Um Mundo Sem Superman escrita por Mayor Hundred


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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— Superman? — Uma moça docemente perfumada com roupas sociais chamou sua atenção. O kryptoniano era um monstro de dois metros e tantos de altura e mais de cem quilos se comparado ao pouco mais de um metro e meio e cinquenta quilos da mulher. Entretanto, ele foi capaz de mostrar um breve sorriso quando seu olhar foi em sua direção.

— Sim? — A voz poderosa e acolhedora daquele super ser percorreu toda a extensão da varanda em que estavam. A varanda da Casa Branca. A secretária havia conversado algumas outras vezes com o Super, poucas, mas o suficiente para saber que se encontrava especialmente distraído.

— O Senhor Presidente deseja vê-lo agora, senhor. É sobre o assunto de segurança nacional. — E não era sempre?, se perguntou Kal-El. Por muito tempo não quis se intrometer com o governo, mas rapidamente isso tornou-se impossível. Era guardião dos bons costumes, e do estilo de vida americano. Não poderia ignorar solicitações do presidente dos Estados Unidos da América quando vestia as cores daquele país.

— Sinto muito, tenho algo importante para fazer — respondeu com o máximo de cortesia que pôde, mas mesmo assim viu o rosto da secretária presidencial murchar com a resposta. Sentiu uma leve parcela de culpa com aquilo, mas se manteve impassível.

— Desculpe-me, senhor, mas o que poderia ser mais importante do que a segurança de todo o país? — Questionou num tom que misturava respeito e medo. Superman inspirava fé e esperança, mas era difícil não temer algo tão poderoso estando tão perto.

O Homem de Aço sorriu desgostoso e rasgou o ar com uma decolagem veloz. Sua resposta para aquela pergunta era simples: uma só pessoa. Mas duvidava que ela, ou muito menos o presidente, iriam gostar.

Kal-El tinha desistido há muito tempo de se culpar pelo que houve em Krypton. Era só um pequeno bebê quando os seus pais biológicos o colocaram numa nave como a última esperança de uma espécie destinada ao seu inevitável fim. Mal conseguia se lembrar da dor que sentiu quando soube da história. Por vezes, se pegou imaginando no que seria se tivesse sido diferente, se, ao invés de ser Superman, fosse só Kal-El em Krypton. Entretanto, aquelas fantasias ficaram para trás, assim como Washington durante o seu voo em altíssima velocidade.

Não queria ignorar o pedido do Presidente. Queria salvar o mundo novamente. Mesmo depois de sua odisseia cósmica com o super grupo, conhecido como Liga da Justiça, que durou cerca de três meses. Uma aliança entre o Sinestro e Brainiac se tornou grande demais para a tropa dos Lanternas Verdes lidarem, e Hal Jordan recorreu aos seus amigos na Terra. Acompanhado de Aquaman, Mulher Maravilha e Batman, partiram da Terra para enfrentar essa ameaça. Bruce tinha se levado ao limite de sua capacidade mental e quase morreu algumas vezes. Diana arriscou-se além da conta duas ou três vezes e Arthur brigava para se mostrar “Rei além de Atlântida”, mas, no final, como era esperado, o bem venceu o mal. Embora nenhum dos quatro esperavam que o planeta mudaria tanto em tão pouco tempo.

Assim que voltou ao alcance do sinal de comunicação, seu amigo, o Caçador de Marte, lhe segredou as notícias pelo ponto eletrônico, não só aquela a qual nunca quis ouvir mas também o plano geopolítico completamente modificado naquele espaço de tempo. O Último Filho de Krypton quase não conseguiu completar o seu voo de volta ao planeta após ouvir aquelas palavras.

Mas então ali estava. Uma viagem até o Kansas que demoraria muitas horas, demorou minutos ao Superman. Voava na sua velocidade máxima, sabendo da urgência da situação e a necessidade de sua presença em Smallville, mas, no fundo, não queria chegar nunca. Era uma das situações que o Homem de Aço não queria enfrentar. Mas tinha.

Fez um pouso suave no quintal de uma fazenda bastante familiar e rapidamente deixou de ser o guardião invulnerável da humanidade para voltar a ser Clark Joseph Kent. De muito longe, o mais distante possível dentro dos limites daquela propriedade, pôde ver a lápide de seu pai e abaixou a cabeça em respeito. Bateu os pés no chão e começou a caminhar em direção à construção em que cresceu.

