Os Filhos de Umbra escrita por Rarity


Capítulo 4
Capítulo Quatro: 1987 – 2782 dias antes


Notas iniciais do capítulo

Helloo people! Caralho, hoje é o penúltimo dia do ano. Só tem atualização ano que vem :v Falando nisso, gente, dá trabalho de mais. Eu tento postar sempre na terça, mas vai ficar pra sexta ou sábado okay? Eu tenho trocentos livros para ler, mas cada capítulo leva exatamente uma semana para ser feito e ficar do jeito que eu quero.
A matemática é foda, não sei onde estava com a cabeça quando começei isso. Tem grande chance de alguma conta estar errada e eu só descobrir depois, e aí vocês verão os títulos todos editados :v Sorry.
Quem foi criança nos anos 80 vai pirar nesse capítulo. O Pedro é só um pouquinho viciado em desenhos, juro! [SQÑ] Só eu que senti uma tensão nesse capítulo, por conta da Mel? A estreia do Rick que eu não gostei, mas como ele se aproxima do Pedro depois, eu achei que por agora estava bom. Do Pedro, não, da Belle :v Tadim, o Pedro vai morrer. Já a Mel quero que me digam se gostaram dela assim. Inicialmente, ela seria depressiva e meio desanimada, e a Belle que ficaria atrás dela até alegrá-la. Mas eu escrevendo assim, olhei pro Word, ele pra mim e pensamos "NÃO, CARA". Aí eu decidi colocar ela assim. Outra coisa: ela é a mais madura dos 7, a mais "certinha", a mais "culta", e ela vai ser a best da Belle, vivendo perto dela. Se for ver em Umbra, em 90% das cenas da Viúva, ela tá perto da Bailarina. E outra: o povo de Sococó da Ema é retardado. Sete crianças desaparecem, a casa da Berenice pega fogo e ela some, e quem são as culpadas? AS CRIANÇAS, CLARO. Retardamento. É tipo Homem do Saco, e quem gosta do Homem do Saco? NINGUÉM. Okay, obrigada. E a Viúva é diferente, ela é solitária, ao mesmo tempo que é simpática e cativante, só que as pessoas não conhecem esse lado dela. Ela teve um passado muito complicado, aí eles começam a falar essas coisas más da menina, principalmente com a chegada dela coincidindo com a tempestade. Povo chato, odeiem eles, não eu!
Eu pesquisei muitooo sobre esses desenhos, a Hanna-Barbera (e se você sabe o que é, teve uma ótima infância) e etc. Insônia? Virava a noite assistindo Tooncast. He-Man eu aprovei, She-Ra nem tanto. É muito plágio. Birdman também não gostei, mas Os Impossíveis era muito cute.



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Capítulo Quatro: 1987 - 2782 dias antes

Deus costuma usar a solidão

Para nos ensinar sobre a convivência

Às vezes, usa a raiva para que possamos

Compreender o infinito valor da paz

Outras vezes, usa o tédio, quando quer

Nos mostrar a importância da aventura

Deus costuma usar o silêncio para nos

Ensinar sobre a responsabilidade do que dizemos

Às vezes, usa o cansaço para que possamos

Compreender o valor do despertar

Outras vezes usa a doença, quando quer nos

Mostrar a importância da saúde

Deus costuma usar o fogo

Para nos ensinar a andar sobre a água

Às vezes, usa a terra, para que possamos

Compreender o valor do ar

Outras vezes, usa a morte, quando quer

Nos mostrar a importância da vida

Paulo Coelho

13 de abril de 1987

Não era como se o clima instável em Sococó da Ema fosse alguma novidade, mas eu ainda fazia a proeza de ficar meio decepcionado quando via o céu coberto de nuvens e um vento forte passar pela rua, levantando poeira.

—Oh, não... O pior é que a dona Cristina quer essas roupas hoje.... –mamãe murmurou, quando veio me acordar e viu o tempo pela janela – Vem cá, Pedro. Ainda assim temos que ir até a cidade...

Mamãe pegou uma calça escura, uma blusa azul de mangas cumpridas, botas pretas e meu recente casaco favorito, azul escuro, com uma imagem de Os Impossíveis, na pose natural do Multi-Mola, o Multi-Homem e o Homem-Fluido, que ganhei no ano passado de aniversário, em agosto. Ela me arrumava, enquanto eu me lembrava do desenho que assisti na casa de Belle.

—Coil, o Homem-Mola, o Multi-Homem e o Homem-Fluido, prontos para o impossível na defesa da justiça! – eu recitava enquanto ela me arrumava.

