Neva no Coração escrita por Wendy


Capítulo 5
Manhã translúcida de inverno




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Zelão levou uma das mãos até o queixo da amada, e começou a acariciar os lábios dela com o polegar.

– Eu senti falta dessa boca... – sussurrou, colando a testa na dela.

– E eu senti falta dessas mãos... – a professorinha pegou as mãos do capataz e levou até seus lábios, beijando cada uma.

– Você vai me perdoar, Zelão? – ela perguntou, hesitante.

– Eu quase perdi ocê. – abriu os olhos, para que pudesse acabar com as dúvidas dela. - Num há nada para perdoar...

– Mas eu te deixei... porque eu estava com medo.

– Ocê tá com medo agora? – ele perguntou, arrancando um suspiro longo de sua professorinha.

– Agora, eu não tenho medo de mais nada. – afirmou.

A vida era tão curta, ela sentiu na própria pele. Não havia mais tempo há perder. E a única certeza que ela tinha, era que amava Zelão e ele amava ela. Podia não haver casa, nem condições, nem apoio das pessoas. Mas os dois estavam vivos e apaixonados. Ela não tinha mais medo. O medo há impedia de viver e ela queria muito viver. E ao lado dele.
Mãe Benta observava o jovem casal enquanto tricotava um cachecol. Formavam um belo par, de fato. Ela não entendia muito bem o que conversavam, pois estavam trocando sussurros, quase como segredos, mas sabia que estavam se entendendo. Ela olhou para a janela, para o céu quase branco, e agradeceu.

Zelão beijou ela dessa vez, suave e com muita ternura. Um roçar de lábios. Com um pouco de relutância ele se afastou, e afirmou cuidadoso:

– Ocê precisa comer, minha flor.

Juliana olhou para o colo, onde estava o pão, passou a mão pelo estômago e concordou. O capataz ficou ali, estático, observando a jovem comer, ele se surpreendeu um pouco o quão rápido ela devorou o pão. Devia estar faminta. Afinal, passou um período longo de tempo sem comer.

– Desculpas. – ela gargalhou, se sentindo um pouco envergonhada pela sua conduta não tão educada. Devorou o pão como um homem das cavernas, pensou.

– Ocê não precisa se desculpar... – limpou alguns farelos que ficaram próximo a boca. – Ocê fica linda assim.

– Linda é a última coisa que estou agora... – passou as mãos por baixo dos olhos. – Eu devo estar com olheiras... a minha pele está seca, que horror! – ela constatou.

Zelão balançou a cabeça e deu um beijo demorado no rosto dela, em seguida, pegou o chá que sua mãe tinha preparado.

– Num importa o que ocê diga, Juliana, ocê sempre vai ser a mulher mais linda desse mundão para eu.

–x-

Juliana terminava de tomar seu chá quando a porta se abriu de uma vez. Era Serelepe, esbaforido como se tivesse corrido muito. O menino fechou a porta logo em seguida, recuperando o fôlego. Tinha irritado alguns meninos da fazenda jogando bolas de neve, e estava correndo e se escondendo dos dois. Mãe Benta, Zelão e Juliana, olharam os três admirados ao mesmo tempo.

– Professora Juliana! – ele gritou. Correu disparado em direção a moça. Zelão se afastou, dando espaço para ele pular na cama, no colo da professorinha. Zelão levantou, colocando a xícara sobre a bandeja no criado mudo.

– Meu pequeno herói. – abraçou o menino, beijando a testa dele. - O Zelão me contou o que você fez, quero muito agradecer o menino Tuim também.

– Eu tô vindo da casa dele agora mesmo, mas logo vou lá dar a boa notícia... – ele colocou as mãos no rosto e no cabelo da professora, constatando se ela estava bem mesmo. Juliana e Zelão trocaram olhares e gargalharam.

– A sôra tá vivinha da silva. – em seguida, se abraçaram novamente. – Eu estou tão feliz, professora. Agora se a sôra me dá licença, acho que a Mãe Benta também tá querendo um abraço apertado.

– Claro, Serelepe.

Assim, ele desceu da cama e foi em direção à sua mãe de coração, dando um beijo na bochecha dela.

