As Mulheres de James Sirius Potter escrita por Lia Galvão, Miss Stilinski


Capítulo 23
Lily Luna Potter e a Volta Para Casa


Notas iniciais do capítulo

Olá!! Primeiramente: Feliz Natal atrasado e Feliz Ano Novo!!!! Depois de cem anos, eu vim por meio desta, dizer que FINALMENTE TEM CAPÍTULO NOVO! Eu sei, eu sei. Nós sabemos que vacilamos, mas faculdade, estágio... isso mata a gente. Ainda mais para Lia, que estuda numa federal, e está prestes a acabar. E todos sabemos como a faculdade pode sugar a nossa alma... Mas a gente NÃO abandonou essa fic, que é o nosso AMOR.
Então, esperamos que gostem do capítulo. De verdade, a gente não queria demorar tanto, mas... acontece.
Agora fiquem com James se lascando ao voltar pra casa hehehehe
~Miss Stilinski



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Anteriormente em: As Mulheres de James Sirius Potter

Após a morte prematura de sua namorada Saphira Malfoy, James, em luto, foge de casa afim de esquecer seus problemas. Após uma breve passada pela Austrália, o garoto resolve alguns problemas desenvolvidos ao longo do caminho na Escócia onde decide fazer um intercâmbio mágico para se especializar na arte de poções e do ensino. Após passar por algumas mulheres, durante sua estadia na Espanha James envolve-se com uma trouxa que, futuramente e sem aviso prévio ele descobre ser simpatizante da arte bdsm. Assustado, ele decide escapar do apartamento da garota e fugir pelas ruas exatamente como veio ao mundo. Ao tentar comprar uma roupa em uma loja, sem realmente ter dinheiro para isso, acaba preso por tentativa de furto e Harry Potter é o responsável por tirá-lo de lá, revelando então que ao longo de todos aqueles anos de fuga sempre tivera alguém da confiança de Harry vigiando James, inclusive o seu atual melhor amigo Dimitri.

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A viagem de volta demorou mais do que meu pai gostaria graças a Marie. Eu me neguei a desaparatar com a bichana, uma vez que estava tentando reconquistá-la eu não iria a submeter àquele processo de tortura. Mas ainda assim meu pai parecia dedicado a torturar minha gata. Ele arrumou uma gaiola para ela (como se ela fosse um animal!) e preparou uma chave de portal para Londres. Minha pequena adorável rasgou seu lindo laço rosa no caminho e chegou com uma cara de aviso que me fez pensar muitas vezes antes de chegar perto. Eu cheguei mesmo assim e foi desse jeito que eu consegui curativos na mão. 

— Vamos o restante do caminho de vassoura. — Meu pai avisou e então lançou uma vassoura velha em minha direção. — Eu levo sua bagagem e você fica com a gata, já tenho cicatrizes o suficiente.

Quando fomos ao apartamento buscar minhas coisas Dulce não estava lá, mas a probabilidade de chegada dela me fizera pegar o maior número de coisas em menor tempo possível e sair de lá o quanto antes. Juan ficou, eu não queria papo com ele, agora que o contrato dele tinha expirado não existiam motivos para sermos amigos. 

Pendurei a gaiola de Marie na ponta da vassoura, a prendendo ali com magia (do meu pai, ele ainda não tinha devolvido minha varinha). Eu sei, eu tinha vinte e dois anos — quase vinte e três — e era tratado como se tivesse dois. Também fiquei revoltado.

Ao comando de Harry partimos para a noite gelada de Londres, o vento bateu em meu rosto e um sorriso involuntário surgiu em meus lábios. Havia tanto tempo que eu não voava, que eu não sentia aquela sensação,  que tinha me esquecido da maravilha que era. Marie miou alto em protesto, eu teria que sofrer para reconquistá-la, mas, naquele momento, eu me preocupei apenas em guiar a vassoura contra o vento, aproveitando ao máximo o momento que me lembrava de uma época em que tudo era mais fácil.



Ainda era a mesma casa em que eu havia crescido. A mesma varanda, os mesmos arbustos, a mesma porta imensa de madeira. Ao mesmo tempo em que eu me sentia traído, eu percebi que estava morrendo de saudades daquele lugar. Estava escuro e não havia nenhuma luz vinda de dentro de casa. Mas havia alguém do lado de fora. Alguém grande. E eu não estava afim de falar com ele.

— Você o chamou?! —  perguntei para o meu pai.

— Ele soube assim que eu saí do quartel general dos aurores. —  Respondeu meu pai, um pouco cansado.

Eu balancei a cabeça, sentindo a raiva crescer em meu peito. Dimitri estava com seu sobretudo, com as mãos nos bolsos e seus cabelos grandes atrás da orelha. A luz da varanda iluminava apenas uma parte de seu rosto.

Subi as escadas com meu pai em meu encalço e Marie nas mãos.

— Foi tudo mentira? A nossa amizade, o que a gente passou, tudo?! —  eu não queria gritar, mas eu estava com raiva. Ainda parecia que a gente estava num relacionamento sério. 

— Claro que não, James —  respondeu Dimitri. —  No início, eu não fazia ideia de que iríamos ser amigos e eu nem pretendia. Mas aconteceu. E você se tornou meu melhor amigo e o mais sincero!

— Eu confiava em você! —  gritei. —  Você foi uma das pessoas que me manteve sã, mas esse tempo todo esteve apenas comigo por obrigação! Que sinceridade é essa que você fala quando eu não sei se você está sendo pago para estar comigo?

— Como pode dizer uma coisas dessas? Eu confiei meu segredo a você, contei coisas sobre minha vida amorosa e dividi a minha casa! Se eu não me importasse eu não estaria aqui.

— Não...

Uma luz se acendeu do lado de dentro e a porta se abriu. A imagem da minha mãe e de minha irmã atrás dela me fez calar a boca e Dimitri chegar para o lado.

— Harry? — A voz de minha mãe continha um tom que misturava susto com esperança. — Harry é… querido, é o…

— É ele, amor. Ele voltou para casa. — Meu pai garantiu.

— James… — O primeiro nome saiu num sussurro que fora proferido por um soluço, Lily ergueu sua varinha que agora tinha a ponta iluminada, dando melhor visibilidade para todos ali. — James… Sirius… Weasley... Potter. — Meu nome. Aquele era eu. Há tanto eu não era chamado daquele jeito que não consegui conter o sorriso.

— Esse sou eu. — Disse, aproximando-me da minha cara de pimenta para tirar um pouquinho do atraso de abraços de todos aqueles anos.

— Eu vou matar você! — A coisa é a seguinte, eu não ouvia meu nome há tanto tempo que tinha me esquecido que toda vez que ele era falado por completo - inclusive meu sobrenome não-oficial - era indício de problemas.

Primeiro Ginny encurtara a distância entre nós me puxando pela orelha, exatamente como vovó Molly fazia quando eu enfiava o dedo nas caldas de bolo. Em seguida eu tenho a minha teoria de que ela tentou bater na minha bunda, mas minha mãe nunca tinha me batido e eu estava praticamente o dobro do tamanho dela, então ela desistiu e começou a desferir tapas e socos contra meu peito. Não fiz absolutamente nada para impedí-la.

Minha mãe gritava, me xingava, repetia meu nome a cada duas frases. “foi embora sem avisar a ninguém”, “pensei que estava morto” e “poderia ter respondido às minhas cartas” eram as frases mais repetidas. Toda aquela cena de raiva e rancor durou alguns minutos até que os murros de Ginny perderam a força, passando para simples soquinhos enquanto a raiva em sua voz dava lugar ao choro e, logo, os braços de minha mãe envolviam minha cintura.

— Eu fiquei tão preocupada. Todos esses anos. Quis lhe matar no natal passado. Ah James, eu senti tanto a sua falta! — Meu coração apertou e meus olhos se encheram d’água, envolvi minha mãe em um abraço apertado, meu peito ardia pelos tapas, socos e pela saudade, nunca antes havia notado que, por mais forte e independente que minha mãe fosse, ela era pequena e frágil.

— Eu estou em casa agora. — Garanti, tentando transmitir naquelas palavras a segurança que ela precisava, enquanto lhe depositava um beijo na testa.

— Minha vez. — Lily disse, estragando aquele lindo momento mãe e filho enquanto entregava sua varinha ao meu pai e arregaçava as mangas.

 

(...)

 

Lily não me bateu, meu pai impedira. Apesar disso, minha irmã garantiu que teria sua sessão de tapas. Eu não duvidei. Por estar tarde entramos todos, inclusive Dimitri, que continuava falando enquanto eu continuava ignorando.

— Onde está Albus? — Perguntei, fazendo minha voz sobressair a voz de Dimitri.

— Na casa de Luna. — Lily respondeu, entrando na sala com uma bandeja de biscoitos. Logo atrás dela flutuava copos e uma jarra de suco.

— E o que raios ele está fazendo na casa de Luna uma hora dessas? — quis saber, Lily suspirou.

— Ah, docinho. — Rangi os dentes, era assim que Dimitri, o traidor, me chamava. Eu deveria ter notado antes a carga de ironia que aquela palavra carregava.

— É claro que era irônico James!

— Você tá lendo a minha mente?!

— Você falou isso alto. — Lily pontuou.  — Enfim, voltemos. Quando um homem e uma mulher se amam, eles vão...

— Lily! — Meu pai protestou, impedindo-a de continuar e minha irmã riu, pescando um biscoito do prato e sentando-se ao lado de Dimitri. 

— Você tem algum irmão? — Minha irmã perguntou, Dimitri se mexeu desconfortável. — Só estou perguntando, ou eu sou a única que está interessada no ex-namorado do James?

— Albus e Luna estão juntos? — Perguntei, Lily sorriu abertamente.

— Viu só, mãe?  Ele não negou.

