As Chamas da Vingança escrita por Tayle


Capítulo 7
O Observador


Notas iniciais do capítulo

"Nada fazia sentido ali. Não havia períodos, não havia padrões, não havia sentido e a única certeza era de que algo ia mudar sempre e a qualquer momento. Filosófico? Há quem diga que isso não passa de loucura."



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Assim que passaram pela primeira árvore daquela área, algo mudou e todos eles puderam sentir isso. Havia uma trilha que parecia guiá-los até a saída, na direção oposta da qual entraram, mas fora a trilha, a única coisa que eles conseguiam ver eram as folhas das árvores que pareciam cada vez mais altas.

Quanto mais pro fundo do bosque eles iam, mais eles tinham a certeza de que aquilo era um lugar místico e algo ali parecia estar sempre errado. Todos tinham certeza de que aquilo era apenas uma ilusão, mas nem sempre uma ilusão trás perigos irreais, então eles se mantiveram alertas, rezando todo o tempo para que algo pulasse na direção deles.

Se tivessem que descrever o que viam, Ryer diria que ali existiam árvores altas, com inúmeros galhos, onde corvos se equilibravam, e um chão coberto de folhas caídas e úmidas. Leônidas descreveria um ambiente mais frio, com pinheiros altos e pontiagudos e uma grama rasteira e gelada. Em cada galho de cada pinheiro havia um corvo que parecia encará-los. Por fim, Kurt via uma floresta tropical úmida, verde e viva, com milhões de cores em profusão e uma infinidade de espécies, incluindo corvos.

Na realidade, o lugar onde eles estavam não se tratava de nenhum desses três ambientes, mas sim todos ao mesmo tempo. O lugar mudava frequentemente, variando entre esses três e fazendo animais de florestas tropicais sofrerem por segundos no frio que suporta os pinheiros, para depois passarem pela umidade da mata que Ryer via e finalmente voltarem para seu ambiente natural, enquanto se preparavam para enfrentar outra mudança ou não. Nada fazia sentido ali. Não havia períodos, não havia padrões, não havia sentido e a única certeza era de que algo ia mudar sempre e a qualquer momento. Filosófico? Há quem diga que isso não passa de loucura.

Apesar de toda a insanidade presente na lógica do local, dois elementos estavam presentes nas visões de todos os três aventureiros. Os corvos e...

– O que diabos foi isso? – Perguntou Ryer ao ver uma sombra preta passar voando.

– Não sei, mas é grande, rápido e não parece ter pernas. – Respondeu Kurt, já soltando faíscas de excitação.

– Era tudo que eu queria. – Leo sorriu.

De fato, aquilo que passara voando não tinha pernas, mas era extremamente rápido. Fosse o que fosse, resolveu se mostrar e então todos os aventureiros puderam ver o que era aquele monstro e isso era bom, mas também o monstro pôde ver os aventureiros... E isso era ruim.

A besta não havia percebido, mas os três já estavam à espera dele. Além disso, ele sabia que eram três, mas só viu dois heróis. Ryer já tinha se colocado em vôo, não pra fugir, porque sabia que não havia como fugir daquela floresta, mas ele tinha certeza de que se pudesse voar, poderia atingir o alvo desprevenido de cima.

Todos julgavam o animal como se ele não fosse inteligente, mas não era bem assim. Aquela cabeça gigante flutuante de um olho só tinha cérebro. O monstro projetou tentáculos com olhos nas pontas, eram doze ao todo, mas cada um diferente do outro e todos diferentes do maior, que ficava no meio da cabeça. Ryer conhecia aquilo, mas não teve tempo para falar. Um dos olhos da criatura mirou na direção de Leônidas e o paralisou. Isso provocou raiva e frustração no minotauro, já que tudo que ele mais desejava era lutar, mas o monstro havia percebido que ele seria um problema, então resolveu pará-lo para lidar com ele depois. Enquanto isso, outro dos olhos se voltou para Kurt e de repente o guerreiro não via nada além do escuro. Tudo havia ficado preto e isso começou a desesperá-lo.

Ryer observava de cima, atentamente, o amigo paralisado com uma expressão de raiva extrema no focinho e o irmão golpeando o vento com sua foice enquanto ateava fogo em tudo à sua volta, sem perceber que assim ele poderia queimar o minotauro que estava parado perto dele. Por um instante, Leo percebeu o quanto era irônico o fato de Ryer ter sido queimado por um inimigo e não pelo seu irmão incendiário.