—Tudo bem, justiceiro. –foi a resposta dela, acompanhada de um sorriso gentil.

Eu estava sentindo a falta do Leo, embora ele dissesse que era legal ficar com o papai. Não é como se ele fosse muito útil, e o “ajudar” era basicamente entregar algumas ferramentas para o papai de vez em quando – embora ele estivesse aprendendo a função e o nome delas -, checar se chegasse algum cliente e aprender 1000 e uma coisas sobre o fogo.

—Papai disse que não teria nada sem o fogo.—ele começou, numa noite. Era o maior momento do dia que ficávamos juntos, e de madrugada ele levantava e ia com papai para a ferraria. Não era novidade que papai e Leo se davam melhor do que eu e ele, mas eu achava que era porque, como mais velho, eu até poderia tomar conta de mamãe – Só com o fogo se ficava quente, se fazia comida, se contava histórias em volta da fogueira e o fogo era como ener... Ener... Energuia.

—Energuia?

—É ... por aí. — aí ele se virava e finalmente pegava no sono. Algumas vezes, ele contava como havia sido o dia todo, e eu gostava de ouvi-lo.

Bem, ele estava gostando, e amava ficar com papai.

Outro ponto é que eu passava muito tempo com minha mãe, e passei a gostar disso. Gostava quando ela lavava meu cabelo no chuveiro, passava shampoo no meu nariz e falava “Meu pequeno e lindo menino”, quando ela pegava frutas nas árvores para mim, quando me mostrava como se ordenhava as vacas e cuidava do resto dos nossos porcos.

Eu amava muito a minha mãe. Eu era o filho apegado à ela.

Depois de arrumado, me sentei na cadeira menor e mamãe me deu um copo de leite e banana picada com mel. Eu amava.

—Sabe, depois que entregarmos as roupas da Cristina, podemos buscar o Leo, a Belle e o Pablo e trazê-los pra cá. Eu fiz espetinhos de frutas, e tenho um resto de mel aqui. –ela sugeriu, no que eu concordei de boce (e nariz, queixo, bochecha...) suja, animado.

E quando terminei, mamãe fechou meu casaco, pegou o cesto e o cobriu com um lençol, por causa da poeira. Então, nós fomos subindo a ruazinha de terra, o problema é que mamãe já havia me falado a maior parte dos nomes das árvores, então eu comecei a falar dos desenhos que assistia na casa de Belle. Sim, eu não suporto silêncio muito bem, então começava a falar.

Então, seguimos nesse falatório desnecessário até o chalé de Pablo, no qual o vi embrulhado na varanda. Sabia que Dete estaria mais embrulhada ainda, embaixo de mais cobertas, por conta da asma dela. A mãe de Pablo morria de medo que ela adoecesse por causa do tempo, e tenho que admitir que anda piorando. Dete começou a espirrar quase que o tempo inteiro, tossindo ao menor sinal de poeira, fumaça -seja de cigarro ou não. Desde que ela nasceu, isso acontecia menos vezes, de modo que nós não nos preocupávamos muito. Agora, estava acontecendo mais ou menos duas vezes por dia, durante uns dois dias na semana.

A mãe de Dete costumava dar um negócio de nome complicado para ela respirar, e aí passava. Mesmo assim, eu tinha uma mau pressentimento sobre esse negócio, mas torcia para isso passar.

De todo jeito, Pablo veio até nós, com uma blusa de frio preta gigante nele, uma calça e botas quase que de neve, e luvas. O casaco estava fechado, tampando o cabelo dele. Eu sabia o quanto ele odiava esse tempo chove – não chove.

—Oi, Pablo. Vai vir conosco? Não quer ficar com Dete? –mamãe perguntou, mas ele já vinha nos acompanhando, abrindo o casaco e tirando o capuz.

—Mamãe está meio que vigiando Dete. Tá preocupada se ela der um ataque. –ele falou. –E ela está acostumada, eu sempre fico com vocês.

Estranhei. Dona Creuza não era a pessoa mais responsável do mundo, tinha uma personalidade meio hippie –por mais que ao olhar para ela você não imagine isso. A questão é que não a via ter isso, essa “preocupação” com Pablo, e ele amava a mãe demais. Mas ainda assim, era criança demais para começar a pensar nisso, e não entendia isso muito bem.

—Será que o pai de Belle nos daria uma carona? Só assim para conseguirmos chegar lá antes da chuva. –mamãe olhou pro céu, apreensiva. Eu, particularmente, não achava que ia chover.

Ou torcia para não chover.

