As Chamas da Vingança escrita por Tayle


Capítulo 6
Prelúdios do Combate


Notas iniciais do capítulo

"Vai vender, trocar, penhorar ou morrer?"
— Vendedor de Selentine.



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Acharam a informação que queriam antes de chegar a Valkaria, o que permitiu que eles passassem direto pela cidade, sem nem ao menos visitar uma taverna, mas ainda teriam que passar pelo Rio Nerull e pelas pequenas Montanhas de Teldiskan antes de chegar às Montanhas Uivantes. Além disso, os irmãos Solaris conheciam muito bem aquele território pra saber o quão traiçoeiro ele era e ambos concordaram que deveriam parar antes em Selentine, uma pequena vila que ficava perto do caminho que eles fariam. Não iria atrasá-los muito e seria totalmente necessário.

– Compraremos sapatos para a neve e o máximo de bebida quente que conseguirmos. – Era Kurt – Eu nunca gostei do frio que faz lá em cima.

– Bebida? – Leo parecia surpreso – Jamais achei que uma missão tão perigosa me proporcionaria algo tão bom quanto beber pra se esquentar.

– Acredite, – Ryer estava sério – Aquele frio é capaz de gelar os ossos e paralisar até mesmo o Kurt, que assim como eu, nasceu lá. Apesar de não me afetar, eu duvido que você consiga sobreviver por muito tempo sem a ajuda de um bom vinho.

– Um mero mago desafiando um clérigo de Tauron? Devo estar sonhando.

– Calem a boca um pouco vocês dois! – Kurt interrompeu – Estamos quase chegando em Selentine.

De fato, o vilarejo surgia ao longe, mas parecia mais do que um simples vilarejo. Comparado com a imensa cidade-capital de Valkaria, Selentine não passava de um projeto de olarias espalhadas, mas mesmo assim era algo digno de respeito. Dali, dava para se ver o busto da colossal estátua da deusa que repousava sobre a cidade e, caso olhassem para o lado oposto, podia-se ver as Montanhas de Teldiskan e o rio Nerull. Mais atrás, erguida respeitosamente, uma muralha natural escarpada, gelada e traiçoeira. Uma terra que deveria ser explorada apenas por corajosos.

– Pretendem ir para as Uivantes? – Perguntou um vendedor, que havia percebido o olhar curioso dos aventureiros em direção aos picos.

– Só porque estamos comprando sapatos para a neve, não quer dizer que vamos esquiar. – Respondeu Kurt.

– Ignore meu irmão. – Pediu o mago. – Sim, vamos para as Uivantes. Temos assuntos a resolver por lá.

– Idiota! Agora podem nos seguir! – A irritação já começava a dominar o mestre das chamas. – Não era pra você ter falado nada!

– Não é necessário esconder nada. – Se intrometeu Leo – Se nos seguirem, mataremos eles. Esconder o local para onde vamos nada mais é do que fugir e isso não é digno para um servo da força e da coragem.

– Que seja... – Kurt fora vencido. – Vamos indo logo!

Já estavam quase saindo da loja quando o vendedor os interrompeu e mandou chamar alguém.

– Ouça, pequeno mago, o que você me diz de me vender essa sua guitarra, ou trocá-la por algo que eu tenho aqui?

– Não posso – Respondeu Ryer – Essa guitarra foi me dada de presente quando eu consegui dominar magia de raios. Me apeguei muito a ela e não posso simplesmente me desfazer disso.

– Entendo... – O olhar do vendedor se tornou subitamente sombrio. – Se você não quer me dar, então vou ter que tomar de você.

Uma confusão se iniciou na loja e dois ou três clientes que ainda escolhiam seus produtos fugiram, jurando nunca mais voltar naquela espelunca. Não demorou muito até que quatro subordinados do vendedor voassem pelas janelas, ensanguentados e com expressões variando entre horror extremo e dor sem fim no rosto. Os três companheiros saíram andando tranquilamente pela porta da frente com um pouco mais do que haviam comprado e todo o dinheiro que tinham inicialmente em mãos.

