estava são o suficiente para não matar pessoas inocentes por pura raiva, mas aquele dragão iria arranjar algumas queimaduras, ou o guerreiro iria morrer tentando queimá-lo.

O dragão virou a cabeça quando viu os três aventureiros restantes em cima de uma moto que derrapou de lado e parou com a lateral virada para o início do combate. Imediatamente os três saltaram do veículo quando ele parou totalmente de se movimentar. Ryer, Leo e Aegis, por sua vez, viram Kurt, em posição de combate, com sua foice curta em uma mão e o outro braço inteiro emanando chamas tão intensas que derretiam a neve que estava no chão e os flocos que caíam perto dele. Quanto mais Kurt se molhava com o gelo derretido, maior suas chamas pareciam ficar. O dragão, já focado novamente no guerreiro flambado, estava pronto para soltar um bafo congelante a qualquer momento. Aegis pareceu se lembrar de uma época que ele havia visitado há algum tempo em que duelos de pistoleiros eram feitos quase dessa forma e o primeiro a atirar quase sempre vencia. Talvez fosse assim ali também.

Leo preparou seu machado de batalha e foi em direção ao amigo, sem prestar atenção no dragão.

– Se vamos combater, que seja junto. Se vamos vencer, venceremos juntos. Se a morte nos espera, então ficarei feliz em morrer lutando contra um oponente respeitável e ao lado de um aliado mais honrado ainda. – Disse-lhe o minotauro.

Antes que Kurt pudesse protestar, Ryer já estava atrás dos dois, com raios saltando entre os dedos, membros e cabeça, e Aegis já estava com suas duas pistolas preparadas.

– Basta me dizer onde eu devo atirar.

– Você estava certo, Kurt. – Era Ryer, ainda ressentido pelo irmão o ter deixado sozinho na mansão. – Irmão de taberna vale mais do que irmão de sangue.

Percebendo o que havia feito, as chamas de Kurt cobriram seu corpo inteiro, como uma forma de manifestar a raiva que ele sentia de si mesmo. Não queria abandonar o irmão que tinha jurado proteger. Ele precisava de alguém para descontar toda aquela frustração e esse alguém seria aquele dragão que ainda esperava algum ataque dos aventureiros.

Foi Kurt quem atacou primeiro. Praticamente voando na direção do dragão que estava a quinze metros de distância, ele se preparou para dar o soco mais forte que conseguia. Quanto mais perto chegava, mais tranquilo o dragão parecia estar. Leo percebeu isso e quis gritar que isso tudo era parte da estratégia de batalha daquele reptiliano extremamente intelectual, mas quando começou a abrir a boca, todo o tempo congelou. Não com o gelo do dragão, mas com magia, um feitiço antigo e difícil de se fazer que é capaz de parar o tempo, sem paralizar a consciência dos seres vivos.

– Obrigado por atender as minhas preces, Senhor de Arton. – Dois metros acima de todos eles, em uma armadura dourada brilhante e ostentando o símbolo da ordem de Khalmyr, estava o paladino com quem os aventureiros, com exceção de Kurt, haviam tratado durante sua visita à Cidadela.

Como eles podiam ter se deixado enganar por um simples anão, só porque ele portava o símbolo de Khalmyr e usava ele com orgulho. Não havia garantia de que ele realmente era um Paladino e muito menos de que ele era honrado. Aquele grupo havia passado por situações tão mais complicadas para morrerem por simplesmente terem confiado na pessoa errada? Infelizmente, a vida funcionava assim.

Aegis já se preparava para morrer, quando o dragão se virou para a armadura dourada e falou com sua voz grave e rouca, que expressava muito bem a velhice daquele dragão e o poder que tinha vindo junto com os anos de experiência e amadurecimento do corpo.

– Esses meros humanos queriam me atacar! Não foi esse o nosso trato! – Disse o réptil. – Você deu sua palavra de que eu não seria incomodado enquanto mantivesse a neve para vocês e esse trato durou por mais de cem anos, mas quase se rompeu agora. Se esse pivete tivesse me encostado, todos estariam enterrados permanentemente em tumbas de gelo puro.

– Calma, amigo branco. – Pediu o paladino. – Eles não sabiam do trato e eu vim aqui justamente para detê-los. Prometo que ninguém te incomodará novamente na sua caverna.

– É bom mesmo. – Disse o dragão já se virando e se preparando para alçar voo em direção à caverna que habitava. – Caso contrário, na próxima vez, eu enterro a Cidadela inteira em gelo e neve. Sei que Khalmyr adoraria isso.

– Acredito que sim. – Mentiu o anão.

Enquanto o dragão ia embora, o paladino desfazia o feitiço que havia prendido todos eles e os repreendia por terem tentado matar o dragão branco que protegia e cuidava do reino. Não haviam pensado neles e nem nas pessoas das uivantes. Matariam a si mesmos e a todo um reino.

– De qualquer forma, vocês pegaram o cometa antes que ele atingisse o dragão, ou quase isso. – Mudou de assunto dentro de sua armadura dourada. – E promessa é dívida. Qual o desejo de vocês?

Leo pensou por algum tempo na sua casa, Tapista, e em todos os minotauros que ainda viviam lá. Ele desejava salvá-los do Dominador de Chamas. Ryer queria vingança pela morte horrível de seus pais e Kurt queria mais do que nunca matar aquele babaca pelos problemas que ele havia causado à eles. A essa altura, a nevasca já havia ido embora junto com o dragão. Aegis decidiu o desejo por todos e ninguém ousou reclamar:

– Nos leve até o Dominador de Chamas para colocarmos um fim nessa história. – Pediu o pistoleiro.

– É isso que desejam? – Perguntou novamente o anão.

– Sim. – Todos responderam em uníssono.

– Que seja. – O paladino começou a rezar para Khalmyr. – Preparem-se.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Galera, desculpe demorar para postar o décimo capítulo, mas é que eu preciso dizer que essa fic já está para acabar. Ela foi programada de início para 15 capítulos, mas acabamos encurtando para 12. Essa semana ainda eu começo uma nova fic (que também é sobre arton e baseada numa aventura de RPG), mas dessa vez o cenário é futurista, sem magia e cerca de 1700 anos depois do que está sendo narrado aqui. Quem gosta de universos cyberpunks vai adorar ela. Preparem-se para um Panteão colapsado, uma guerra civil e ameaças externas de outras dimensões chegando!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As Chamas da Vingança" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.