– Tô fazendo um cachecol novo pra ocê, Lepinho. – ela disse.

– E eu num ganho cachecol, minha mãe? – Zelão comentou ao fundo.

– Ocê nunca gostou dos que eu fazia para ocê, fio... – disse, ressentida.

– É verdade, é verdade.

– Pois eu gosto muito, Mãe. – Juliana comentou. – Se a senhora fizesse um para mim, eu usaria de bom grado.

– Eu gosto de tudo que ocê faz para eu... – Lepe afirmou, observando a idosa tricotar, estava sentado no chão ao lado dela.

– Tá vendo, Zelão... só ocê que num gosta das coisas que sua mãe faz... – comentou séria, mas logo gargalhou ao ver o semblante confuso do filho.

–x-

Já passava do meio-dia. Era uma tarde agradável apesar das baixas temperaturas. A neve caia tímida lá fora. Pequenos flocos isolados. Mãe Benta descansava em sua cadeira de balanço costurando o cachecol para passar o tempo, Serelepe estava adormecido ao lado da cadeira, com a cabeça em seu colo, a típica sonolência que vinha depois do almoço. Zelão e Juliana também estavam adormecidos na cama. Ele estava sentado ao lado da cama, ela encostando o tronco no peito dele. Zelão tinha um braço protetor ao redor do ombro dela, já com a outra mão segurava um livro que estava em seu colo. Juliana havia pedido ao amado para que lesse algo pra ela dormir, já que ela gostava tanto quando ele lia “de carreirinha”. Ele leu um dos livros que Serelepe guardava na casa, com certa relutância no ínicio. Mas Juliana o convenceu que não se importava com os erros dele.

–x-

A porta rangeu algumas vezes até se abrir, revelando a figura imponente de Seu Pedro Falcão, a filha dele logo atrás segurando uma espingarda. Mãe Benta quase caiu da cadeira com o susto que levou. Acordou Serelepe que estava um tanto quanto desnorteado. O fazendeiro já ia gritar quando avistou a figura da professorinha recolhida ao lado de Zelão. Porém Mãe Benta e Serelepe enxotaram o homem pra fora antes que ele dissesse algo. Encostaram a porta atrás de si, para não atrapalhar o momento de sossego do jovem casal.

– Mar ieu posso saber o que é isso?

– Carma, Seu Pedro. Que num é essa besteira que ocê tá pensando.

– Mas que carma o que sô! Se a Juliana tá aí dentro eu vou entrar e o Zelão vai se ver com eu!

– Ocê num ouse tocar num toque num fio de cabelo do meo fio!

Gina rangeu os dentes para a senhora, porém Pedro a controlou, impedindo que ela avançasse.

– Ara! Ocê defendendo aquele um.

– Ora, Gina! – repreendeu. – Ocê deixa a Mãe Benta falar, que ela num é mulher de mentira, de meia-palavra não. Respeite os mais veios.

– Tá... – disse a contra-gosto.

Lepe que observava tudo até agora, calado, se manifestou:

– A Mãe Benta vai explicar tudo para ocês... o Zelão num é o culpado dessa história, pode ter certeza, minha palavra.

– Muito bem. Estou pronto pra ouvir a versão de ocês... Afinar, a professora tá sobre os meus cuidados, e ela passou quase dois dias sumida e agora eu encontro ela aqui.

– Ainda mais adispois das ameaças do Zelão – Gina relembrou.

– Filha! O que eu disse?

– Ara, pai! Ocê é um pé no saco.

– Acho que ocê Lepe, pode começar contanto, afinar foi ocê que encontrou a prefessorinha primeiro. – a idosa falou pra criança.

Serelepe narrou o acontecido desde o momento que encontrou Juliana na neve até quando a viu recuperada. Explicou que Zelão, ele e Mãe Benta só tiveram boas intenções em fazê-la se recuperar rápido, pois seria arriscado sair com a professora no estado em que ela se encontrava no meio da tempestade de inverno. Em seguida, Mãe Benta contou para o fazendeiro sobre a sinceridade dos sentimentos do filho para com Juliana, e também, descreveu a emoção do casal quando a professorinha despertou.