– Não íamos pegar tanto e nem tomar nosso dinheiro de volta – Disse Kurt – Mas você cismou em nos roubar.

– Agora eu entendo de onde vêm todos aqueles produtos variados. – Era Ryer.

– Não há honra em vender produtos roubados. – Concluiu Leo – Provavelmente essa gangue também atacava alguns viajantes que estavam entrando e saindo de Valkaria. Não sei como eles tiveram coragem de nos atacar.

– Talvez tenham achado que eu estou enferrujado – Kurt riu.

– Vamos seguindo. Ainda temos uma taverna para achar. – Era Ryer, suspirando em reprovação pelo alarde que o irmão havia causado.

– Podemos conseguir isso fácil. – Leo pegou um dos subordinados que ainda estava vivo e o levantou pelo pescoço – Onde tem uma taverna por aqui?

Ensanguentado e quase não conseguindo mais suportar a vida, o único dos capangas que restara observava a morte dos outros três amigos, enquanto o minotauro apertava seu pescoço como forma de ameaça, para que ele lhe apontasse a direção da taverna. Quase não conseguiu, mas levantou seu braço e apontou em uma direção.

– Você vem com a gente – Kurt decretou – Se tiver mentido, não vai conseguir mentir nunca mais.

Bastaram cinco minutos de caminhada na exata direção que o lacaio havia apontado para que eles achassem uma taverna. Imediatamente, largaram o inimigo em um beco onde ele poderia sangrar em paz até o momento de sua morte. Era sua punição por tentar roubá-los.

Entraram na taverna e não é necessário descrever novamente a mesma cena. Eles adoravam repetir o mesmo ritual. Bebida. Quarto. Negociação. Pechinchar. Montar armadilhas. Recolher informações. Bebida. Dormir. Acordar com barulho suspeito. Bater em alguém. Sair da cidade e seguir seu caminho, sem se esquecer de pegar mais bebida.

Todas as tavernas eram iguais, ainda mais no reino de Deheon, e eles gostavam de seguir essa espécie de protocolo, mas dessa vez aconteceu algo que nenhum deles esperavam que acontecesse, algo muito pior do que serem atacados por criaturas místicas que esperavam pacientemente por um descuido ou serem ameaçados por uma horda de cidadãos inteiros que desejavam a morte ou a expulsão de estrangeiros que haviam trago a discórdia e o caos para aquele lugar. Para a surpresa de todos, nada disso aconteceu e, ao invés disso, eles tiveram uma noite tranquila de sono e todos precisavam dela, por mais que odiassem admitir, mas não foi algo totalmente bom. Os três esperavam por batalhas noturnas, então acordaram tensos e preparados para cortar ao meio, incendiar ou eletrocutar o primeiro homem que irritasse um deles por qualquer motivo. Eles queriam lutar.

Não demorou muito pra que eles saíssem de Selentine e rumassem ao rio Nerull. Não havia como se perderem. Ao chegarem perto da margem, um barco estava parado à deriva e parecia esperar por eles. Se aproximaram receosos e desconfiados, mas mesmo assim aquele barco era o melhor modo que eles tinham de atravessar o rio sem terem nenhum problema. Com partes de ferro no corpo e vestindo armadura, Kurt teria bons problemas para nadar. Leo também não parecia se sentir confortável longe das margens, já que era pesado e carregava muitas armas. Para piorar ainda mais, Ryer não poderia se esquecer de seu pequeno problema.

Claro que ele era imune, mas dentro da água sua maldição de atrair todos os raios que caíssem por perto seria fatal para o irmão e para o amigo. Ainda tinha o problema de Kurt não gostar nem um pouco de se molhar. Era aceitável esse gosto, uma vez que ele era controlador de chamas e que tinha partes de ferro no corpo que poderiam enferrujar. Será que realmente era possível que seu braço e sua perna oxidassem? Ryer não tinha certeza, mas preferia não arriscar, já que o único homem que seria capaz de fazer um novo braço ou uma nova perna como aqueles já estava morto há tempos e não havia como ele viver de aventuras e recompensas sem uma perna e um braço.