Não vai chover. Não vai. Se chover, a TV da casa de Belle não pega sinal nem com milagre, e eu não assistirei meus desenhos.

E como sorte é algo muito lindo, um clarão brilhou no céu. Raios.

—Raios! –mamãe praguejou. Por um momento, achei que ela queria me avisar que eram raios, até eu me tocar de que era uma reclamação.

—A casa da Belle é ali –apontei. –E a caminhonete do seu Otávio tá lá.

—Graças! Meninos, só dessa vez, corram. –mamãe ia pedir, mas na metade da frase eu e Pablo saímos correndo.

Otávio e Belle estavam saindo do estábulo, e vi que Belle estava suja de palha. Provavelmente eles estavam alimentando os cavalos. Torci o nariz, Belle deveria deixá-los sair e comer a grama. Então, Maria saiu de lá, e me toquei que com o clima de chuva não era uma boa ideia.

—Pedro! Pablo! –Belle correu até nós, e recebemos um abraço em trio, os cabelos soltos de Belle meio que caindo na minha boca.

—Oi, Belle. –eu e Pablo cumprimentamos ao mesmo.

—Oi, meninos. Tudo bem? –Otávio bagunçou nossos cabelos. –O clima está bem ruim, não é?

—Acho que nem vamos poder ver TV. –Belle falou, batendo as mãos nas roupas.

Reparei nas roupas dela. Belle estava com uma calça escura, botas, uma blusinha branca e um sobretudo roxo que estava aberto, mas com um cinto preto. O cabelo dela estava solto, as bochechas rosadas, e desde o aniversário dela ano passado, ela vem se mostrado mais animada e mais feliz.

O pai de Belle estava com uma calça, blusa preta de manga, botas e uma blusa preta. Maria estava assim também, só que com uma blusa marrom de manga, calça, botas até o joelho, um blusa de frio marrom bem escuro e um cachecol dourado com o cabelo preso num rabo de cavalo.

—Desculpem meninos, mas Belle vem comigo hoje. –Otávio avisou. –A Cristina quer trocar o piso da lavanderia da casa dela e arrumar um quarto novo pra sobrinha, e Belle virá comigo. Essa menina precisa fazer amigas.

Belle torceu o nariz.

—Papai acha que estou sozinha porque não gosto da filha da Berê.

—Ela é um amor, Belle.

—Com você.

Eu e Pablo ficamos calados, não querendo entrar na questão entre pai e filha.

—Querem carona? Parece que vai chover. –Otávio ofereceu, e Maria chegou até nós depois de soltar os cavalos.

Maria se abaixou e abraçou Belle pelas costas, dando nela um beijo na bochecha. Ela vinha tentando ser bem presente para Belle, sendo carinhosa, gentil e amigável. Mas Belle não via Maria como uma mãe, e acabava se afastando quando ela ficava muito carinhosa, como agora. Belle saiu do abraço e veio para o meu lado.

Maria ficava triste com isso. Só que dessa vez, mamãe nos salvou.

—Otávio! Graças! Eu gostaria de te pedir uma carona até a casa da dona Cristina, se não for incomodá-lo. –mamãe pediu.

—Imagina! Vamos, todo mundo pra dentro! –ele respondeu, animado e abriu a porta.

Éramos cinco: Eu, mamãe, Pablo, Belle e ele.

Ali cabia no máximo três adultos, e eu comecei a pensar que seria prensado.

—Não vai caber! –reclamei.

—Podemos colocar o cesto na caçamba, está coberta. E o Pedro pode ir no colo da sua mãe, a Belle e o Pablo vão no meio. Pronto. –ele sugeriu, e mamãe aceitou a sugestão. Mas antes, tirou uma vasilha do cesto e entregou para Maria, que só acenou, como se tivesse entendido.

Na hora de entrar na caminhonete branca, ele colocou Belle primeiro, depois Pablo e aí minha mãe entrou comigo no colo. Ele fechou a porta e entrou pelo outro lado, enquanto Maria acenava da casa.

Nos primeiros metros, eu aceitei o silêncio. Aí eu comecei a falar.

—O dia está horrível, não é? Acho que não vamos poder ver desenhos hoje. –comecei.

—Uma pena. Ia passar She-Ra. –Belle continuou.

—He-Man! Ou então podia passar os Flintstone. Não, Scooby-Doo! Meu favorito. –Pablo continuou.

—Corrida Maluca também é legal. Prefiro She-Ra! –Belle retrucou.