Apesar das chamas atingirem as árvores, os pinheiros e as plantas tropicais, nada era queimado ou incendiado, simplesmente porque quando o ambiente mudava, as plantas em chamas desapareciam e davam lugar a outras plantas intactas e prontas para serem incendiadas até serem trocadas novamente. Kurt não podia ver, mas a falta do cheiro de queimado, do calor do incêndio se espalhando e do barulho dos estalos das árvores tombando e se desfazendo em cinzas aos poucos por causa das chamas denunciou o que estava acontecendo e isso pareceu deixar Kurt ainda mais irado.

Ryer entendeu o que precisava ser feito. Algumas palavras arcanas e umas quatro notas na guitarra foram o suficiente para que Kurt voltasse a ver. Agora ele tinha um alvo, uma foice e muita raiva. Já podemos prever o que aconteceu.

O guerreiro pulou e girou no ar enquanto sua foice cortava cinco dos doze tentáculos da criatura, num só golpe. Antes que o monstro pudesse reagir ou se afastar, Kurt caiu no chão, bem a frente dele e desferiu um golpe com seu braço mecânico colocando toda a força que ele julgava ser capaz de produzir e que as engrenagens de aço poderiam aguentar. O braço de ferro entrou até a altura da engrenagem que substituía o cotovelo no “olho-mãe” da criatura. Não foi preciso muito mais tempo para que a vida se esvaísse por completo daquilo que, Ryer explicara depois, era chamado de Observador.

Com a morte do Observador, Leônidas começou a voltar lentamente ao normal e se acalmar, mas Kurt simplesmente não podia suportar o fato da criatura não ter tido coragem de enfrentá-lo sem truques sujos e não se acalmou tão facilmente. Ele olhou para cima enquanto Ryer descia do local onde estava e avistou alguns corvos observando tudo lá de cima, impassíveis, como se aquilo fosse apenas mais um show e eles fosse só espectadores. O guerreiro não pode se segurar e arremessou quatro bolas de fogo para cima antes de seu irmão acalmá-lo. Do alto, dois corvos caíram carbonizados e já mortos. De mais alto ainda, Nimb sorria, sentado no seu trono, em algum lugar de seu reino, enquanto observava tudo o que acontecia. Finalmente algo interessante ocorreria.

Em Arton, nenhum dos aventureiros sentiu nada de diferente e todos seguiram seu caminho para fora do bosque e para cima das montanhas de Teldiskan. No início, Leo não quis subir as montanhas, mas decidiu que não deixaria uma simples fobia atrapalhar todo o grupo. Ryer se ofereceu para usar uma magia que daria coragem para ele, mas o minotauro recusou rigidamente. Não restava dúvidas para nenhum do grupo de que aquilo era um teste de força e resistência, além de necessitar de muita coragem para enfrentar suas fobias apenas com força de vontade.

Quando saíram da floresta, perceberam a diferença de Arton para o local por onde eles haviam passado. Do lado de fora, o ar parecia mais puro, leve e respirável. Não havia a aura mágica que emanava de tudo que vivia dentro da floresta. Fora do alcance das árvores, eles se sentiam livres, como se uma grande responsabilidade tivesse acabado de sair de cima deles e todos gostaram disso.

– Não conseguia mais aturar aquele lugar. – Disse Kurt – Aquela aura mágica ia acabar fazendo mal pra minha pele.

Leônidas e Ryer olharam para o guerreiro com uma expressão de dúvida e incredulidade no rosto. Nenhum dos dois acreditava que Kurt havia dito aquilo e ele não percebeu o que havia dito.

– Você tá bem, irmão? – Perguntou Ryer

– Ele está certo. – Leo falou – Você parece diferente.

– Como assim? – Kurt ainda não tinha percebido.

– Você acabou de dizer que algo faria mal pra sua pele. Você não costuma dizer essas coisas, mano.

– Eu que não durmo enquanto esse aí tiver de guarda – Zombou o minotauro.

– Nada demais. Falei por falar, eu acho. – Era mentira e Kurt sabia disso. Havia algo diferente nele. Um sentimento que ele nunca havia sentido antes inundava seu corpo e sua mente. Era como se ele tivesse toda a sua personalidade trocada.

– Tudo bem então, vamos seguindo em frente – Ryer voltou a caminhar.

Apesar de serem grandes, as montanhas Teldiskan não passavam de montinhos de areia quando comparados à imensidão elevada que eram as Montanhas Uivantes. Tão extensas que representavam um reino inteiro de Arton e tão alto que o frio lá era paralisante e para onde quer que se olhasse, não era possível ver nada além de neve. Dizia-se que uma nevasca nas Uivantes poderia levar à miséria uma tribo inteira que vivia por lá, por isso todas elas respeitavam a ferocidade e selvageria daquele terreno.