O barco estava parado e vazio. Ninguém dentro. Eles seguiram em frente e subiram ao convés. Então todo o veículo começou a brilhar numa luz fantasmagórica esverdeada que confundia-se com a cor da água. O barco começou a se mover lentamente, mas acelerando pouco a pouco, de forma que em apenas dez minutos ele já estava à deriva na margem oposta do rio, esperando que seus passageiros desembarcassem. Nenhum deles entendia o porquê daquilo, mas parecia que algum deus, seja lá quem fosse, estava tentando ajudá-los e eles agradeciam por isso.

Atravessar o rio Nerull foi ridiculamente fácil e todos estavam cientes disso. Entretanto, todos eram experientes o suficiente para saber que isso iria custar um preço e provavelmente aquele barco havia sido mandado por algum deus que queria que eles exterminassem alguém para ele. De fato, algo que eles ainda não tinham visto antes estava agora no caminho. Uma floresta. Não, na verdade, um bosque ou algo entre esses dois. Os aventureiros não sabiam descrever ao certo o que estava na frente deles porque cada um via uma coisa, mas todos viam algo em comum. Verde por todos os lados. Plantas que nunca tinham visto antes. Um cenário que parecia ter sido tirado de algum reino celestial.

– Não iremos entrar hoje. – Leo decidiu. – É simplesmente suspeito demais. Vamos acampar aqui fora e cruzaremos esse bosque amanhã pela manhã. Enquanto isso observaremos os possíveis perigos que nos aguardam.

E assim foi feito. Todos concordavam com o minotauro, apesar de ninguém ter nomeado ele como líder. Kurt acendeu uma fogueira com a lenha que Ryer catou nos limites do bosque e eles acamparam ali mesmo, no relento.

– Minotauros preferem viver sem tetos sobre suas cabeças. – Era o que havia dito Leo, quando questionaram sobre um telhado para protegê-los de uma possível chuva. A noite caiu e nenhum deles conseguiu dormir. Todos tiveram uma boa noite de sono há pouco tempo e, como todos os aventureiros, eles estavam acostumados a dormir pouco. Além do mais, todos esperavam e torciam para que houvesse um ataque noturno. Mais do que tudo, eles precisavam lutar, mas todos ainda sabiam que era burrice entrar naquela mata durante a noite. Algo emanava dali, mas era mutável demais para ser definido. A energia daquele lugar mudava instantaneamente quando era percebida. Definitivamente era trabalho de um deus.

Quanto mais pensavam sobre isso, mais tentavam descobrir quem era o responsável por aquilo. Não poderia ser Valkaria, a deusa da ambição, pois a deusa estava selada e nem Sszzaass, o deus da traição, que estava morto. Keen, senhor da guerra, e Ragnar, senhor da morte, não haviam porque fazer aquilo. Azgher, o deus-sol, jamais trabalharia durante a noite e Tenebra, a mãe-noite, nunca faria algo com tanta vida. Allihanna poderia ter feito aquilo, já que a loucura criativa da deusa era capaz daquilo. Era uma obra digna da deusa da natureza, mas os créditos não eram dela. Também não podia ser Marah ou Lena, as damas da paz e da vida. Grande Oceano jamais se interessaria pelo solo e Thyatis, deus da ressurreição e das chamas, com certeza criaria algo mais quente. Lin Wu, da honra, iria propor um desafio mais direto e honroso, sem mistérios, já Hynnin, o senhor das trapaças e deus dos ladrões, não gostava de chamar tanta atenção. Aquilo também não parecia ser obra de Megalokk, o deus dos monstros, por ser simples e pequeno demais. Poderia ser um teste de Tauron para seu clérigo, mas Leo duvidava que o deus da força e da coragem fosse esconder seus desafios em uma floresta mística. Talvez Wynna, a dama da magia, tivesse feito aquilo, mas Ryer duvidava um pouco, conhecendo a natureza complexa e mística da deusa da magia e olhando para a floresta simples. Talvez existisse algum segredo escondido ali e a simplicidade fosse apenas alguma armadilha para que ninguém duvidasse de nada. Khalmyr, o rei dos deuses e senhor da justiça e da ordem, também não poderia ter feito aquilo. Então os aventureiros perceberam que sobraram apenas duas opções. Ou aquilo era obra do Lorde Louco, Nimb, o patrono do caos, sorte e azar, ou era um feito da complexidade mágica de Wynna.