–x-

Zelão acordou de seu cochilo ao ouvir vozes vinda lá de fora. O tom era familiar, e ele reconheceu sendo como o da menina Gina. Ele levou algum tempo para se reajustar na cama de modo que não incomodasse Juliana e a deixou deitada lá, enquanto ele seguiu para fora da casa. Mãe Benta notou a figura do filho se aproximando. Ele tinha uma expressão surpresa no rosto e caminhava a passos lentos, como que tivesse medo da reação do ruivo.

– Seu Pedro! – cumprimentou, em seguida virou-se para Gina que fez uma careta. – Menina!

– Zelão. - o fazendeiro cumprimentou.

– Ô sei que ocê pensa que eu tenho culpa do que aconteceu, ainda mais das ameaças que fiz, da maneira que eu me portei... mar, num é nada disso.

– Eu sei. O menino Lepe e sua Mãe me explicaram tudo que aconteceu.
O ruivo estendeu a mão para o capataz, e este, retribui o gesto, apertando a mão.

– Agradecido por ter cuidado e protegido a Juliana. Estou agradecendo ocê assim como agradeci sua mãe e o Lepe. – Pedro ficou pensativo, e coçou a barba. – Sabe, desde que a professora chegou aqui, acolhi ela debaixo da minha asa e sinto uma responsabilidade muito grande por ela.

– Ela faz parte da nossa família. – Gina comentou.

Mãe Benta e o menino ouviam atentamente o dialogo de Zelão com os Falcão, que nem perceberam uma figura vestida numa camisola branca se aproximando de onde eles estavam.

– Juliana! – Gina foi a primeira a notar a amiga ao longe, logo abriu um sorriso acolhedor.

Ela vinha caminhando com dificuldade, o corpo ainda muito fraco.

– Professora, ocê tá louca! Quase morreu e tá andando assim. – Mãe repreendeu a mocinha.

Antes que Juliana caísse no chão, o capataz correu e a ergueu nos braços a levando em direção dos demais.
– Minha amiga! – Gina se aproximou, e então Zelão colocou a rosada no chão para que pudesse cumprimentar a ruiva com um abraço.

– Juliana... – foi a vez de Seu Pedro cumprimentar.

–x-

A professorinha acabara de se despedir de Mãe Benta e agora se despedia de Serelepe.

– Até mais, meu pequenino. – falou, enchendo a bochecha da criança de beijos. – Irei visita-los assim que eu me recuperar.

– Venha mesmo, minha norinha. – respondeu a mulher, segurando as mãos de Juliana.

– Norinha? – abriu um sorriso.

– Sim, agora ieu espero que senja.

Zelão aproximou de ambas, envolvendo o braço sobre os ombros da amada.

– Se dependesse de eu, mãe! Nós casava amanhã mesmo!

– Também não vamos exagerar, Zelão! – Juliana sorriu. – Mas em breve, muito em breve.

– Ocês dois aí, deixem de prozear! – a voz de Pedro chamou ao fundo, ele e a filha montavam seus respectivos cavalos. – Vamos, antes que comece alguma outra nevasca.

– Acho que não, pai! – Gina comentou, observando o tempo. – Eu tenho impressão que tá menos frio de que antes.

Juliana se despediu uma última vez da família de Zelão, depois, seguiram para o cavalo Quarta-Feira. O capataz a ergueu, a colocando em cima do cavalo, em seguida, sentou atrás da jovem de um modo protetor. Onde seus braços serviam de escudo para ela. Juliana usava a capa grossa e preta de Zelão para protegê-la das baixas temperaturas, e além disso, teria o calor dos braços de seu amado durante o percurso até a casa dos Falcão. Todos decidiram que precisavam leva-la para lá rápido, pois a estrutura da fazenda era melhor. Com lareira, paredes expressas e cobertas grossas.

E assim, partiu o casal na manhã translúcida de inverno, junto de Pedro e sua filha. Pelo bosque espesso recoberto de neve, onde as gotas de orvalho congelavam, e o sol se escondia entre os galhos altos e longos.


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Notas finais do capítulo

Finalmente conseguimos concluir esta. Muito obrigada pela jornada até aqui.



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