— Sim, James, já há alguns anos. — Papai me respondeu.

— Estão quase casados, é um saco! — Lily resmungou.

— Mas e Mellody? Digo, eu os vi na Bulgária,  eles estavam juntos.

— Mellody não é um espírito domável, Albus é um bichinho doméstico. Super-resumo: Mellody e Freya estão casadas, mas cada uma sai com quem quer, Mellody e Albus não se correspondem mais e Albus está com a Luna. Não me entendam mal, eu amo Luna, mas a Mell sabia muito mais como se divertir.

— Eu gostava mais quando você assistia filmes da Disney com a Luna. — Meu pai resmungou e Lily lhe deu a língua.

— Bem, não somos crianças mais. E eu realmente gostava de Mellody, Albus devia ter aceitado a proposta de relacionamento aberto.

— Eu estou tão confuso. Freya e Mellody estão casadas?

— Ah docinho, você tem tanto para aprender. — Lily fez um biquinho e eu pisquei algumas vezes.

— James, se você puder me deixar explicar…

— Não. Inclusive vá embora da minha casa, o contrato acabou Dimitri, não vamos pagar hora extra.

— Ele é um prostituto? — Minha mãe sussurrou para meu pai, alto o suficiente para todo mundo na sala ouvir, Lily gargalhou.

— Prefiro conversar sobre isso com você em particular. Em um cômodo sem varinhas. — Meu pai ofereceu um sorriso amarelado à minha mãe. 

— Eu não vou embora enquanto você não falar comigo, James.

— Bem, avise a Teresa então que você nunca mais vai vê-la.

— Vou arrumar um quarto para você querido, prefere quantos travesseiros?

— Mãe!

— Rapaz, você esteve fora por cinco anos, sem mandar nenhuma notícia, não está em posição de escolher quem vai ou não ficar hospedado aqui.

E eu não estava mesmo, tanto que não escolhi. Meu quarto estava exatamente do jeito que eu o tinha deixado, meu coração se apertou quando eu notei as coisas jogadas no chão, mas a voz de Viola ribombou na minha mente e eu suspirei, eu estava bem, eu podia voltar.

— Dimitri querido, você pode dormir na cama. James, preparei o colchão para você.

— Espera, ele vai dormir no meu quarto? Na minha cama?

— Não se engane pela bagunça que você deixou aqui querido, depois de alguns meses sem você voltar fizemos seu quarto de quarto de hóspedes. Tinha uma foto de como você o deixou e eu arrumei ele do jeito que estava enquanto vocês estavam lá embaixo, considere como um merecido castigo por ter abandonado sua família.

— Mãe! — Protestei e Ginny lançou um travesseiro em minha direção.

— Você fica no chão. — Pontuou e deixou o quarto, deixando-me levemente irritado.

— James, se você pelo menos me ouvir…

Como já devem ter notado, ele continuava falando. E minha varinha ainda estava confiscada, assim sendo, concentrei minhas forças e poderes nos ensinamentos de Kristina. Quando as desculpas esfarrapadas de Dimitri se tornaram em “Huum huuuums” eu sorri.

— Contemplem o silêncio. — Disse contente. — Você dorme no chão, traidor. — Rosnei para Dimitri e fui até minha cama, deleitando-me com o conforto que ela trazia. A colcha possuía uma mistura de cheiros que acessava muitas das minhas memórias, e todas elas brilhavam em uma única palavra com luzes de neon na minha cabeça: Lar.

 

Dormir foi a parte difícil. Dimitri parou de resmungar depois de algumas horas, o feitiço se desfez uma vez, mas eu consegui repô-lo e o grandão apenas desistiu e acabou dormindo. Mas não era a cantoria de Dimitri que me incomodava. Minha cabeça trabalhava a todo vapor, passando por todas as informações que me foram lançadas nas últimas horas.

Dulce era sadomasoquista, o que ainda me chocava. Por trás daquela carcaça de boa moça, amiga dos animais e adorável menina do interior existia uma selvagem ninfomaníaca. Talvez essa não seja a palavra correta, mas gosto do efeito que causa. Nós dois realmente poderíamos ter tirado proveito disso, se ela ao menos tivesse conversado comigo sobre. E então meus falsos amigos. Teresa sabia daquela armação?  Viola era a única em quem eu podia confiar, afinal. E todo o restante sabia tanto de mim! Dimitri, que agora roncava do colchão, Paolo, Marco, Héktor, um tutor duvidoso devo dizer, e Juan. Meu pai realmente me permitiria casar com uma garota de quatorze anos?! Albus e Luna. Ah, como eu sentia saudades da minha garota. Que agora aparentemente era garota de Albus. Como eles acabaram juntos? Albus não suportava Luna há um tempo atrás! E que fim teve Victor? Quanta coisa eu tinha perdido no meu tempo fora?

Então o choque da realidade me acertou de uma só vez. Um soco de esquerda na mandíbula. Depois de todos aqueles anos apanhando eu deveria ter me acostumado, mas não tinha, não para aquele soco, não daquele jeito. Levantei-me da cama e caminhei quase no automático para o quarto dos meus pais, entrando sem bater à porta e parando em frente a cama em que ambos dormiam.

— Mãe, pai. — Chamei, a ansiedade evidente em minha voz. Tive que chamar mais duas vezes e balançar seus pés até obter uma resposta.

— O que foi, James? — Minha mãe quis saber, esfregando os olhos.

— Eu não sei se vocês notaram mais cedo, mas Lily sabe de onde vêm os bebês.

E sabe o que é que você ganha por tentar alertar seus pais sobre o amadurecimento precoce de sua irmã? Uma travesseirada na cara e ameaças. Depois que meus pais me expulsaram do quarto deles, falando para eu parar de agir como uma criança, eu voltei para a minha cama e fiquei remoendo todas aquelas informações. Quando peguei no sono, já se passavam das 3 da manhã.

 

(...)

 

O cheiro de biscoito amanteigado me acordou. Dimitri não estava no colchão, eu devia suspeitar que ele desistiria assim que notasse que não seria pago, mas eu não iria me preocupar com aquilo, tinha coisa demais na minha cabeça para perder tempo pensando em um certo tipo de mercenário.

— Bom dia, docinho. — Dimitri entrou no quarto, provocando-me um som que poderia ser considerado engraçado, mas tinha a intenção de ser ameaçador. — Sua mãe pediu para eu te acordar para ir tomar café. Ela continua perguntando de que forma eu defino melhor nossa relação e afirma que não tem absolutamente nada contra, mas nunca pensou que você fosse bi.

— Você pode dizer a minha mãe que você é um prostituto, essa é a verdade não é?  Você foi pago para ter relações com uma pessoa, mesmo que não tenham sido de todo físicas. — Respondi e deixei o quarto, descendo as escadas e encontrando minha cara de pimenta servindo torradas à mesa.
Abracei minha mãe, sentindo o cheiro de seu perfume e de sua comida, cada receita servida era do livro de minha avó Molly e meu estômago se apresentou. — Como eu senti falta daqui. — Afirmei, sincero. Mamãe deu-me um tapa na cabeça.

— Não deveria ter ido embora.

Eu sentia que ao mesmo tempo que minha mãe estava feliz e grata com meu retorno, ela ainda estava muito magoada por minha partida. E eu teria que compensar aquilo de alguma forma.

— Eu sei que nada do que eu disser ou explicar vai te fazer entender,  mas eu realmente precisava daquilo mãe.

— Você pode tentar.

— O quê?

— Explicar,  vamos James, por onde você esteve? Por que demorou anos para voltar?

— Se eu tivesse ficado aqui eu poderia não estar mais aqui mãe. — Suspirei, sentando-me. — A morte de Saphira me destruiu por dentro, se eu tivesse continuado aqui eu ia continuar desmoronando até que não restasse mais nada.

— Ou você iria sentir seu luto e depois se recuperar, não justifica você ter sumido por cinco anos!

— Sim. — Suspirei. — Eu sei. Nada justifica,  mas… eu precisava.

— Conte sua história, James Sirius. — Minha mãe mandou. Àquela altura papai, Dimitri e Lily chegavam à cozinha e tomavam lugares à mesa. Eu demorei cerca de um minuto para assentir.

— Depois do… enterro eu quis sumir. Para cada lado que eu olhasse Saphira estava lá, em cada pessoa. Eu não duvido que Albus tentasse me matar, de certo modo eu matei a melhor amiga dele, certo?

— Você não matou ninguém, meu querido. — Disse minha mãe em tom tranquilizador.

— Eu sei disso, agora. Não quando tudo aconteceu. A culpa me corroía, eu deixei ela… — Respirei fundo. — Eu apenas não podia. Vocês todos estavam tão preocupados, parecia que tinham medo que eu desse um fim na minha vida.

— Não nos culpe, você é um grande fã de Shakespeare. — Lily disse de boca cheia e eu consegui sorrir.

— O fato é que eu fugi. Nem sei como fiz isso, mas fui parar na Austrália. Lá eu parecia ser outra pessoa. Salvo engano foi a primeira vez que me apresentei como James Evans, em homenagem à vovó Lily. Ninguém podia me encontrar assim, eu me enfeiticei para não ser encontrado, mas acho que amor de  mãe vence as barreiras da magia e suas corujas sempre chegavam. No começo eu não conseguia me corresponder com vocês,  doía demais, acessava lembranças demais. E depois eu apenas não tinha mais coragem. 

— Eu merecia saber onde e como você estava, James. Um dia você irá ser pai e mesmo assim não será capaz de sentir a angústia que eu senti todos esses anos.

— Eu realmente sinto muito por isso. Eu estava perdido mãe, eu não podia te falar onde eu estava pois eu mesmo não sabia. Eu errei, feio. E errei mais ao longo desses anos, coisas das quais eu não me orgulho. Vocês pensavam na possibilidade de eu estar morto e a verdade é que eu quase consegui isso, se não fosse por Viola eu não sei o que seria de mim agora.

