Capítulo quatro – Seus olhos.

Barry nem sempre gostou de festas. Diferente da maioria, preferiria trocar uma confraternização com boa comida e não tão boa companhia por uma simples noite fechado em seu laboratório, avaliando o painel de investigação que havia montado para o caso de sua mãe.

Contudo, Joe tinha razão. Ele não poderia evitar aquele momento para sempre, não poderia evitar Iris para sempre. Não importa o quanto ele quisesse, o poder de uma amizade de infância é maior do que qualquer situação estranha e desconfortável.

Quem fazia festas de Ano Novo para comemorar uma mudança? Eddie e Iris faziam, e ele amaldiçoou seu maldito organismo por não poder sequer ficar bêbado o suficiente para aguentar aquela encrenca terrível em que tava se metendo.

A sorte raramente estava ao seu favor de qualquer forma.

Foi com um rascunho do que normalmente era o seu sorriso que ele adentrou o apartamento que ela e Eddie agora viviam, notando que grande parte dos convidados eram também de seu círculo social ao vasculhar o local com os olhos tenazes.

Parou na pessoa mais próxima que lhe trazia familiaridade, se aproximando em passos rápidos, querendo inutilmente fugir do campo de visão da anfitriã – que também acontecia de ser sua melhor amiga e seu pesadelo pessoal nas últimas semanas.

“Está atrasado, cara.” Cisco o cumprimentou com um sorriso amarelo, já com um copo em mãos.

“Desculpe, deve ter sido só a minha falta de vontade, sabe como é…” Barry deu de ombros, esboçando um sorriso encabulado. “Onde está Caitlin?”

“Foi buscar uma bebida.” Cisco prendeu sua atenção no colega de equipe, lançando-o um olhar questionador “Sabe, ultimamente ela anda bebendo demais, não acha?”

Barry abriu a boca para responder quando o que tanto procurava finalmente entrou em seu campo de visão.

Lá estava ela, sorrindo com uma naturalidade adorável enquanto conversava algo com Iris no canto da sala. O vestido branco se moldava perfeitamente em seu busto com um leve decote em V, se soltando em sua cintura em um típico modelo vintage. Romântico, um tanto diferente das roupas sempre tão formais que costumava usar no trabalho.

Os cabelos caiam em curvas pelos ombros, e ele não pode deixar de recordar a essência de morango que eles tinham, a textura macia que entrava em contato com sua pele sempre que ela o abraçava.

Caitlin Snow era uma mulher notável, isso ele não poderia – e nem conseguiria – deixar de admitir.

“Ei cara, está caindo um pouco de baba aqui…” Cisco brincou, apontando o dedo indicador para a boca entreaberta de Barry.

Ele umedeceu os lábios, tentando procurar pelas palavras certas para respondê-lo, mas estava entorpecido demais pela imagem a sua frente para deixar de lado a sua pose de bocó.

“Eddie logo vai perceber que você está babando assim pela namorada dele e as coisas vão ficar bem estranhas.” Seu timbre se tornou melodioso na última palavra, enquanto a boca se distorcia em uma careta.

Nem havia terminado o ano e Cisco já estava levemente alterado. Previsível.

Mal sabia ele que não era por Iris que ele estava indiscutivelmente encantado, mas sim a mulher ao lado dela.

“Oh, eu vejo…” Cisco se manifestou novamente, fazendo com que Barry o encarasse. “Não é a Iris por quem você está babando. Sabe cara, você deveria chamá-la para dançar.”

“Eu não sei se…”

“Se Caitlin gosta de dançar? Normalmente não, mas ela já está mais solta por causa do ponche de morango – que pra constar está maravilhoso – e não vai se importar nem um pouco.”

“Eu ia dizer que eu não sei se é a coisa certa.” Barry voltou sua atenção para as duas mulheres sorridentes, hesitando. Ele abaixou seu olhar por alguns segundos, repensando se deveria ou não seguir o conselho que a versão embriagada de seu amigo nerd estava lhe dando.

Cisco conseguia ser muito impertinente com suas piadas as vezes, ou até mesmo com sua insistência em dar apelidos aos meta-humanos. Entretanto, Barry estava simpatizando com o que ele se tornava sob influência do álcool.

