Neva no Coração escrita por Wendy


Capítulo 1
Os ventos do Inverno


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura :)



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O clima estava ficando frio e mais frio. Andava pelos caminhos do bosque, cobertos de neve, tudo tão branquinho, tão puro; pensou que sua mente poderia estar assim também, suave e leve como a neve que sutilmente caia, mas ao contrário, a cada dia ficava mais perturbada pelos pensamentos que invadiam sua mente todas as noites. A garganta dela ardia, o nariz parecia estar congelando, o corpo dolorido. Juliana achou que o fim do relacionamento dela com o Zelão seria mais fácil, e foi mesmo, nos primeiros dias. Era o melhor a se fazer. Era o melhor para os dois. Ela nunca se apegou, era mais fácil assim, sem se apegar, era mais fácil partir.

Desde que seu pai morreu, ela não tinha moradia fixa, nem nada que a prendesse a nenhum lugar, e era mais fácil assim. Ela não choraria, prometeu. Por isso a maior parte do tempo, preferia estar sorrindo, estar envolta por pessoas que a faziam sorrir, por coisas bonitas, pela família temporária que encontrou, pelos seus alunos queridos. Mas no silêncio de um quarto vazio à noite, era difícil não chorar. Era difícil não chorar ao tocar aquelas folhas de papel, ao tocar os resquícios do lápis formando as letras. Juliana sentia falta das folhas secas do outono, da terra empoeirada, do sol brilhando no alto do céu.
A maior parte do tempo estava distraída, por Gina, pelas tarefas que tinha que corrigir, pelo jantar que ajudava a preparar. Mas em momentos como esses, no silêncio, apenas seus pés cavando buracos fundos na neve, naquele mesmo caminho que fez tantas vezes para encontra-lo, era difícil sorrir, era difícil não sofrer, era difícil não chorar. Ao sentir o vento forte bater na sua pele, desejava que fosse mais fácil. Seus joelhos estavam fracos, sua cabeça girando, seus olhos queriam fechar. Ela precisava parar. Quando viu aquela árvore colorida porém tingida de branco não hesitou em se sentar e apoiar suas costas no tronco. O frio a envolvendo. Mas ela estava em paz. O corpo sucumbindo ao cansaço, as lembranças, ao inverno.

–x-

Lepe e Tuim amavam o inverno. Era mágico. Era incrível. Era o paraíso de gelo. Os dois voltavam correndo apressados da venda de Giácomo, estavam brincando no centro da Vila quando foram surpreendidos por uma breve tempestade de neve e usaram a Venda do italiano como abrigo. Agora que o tempo havia acalmado, apenas alguns flocos pequenos caiam do céu, decidiram voltar para a fazenda. Mas como as crianças que eram, desviaram um pouco o caminho ao iniciarem um jogo espontâneo de esconde-esconde. Serelepe não resistira e jogara uma bola grande no amigo, Tuim não perdeu tempo e revidou; os garotos continuaram nesse jogo, escondendo-se atrás das árvores e arbustos. Lepe, sempre ágil havia abrido vantagem, e estava no meio de uma clareira. Porém tropeçou em algo que o fez cair. Tuim chegou logo em seguida, segurando uma bola de neve na altura do ombro, pronto para jogar. Mas Serelepe fez um sinal de "pare" com as mãos. Quando segurou o item que o fez tropeçar notou que era o caderno de sua querida professorinha. Ambos viraram o rosto na mesma direção, próximo a uma árvore alta, notaram rosa envolto pelo branco. Correram apressados, tirando com as mãos a neve de cima do corpo. Serelepe engoliu seco ao notar aquele rosto tão familiar.

– Professorinha Juliana... – murmurou.

– Num pode ser. – Tuim desesperou-se. – Ela tá morta?
Lepe abaixou, encostando o ouvido no peito da moça. Fez sinal negativo.

– Não. O coração dela ainda tá batendo. – colocou as mãos pequeninas no rosto dela, estava gélida. – Mas ela tá muito doente. Nós precisamo buscar ajuda.

– Mas como, Lepe? Não podemo deixar ela aqui.

– Eu tive uma idéia. – respirou fundo. Sabia de uma pessoa que faria tudo pela sua professorinha. – Eu vou ficar aqui com ela, tentando vê se ela acorda e ocê, vá correndo até a fazenda e traga o Zelão inté aqui.

– Mas ele num vai querê vim, Lepe! Ocê num viu como ele tá esquisito ultimamente.

– Diga que eu me machuquei e não consigo andar e que ocê num conseguiu me carregar... E que precisava da ajuda dele. Mas vá logo! – sabia que Zelão viria socorrê-lo, afinal, eles eram como irmãos.

Lepe usou e toda sua força para mover o corpo da professorinha sobre suas pernas. Colocou o seu gorro na cabeça dela, e a abraçou bem forte, tentando aquecê-la. Não queria que sua primeira professora se fosse. Mas ela estava tão fria! Sem se dar conta, começou a chorar. Esperava que Zelão chegasse logo antes que fosse muito tarde.