— Quem é Viola?

— Um anjo. — Eu sorri. — Um anjo de cabelos azuis que me ajudou a voltar para os trilhos.

— E por que você não voltou depois que esse anjo surgiu e arrumou sua vida? — Lily confrontou, eu ergui os ombros.

— Eu realmente não sei. Ela me ajudou a entrar na faculdade. Eu estou quase tirando minha licenciatura para poções, sabiam? Mais um ano e eu consigo meu título. Eu entrei no intercâmbio, começamos pela Bulgária, depois Itália, Grécia, Espanha e o último país seria a França. Eu quis aquilo. Eu precisava daquilo, mas…

— Mas? — Mais uma vez eu ergui os ombros.

— Eu era James Sirius Potter. O primogênito d’O Eleito. Filho do salvador do mundo bruxo. Filho daquele que sobreviveu. — Meu pai fez uma careta. — Alguma coisa em algum lugar me fez odiar tudo isso, não que eu não me orgulhe de ser seu filho, pai, porque eu me orgulho muito. Mas porque de alguma forma eu estava cansado de continuar pegando atalhos, eu não queria que tudo sempre fosse tão fácil porque eu reparei com a morte de Saphira que não era. Eu não poderia sempre ter aquilo que queria, mesmo que meu sobrenome me concedesse inúmeros privilégios, e então eu decidi continuar fora.

— Você sabe que isso não faz o menor sentido, certo? — Lily resmungou.

— Fez na minha cabeça.  E bom, foi legal enquanto durou, mas acontece que eu não estive realmente sozinho, não é pai?

— O que é que ele está dizendo Harry? — Mamãe perguntou.

— Ah é, você não contou a ela certo? Não contou que todos esses anos eu nunca estive desaparecido, sempre tinha uma babá na minha cola passando informações diretas à Harry Potter. — Meu pai suspirou.

— Ginny querida, é delicado,  eu pretendia te contar em breve, eu queria dar a liberdade que James tanto precisava e por isso eu sabia que não podia te contar. — A expressão de minha mãe fechou e sua mão segurou tão forte o garfo que este dobrara.

— Vamos conversar mais tarde, Potter.  — Ela decretou, alguém dormiria na sala hoje. — E quando foi que você e Dimitri se conheceram?

— Bem, ele foi minha primeira babá bem-sucedida. Já que eu tive complicações amorosas com a outra.

— Então você não namorou ele? — Lily parecia desapontada.

— Receio que ele não tenha sido pago para isso. 

— James… — Dimitri começou.

— Pai, você realmente ia deixar que eu me casasse com Dione?

— Deixar que você o quê? — Minha mãe estava a um decibel da histeria.

— Acredite em mim filho, eu não soube até que fosse tarde demais. Héctor sempre te elogiou muito e de repente disse que estava passando por problemas e ficaria um tempo sem mandar notícias, eu jamais poderia imaginar… Dimitri quem me avisou, mas quando eu cheguei você não estava mais lá, posso garantir que a surra que você levou não ficou por isso mesmo, ninguém encosta no meu filho e sai impune. Antes que proteste, eu mesmo prendi aquele cara da máfia que te espancou na Itália.

— Ora, ora. — Comentei, sem saber exatamente o que falar. — Então Dimitri realmente recebeu hora extra até a Grécia? 

— James, já chega de agir feito uma criança, agora você vai me ouvir! — Dimitri falou, mas um barulho vindo da sala o interrompeu.

— Okay! Vocês não vão acreditar. — A voz me era familiar, mas parecia tão mais adulta do que eu estava acostumado que me fizera assustar. — Eu sonhei com James de novo esta noite. A mesma coisa de sempre, ele estava sendo espancado, mas dessa vez, tia Ginny, era você quem o estava… — A frase se interrompeu no momento em que Luna e Albus pisaram na cozinha. Se Luna estivesse segurando alguma coisa ela o teria deixado cair. — James? — a voz dela embargou e tremeu, era como se toda a sala estivesse congelado.

— Seu bastardo filho da puta. — O xingamento viera de Albus e em um segundo eu estava no chão com meu nariz sangrando.

— Albus! — O grito veio de minha mãe, enquanto eu tentava me recuperar do choque e me erguer, Dimitri segurara Albus e Luna despertara, ajudando-me a levantar.

— Você acha que pode simplesmente aparecer aqui e sentar para tomar um café depois de todos esses anos James?  Porque você não pode!

— Albus, controle-se! — Papai mandou, meu irmão se remexia tentando soltar-se, sem sucesso, de Dimitri.

— Como acha que eu me senti aquele dia, James? Depois que descobri que não tinha perdido apenas minha melhor amiga, mas também meu irmão. Hein? Para depois de cinco anos você aparecer como se nada tivesse acontecido.

Meu nariz continuava sangrando e minha cabeça rodava, Albus lutava também contra o choro. Eu sentei na cadeira, tentando fazer o mundo parar de girar para poder falar com Albus, mas a pancada tinha sido forte.

— Deixa eu te ajudar. —Luna se aproximou,  sacando sua varinha, quando eu pensei que ela iria colocar meu nariz no lugar, aquela doce e pequena pessoa de cabelos dourados girou o braço, acertando seu cotovelo em minha mandíbula. — Isso é por tudo que Albus disse e um pouco mais! — Ela gritou. 

— Isso está ficando ótimo. — Ouvi Lily comemorar.

— Eu tive pesadelos com você todas esses anos! Por noites eu acordei apavorada com a sua imagem fresca na minha cabeça,  você coberto do seu próprio sangue jogado em uma vala qualquer! Onde você esteve, James?! — Luna agora estava cativa nos braços de meu pai.

— Agora é pra valer. — Ouvi Lily mais uma vez antes de sentir um, dois, três tapas na minha cara. — O que é que você tinha na cabeça?  Você estava sofrendo? Muito bem James, acha que nós não?  Como você acha que nós nos sentimos depois que você simplesmente desapareceu? Como você acha que foi passar cada dia dos últimos cinco anos sem ter a menor ideia do que tinha acontecido com meu irmão mais velho? Você acha que foi fácil, James? Eu chorei toda noite antes de dormir por três anos até que eu entendi que você não voltaria. — Quatro tapas. — Você tinha todo o direito de viver o seu luto, mas não tinha nenhum direito de fazer o que fez!

— Já chega! — Minha mãe bateu ambas as mãos na mesa, o mundo rodava mais do que nunca naquele momento. — Se vocês acham que eu estou mais feliz do que vocês com essa história toda saibam que eu não estou, mas vocês tem que se conter! — Seu tom era autoritário, Luna e Albus pararam de se remexer, Lily deu dois passos para trás.  — Nós todos sofremos com a ausência de James, mas nós não vamos tornar nossos medos em realidade agora que ele voltou! Harry, tire Luna e Albus daqui. Lily, se você encostar em seu irmão mais uma vez a coisa vai ficar feia. 

Eu realmente deveria ter adquirido resistência à tapas e socos ao longo dos anos, mas não tinha, assim sendo, aquelas foram as últimas coisas que eu ouvi antes de desmaiar.

 

(...)

 

Minha cabeça doía. Eu ouvia conversas e algo quente e úmido ser pressionado contra minha testa, não me lembrava exatamente como tinha ido parar ali. Mexi minha cabeça para o lado, tirando aquela coisa da minha cara e mexendo-me para levantar.

— Isso provavelmente não é uma boa ideia. — Sussurrou uma pessoa próxima, colocando o pano novamente em minha cabeça e me forçando a ficar deitado, abri os olhos.

— Frank. — Saudei, Luna exibiu um sorriso leve.

— Lembra quando Clarisse te envenenou? Acho que esse foi exatamente nosso diálogo. — Ela alargou o sorriso. — Eu sei que você não deve ter gostado muito daquilo na época,  mas eu sou grata a ela por isso. Se tudo aquilo não tivesse acontecido nós poderíamos nunca termos ficado tão próximos…

— Luna… o destino teria dado um jeito. — O sorriso dela se entristeceu.

— Desculpe por ter  te mordido, e puxado seu cabelo, e socado sua fuça.

Lilo e Stitch. — Afirmei.

— Você lembra! — Ela se animou novamente.

— Eu nunca esqueci. Assisti pelo menos duas vezes por ano. Senti sua falta sabia?

— Fiquei sabendo que você tem um novo anjo da guarda…

— Isso é ciúmes?  — Luna ergueu os ombros e eu ri, ideia ruim, minha cabeça doeu. — Eu posso ter dois anjos sem nenhum problema.

— Não pode não. Pelo menos não se um deles não faz seu trabalho direito. — O sorriso de Luna continuava oscilando, ela suspirou. — Eu sinto muito, James. Sinto por não ter estado lá quando você mais precisou. Sinto se algum dia dei algum conselho errado, sinto mesmo.

— Hey! Você não teve culpa de nada disso, é só a vida sabe? As coisas acontecem. — Garanti, ela respirou fundo.

— Eu também senti sua falta, James. — Luna inclinou-se, dando-me um beijo na bochecha.

— Okay, isso deve ajudar. — Minha mãe entrou no quarto com uma tigela em mãos. — Tome tudo, vai se sentir melhor.

Peguei a tigela e absorvi o aroma que me lembrava à sopa de abóbora da vovó Molly em um dia de inverno. Apenas a possibilidade de tomar aquela especiaria depois de tantos anos fez minha boca salivar, assim sendo, enchi minha boca com o líquido e… engasguei, engolindo boa parte daquela coisa horrível, mas também consegui cuspir boa parte para o lado, fazendo Luna gritar em protesto.