—Eu gosto dos Impossíveis. Speed Racer também é incrível! “Go Speed Racer, Go Speed Racer, Go Speed Racer, Goooooooo!” – “cantei” a abertura, que arrancou risadas da minha mãe e do seu Otávio.

—Papai, Smurfs também é legal! Eu assisti alguns e adorei! –Belle falou ao pai.

—Nem chega perto de Jonny Quest. –respondi.

E então, continuamos nessa discussão super legal até chegarmos à cidade. Nunca havia percebido o quanto que de carro o caminho era mais rápido –talvez porque eu nunca fui à cidade de carro antes.

Uma garoa, que eu sabia ser apenas a ponta do iceberg, começou a cair. Os raios e clarões continuavam. E com a chuva, eu fiquei imensamente deprimido.

—Ei! –Belle me chamou, vendo minha cara de tristeza – Ainda podemos brincar na minha casa.

Sorri, ainda triste. Eu amava assistir TV.

—E eu trouxe os espetinhos de frutas no cesto e entreguei para Maria. –mamãe contou, me dando um abraço forte. –Eles já estão com mel, do jeito que você gosta.

Não respondi, mas retribui o abraço. Belle e Pablo voltaram a discutir sobre a She-Ra e o He-Man, só que por um milagre eu fiquei quieto, recebendo os carinhos da minha mãe até chegarmos na casa da Tia Gina.

Tia Gina era a mãe da Cristina. Eram de uma família de classe média alta, porque os pais da tia Gina até que tinham dinheiro, e a escola delas eram realmente boa, por isso elas lucravam horrores com as apresentações. Cristina se envolveu com um homem e teve Emily, que era uma ruivinha um ano mais velha que eu, e amava assustar os outros.

Não me entenda mal. Emily era grande, meio gordinha, poderia ser fofa, mas se esforçava mais para expulsar as crianças do parquinho. Também era conhecida como “a menina da Sangria”, por ter uma doença de nome difícil que tinha esse tratamento.

A casa da Tia Gina era grande, com amplas janelas de vidro, e tinha que passar por um portão para entrar lá. Tinha uma garagem bem grande, dois andares, um jardim, portas de madeira maciça e etc. Era algo muito bonito, e muito caro. Não chegava a ser algo de rico, mas numa condição financeira muito boa.

Só que tinha algo diferente.

Um carro preto estava estacionado na porta, e Emily, com a sombrinha, estava do lado de Cristina. Tia Gina estava tirando alguém do carro, que descobri se tratar de uma menininha da minha idade, num vestido preto de renda rodado, de luvas pretas e um véu bem escuro, de modo que eu não conseguia ver o rosto dela. Sapatos pretos.

A chuva começou a cair com mais força, e um trovão soou pela cidade.

Estacionamos na parte coberta, atrás do carro preto. Seu Otávio desceu, minha mãe também comigo no colo, Belle e Pablo pularam depois de mim. Mamãe foi pegar o cesto de roupas enquanto eu e meus amigos íamos até aquela figura.

—Tia Gina? –perguntei à ela, meio que um cumprimento. Na verdade, eu queria uma “permissão para me aproximar”, que foi concedida com um abrir de braços. Eu, Pablo e Belle abraçamos nossa “tia” pela cintura.

—Crianças, essa é a Melissa. –ela nos apresentou, indicando a menina que parecia pequena perto de Emily. Estava com as mãos para trás, e não conseguia ver o rosto dela. –A Mel.

—Oi. –Belle cumprimenta.

—Oh, que bom, é o seu Otávio. Até que ele trabalha muito bem, vai fazer o quarto da Melissa. –Cristina falou, se retirando com Regina. Emily ficou do lado da garota, olhando para nós ameaçadoramente. Comecei a sentir vontade de ir para perto da minha mãe, mas Belle segurou meu braço.

Um motivo a mais para você não querer ser amigo de Isabelle Lopes.

—Vocês são irmãs? –ela tenta puxar assunto.

—Não. Ela é minha prima. –ela responde, seca. –Os pais dela morreram, então ela vai morar aqui. Nada que seja da sua conta, bonequinha.

Emily sentia a necessidade de chamar as pessoa em diminutivos, como me chamava de menininho. Também, qualquer um de nós se sentia um –inho perto dela. Sem falar que Belle parecia mesmo uma boneca, de cabelos pretos e olhos azuis, bochechas rosadas e um sorriso bonito, mas ela odiava quando alguém a chamava assim.

Como você já deve estar imaginando, foi Emily que começou a chamar Belle de Bailarina, anos depois.

Belle torceu o nariz, irritada. Melissa colocou a mão no braço da prima.