Tudo estava em seu devido lugar, como se aquela casa tivesse parado no tempo há muitos anos. Podia ouvir tudo, mas se limitou a escutar o ruído baixo de uma televisão sem sinal ligada na sala. Deu alguns passos pelo piso de madeira do corredor que dava até a sala e então soube que foi percebido, pois notou passos vindo em sua direção. Uma mulher negra o reconheceu e forçou um sorriso amarelo. Até mesmo ela, que não sabia da identidade de Superman, esticou os braços em busca de refúgio e era claro que Kent não deixaria de atender.

— Eu sinto muito, Clark. — Finalmente disse, e então abraçou o alto e forte homem à sua frente. Encostou a cabeça em seu peito e chorou, molhando a sua camisa xadrez.

— Eu sei. — Superman teria dito outra coisa. Teria dito que tudo ficaria bem, que ele salvaria o dia, que no final o bem sempre vencia. Mas Clark Kent estava limitado a consolá-la daquela maneira. Sentiu que uma lágrima escorregaria de seu olho esquerdo, mas fez força para impedir. Por sorte, a moça em seus braços se afastou, limpando o rosto com o braço.

— Ela está o esperando, no quarto. — falou, fungando, e então deu um ou dois tapinhas no gigante ombro de Clark e foi-se para a cozinha, talvez preparar algo, talvez só chorar mais. Se esforçou para não ouvir, e então começou o seu caminho até o quarto.

Cada passo necessitava de mais esforço do que o anterior. Isso não deveria ser uma grande limitação ao Homem de Aço, mas acabou se tornando. Não era um peso em seu corpo, o qual poderia utilizar de sua força e vigor para sobrepujar, mas um peso no espírito que tornava aquele exercício o mais árduo que fizera em toda a sua vida. Chegou ao fim do corredor, sem ter tempo sequer de admirar todas as fotografias bonitas de seus pais e a sua infância que tanto gostava de ver, e encarou a porta de madeira que guardava o quarto daqueles que o criaram. Ficou parado ali, encarando a madeira por alguns segundos até ter coragem de entrar.

Tomou fôlego, girou a maçaneta e empurrou a porta.

Aproximou-se da cama em silêncio e com extrema cautela. A pessoa deitada sobre a cama tinha um aspecto frágil e os olhos estavam fechados. Queria que ela estivesse dormindo, aí não teria de enfrentar aquilo. Não precisaria olhar em seus olhos outra vez. E por mais que doesse depois, agora ficaria tudo bem. Mas, ela não estava.

— Clark? — Chamou uma voz rouca, e bastante fraca. Ele fez questão de puxar uma cadeira até a cabeceira da cama e se sentar.

— Estou aqui, mamãe — respondeu, como o menino obediente que era. Tocou os cabelos frágeis e brancos de sua mãe adotiva e a beijou na testa. A mulher tinha um sorriso no rosto em resposta ao gesto.

— Eu sabia que você viria. — Aquela frase atingiu precisamente o seu coração, e o fez mais do que o Superman poderia suportar. — Estava esperando por você, querido. — Sussurrou, sem forças, e então moveu o braço fino até o rosto do rapaz vigoroso à sua frente.

— Estou aqui, mamãe — repetiu, com as lágrimas batendo contra as suas proteções como um tsunami impactando uma muralha de gelo. Segurou-se, entretanto. — Não vou a lugar algum. Eu te amo. — Beijou novamente a mulher, e continuou a afagar de maneira gentil e vagarosa o seu cabelo.

— Oh, querido, como eu te amo. — Disse a idosa ao seu filho, e as lágrimas dançaram sobre a sua pele enrugada. — Seu pai não está aqui porque suas pernas doem com o frio. Ele sempre se esquece de tomar o remédio. Você dará o remédio pra ele, não é? — Sequer fazia frio. Era o auge do verão, e Smallville registrava uma alta temperatura, mas não quis discutir.

— Você mesmo dará a ele, mamãe — Clark respondeu, deixando-se, pela primeira vez, chorar pela inevitabilidade do que aconteceria a seguir. Uma lágrima solitária escorria pela sua bochecha. — Assim eu não vou precisar.