— O que é isso, mãe? — Perguntei colocando a língua para fora e tossindo. — Sem querer ofender, mas isso está horrível! Quase pior que a poção que a Viola me deu quando eu estava, literalmente, morrendo. — Resmunguei, esfregando minha língua, em vão.

— Bem, fico feliz que não se esqueceu dos meus dotes culinários. — E então surgiu uma pessoa que possuía um rosto muito familiar, mas uma aparência extremamente diferente. Viola tinha cabelos curtos agora, abaixo dos ombros, e o único vestígio de cor azul nela estavam em suas sapatilhas. — Porque ao que me parece eu vou ter que fazer muito dessa belezura para você ainda.

— Por que eu sinto que cada vez que eu te vejo você está com um novo corte de cabelo? — Perguntei, Viola não teve tempo de responder.

— Papai! — Senti um emaranhado de cabelos castanhos cobrir meu rosto e a dor do peso de Paisley se jogando em mim.

— Caramba, você cresceu! — Afirmei, tossindo, mas ainda assim a apertando em um abraço.

— Papa quem? — Ouvi a voz esganiçada da minha mãe. 

— Ok, acho que isso não deveria ser surpresa pra ninguém… — O sussurro veio de Luna, quando Paisley liberou minha visão eu vi minha mãe apoiada na parede enquanto Viola assoprava seu rosto.

— Ele não é exatamente… senhora Potter… Paisley! 

— Noel. — A criança, que já não era tão criança assim, acrescentou. — Papai Noel. Ele é meu papai noel. — Disse, tentando concertar a comoção que tinha causado.

— Então ela não é sua? — Minha mãe perguntou, olhando para Paisley e depois para mim.

— Você sabe que para ela ser minha filha biológica eu deveria tê-la feito com uns onze anos, né? E todos sabemos como Ruby me tratou naquela época… Mas, sim, ela é minha sim. — Afirmei, Paisley sorriu.

— Não é, não. — Viola pontuou.

— É sim. — Paisley falou. — Digo, sou sim. Só você não aceita isso mãe.

— Deuses! — Viola jogou as mãos para o alto.

— O que é que está acontecendo aqui? — Minha mãe exigiu saber e então eu também notei que não tinha muita certeza.

— Dimitri me enviou um berrador chorando falando que James estava bravo com ele e ele não sabia o que fazer. E eu sei que esse pode não ser o melhor momento, mas nós também somos sua família e eu aproveitei que já iria te ver no verão e vim tentar arrumar as coisas. É o que eu faço. Sou uma arrumadora. — Viola declarou a última frase pra minha mãe. 

— Bem, eu acho que o James tem assuntos para tratar com a família de verdade dele muito mais urgentes que o choro do… quem é Dimitri? — Aquela frase viera de Luna. Luna! Aquilo na voz dela era ciúmes?

— Hum… eu entendo sua frustração, mas, sabe, qualquer família é válida para mim e eu também pretendo ajudar no reajuste do James aqui então… quem é você mesmo? — Ok, alguém mais estava sentindo a tensão naquele quarto?

— Então James é meu pai. — Paisley aparentemente não estava. — Digo, se qualquer família é válida. Você é minha mãe, James meu pai, tio Dimitri é meu tio e tia Teresa é minha tia. — Ela bateu palmas. — Você é minha vovó! — Afirmou, correndo para abraçar minha mãe que não parecia ter uma resposta àquilo.

— Dê alguns biscoitos para sua neta, mãe! — Cutuquei, mamãe me olhou, mas decidiu apenas balançar a cabeça e suspirar. 

— James… James, James, James… — Ela suspirou mais uma vez, retribuindo o abraço da menina. — Então, Paisley né? Vem comigo, vamos comer uns biscoitos. — Acabou cedendo, deixando o quarto com a garotinha.

— Então… — Viola falou, dando um soquinho na minha perna. — James Potter huh? Nada mal… — Disse e então me ocorreu que durante todos aqueles anos, todo aquele tempo, Viola fora a pessoa que esteve comigo por mais tempo e nunca, nem uma vez, ela perguntou quem eu era além de James, só James. Eu sorri para ela, querendo abraçá-la mais do que nunca naquele momento. — Digo, se você tivesse me contado isso antes eu definitivamente teria cobrado pelos meus… como é que você chama? Ah é! Serviços de anjo da guarda. — Brincou, um “ran” sarcástico e mau humorado preencheu o quarto.

— Você não pode ter dois, James. Não pode! — Luna, de quem eu havia esquecido momentaneamente da presença, afirmou, antes de deixar o quarto com passadas irritadas.

— Qual é o problema dessa loirinha? — Viola quis saber assim que a porta se fechou.

— Lembra do anjo da guarda que eu tinha antes de te conhecer? Acho que ela está com ciúmes. — Comentei, ainda não habituado com esse sentimento partindo de Luna. Tudo ali parecia novidade para mim.

— Bem, ela poderia se controlar um pouquinho… Mas enfim, não vim aqui para disputar com sua coleguinha de infância. Como está sendo sua volta? Poderia ter me avisado… 

— Nem eu sabia que iria voltar. — Ergui os ombros. — Meu calendário foi adiantado em um ano. Enfim, cheguei ontem a noite e já apanhei o aproximado ao que apanhei desde que saí daqui, considerando que pelo o que eu conheço dos meus primos ainda há muito mais que se apanhar… eu não sei como responder a sua pergunta.

— Ah, James. — Ela suspirou. — James, James, James… — Resmungou, exatamente como minha mãe tinha feito minutos atrás. — Por que você está sempre apanhando? — Perguntou, com sincero cansaço, eu ergui os ombros.

— Como diria Teresa, cada dia é um 7 a 1 diferente.

— Eu ainda não entendo essa frase.

— Acho que tem algo a ver com futebol.

— Seria tipo o resultado de um jogo?

— Eu acho? Não lembro… e minha cabeça está doendo.

— Você está certo. — Ela então puxou um frasquinho do bolso cheio de um líquido incolor. — Como eu sabia que você cuspiria boa parte eu trouxe um pouco reserva. — Ela me ofereceu um sorriso maligno. — E eu acho bom você tomar tudinho para que possamos conversar com Dimitri logo.

— Eu não vou falar com aquele traidor. — Afirmei, cruzando os braços e fazendo uma cara brava como o bom adulto que eu era.

— Bem, isso nós vamos ver. Agora abra a boca.

Viola se aproximou, eu gritei. No final daquela cena eu tinha tomado toda a poção e minha boca estava com gosto de esgoto.

 

(...)

 

Depois de recuperado, eu resolvi sair da cama. A expressão de Albus me afetara demais e eu me lembrei de quando estava na Bulgária e ele estava lá com Mellody e Clarisse. Eu estava atrasado e creio que eu devia falar com meu irmão.

A casa ainda estava uma bagunça. Havia mais gente lá do que eu eu sempre estive acostumado. Dimitri, Viola, Luna e Paisley. Todos se viraram quando eu cheguei na sala de estar. Meus pais ainda estavam conversando com Dimitri e Viola, enquanto Luna ficava um pouco de lado, mas não tão distante, com a cara emburrada.

— Oi, gente — falei, um pouco na defensiva. — Onde está Albus?

Minha mãe me olhou com compaixão. Lily não estava no recinto. Eu também precisaria conversar com ela depois. Mas eu sabia que Albus era muito mais próximo de Saphira do que qualquer um ali.

— No quarto dele — disse meu pai.

Eu assenti e fui atrás do meu irmão do meio. Eu sabia que o quarto dele continuava em frente ao meu. Subi as escadas e parei em frente ao seu quarto. Bati na porta e Albus disse que estava aberta, com uma voz meio distante.

Entrei em seu quarto e fechei a porta. Eu quase perdi o fôlego, lembrando de quando eu costumava trancá-lo dentro do próprio quarto com um feitiço de cola que estava em algum livro qualquer na sala do Filch em Hogwarts. O quarto dele estava diferente e igual ao mesmo tempo. A cama perto da janela, com as cores da Grifinória, pôsteres de cantores bruxos, trouxas e de quadribol. Também havia a mesa de estudos, onde eu sabia que ele não estudava, com fotos de todos nós juntos se movendo em cima. Um dos porta retratos estava em suas mãos.

— Eu lembro de quando essa foto foi tirada — disse ele, sem olhar para mim. — Você tinha acabado de me empurrar pra poder aparecer mais na foto e quando viu que eu tinha ficado magoado, voltou e me abraçou. E então a mamãe tirou a foto — Albus deu uma risada triste, finalmente olhando-me. — Eu só não entendo onde foi que eu perdi o meu irmão durante o caminho. 

Eu não sabia o que dizer. Mas eu lembrava da foto. Claro que eu lembrava.

— Diga, Sirius — eu sabia que ele estava triste. Albus só me chamava de Sirius quando estava triste ou falando sério comigo. — Naquela noite, que a Clarisse gritou dizendo que você estava lá, na Copa Mundial de Quadribol... Ela não estava mentindo, estava?

Eu demorei alguns segundos para balançar a cabeça, confirmando que a Clarisse realmente me vira naquela noite. Lembrava de tudo, inclusive na saudade que eu percebera estar do meu irmão e que a voz dele me deixara balançado.

— Por quê, James? Por que não disse nada? Por que não falou comigo? Eu guardaria seu segredo. 

— Eu... Eu não estava preparado — respondi, indo sentar-me ao seu lado. — Ouvir a sua voz naquele dia... — Albus virou a cabeça rápido para me olhar — Eu não tinha percebido que sentia a sua falta e eu me desesperei. Ver vocês de longe... Eu quis chorar.

— Então por que raios não foi falar comigo?! — exclamou meu irmão.