—Acho que você deveria ver se tia Cristina não vai mandar fazer nada para o seu quarto, sabe como ela é. –ela pediu, e pela primeira vez, ouvi a voz da Viúva. Era doce, mas meio seca, como se a menina não falasse muito (e imaginem como isso me chocou). Ela falava pausadamente, com carinho.

Emily bufou, levantou a sombrinha e foi.

—Me desculpem por ela. –a garota pediu.

—Tudo bem. Sou a Belle, esses são o Pedro e o Pablo. –Belle apresentou.

Vi um brilho no olhar nela. Sabe quando você começa a pensar em destino, em pessoas que estão destinadas a se conhecerem? Foi o que imaginei. Mesmo sem vê-la, imaginei Melissa sorrindo, assim como Belle estava.

Eu até entendia. Belle não gostava de Analícia, e como não ficava muito tempo na cidade, o tempo dela era passado conosco, o que a fazia querer uma “influência feminina”.

—Acho que vocês não devem querer entrar nessa chuva. Venham comigo, parece que vovó fez um suco maravilhoso de manga.

—Você gosta de suco de manga? –Pablo questionou, meio admirado.

—É claro. –ela respondeu, abrindo a porta da casa. Nós a seguimos.

E esse foi meu primeiro encontro com o melhor exemplo de menina-mulher que você pode imaginar.

(***)

A sala de estar da tia Gina era do tamanho do quintal do Pablo e muito bem decorada. Havia um móvel de madeira escura com uma TV e alguns vasos com flores do lado, três gavetas num canto e três portas. Um mesinha de centro com um toca discos. Ao fundo da TV, havia uma imagem de uma bailarina fazendo espacate, e nas outras paredes havia um violinista e um pintor. Um sofá grande marrom escuro tampava as pernas do pintor, enquanto duas poltronas bege abriam espaço para as pernas do violinista.

Então, uma porta aberta dava para um corredor e no final tinha uma escada. No outro canto do cômodo, uma bancada separava a cozinha e a sala, com vários banquinhos de couro, uma imensidão de armários brancos, uma geladeira, um fogão, uma janela ampla de vidro da qual eu podia ver as gotas de chuva que não caíam na janela por conta da cobertura e os clarões, além de uma mesa de madeira para 8 pessoas. Tudo estava muito limpo, um piso de cerâmica que contrastava com o piso de madeira da sala.

Cristina levou mamãe e seu Otávio lá pra cima, a primeira para guardar as roupas e para pegar as outras, e o segundo para ir olhar o quarto que virá a ser o de Melissa. Já a tia Gina nos colocou na mesa e nos serviu um copo de suco de manga muito gostoso. Para ela, serviu um copo de uma coisa vermelha com rodelas de laranja e limão.

—O que é? –apontei o conteúdo estranho.

—Cristina quer que eu pare de tomar conhaque –ela sorriu, tomando um gole –Se chama “Sangria”.

—Deve ser horrível. –Emily resmungou.

—Já falamos sobre isso. –tia Gina lançou “aquele olhar”, que fazia você calar a boca na hora – Você precisa.

Emily só começou a passar o dedo na boca do copo já vazio, talvez irritada, talvez pensando, talvez fazendo as duas coisas. Eu nunca conseguirei entender aquela garota.

Emily era o estereótipo de “garota turrão”. Gordinha, de cabelos ruivos cor de cobre, quase como se estivesse enferrujado, olhos castanhos como mel, ombros largos e bochechas fofas e rosadas. Ela saía para o parquinho da praça com uma sombrinha de sol que usava para assustar as crianças que zombavam de seu tamanho. Completamente fofa, como podem ver.

—Então, Mel... Agora que está aqui, se quiser alguém para brincar... –Belle ia sugerir, mas Melissa a interrompeu.

—Acho que vou ficar um tempo aqui na casa da vovó. –Melissa interrompeu rapidamente, nervosa.

—Ah. –Belle murmura decepcionada. Queria ver o rosto de Mel, pois seu corpo estava meio tenso.

Ela era... diferente. Se sentava reta na cadeira, uma mão na mesa e a outra no copo que bebia em goles pequenos sem o mínimo barulho, as pernas cruzadas e a postura bonita. A única coisa estranha era o véu preto escuro que não permitia ver seu rosto e o traje todo preto. Acho que ela estava voltando do velório, ou algo assim.

Um barulho de algo caindo e quebrando veio do andar de cima, e tia Gina suspirou antes de subir. Emily foi com ela, meio pra baixo. Provavelmente só por curiosidade mesmo.