Ademais, o que ele tinha a perder? Um pouco mais do seu juízo, quem sabe. Somente dessa vez, estava disposto a correr riscos.

“É ano novo! Já parou pra pensar com quem você vai querer estar na contagem regressiva? Por mais que goste muito de mim e minha versão bêbada falante, tenho certeza que não foi o meu rosto que surgiu na sua mente agora.”

Ele riu, assentindo.

“Obrigada Cisco.” Barry deu um tapinha de leve nas costas de seu amigo, e quando já estava distante o suficiente, o olhou sobre o ombro. “A propósito, sua versão bêbada é muito mais legal.”

Ele se virou, ainda rindo quando os dois pares de olhos castanhos pesaram sobre ele. Iris curvou os lábios em puro alívio ao ver que seu melhor amigo havia finalmente parado de evitá-la como vinha fazendo nos últimos dias.

Por mais que soubesse que deveria dar a ele o espaço necessário para assimilar tudo aquilo, ela também sabia que em algum momento ele voltaria a agir como o Barry de sempre.

O seu melhor amigo.

“Eu sabia que você viria!” Seu timbre era carregado de animação, e ele quis, de verdade, poder retribuir um pouco daquele sentimento.

Deixou de lado todos os pensamentos negativos que vinham lhe assombrando nas últimas semanas, aquela não era hora para começar a sentir pena de si mesmo ou então para cutucar a ferida. Iris estava a sua frente, mas Caitlin também.

E ele viu em Caitlin o que sempre via quando ela estava por perto: seu porto seguro.

“Eu não poderia perder uma festa de ano novo.” Ele riu, vacilando seu olhar em sua parceira de time que crispava os lábios timidamente. “Você sabe, eu adoro esses tipos de ocasiões.”

“Oh claro, você as adora tanto quanto adora chegar na hora certa aos seus compromissos.” Iris riu, entregando a ele um dos copos de ponche que ele logo recusou.

“Não, obrigada. Não foi para isso que eu vim até aqui.” Barry abriu um sorriso gentil, estendendo a mão para Dra. Snow, que o olhava como se ele fosse algum tipo de aberração. “Me concede a honra dessa dança?”

Iris olhou para Barry, e então para Caitlin, percorrendo todo esse trajeto com os olhos pelo menos umas duas vezes. Ela conhecia aquele olhar desde que tinha o que? Sete anos? Ou, pelo menos, achava que conhecia, levando em consideração que todas as suas concepções sobre Barry Allen pareciam terem ido por água a baixo naquele dia de Natal.

Ela tinha certeza que aquela declaração só poderia ter sido algum lapso de sensatez, que o Barry que conhecia estava se deixando levar pelo impacto da notícia de que ela se mudaria para o apartamento de Eddie.

E bem, aquele brilho naqueles olhos… Oh, ela estava certa sobre ele. Podia sentir em seus ossos.

Caitlin olhava para o homem a sua frente como se estivesse esperando que ele risse e dissesse que aquilo era uma piada. Ao captar que ele estava falando sério, ela pousou sua mão sobre a dele, sem desmanchar a confusão em suas feições delicadas.

(Apertem play)

Iris os admirou por mais alguns segundos, mudando a música para uma que fosse mais cabível a situação. Logo Fall Into Me ecoava pelos cômodos de seu apartamento e alguns casais já se envolviam na melodia, no momento.

“Você está bem?” Caitlin questionou, arqueando a sobrancelha.

A mão direita de Barry deslizou por sua cintura, se encaixando como se fosse feita para estar ali. Os músculos de seu corpo estavam tensionados pelo desconforto que toda aquela aproximação lhe causava, até que o homem a sua frente envolveu sua mão, levando-a até a curva do pescoço dele.

Caitlin escondeu as íris amendoadas por alguns segundos, tentando manter o controle de sua própria respiração. O sangue borbulhava por baixo de sua epiderme, uma reação típica de uma atração inegável.

O calor que o corpo daquele homem emanava lhe deixava zonza, e essa não era uma sensação com qual ela estava familiarizada.

Se sentir atraída daquela forma por seu paciente e amigo não estava em seus planos. Não mesmo. Nem um pouco.