Eles refletiam sobre isso enquanto lidavam com a insônia e observavam fixamente a floresta de Kurt, o bosque de Leo e a mata de Ryer. Seis olhos atentos esperando que algum indício divino saltasse para fora da mata e dissesse para eles qual deus era responsável por aquilo. Seis olhos atentos fitavam para a floresta, enquanto onze olhos atentos olhavam de volta para aqueles que observavam a floresta. Não havia como eles saberem o que estavam esperando, mas seja lá qual for o deus que planejara aquilo, resolveu brincar com o grupo.

Um corvo emergiu da copa das árvores, parou em frente aos aventureiros e olhou-os como se estudasse o que aqueles três seriam capazes de fazer. Nenhum dos três soube que estava sendo analisado, apenas acharam estranho que um corvo houvesse saído daquele ambiente rico. Geralmente corvos habitam áreas banhadas em sangue. Talvez algo esteja morto lá dentro, pensou Kurt, mas Ryer havia percebido algo mais. Não havia sinais de sangue no bico do corvo e não existia nada mais importante para um corvo do que comer as vítimas enquanto estavam frescas. Aquela ave não estava pensando em comer.

Dentro da cabeça de Ryer as dúvidas aumentaram ainda mais. Um corvo poderia ser um sinal de que Wynna estava por trás daquilo, já que corvos são amigos de magos de muitas décadas atrás. Por outro lado, podia-se esperar a mesma coisa de Nimb, afinal não dá pra duvidar da capacidade e da loucura do deus do caos. Quem havia feito aquilo? A face de Azgher responderia essa pergunta.

O dia começava a surgir no horizonte e apenas uma brasa restava onde antes estava a fogueira ardente que os aqueceu e iluminou enquanto o manto de noite de Tenebra cobria os céus e permitia que Arton descansasse. Os pássaros começaram a cantar, mas logo pararam, como se aquilo tivesse irritado quem quer que os aguardasse ali dentro. Aquele não seria um dia fácil.

Leônidas sacava seu martelo, ajeitava a sua armadura que quase não existia e preparava sua maça leve de batalha, enquanto Ryer dava a sua última lida no grimório e afinava a sua guitarra. Se for pra fazer, farei com estilo, era o que dizia o mago.

– Ele tem dons artísticos, não dá pra negar. – Dizia Kurt, enquanto vestia uma brunea e entregava uma outra meia armadura idêntica ao irmão, com medo de que ele se machucasse.

– Mas me parece um pouco detalhista demais. – Leo respondeu – Não esqueça sua foice.

Leo até agora não entendia o porquê de Kurt lutar com uma foice, mas pelo menos não era uma de longo alcance. A arma que o meio golem de ferro usava era uma lâmina curvada em meia lua que era presa em um punhal. Afiada dos dois lados, para que ele pudesse cortar, arranhar, furar e enganchar qualquer alvo na distância de um braço ou menos.

O dia havia chegado e trouxe consigo um novo desafio. Eles estavam prontos, ou achavam que estavam. A floresta os aguardava e o corpo de cada um deles vibrava de emoção por finalmente poder entrar em combate de novo. Naquele dia os corvos cantaram a mais linda sinfonia de horror e confusão que Nimb era capaz de compor.


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Notas finais do capítulo

Desculpem pelo longo atraso do capítulo. Eu prometeria que não vou fazer isso de novo, mas não posso garantir, já que as aulas estão recomeçando. De qualquer forma, para recompensá-los, vou enviar mais um capítulo ainda hoje.



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