—Olha, Mel... –Belle começou, e eu tentei entender porque era tão importante para ela se aproximar da menina. –Realmente, você... Precisa de uma amiga. Vai ser bom.

Melissa balançou a cabeça, ou melhor, balançou o véu e entrelaçou as mãos nervosa.

—Você não entende. –a menina murmurou. Belle foi até ela, e deu um abraço sem autorização na menina.

E eu boiando.

—Há quanto tempo? –Belle perguntou, enquanto eu e Pablo só olhávamos a cena. Melissa soltou um soluço.

—Uma semana, por aí. –respondeu, e não sei de onde, ela tirou um lenço do vestido. Provavelmente já andava com ele. Colocou o lenço por baixo do véu, para enxugar as lágrimas. –O velório foi ontem. Vovó não foi, ela não gostava do papai.

E só aí eu entendi. Não era só pela amizade. Melissa era a única órfã que Belle conhecia, a única que sabia a dor de perder um dos pais, e olha que enquanto Belle perdeu a mãe, Melissa perdeu a mãe e o pai. Mesmo assim, todos nós tínhamos pai mãe, e eu comecei a achar que Belle se sentia deslocada por não ter uma mulher para chamar de mãe como eu e Pablo tínhamos.

Belle continuou o abraço.

—Você pode tirar o véu, se quiser. É muito difícil, mas uma hora, temos que aceitar a morte. –ela aconselhou, e me peguei pensando que aquilo era um tipo de frase que seu Otávio falaria para ela.

Melissa agarrou o véu, meio assustada, e se levanta, ficando nas pontas dos pés para alcançar a janela, e incrivelmente, a abrindo. Não teve chuva caindo, por conta da cobertura da janela, mas senti um pouco do vento refrescando um pouco a sala.

—Estava um pouco abafado. –ela fala, sem se voltar. –E você não entende.

—Eu sei como é, acredite. E você pode tirar se quiser, está tudo bem. –Belle incentiva. Eu assistia aquilo como uma partida de ping-pong. Até o juiz chegar.

Emily chegou com sua sombrinha e um olhar de ordem na casa. Eu me aproximei de Pablo.

—Deixa a Mel em paz, bonequinha. –ela aponta a sombrinha para Belle.

Um trovão.

Melissa se virou, de lado. Uma parte do rosto apontada para a janela e outra para nós.

Uma rajada de vento.

E então, o vento, que devia apenas refrescar o lugar, levantou o véu de Melissa. Apenas um pouco, perto da bochecha.

E aquela parte parecia... Queimada. Como se tivesse caído óleo, formando bolhas amareladas em uma parte do rosto dela. Eu me afastei, meio com nojo, meio assustado, e Pablo veio comigo. Melissa segurou o véu, nervosa, quase chorando.

—O seu Otávio está descendo. Hora de vocês irem embora. –Emily fica na frente de Melissa, como se estivesse protegendo-a.

—Melissa. –Belle chamou. –Está tudo bem. Eu... Entendo. E se você quiser um lugar e alguém para brincar... Tia Gina sabe onde é.

Belle deu um sorriso pequeno para a menina, que parecia uma formiga perto de Emily. Então, ouvimos a voz de Cristina e do seu Otávio, e eu puxei Belle pela mão. Não queria ficar ali. Só queria ir embora logo, que foi o que fizemos, todo nós, do mesmo jeito que fomos. E Belle foi, muito quieta, perto do pai.

Um silêncio que eu não me atrevi a interromper.

(***)

—Eu só preciso passar na mercearia, vai ser rápido. Estou procurando um novo assistente. –seu Otávio avisa, manobrando a caminhonete –Ele disse que tem um filho de 4 anos e meio.

Ele dá uma olhada para Belle, que havia “deitado” em Otávio, acordada. Belle parecia... Desanimada depois do encontro com Melissa, e eu não sabia como animá-la, como fiz no aniversário dela. Por isso, um clima meio tenso estava no carro, já que tinha um silêncio desconfortável.

—Ele deve ser legal. Qual o nome dele? –perguntei, fingindo interesse para, talvez, despertar o interesse de Belle.

—O pai é o Matheus. O nome do filho dele é Henrique. –ele contou, e eu me coloquei para pensar.

Eu nasci e cresci aqui, entregando roupas nessa cidadezinha pequena. Conhecia os moradores. Matheus... Henrique...

Ah. O garoto da casinha de pássaros.