“Por que não estaria?” Ele murmurou, na expectativa de que aqueles olhos logo se abririam para se prender nos seus. “Você está… muito bonita hoje, Dra. Snow.”

Caitlin soltou um riso nasalado, já olhando-o na mesma intensidade que ele lhe encarava.

Era só ela, ou o ar naquela sala estava ficando um pouco… escasso?

“Obrigada. Você também não está tão mal.” Ela sorriu de forma singela, permitindo que ele a guiasse conforme a música.

Foi a vez dele retribuir o gesto, curvando o canto de seus lábios timidamente.

Era como se tudo ao seu redor estivesse fora de foco, como estivesse sendo guiado pela mais surreal das sensações. Era como todas as vezes em que eles se abraçavam, porém intensificado. Era como um novo mundo, uma nova dimensão onde somente ele e a mulher estonteante a sua frente existiam.

Oh, ele estava tão ferrado. Estava tão, tão perdido. Aquilo não poderia acontecer, não deveria acontecer. Mas então, por que raios parecia tão certo?

Por que ele não conseguia se livrar daquela sensação de que ali era o seu lugar?

Caitlin desencostou a cabeça que antes se apoiava no peito de Barry com uma expressão amargurada em suas feições. E bem ali, naquele instante, Barry soube que o que viria a seguir destruiria toda aquela bolha que ele havia criado ao redor deles.

A consciência estava voltando e com ela o fim do momento que ficaria para sempre em sua memória.

“Você sabe que isso não está certo, não sabe?”

Barry meneou sua cabeça negativamente, tentando afastar aqueles pensamentos. Falhou, e falhou vergonhosamente. Aqueles pensamentos voltariam como um turbilhão toda vez que ele encarasse o castanho claro daqueles olhos, e disso ele já não conseguia mais fugir.

Fugir. Ele costumava ser bom nisso.

“É só uma dança, Caitlin.” Ele a fitou, erguendo o cenho com um sorriso zombeteiro típico de quem quer escapar de uma situação constrangedora.

A morena se afastou, não se preocupando em mascarar toda a irritação refletida em seu olhar.

“Não é só uma dança e você sabe.” Murmurou entre dentes. “Mas não sou eu quem vai fazer você sair dessa bolha que você mesmo se colocou. Você não é estúpido, Barry. Pode ser lerdo quando quer, mas não estúpido.”

São os pequenos detalhes...

“Vai começar a contagem regressiva…” A voz de Iris ecoou assim que a música parou de tocar.

Barry não quebrou a conexão entre seus olhos sequer por um segundo. Os esverdeados plácidos presos nos amendoados tempestuosos. Se aquilo era uma guerra para ver quem cederia primeiro, ele certamente ganharia.

“9, 8, 7…”

Caitlin arqueou a sobrancelha da forma desafiadora que só ela fazia, e ele quis rir. Naquela pose de quem não daria o braço a torcer nem sob tortura, admirando a linda nuance que aqueles olhos adotavam sob a luz do luar que adentrava pela porta de vidro da varanda, ele finalmente percebeu que não era apenas o riso que ele estava contendo naquela noite.

“6, 5, 4…”

Os pequenos detalhes, Barry.

Naqueles poucos segundos as palavras de seu pai ecoavam em seu consciente. Não haveria mais medo, não era hora de repensar mais nada. Ela estava bem ali, em sua frente. A sua chance de encontrar felicidade agora sorria em deboche como se esperasse que seus olhos vacilassem e ela ganhasse aquela luta.

“3, 2, 1…”

E foi em um gesto súbito que sua mão pousou sobre as bochechas levemente coradas daquela mulher, e apenas um passo foi preciso para dissipar toda a distância antes incomoda que ela havia imposto entre eles.

Ele aproximou seus rostos o suficiente para que suas respirações se mesclassem, se tornando uma. Sua atenção já não mais estava sobre aqueles olhos, mas sim sobre aquela boca.

“Feliz ano novo, Caitlin.”

E essas foram suas últimas palavras antes que ele deixasse seu juízo de lado para unir seus lábios nos dela.

Barry Allen havia experimentado do fruto proibido, e não se sentia nem um pouco culpado por desejar mais.