— Eu entendo e concordo que estejam todos chateados e com raiva de mim. Eu sabia que voltar para casa haveria consequências. Não imaginava todos os socos e tapas, é claro. Mas eu sabia que se sentiriam assim. Eu dei motivo — respondi, passando a mão nos cabelos e suspirando. — E você não me perdeu, Severus. Eu que me perdi. Eu fiquei totalmente perdido, eu não era capaz de me reconhecer no espelho. Aquela mulher lá embaixo, com a sua filhinha, foi ela quem me salvou. E depois disso, eu precisava seguir sem o meu privilégio de ser o primogênito de Harry Potter. Eu precisava seguir com o meu sonho de ser professor. — Eu fiz uma pausa e segurei os ombros de Albus. — Mas, Albus, eu jamais perdi você. Jamais esqueceria de você. E meus pensamentos se voltavam para você... Para vocês, sempre. — Engoli a saliva, respirando fundo. — Eu vou entender se não puder me perdoar agora, sei que vai demorar até as coisas se ajeitarem ou, talvez, voltarem ao normal. Mas eu voltei. Meu intercâmbio terminará na França e eu voltarei para cá. Eu vou ficar. Não irei mais a lugar algum.

Albus ficou em silêncio por alguns minutos, olhando a foto de nós dois juntos quando éramos pequenos. Eu esperei alguns segundos e ia me levantar, quando ele me abraçou. Eu admito, fiquei com os olhos marejados.

— Eu senti sua falta, seu babaca — disse ele. — Eu não posso dizer que eu sei o que você sentiu quando a Saphira... Mas eu... Perdoo você. Na realidade, no primeiro soco que eu te dei eu já tinha te perdoado.

Eu ri e balancei a cabeça.

— E eu acho que você e Lily não serão os únicos. Ainda não vi Dominique e Fred — eu ri. Eu dei uma pausa e suspirei. — Acho que tenho que descer. Não sei se você reparou, mas acho que a Luna não gostou muito da Viola.

 

(...)

 

— Ele estava… — A voz de minha mãe chegou primeiro aos meus ouvidos.

— Sim! Digo, eu tinha dado pelo menos uns dez minutos para ele vestir o maldito short e quando eu voltei lá estava ele, nu. Quase me queimei toda com o café. E eu nunca contei para ele, mas mesmo depois de vestir o short ele deixou a retaguarda descoberta.

Uma risada absurdamente forçada cortou a conversa. Quando alcancei a sala Luna balançava os braços teatralmente e fingia ter falta de ar enquanto ria, ou quase isso. A encenação terminou com uma salva de palmas.

— Muito bom! Muito bom mesmo! Clássico do James. Sabe, eu me lembro de uma vez, acho que ele tinha uns,  não me lembro, acho que seis anos? Certo, tia Ginny? Ah, não, cinco! — Seu tom de voz subiu um pouco cada vez que ela mencionou a idade. — Isso mesmo, cinco anos. E ele simplesmente saiu por aí correndo pelado, quando ele era uma criança ele amava ficar pelado. 

— Okay. — Interrompi, entrando na sala. — Isso realmente aconteceu? Digo, você tinha quatro.. Como você lembra? — Perguntei para Luna, o olhar que ela me lançou me fez arrepender na mesma hora de ter falado. Viola riu.

— Ela não é fofa? — A escocesa fez questão de pontuar. Pela primeira vez em anos a angelical  Luna poderia ser confundida com o diabo.

— Onde está Lily? — Perguntei, impedindo a menina Longbottom de dar uma resposta.

— Saiu com o namorado. — Quem disse a frase não importava. O que importava era a mensagem que estava escondida.

As técnicas artísticas de Luna foram transmitidas para mim pelo ar e logo minha mão apoiava meu coração, enquanto eu buscava por apoio e respirava com dificuldade.

— Ela o quê? — Perguntei, como se o oxigênio do universo estivesse acabando e cada palavra exigisse um sacrifício para ser pronunciada.

— Ah, pelo amor de Deus. — Viola chutou minha canela. — Saiu com o namorado. Recomponha-se. Você ficou cinco anos fora porque você quis. Ela não é mais uma pirralha, ela já é uma mulher e, sim, ela tem um namorado. Você tem cinco segundos para absorver essa informação. — Agora ela estava de pé e mantinha os punhos na cintura, eu endireitei minha postura e a encarei. — Ótimo! Como ela é a próxima da fila e ela não está aqui eu vou me permitir furá-la. Você, eu, Dimitri, quarto mais próximo. Agora. — Ela informou, apontando o indicado para cada pessoa/lugar que ela falava. Dimitri apenas seguiu, eu cruzei os braços, não queria falar com aquele traidor.

— Eu nunca falei com você assim. — Luna comentou como se não quisesse dizer nada com aquilo.

— Agora! — A voz de Viola chegou à sala.

— Eu iria se fosse você. — Minha mãe e Paisley disseram ao mesmo tempo. Então elas riram e minha mãe a ofereceu outro cookie. Eu revirei os olhos e caminhei até o cômodo mais próximo, com Dimitri em nosso encalço.

Nós entramos e Viola fechou a porta, cruzando os braços logo em seguida. Como eu ainda estava com raiva de Dimitri, também cruzei os braços e me afastei alguns centímetros dele, como eu fazia com meu pai ou Albus ou com qualquer outro quando estava fazendo pirraça. Dimitri bufou. E Viola percebeu.

— Muito bem. — Ela disse. — Primeiro: o que está acontecendo com vocês?

— As notícias ainda não voaram até você? — indaguei e Viola não respondeu. — Dimitri foi pago pelo meu pai para me vigiar durante todo o intercâmbio.

— Todo não! Foi só na Bulgária, acredite em mim — respondeu ele, exasperado. — James, você realmente se tornou meu melhor amigo! Para você ter uma noção, Teresa nunca soube, porque eu não aceitei ser pago pelo seu pai!

Dessa vez eu fiquei mudo.

— O quê?

Dimitri suspirou, agora que eu realmente prestava atenção nele, ele parecia estar cansado e de alguma forma arrependido. Mas talvez eu apenas estivesse querendo pensar daquele jeito.

— Olha, eu não vou mentir pra você, não mais. No início eu de fato fui contratado para te vigiar. Estava começando minha carreira como auror e ter a oportunidade de trabalhar com Harry Potter é sem dúvidas o sonho de qualquer um em toda a Europa. Não foi coincidência eu ter te encontrado perdido na escola, o reitor já tinha contactado seu pai antes, que me escolheu entre alguns outros candidatos e eu sabia exatamente onde e quando te encontrar.

— Esse é seu pedido de desculpas? Uau.

— James cala a boca. — Olhei para Viola não muito contente, ela arqueou uma sobrancelha, eu sentei com os braços cruzados. Dimitri mexia no cabelo, nervoso. — Vai Dimitri. — Incetivou, o homem respirou fundo antes de continuar.

— Mas as coisas mudaram quando eu conheci você James.

— Eu achei que a gente já tinha superado isso quando você começou a namorar a minha ex e tal.

— James Sirius Weasley Potter! — Viola nunca soube meu nome completo, todas as vezes que ela brigava comigo retia-se exclusivamente ao primeiro nome e por si só era assustador o suficiente. O fato de que ela tinha conversado com minha mãe aquele tanto e berrado todo o meu errado nome completa, fizera os pelos em minha nuca se arrepiarem. Eu levantei os braços em rendição.

— Quando eu conheci você de verdade James. Eu fui pago pra te proteger, não pra ser seu amigo, mas algumas coisas o dinheiro apenas não compra. Nos dois primeiros meses eu realmente recebi a quantia prometida por seu pai, mas nós nos aproximamos e ficamos verdadeiramente próximos. Eu te contei coisas que eu jamais tinha contado para ninguém porque eu confiava, confio, em você. E quando você abriu o jogo sobre sua família, quando você contou tudo aquilo que eu já sabia, mas fingia não saber, as coisas mudaram.

— Ah, pra ele você conta né?

Como a história de Dimitri estava começando a prender minha atenção, fora minha vez de olhar torto para Viola. Ela sorriu e passou os dedos fechados sobre os lábios, como se estivesse fechando um zíper.

— Eu devolvi todo o dinheiro que seu pai tinha me dado e recusei que ele continuasse me pagando. Droga, James, você sabe que eu tenho dinheiro, não fiz isso por esses motivos, mas sim pra ter a oportunidade de trabalhar para o seu pai. Eu sabia, porém, que se não fosse eu ele encontraria outra pessoa para manter na sua cola, então eu prometi pra ele que continuaria cuidando de você ali. E eu cuidei, mas não porque tinha prometido a ele, mas porque me importava com você! Eu não contei a ele sobre suas aventuras ou loucuras James, apenas fiz meu papel como seu melhor amigo de garantir que você ficaria bem ao fim de cada uma delas. Por que acha que eu fui pra Itália? Marco era o responsável por você lá, ele teria chamado seu pai imediatamente, como Juan fez, como Héktor fez e teria conseguido se eu não tivesse me intrometido antes. Mas eu fiz todos eles prometerem que iriam reportar a mim primeiro os acontecimentos mais sérios com você para não preocupar o senhor Potter, exclusivamente porque eu sabia que você queria continuar fora se descobrindo e tudo o mais. Era pro seu pai ter te achado naquele estado e você certamente estaria em casa há anos, sem ter conseguido resolver as coisas com a Giulietta ou continuar sua aventura. Mas eu fiz de tudo para garantir que isso não aconteceria. Eu entendo se você quiser continuar com raiva de mim e entendo também que a notícia em si é chocante. Mas achei que ao menos você deveria saber a verdade. Tudo isso, toda essa história, ela pode ter sido o motivo de eu ter encontrado você, mas não foi por isso que eu continuei todos esses anos, foi por você, pelo meu amigo que eu sabia que precisava de mim.