Era uma tarde muito quente. Tínhamos acabado de voltar da casa da senhora Anne, uma velhinha com três labradores: Fofo, Lindo e Graçinha. A próxima casa seria a de Matheus e de Rosa. Naquela época, eu tinha um ano e meio, e mamãe estava grávida de Leo, que viria a nascer dois meses depois.

Sim, grávida e andando pela cidade para trabalhar. A vida estava difícil. Ela ofegava muito, e nunca a vi andar tão devagar. Mas precisávamos do dinheiro.

A casinha era pequena, sem varanda. Mas tinha um quintal e uma cerquinha pequena branca, além de uma bonita casinha de pássaros no quintal. Enquanto mamãe ia tocar a campainha, eu me aproximei para ver a casinha. Era de madeira, branca com um telhado triangular vermelho. Havia vários buraquinhos para os pássaros, e a casinha era enfeitada com flores roxas.

—Bonita, não? –uma voz de menino surge do além, e eu acabo me assustando.

Era um menino da minha idade, negro, com cabelos crespos, lábios grandes e pele oleosa. Usava roupas folgadas, uma blusa branca, bermuda e uma camiseta xadrez aberta de botões, além dos tênis.

—Papa deixou eu ajudar! –ele comentou, sorrindo. –Henrique.

—Pedro. –respondi.

—Legal. –e então, dona Rosa aparece para leva-lo para almoçar.

Mamãe também me apressa. Claro, ela estava cansada, precisava acabar rápido.

—Ele é legal. –opinei, e Belle deu de ombros.

Seu Otávio parou na frente na marcenaria, e pegou Belle no colo, para descerem rápido. Com um olhar para minha mãe, ela amoleceu e me permitiu ir, então, eu e Pablo escorregamos no banco e seu Otávio nos desceu. Corremos da chuva e entramos na marcenaria.

Era algo até que simples. Eu não podia ver o real local de trabalho, só uma salinha com um balcão, um bebedouro e várias cadeiras, como uma sala de espera misturada com um daqueles lugares onde se senta para fazer reclamações. Haviam mesas com vários projetos também, um calendário que marcava mil e uma datas diferentes.

Um homem segura uma carteirinha, e um menininho conhecido estava ao lado dele.

—Ei, Matheus! Pode vir aqui. –Otávio chamou, e eles entraram por uma porta.

—Oi, Pedro. –Henrique cumprimentou. Ele estava com um gorro vermelho, um casaco azul, calça jeans e botas. –Oi Pablo. Oi... Você eu esqueci o nome.

—Belle. –minha amiga respondeu, sentando do lado dele. –Oi.

—Oi, Henrique. –eu cumprimentei, e Pablo fez o mesmo.

—Ei! –ele olhou para mim. –Eu adoro Os Impossíveis!

Olhei para ele sorrindo.

—Assiste He-Man? –perguntei, no que ele assentiu. –Cara, você se tornou meu amigo.

(***)

A chuva continuou por uma semana depois daquele dia, e nem ouvimos falar de Melissa por esse período.

Não era chato. A chuva tendia a parar por alguns momentos de manhã, quando eu e Pablo corríamos para a casa de Belle, acompanhados de mamãe e de Leo, que ficou em casa esse período. Porém, mamãe e Leo só iam comigo até a casa de Belle, então o seu Otávio dava carona para mamãe e nós ficávamos com Maria.

Não sei de onde Berenice tirou de que Maria era má. Ela era bem divertida, e muito carinhosa com Pablo e com Belle. Fazia biscoitos para nós, com leite quente. Cortava roupas antigas para tentar fazer as fantasias que usávamos nas brincadeiras. Ela mesma brincava um pouco conosco.

E a melhor parte é que, ao contrário de Analícia, Belle não se importava de brincar do que não gostava, e até gostava de brincar de guerreiros, de luta e de monstros. Por isso eu adoro essa minha vizinha. Eu era o He-Man, ela a She-Ra. Pablo era Gorpo e Leo era Pacato, enquanto Maria se fazia de Sombria, muitas vezes. Ou então, nós éramos os personagens de Caverna do Dragão. Pablo era Presto, eu era Hank, Belle era Sheila e Leo era Bobby. Era algo muito legal, e nós fazíamos uma grande bagunça. No final, capotávamos nos colchões da sala e só acordávamos com mamãe nos chamando para ir embora.

Ter Dete ali seria legal, mas geralmente, chuva e vento trazem poeira e resfriado. Com a asma da pequena, ela mal podia sair da cama, e estava em baixo de cinco cobertores. Nossa esperança era que o tempo melhorasse.