Teldiskan era um conjunto de montanhas entrançadas umas nas outras e era separado das Uivantes apenas pelo Rio dos Deuses, que era tão largo que fora capaz de formar um vale plano e calmo entre dois grupos montanhosos e agressivos. No início, eram pequenas colinas, mas conforme os aventureiros iam avançando, o terreno parava de ondular e começava apenas a subir, cada vez mais íngreme, até que em um ponto Leo olhou para trás. Foi um erro.

O minotauro se desesperou e quase tombou para trás. Voltou a olhar pra frente na tentativa de se acalmar, mas percebeu que o terreno ficava quase vertical à sua frente, o que significava que eles ainda iam ter que escalar e ir mais alto do que aquilo. Ele voltara a se questionar se teria sido melhor contornar aquele lugar.

– Leo, você está bem? – Perguntou Ryer.

– Não precisa ficar preocupado, carinha. – Leo sorriu. – Eu vou ficar bem.

– Tem certeza, estamos chegando perto da escalada e sabemos que os minotauros têm pavor...

– Eu não sou qualquer minotauro. – Interrompeu Leo.

– Tudo bem chifrudo. – Disse Ryer – Agora feche os olhos.

– Porque você quer que eu feche os olhos? – Leo se irritou – Não preciso disso para me acalmar.

– Apenas feche a droga dos olhos, respire fundo e relaxe – Ryer gritou.

Leo teve que assentir. Ajeitou o machado nas costas, se firmou no chão e respirou fundo. Fechou os olhos e pouco a pouco o mundo foi sumindo, os barulhos foram cessando e ele foi se sentindo cada vez mais leve e livre. Ele já não sentia mais o calor do solo que era banhado pelo sol e lhe parecia que ele estava viajando por aí. Quando abriu os olhos novamente ele estava no topo da escalada, sentado no chão e encarando os irmãos Solaris.

– Porque fez isso? – Perguntou calmamente Leo.

– Se eu posso voar, porque vocês não poderiam? – Respondeu o mago.

– Agradeço pelo que você fez, mas me desça novamente. Desafios de força e coragem devem ser cumpridos sem ajuda de ninguém. – Explicou Leo.

– Mas já vai escurecer e temos que armar nosso acampamento aqui em cima – Protestou Kurt.

– Vocês montam o acampamento e não precisam esperar por mim – Insistiu Leo – Agora me desça, projeto de bardo.

Ryer não tinha escolha a não ser descer o minotauro de novo. Isso foi desperdício de energia, ele havia dito, mas o irmão não deu importância. Ali não havia lenha para fazer uma fogueira, mas nenhum deles pensava que era necessário uma. Naquele lugar relativamente remoto, a luz das estrelas brilhava forte o suficiente para que todos eles pudessem ver longe o bastante para detectar cada inimigo. Eles tentaram esperar pelo minotauro, mas não conseguiram e caíram no sono.

– Tauron está orgulhoso! – Era o que Leo dizia depois de chegar no topo e já não conseguir mais ver o chão lá embaixo. Só assim conseguiu se acalmar.

Uma leve brisa soprou de encontro ao corpo suado e peludo do minotauro e por um momento ele pensou que estava de volta às planícies de Tapista. Quando voltou a si, tudo que ele desejava era mais um pouco daquela brisa que o refrescara e uma noite de sono para que sonhasse com a sua terra natal. Estou chegando. Falta muito pouco, pensava o minotauro. Então outra brisa soprou, mas essa veio de outra direção e então ele pôde sentir o que o aguardava. Essa não veio fresca e selvagem, mas sim congelada e desafiadora. Leo sentiu medo e se amaldiçoou por isso. Um servo do Deus da Coragem jamais poderia sentir medo.

– Que ótimo. – Ele disse ao perceber que seus dois amigos estavam dormindo – Eu pego o primeiro turno de vigia.


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Notas finais do capítulo

Espero que estejam gostando das aventuras dos irmãos Solaris e do Leo tanto quanto eu adoro escrevê-las. Como prometido, esse é o segundo capítulo do dia. Mais pra frente, teremos uma semana em que eu lançarei mais de um capítulo, porque, como eu disse, essa história não é feita por mim, mas sim por um grupo de amigos que joga ela num RPG de mesa, então eu preciso adiantar alguns capítulos pra botar a história em dia e poder voltar a jogar (antes que eles me matem).



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