— Não seja bobo, Clark, querido — a mãe advertiu, com uma energia que parecia incapaz ter. — Eu sei que partirei logo. Acha que sou uma velha boba? — Questionou ao filho, um tanto ofendida.

— De jeito nenhum, mãe. — Clark fungava. Deixava as lágrimas caírem formando grandes bolas de umidade em sua calça jeans. Livrou-se da água em seu rosto com um passar da mão no rosto.

— Ah, bem. Como foi na escola hoje, querido? — A velha se acalmou, colocando a mão sobre o rosto de seu filho.

— Foi tudo bem, mãe — limitou a responder, e então a beijou de novo. — Eu te amo — repetiu. Percebia o quão triste e solitário era aquele momento, mas queria que ela ao menos se sentisse amada. Era o mínimo que poderia fazer.

— Os garotos ainda te incomodam? — Clark voltou aos tempos de infância com aquela pergunta, quando os garotos o irritavam por ser grande demais, bondoso demais, e estranho demais. Mais lágrimas escorriam, mas ele não fez questão de limpá-las.

— Sim — decidiu ser sincero com a mãe naquela resposta. Os garotos ainda o incomodavam. Não os adolescentes magricelas do colegial, mas outros. Alguns eram bilionários gênios científicos, outros eram só uns descerebrados com poderes, e outros mais que eram de tão distante e detinham tanto poder que eram quase deuses. No final, Clark percebeu, não eram muito diferentes.

— Não ligue para eles, meu filho — sua mãe o acalmou, passando o dedo delicadamente sobre o rosto duro e bem formado de seu filho, limpando as lágrimas. — Eles só te incomodam porque não são especiais. Como você é — mostrou um sorriso tão forte quanto podia, e Clark esforçou-se para retribuir.

— Eu sei, mamãe — respondeu. Mas realmente sabia?

— Deite-se comigo, Clark, como você fazia quando era menor. — Obedeceu em silêncio, tentando não forçar a cama. A mãe se movimentou devagar e com dor, dando espaço ao filho gigante se encaixar à sua frente, e Clark ficou em posição fetal. Era novamente um bebê, num útero do qual não tinha nascido. — Tudo vai ficar bem, meu doce garoto — a mãe garantiu, brincando com os cabelos já levemente grisalhos do filho. Estava errado, percebeu. Era ele quem deveria dizer aquilo. Era Clark quem deveria garantir a segurança e um bom futuro. Clark quem protegia, quem cuidava, quem consolava. Talvez não Clark, e sim Superman. Mas definitivamente não a frágil Martha Kent.

Ouvia a respiração tênue da mulher que o aninhava como se fosse novamente um bebê. Ela cantava baixinho uma canção de ninar que, na verdade, era uma música que sempre se propunha a cantar na igreja que frequentava desde que se lembrava. Clark já tinha a ouvido cantar algumas vezes no templo. Caiu no sono com a voz doce e limitada de sua mãe, enquanto os dedos longos e fracos dela brincavam com o seu cabelo.

Clark acordou assustado. Tinha fechado os olhos e não parecia ter passado tempo nenhum. Quando rapidamente recobrou os sentidos, percebeu que não estava sozinho naquela cama. Notou a sua mãe, atrás de si, com os dedos da mão magra espalhados sobre o seu couro cabeludo. Estava pálida, quase fria, mas em paz.

Chorou sua alma para fora.

Se encolheu como ainda fosse um bebê e chorava tanto que perdeu o controle sobre os seus sentidos. Podia ouvir o barulho da televisão na sala, podia ouvir os tratores nas fazendas vizinhas. Podia ouvir milhões – ou seria bilhões? – de vozes gritando pelo o seu nome, pedindo socorro. Fora daquele quarto o mundo poderia estar encontrando o seu fim, enquanto as pessoas gritavam pelo Superman. Mas ele não era o Superman, não ali, não naquela hora. Lá, ele era só um garotinho que perdeu a mãe. Apenas o ordinário Clark Kent.

Poderia salvar a humanidade se não teve êxito em salvar quem mais lhe importava?


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Notas finais do capítulo

O fim.