–x-

Quando ficou sabendo do acidente de seu irmãozinho de criação, Serelepe. Zelão não pensou duas vezes em ir socorrer a criança. Pegou o seu cavalo destemido, com Tuim montado atrás, deu ordens para criança se segurar com força. Seguindo as ordens de direção do menino, iam galopando às pressas. No entanto, com tanta neve fofa cobrindo o chão, era difícil até para o alazão de patas fortes se deslocar. Cavalgaram por um tempo até chegar ao local, o coração do capataz apertou ao relembrar o que aquela clareira representava, mesmo com o branco envolvendo o lugar sabia que estava naquele lugar, que pertenceu à ele e Juliana, onde eles se amaram tantas vezes.

– Só mais um pouco, Zelão! – comentou o menininho.

– Onde tá o Lepe, Tuim? – arregalou os olhos, procurando. – Ocê tem certeza que é aqui mermo?

– Tenhu! – Agora nós pode descer, deixei ele atrás daquela árvore.
Desmontaram o Quarta-Feira e seguiram correndo até a árvore. Não sabia o porquê, mas algo esquisito pairava no ar. Algo sombrio e pesado.

– Desculpa eu ter mentindo pra ocê, Zelão, mar era o único modo de lhe trazer aqui depre-

– Como é que é, menino? – Já alterava o tom de voz achando ter sido vítima de alguma brincadeira das crianças. Mas o que viu em seguida o tirou o chão.

Juliana. Desfalecida e pálida nos braços do menino Serelepe que estava com os olhos vermelhos de tanto chorar. Seu coração parou; ele balançou a cabeça algumas vezes tentando apagar a imagem. Queria que fosse apenas sua mente lhe pregando peças.

– Num pode ser... – murmurou baixinho. – Num pode ser... – murmurou baixinho sentindo o corpo ficar pesado; foi cambaleando em direção ao pequeno irmãozinho que acolheu com tanto amor.

Respirou, fechando os olhos apertado, tentando chamar sua consciência para agir naquele momento desesperador, disparou na direção dos dois, ajoelhando-se aos pés da jovem desacordada. A dor que ele sentiu quando Juliana o deixou não se comparava a imensidão da dor que sentia ao vê-la ali, sem vida, nos braços de Serelepe.

– Ainda bem que ocê chegou, Zelão. Precisamo levar a professora u quanto antes pra sua mãe curar ela.

O capataz a envolveu em seus braços grandes a tirando do colo de Serelepe. Com um movimento fluido a ergueu em seus braços contra seu peito. Afundou o rosto nos cabelos dela, inspirando o cheiro de primavera que ela ainda guardava. Sentindo o corpo frágil contra o seu, desespero, foi tudo o que ele podia sentir, o corpo de sua Juliana, desfalecida em seus braços, tão diferente das vezes que a rodopiava no ar, a fazendo rir.

– Por favor, não me deixa.... – sussurrou perto do ouvido de sua amada. A respiração fraca dela aliviou seu espírito. Um sopro de vida. Finalmente permitiu as lágrimas rolarem no seu rosto

O corpo estremecia, tomado por uma tristeza voraz. Mas não era hora de se lamentar, era hora de agir. O inverno não a tiraria dele, ele não deixaria. Correu com todas as forças que tinha no momento até o cavalo; com a ajuda das crianças envolveu Juliana em sua capa grossa e a colocou em cima do animal, em seguida, sentou atrás dela, a segurando forte com uma das mãos enquanto a outra segurava as rédeas.

– Ô tenho que ir – falou rápido.

– Tudo bem, Zelão, nois vai de pés mesmo. – disse Serelepe.

– Quarta-Feira, ieu preciso de sua ajuda mais agora do quê nunca! – Zelão disse ao cavalo. – Por favor não me falhe. – O equino atendeu e saiu galopando disparado. Cortando os ventos do inverno com sua velocidade.
Em seguida, Lepe e Tuim saíram logo depois.

–x-

Mãe Benta olhava para o teto enquanto rezava um terço que estava na mão, como hábito de todas as tardes. Estranhava a demora do filho que saiu apressado com o menino Tuim, ainda mais com o tempo horrível dos últimos dias. De repente, a porta abriu-se, revelando a figura imponente de seu filho com uma jovem nos braços. A professorinha. O coração da idosa apertou. Zelão finalmente tinha feito uma bestagem como vivia ameaçando.

– MEU FIO, EU NUM ACREDITO NISSO!

– Mãe, pelo amor de Deus e todos os Santos, num há tempo de discutir. – Correu depressa em direção à cama, colocando o corpo de sua amada sobre. – Precisamos salvar ela, mêa mãe. Se ela morrer, eu morro também.

– Fio, diga pra sua main que ocê num fez nada com a Perfessora?!

– Num fiz nada mêa mãe, ô num fiz! Ô deveria estar lá, deveria! Ieu prometi que cuidaria dela, prometi, e ela precisou deu e ô num estava lá... - lembrou das promessas feitas a prefessorinha enquanto se amavam, enquanto trocavam juras de amor.

A idosa aproximou do jovem casal, e colocou a mão na testa da professora.


– Mas meo fio, ela tá feito gelo. Se ocê fez argum argo cum ela Zelão, ieu nunca vou lhe perdoar.


Para ser continuado...


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Notas finais do capítulo

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