Sem notícias de Henrique. A distância entre nós e ele era grande, além da chuva na cidade não permitir que nós fôssemos até lá. Mesmo assim, fiquei sabendo que muitas vezes ele ia com Matheus para o trabalho, quando a avó do menino não estava se sentindo bem.

Não falamos sobre Melissa, pois sempre que eu comentava, o semblante de Belle se entristecia. O problema era que mamãe falava com papai o que ouvia, e consequentemente, eu ouvia.

Diziam que ela trouxe a morte para a cidade.

Eu não concordava. Mesmo com seu jeitinho de viúva, ela me parecia uma pessoa legal. Só que o povo começou mesmo a chama-la de Viúva, por conta do véu que ela usa. Ela não saí de casa, então ouvi falar que ela só fica na janela fechada, observando a chuva. Sim, uma figura estranha, mas ainda assim, apenas uma menina. Sabíamos que ela era... diferente, e um pouco solitária.

De qualquer jeito, uma semana depois do nosso encontro, com a chuva ainda, houve uma batida na porta. Melissa estava parada na porta, com uma calça de malha, uma saia azul por cima, um casaco muito bonito preto de botões, cachecol branco e botas de bolinhas brancas, além do véu na cabeça e luvas pretas. Emily usava um casaco vermelho, botas pretas e uma calça preta de malha, além um gorro vermelho que tampava as orelhas na cabeça e luvas brancas, enquanto seus cabelos ruivos estavam amarradas em trançinhas, e tia Gina estava parada ao lado dela, de botas, vestido preto até o tornozelo, um casaco verde musgo e um cachecol preto, e vi o carro preto bonito delas parado na porta. Todas as três estavam um pouco molhadas.

—Ainda tem espaço para mim? –Melissa perguntou, e Belle, que atendeu a porta, sorriu para ela.

—Emily pode ser a Madame Riso e a Mel é a Cintilante. –Belle respondeu, e puxou as duas pela mão, ao mesmo tempo que tia Gina avisava que as buscaria no final da tarde.

Foi muito legal, e vi um lado animado de Melissa. Fiquei um pouco enciumado, porque ela parecia ter um grande carinho por Belle, e Belle é a minha melhor amiga. Mas depois que Emily começou a ficar legal, deixou a sombrinha com Maria e topou usar nossas espadas de plástico, ela virou uma ótima guerreira. Dividimos times, meninas contra meninos, e elas ganharam. Não valeu, Leo é pequeno e Emily é forte!

Mas nem tudo são flores. O pai de Analícia veio a sofrer um infarto no trabalho nesse mesmo dia, e isso afetou toda a cidade, além de afetar muito a garota.


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Notas finais do capítulo

Você Sabia Que..... Caverna do Dragão parou de ser produzido em 1985? Começou a passar aqui em 1986, no Xou da Xuxa.
Eu devia dar mil e uma explicações, mas eu nunca lembro do que era. Triste. Talvez avisar que a Analícia começa a virar uma vaca daqui pra frente, que daqui a pouco teremos os doces da Berê, e que depois teremos o aniversário do Pablo! Ou melhor, o aniversário do Pablo é no mesmo capítulo que os doces da Berê... Anyway, eu quero comentários!
Ah, B Ramones, eu falei errado. Esse "dom" do Pablo e da Dete, vem da familia do seu Vinicius, o pai do Pablo e da Dete.
Você que favoritou e não comentou: eu estou vendo, viu? Agradeço, mas só um "Gostei, continua" são suficientes. Não mereço nem isso, poxa? De todo jeito, seu "favoritamento" significa muito!
Acho que é isso... Qualquer coisa cometários estão aí para você comentar, enquanto eu tento dar spoilers da minha fic, se é possível.
Outra coisa: a Dete não é a Madame Creuzodete. Nossa Madame vai aparecer aqui, em 1994, yes, NAQUELE ano. Se vocês não se lembram, a Madame tem uns 137 anos de idade e o nome dela não é Creuzodete... Mas o da Dete é. Coloquem a cabeça pra funcionar :v
Acho que eu já tinha falado que a Dete seria a Madame, mas mudei de ideia. Pra mim algo só é real quando passado pro Word!
Bye :* Happy New Year!
Quem se interessar pelos desenhos
Você Sabia Desenhos -pt 1: https://www.youtube.com/watch?v=SHCTRSr6TT8
Pt 2: https://www.youtube.com/watch?v=y7ywyVdvYws
Você Sabia Hanna Barbera: https://www.youtube.com/watch?v=p6tTInpPug4
Desenhos animados anos 80: http://www.anos80.net/desenhos/



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