Ok, eu tenho que assumir, o cara era bom de papo. Talvez por isso eu vinha negando conversar com ele desde que tinha descoberto tudo. Se eu tinha ficado um pouquinho comovido com aquela declaração? Vocês sabem, eu sou meio coração mole e tudo o mais, mas mesmo que minha expressão tivesse se aliviado, eu mantinha os braços cruzados e o rosto um pouco virado para o lado, me negando a reagir aos relatos como meus amigos esperavam. Uma palma ecoou pelo cômodo.

— Muito bem, James. Minha opinião: para de ser dramático, porque você ficou cinco anos longe da sua família, sem nenhuma consideração por ela. Dimitri errou em não ter contado isso para você antes? Sim. Mas acredito que ele conhecia você o suficiente para saber que no momento em que você soubesse que seu pai estava ciente sobre sua localização você teria deixado esse sonho que você tanto defende de lado apenas para continuar se escondendo porque a verdade que eu e você sabemos é que você ainda precisava ficar longe de casa por um tempo. Ele pode ter errado, mas fez isso para te proteger e, como dito, ele fez de tudo para garantir que você seguisse pelo caminho que você queria ou de fato você já teria voltado pra casa há muito tempo. Então desfaça essa carranca e para de ser teimoso. — Viola se pronunciou, jogando na minha cara verdades que doíam tanto quanto os tapas que eu tinha recebido na noite anterior e me fazendo suspirar. — Agora apertem as mãos e, enquanto não o fizerem, não sairão daqui. Porque você sabe que Dimitri é importante na sua vida e que ele é seu amigo, não um traidor.

Ele foi o primeiro a ceder, estendendo a mão com um sorriso de canto que me fez revirar os olhos enquanto eu próprio abandonava minha carranca para apertar sua mão.

— Me desculpe, docinho — pediu Dimitri. E naquele momento não pude deixar de sorrir.

— Certo. Eu não vou dizer que te perdoei totalmente, ainda é muito para processar porque eu realmente confiei em você. Mas acredito no que você disse, só… me dê um tempo. — Pedi e Dimitri assentiu. Ele tinha que ser tão compreensivo assim?

— Ok... Agora — Viola continuou, olhando de mim para Dimitri, um pouco desconfiada. — POR QUE RAIOS NÃO ME DISSE QUE ESTAVA DE VOLTA EM CASA? Você não pode simplesmente andar pelado pela Espanha e voltar para casa sem me dizer nada. Sim, eu soube — ela  me cortou quando eu abri a boca para responder. — E, se não fosse por Dimitri, você nem teria me comunicado. Você não tem consideração nenhuma com as pessoas que se importam com você, não é James Sirius Weasley Potter? — Aquilo aparentemente ia pegar. — Eu entendo a loirinha lá fora, de verdade! Da próxima vez eu vou me juntar a ela e dar uma surra em você que poção nenhuma nesse mundo vai te ajudar. Você tem que parar de ser tão irresponsável, você é um pai agora!

Viola não era muito alta, mas eu tinha me encolhido no canto e juntado meus braços em frente ao rosto apenas por precaução, pose que foi deixada de lado na frase final.

— Então você finalmente vai deixar? — Perguntei, meus olhos brilhavam. Ela rosnou, eu voltei a me encolher. — Hey! Ok, ok. Calma lá. Eu cheguei aqui ontem ok? Assim que meu pai jogou a bomba sobre estar me seguindo, a primeira coisa que passou pela minha cabeça foi chamar você, mas ele estava com muita pressa e assim que eu cheguei aqui eu apanhei até desmaiar tá bom? Não é como se eu tivesse tido tempo — Bom, talvez eu pudesse ter procurado um momento no meio da noite para entrar em contato com ela, mas tinha muita coisa na minha cabeça e eu acabei esquecendo ok? — É sério, Viola. — afirmei quando ela continuou me olhando mortalmente e ela revirou os olhos, bufando.

— Tanto faz. Ok. Acho que já podemos voltar para sala — ela falou, saindo do escritório e voltando para onde todos estavam. — Mas saiba que quando as coisas se acalmarem por aqui eu vou querer uma explicação melhor do que essa. — Avisou antes que chegássemos novamente onde todos estavam, substituindo a postura madura e rígida para uma mais carinhosa e maternal.

 

(...)

 

Não tinham nem 24 horas desde que eu tinha voltado para a casa e eu já podia perceber que as coisas eram muito mais complexas do que eu podia ao menos imaginar. As situações com as quais eu tinha que lidar eram diversas, mas, aos poucos, eu conseguia desembolar os fios da confusão que minha vida era ou tinha se tornado.

No restante da tarde eu consegui me resolver também com Luna, teve muita lágrima e ainda mais abraços, mas no final ela parecia mais leve e feliz. Descobri que minha amiga e primeiro anjo da guarda aparentemente tinha predisposição à clarividência e todos os sonhos que ela tivera comigo machucado anteciparam algum dos meus anteriores trágicos momentos de quase-morte. As coisas tinham mudado bastante, eu demoraria um tempo para me acostumar com tudo, mas para além do medo e dos muitos socos, eu estava feliz de estar em casa.

De todos ali, até o momento, meu pai tinha sido o único com quem não tinha me acertado ainda. De certa forma não tinha muito o que ser acertado, afinal, ele sempre soubera de tudo, mas ao mesmo tempo eu sabia que precisaria conversar com ele sobre aquilo que eu ainda considerava uma invasão da minha privacidade. Por mais que eu conseguisse entender o que o levara a fazer aquilo eu simplesmente não conseguia aceitar, mas muito daquilo era meu ego ferido falando, o ponto é que eu apenas não estava pronto. Além dele, Lily era uma conversa ainda pendente. Apesar dos tapas e ironias eu saberia dizer que minha irmãzinha não tinha se dado por satisfeita pela história no café da manhã, mas ela esteve fora por todo o dia e eu não tive a oportunidade de encontrar-me com ela.

Com a quantidade de pessoas que estavam lá em casa, um mini acampamento foi montado na sala, onde Dimitri e eu dormimos para que Viola e Paisley se acomodassem no meu quarto. Na verdade, o grandão dormiu, eu apenas fiquei encarando o teto iluminado pela luz da lua enquanto pela segunda noite seguida perdia o sono pensando em tudo que eu tinha perdido. Já tinham se passado das duas da manhã quando meu estômago começou a fazer barulhos estranhos, me forçando a levantar. A parte boa de ser parte da família Weasley é que sempre, independente da situação, terá comida sobrando na geladeira, e aquela pequena vitória fez por completo minha madrugada, por exatos dez minutos.

Eu continuava sem a minha varinha e era burro o suficiente para gritar, por tanto, quando ouvi alguém mexendo na porta, ao invés de chamar pelo homem de dois metros de altura que estava dormindo no cômodo ao lado para defender a casa, apenas me posicionei no meu melhor ataque kung fu com um garfo na boca e torci para que isso fosse o suficiente. A porta então se abriu e antes que eu precisasse realizar qualquer golpe Lily entrou em casa, assustando-se com minha ilustre presença que a aguardava na pose do louva-deus.

— Por Merlin! — Arfou, levando as mãos aos seis pelo susto. — O que você tá fazendo acordado? — Questionou, um movimento de mãos colocaria seu cabelo tampando parte do rosto. Eu sorri, abandonando a pose pra voltar a bancada.

— Não está sendo fácil dormir. O que você está fazendo chegando em casa uma hora dessas? — Minha pergunta era séria. Seríssima. Mas eu tinha feito teatro, consegui disfarçar um tom descontraído. Lily fechou a cara.

— Não é da sua conta. — O tom dela tinha ficado um pouco mais agressivo também, o que eu não gostei tanto assim, se for pra sermos sinceros. Minha irmã deu um passo à frente, eu me levantei, colocando-me no caminho dela. Vejam bem, eu era o irmão mais velho, já contei pra vocês que a gente assina um contrato pra implicar com os caçulas? Eu assinei.

— Claro que é, se você estava com o seu namora…

— James, sai do meu caminho. — Ela falava entredentes, eu nem tinha conseguido concluir minha brincadeira!

Franzi o cenho. Tá, certo. Eu tinha perdido muita coisa. Mas Lily não costumava ser rude. Ela podia ser independente e forte, mas não era daquele jeito. Então é perfeitamente comum que, mesmo ciente que existia muito do que eu não sabia, eu tenha estranhado aquele comportamento. Além do mais, minha irmãzinha, minha adorável e pequena irmã caçula, estava chegando de fininho em casa de madrugada depois de passar o dia inteiro fora. Quero dizer, meu movimento seguinte foi perfeitamente justificado, ok? Ninguém pode me julgar.

— Você andou usando pó de flu em formas não convencionais? — Semicerrei os olhos, segurando o rosto da minha irmã e girando-o. Meu objetivo era analisar seus olhos em busca de algum sinal do uso de substâncias… ilegais, o que eu vi me assustou muito mais.

O cabelo de Lily deslizou para trás, à luz da lua eu percebi que a pele, normalmente branca de minha irmã, possuía um círculo extremamente arroxeado na região de seus olhos. O choque permitiu que Lily batasse em meu braço, me afastando, mas naquilo eu também perceberia machucados em seus braços, rapidamente ela tampara o rosto com o cabelo uma vez mais e puxara a manga da blusa para baixo.

— Lily? — Minha voz era um sussurro. Ela não parecia disposta a conversar. Fez outro movimento para seguir seu caminho, eu a interceptei de novo. — O que aconteceu? — Eu precisava pegar algo para ela comer, recuperar minha varinha ou pegar a de Dimitri, o que fosse, na minha cabeça passava alguns cuidados básicos para lidar com os machucados da minha irmã, mas todos foram interrompidos quando ela voltou a falar.

— Eu caí. — Não existia emoção em sua voz. Era como se fosse uma resposta automática, treinada. E algo em mim urrou. Eu já tinha ouvido aquilo antes. Em meio a tudo, lembrei-me de Giulietta. Lily pareceu aproveitar da distração para se mover, eu era rápido e mais uma vez a impedi de continuar.

— Lily… — Chamei uma vez mais, dessa sem brincadeiras ou implicâncias, quase com uma súplica no meu pedido seguinte. — O que aconteceu? — Percebi enquanto ela travava o maxilar, um movimento na cabeça tiraria o cabelo definitivamente de cena para que ela me encarasse, me desafiando a discordar ou insistir naquilo.

— Não é da sua conta. Agora me dá licença.

— Não! — Tipo… o que ela esperava que eu fizesse? — Quem fez isso com você? O que aconteceu? Foi seu namorado? Me diz quem ele é e eu prometo que ele vai ficar infinitamente pior que isso. Você é minha irmã, isso é inaceitável, isso não pode simplesmente…

— Ah James… — Lily me encarou de cima a baixo, por baixo dos hematomas consegui, ainda assim, enxergar certo desprezo em seu olhar. — E quem exatamente você pensa que é pra me dar conselhos ou me defender, senhor “desapareço de casa por anos na primeira grande inconveniência que preciso enfrentar?” — Calei-me no mesmo instante. Eu sabia que tinha mais o que dizer, sabia que tinha mais para fazer, porém fiquei sem chão naquele momento.

Normalmente, em meu papel de irmão mais velho, eu teria rebatido aquilo, apontado as diferenças nas situações ainda que eu não soubesse muito bem quais eram, explicitado que era minha obrigação cuidar dela. Mas se fosse, então porque eu a tinha abandonado por tanto tempo? As palavras não vieram e meus olhos encontraram o assoalho da cozinha, uma risada seca chegou a meus ouvidos.

— Como eu pensei. Pare de tomar conta da vida dos outros e cuide mais do seu nariz James, antes que ele quebre de novo. — Em seguida os sons dos passos de Lily se distanciando foram tudo o que eu ouvi.

Se necessário fosse fazer uma lista, aquela noite entraria facilmente no top 5 de piores momentos da minha vida. Eu já apanhei bastante nessa vida, como vocês bem acompanharam, mas nunca tive medo de brigas. Também me envolvi em confusões em que saí vitorioso, não que me orgulhe tanto delas. O ponto é que… Hogwarts me taxou como uma pessoa corajosa e naquela noite, naqueles breves minutos, enquanto encarava minha irmã caçula, alguém a quem eu jurei proteger desde seu nascimento, nunca me senti tão covarde em toda minha vida. Covarde por ter partido, covarde por não ter cuidado dela como devia, covarde por não ter palavras para retrucar, covarde por entender que as consequências das minhas escolhas tinham também afetado tantas outras vidas. Naquela noite eu não dormi, mas continuar acordado foi tudo que eu fui capaz de fazer.



Na manhã seguinte nossos hóspedes dormiriam um pouco até mais tarde, assim como meu irmão e sua namorada. Lily nem ao menos me olhou nos olhos, mas seu rosto estava impecável, quase como se os machucados tivessem sido uma ilusão de uma mente perturbada. Mamãe e papai passavam por ela aparentemente alheios a qualquer sinal de perigo e eu simplesmente não conseguia juntar as peças ou entender o que diabos estava acontecendo para me posicionar, para denunciá-la, para fazer o que fosse necessário. O café da manhã chegou ao fim antecipadamente, papai precisou sair às pressas ao receber um patrono e mamãe aproveitou a carona para adiantar algumas coisas no ministério, o que significava que restavam apenas eu e minha irmã caçula no recinto. Lily finalizou seu copo de suco de abóbora e então levantou-se da mesa, dispensando qualquer cordialidade. Entretanto, naquele momento, eu pareci encontrar forças para me erguer e segurá-la pelo punho. Lily se encolheu, por um vislumbre eu percebi o medo em seu olhar, meu coração apertou, eu engoli em seco.

— Eu não sou ninguém para te dizer como viver a sua vida ou o que fazer com ela. Eu perdi muito disso e me arrependo do tempo que deixei passar, mas você já é uma mulher adulta capaz de responder por suas escolhas. Eu só peço que… eu imploro… que lembre-se que você merece muito mais do que quer que seja que esteja ganhando. Nossa mãe é uma das mulheres mais fortes que eu conheço, mas eu soube desde o primeiro dia em que te vi que você seria muito mais forte que ela jamais foi. Você não tem que me provar nada, apenas gostaria que soubesse disso. — Sim, eu passei a noite inteira acordado pensando nessa resposta. Obrigado por terem notado. Lily porém não pareceu apreciar o gesto, puxou o braço de volta para si e me olhou com desgosto uma vez mais.

— Eu não ligo para o que você pensa que sabe sobre mim James, não mais.

Foi uma facada. Eu sei, já falei isso antes, mas foi. Pior que todos os quatro tapas juntos. Morte por um milhão de cortes. Hora do óbito: 08h16 da manhã. Eu respirei fundo, ela ainda estava ali, mas não por muito tempo.

— Eu sinto muito. — Pedi. Eu sabia que tinha que conversar com ela, agora mais do que nunca. Eu tinha que conversar muito sobre muitas coisas com ela. Mas não adiantaria tentar pular fases, entendi aquilo naquele momento. Não estava a olhando ou segurando, mas senti ela virar-se de volta para mim.

— Eu entendo qual é o seu propósito com isso, acho um pouco digno até, o mínimo, na verdade. Mas chegou o momento de você entender que algumas palavras não são capazes de curar certas feridas James. — Ok, eu retiro o que eu disse, duas mil facadas, esse tinha entrado pro top 5 piores momentos da minha vida. Antes que eu conseguisse construir um argumento, Lily saiu, o movimento no andar de cima e na sala indicava que as pessoas começavam a acordar.



Eu estava um lixo. Talvez eu fosse um, afinal. Vocês bem sabem que eu já conheci o subsolo do fundo do poço, mas, Merlin! Aquilo era terrível. Tinha o quesito das noites mal dormidas que não me ajudavam muito, mas eu realmente estava parecendo um zumbi. EU! O ser mais belo de toda a terra vagando como uma criatura morta-viva. Como eu sei disso? Dimitri e Albus me falaram, em diferentes momentos. Albus! Albus criticou minha aparência!! Vocês tem alguma noção disso? Claro, não ajudou em nada minha recuperação.

O dia por ali se arrastou. Tanto Viola quanto Luna perceberam que tinha algo de errado comigo, mas eu afastei ambas e nenhuma delas forçou demais quando eu justifiquei que apenas deveria estar me recuperando das surras. O ambiente também não era o mais agradável. Eu sei, desculpas tinham sido trocadas, perdões distribuídos, mas como a própria Lily tinha pontuado, palavras não eram capazes de curar certas feridas. Ainda existia mágoa no ar, desconfiança no meu caso com Dimitri e, ao fim da tarde, os grupos tinham se dispersado. Albus saiu com Luna, minha outra família partiu de volta para suas vidas, estavam a apenas uma carta de distância e voltariam no meu aniversário, mas, naquele momento, eu estava sozinho.

E no primeiro verão de volta para casa após cinco anos de loucas aventuras pela Europa, eu não tinha ideia do que fazer por ali. Eu tentei me animar um pouco com Marie, mas o único momento que ela olhou para mim foi para arranhar e provocar um machucado bem feio no meu braço. Então eu tentei ser um pouco útil, sabe? Lavar a louça suja (com as minhas próprias mãos! Já contei que eu estou sem minha varinha né? Como uma criança? Sim. Eu ainda estou sem ela) e foi então que eu quebrei um prato e piorei um pouco do meu machucado, que estava porcamente enrolado em pedaço de pano. Depois disso eu decidi regar algumas plantas, mas parei no exato momento em que percebi ter afogado a begônia preferida do meu pai, se você me perguntar se eu me arrependo disso eu preferirei não responder. E entre pequenas tarefas e frustradas tentativas de encontrar alguma distração eu acabei parando no único cômodo de toda a casa que eu ainda não tinha visitado desde o meu retorno.

Por mais diferente que ele estivesse eu soube imediatamente que aquele era o quarto de Lily (dãaa). Quando eu desapareci no mundo Lily tinha por volta de 13 ou 14 anos. Agora, ela já era uma mulher perto de seus 20 anos de idade, formada em Hogwarts, provavelmente já… eu não tinha ideia. Não tinha conversado apropriadamente com minha irmã desde que eu chegara, Eu não tinha nem uma pista do que ela poderia estar fazendo da vida no momento. Ela estava se especializando em alguma coisa? Trabalhando? Da última vez que eu tive uma conversa decente com minha irmã caçula ela queria ser uma estrela do rock, mas não existia nenhum indício que me mostrassem que ela seguiu por aquele caminho.

Na verdade era como se eu estivesse entrando em um local completamente novo. Os posters de bandas, bruxas e trouxas, tinham desaparecido das paredes que agora aparentavam ser mais uniformes e limpas, a não ser por alguns porta-retratos e discretos enfeites que remetiam ao tempo que ela passou na grifinória. Ousei ir além da porta, me aproximando de uma cômoda de madeira clara que também dispunha de mais fotografias, alguns itens de maquiagem e livros de ficção. Alcancei o registro mais próximo e sorri ao notar o clique de ambos meus irmãos juntos. Lily torcia o nariz em meio a um sorriso enquanto Albus a apertava em um abraço. As vestes de Lily indicavam que aquela tinha sido tirada na formatura da caçula e, sem perceber, uma gota pingou de meus olhos.

Abaixei o retrato e segui em frente, afastando o pensamento de ter perdido esses momentos tão marcantes na vida da minha família. Passei por fotografias dela com meus pais, nossos primos, avós e tantos outros mais, até encontrar uma antiga foto, uma das minhas preferidas. O rosto de mamãe estava um pouco maior que o resto, ela foi a responsável por segurar a câmera e tentar uma selfie na época que selfies nem eram algo comum. Um pouco mais ao fundo, conseguíamos ver Albus em pé segurando-se nas pernas do meu pai, na época ele nem mesmo alcançava seus joelhos. No colo do senhor Potter, uma minúscula e manhosa Lily coçava o olho em decorrência do flash e então nos ombros de papai minhas mãos estavam apoiadas e, nesse caso que estou narrando isso, era só isso. O suposto lugar onde minha belíssima cabeça fazendo uma das mais cômicas caretas da face do universo deveria estar tinha sido rasgado dali e eu fui transformado em uma estranha e dupla versão do Mãozinha de A Família Adams.

Pode ter sido instinto ou estupidez, mas eu virei o porta-retratos como se o pedaço da foto restante fosse estar ali. Lembra que a gente tá fazendo uma lista de piores momentos da minha vida? Acrescentem esse. Quantos choques pesados uma pessoa consegue levar em tão pouco tempo e ainda sair viva dessa? Por Merlin! Eu preferia os socos. Ainda estava processando tudo aquilo quando a fotografia flutuou para fora de minhas mãos e, se não fosse aquilo, eu a teria derrubado.

— O que você está fazendo no meu quarto? — Paciência não era uma característica capaz de definir o tom de Lily naquele momento.

Eu sei que as coisas estavam extremamente tensas entre nós. Eu deveria pedir desculpas, retirar-me do quarto e depois encontrar uma melhor forma de lidar com tudo aquilo. Mas meu cérebro não estava funcionando muito bem.

— Você realmente me odeia tanto assim? — No meu tom de voz existia mágoa e confusão. Apontei para o retrato que minha irmã segurava, ela não se importou em olhar para ele antes de me responder.

— Você quis brincar de morto, eu apenas aceitei. Mas ao contrário de você eu não me livro dos vivos após perder alguém importante. Cada um lida com o luto da forma que prefere. — Disse ela caminhando até onde eu estava e reposicionando o porta-retrato. — Saia.

— Não.

— Você disse o quê? — Ela só olhou pra mim, pra mim mesmo, naquele momento. Lily era consideravelmente mais baixa que eu, certamente mais magra e esguia, mas naquele momento eu senti um frio correr por minha espinha.

Pigarreei por um instante.

— Não.

— Eu tenho uma varinha e eu não tenho medo de us…

— Lilian! — Interrompê-la com um grito? Possivelmente uma péssima ideia, mas ao que parece bastou para que ela ficasse chocada com a minha audácia e me desse uma brecha para seguir em frente. — Nós precisamos conversar. — Era um pedido sincero, ela riu, não de uma forma legal.

— Agora James? Eu acho que você está um pouco atrasado para tudo isso. Eu estou bem agora, acredite em mim. Fique tranquilo que irei trocar as flores do seu quarto semana que vem, mas eu superei e segui em frente, então sai daqui.

— Eu não vou. — E, de forma muito madura, eu corri para a porta, tranquei-a e enfiei a chave na boca.

— Você vai engolir isso? — Agora ela parecia entretida com a situação, balancei a cabeça afirmamente. — Está lembrando que somos bruxos e eu consigo abrir isso em segundos né? — Não, eu não estava.

Cuspi a chave no chão e resisti à vontade de fazer uma careta devido ao gosto metálico do objeto, então estendi os braços na porta e a encarei.

— A única maneira de você me tirar daqui é desacordado. Vamos Lilian, me bata, me amaldiçoe, desconte toda sua raiva em mim, é justo, você merece. Eu to bem aqui, tire toda a frustração do seu peito e acaba comigo, deforme meu rosto se isso for te fazer melhor, me mate de fato para sua história ser ainda mais real, mas eu só saio daqui após falar com você ou estar incapacitado. Vamos!

Eu sei, você leu de maneira educadinha, não foi assim. Eu elevei o tom em alguns momentos. Promete não contar pra ninguém? Eu cheguei a cuspir também, foi tudo na emoção. Futuramente descobri que meu rosto ficou vermelho igual ao da minha mãe quando ela estava irritada.

Lily olhou profundamente nos meus olhos, eu percebi o lábio dela tremer, quase como se ela estivesse rosnando (e eu acho que ela estava) e então ela simplesmente se virou e sentou-se na cama. Acho que ela não estava no mood para socos afinal.

— Você tem 5 minutos. — Avisou.

30 segundos eu gastei tentando entender aquilo. Eu de verdade estava esperando coisas no nível cruciatus, era justo, eu apenas queria recuperar minha irmãzinha, mas não cheguei a realmente acreditar que ela me daria aquela chance. Afastei-me lentamente da porta e passei as mãos nos cabelos, tentando organizar os pensamentos.

— Lily… eu sinto muito…

— Você já disse isso.

— Hey! Meus cinco minutos, ok? Sem interrupções. — Ela me fuzilou com o olhar, mas não disse mais nada. Eu tinha um script? Não. Talvez fosse melhor tê-la deixado continuar, mas então fui encontrando palavras soltas. — Olha… eu sei que eu fui extremamente egoísta, ok? Eu fui irresponsável, inconsequente e não pensei em ninguém além de mim mesmo na época. Eu na verdade não pensei em nada de maneira alguma, a única coisa que eu conseguia perceber era a minha dor e como eu queria que aquilo acabasse. Foi estúpido, eu consigo ver isso hoje, foi injusto com você, Albus, mamãe e papai, não era pra ter sido assim. Mas em algum lugar no fundo da minha mente atormentada eu acho que realmente quis morrer por um tempo. E eu realmente fui atrás disso algumas vezes, literalmente, se não fosse por Viola eu tenho absoluta certeza que seu luto seria 100% real e justificado. Na época eu achei que nada no mundo aconteceria de pior na minha vida. Eu queria arrancar meu coração fora para parar de sofrer, mas, sinceramente, de ontem pra hoje eu descobri dores maiores e novas com tudo que está acontecendo entre nós dois. Eu não estou tentando me justificar, nem mesmo fazer com que você sinta pena de mim, eu na verdade não tenho a menor ideia do que estou tentando fazer aqui agora, mas Lily, não teve um único dia lá fora que eu não senti saudades de vocês. Absolutamente nada é capaz de explicar o porquê de eu não ter voltado, porque eu escolhi não mandar mensagens e foi idiota, sim, mas na minha cabeça em algum momento isso fez algum sentido e eu sinto tanto que isso tenha te magoado. Nunca foi a minha intenção, eu realmente não pensei nas consequências dos meus atos e eu deveria ter lembrado e pensado nas outras pessoas que eu amava e que me amavam também. Eu me arrependo completamente dessa situação e se houvesse alguma maneira de alterar isso eu… olha, eu não vou mentir, eu não tenho certeza se mudaria ok? Se hoje eu sou capaz de estar aqui, na sua frente, falando tudo isso, foi devido a tudo que eu passei nesse tempo e, não é esse meu ponto, mas… argh… eu amo você Lily. E eu sempre vou te amar. Mesmo que você me odeie, mesmo que você me considere alguém morto. Eu entendo a sua raiva, isso dói em mim, mas eu consigo te compreender. E eu continuarei te amando independente de tudo. Mesmo que você não me permita participar da sua vida, mesmo que você não me deixe mais te proteger como você já deixou antigamente quando tinha medo de bichos-papões no seu armário. Você é e sempre será minha irmãzinha. E eu sinto muito mesmo por toda a dor que eu lhe causei. Mas eu também imploro para que você não permita, nunca mais na sua vida, que outra pessoa te magoe assim, seja como for.

Ah não ser por uma travada no maxilar e algumas olhadas para o chão, minha irmã não demonstrou nenhum tipo de reação ao meu longo discurso. Ah, ela também se mostrou incrédula na terrível parte em que eu afirmei que faria tudo igual novamente. Trinta segundos de silêncio podem ser piores do que você pensa, principalmente no meio de uma calorosa discussão, então eu tentei pensar em algo para manter a peteca no ar, mas quando abri a boca Lily finalmente falou.

— Você pode sair do quarto agora. — Seu tom estava monótono. Sua varinha tinha sido erguida e agora a porta se encontrava aberta. Eu olhei dela para o corredor e de volta, apenas para respirar fundo e concordar com a cabeça.

Depois disso eu finalmente encontrei o que fazer até o retorno dos meus pais em casa: ir para o meu quarto e chorar em posição fetal me amargurando por muitas escolhas durante algumas horas.



(...)



Os dias que sucederam aquela conversa foram… bem, não sei se existe uma só palavra pra explicar tudo, mas posso afirmar que já tive dias melhores e piores do que naquelas primeiras semanas de julho. Meu pai tinha me informado que minha varinha continuaria confiscada até que ele tivesse certeza que eu não fugiria de novo. O que, na minha opinião, era estúpido por dois motivos. Primeiro: Eu já era um homem adulto lembram? E eu conseguia fazer magias básicas sem necessariamente usar um canalizador. E Segundo: eu praticamente ficava sozinho em casa toda a semana, se eu realmente quisesse fugir novamente eu poderia simplesmente sair andando e não haveria absolutamente ninguém para me impedir. Entretanto eu sabia que não estava exatamente na posição para aquelas gracinhas, uma certeza que apenas aumentou após toda aquela problemática com Lily, então decidi não discutir.

Além disso, a história com minha irmã também estava servindo para me fazer compreender um pouco mais meu pai em toda a questão de manter babás na minha cola pelos últimos quatro anos. Eu ainda não concordava com nada daquilo e ainda me irritava um pouco se pensasse naquilo por tempo demais, mas eu estava aos poucos fazendo as pazes com a situação, o suficiente talvez para conseguir conversar com papai sobre isso. As coisas com Albus também iam se alinhando e ele, aos poucos, ia restabelecendo a confiança em mim, o que significava que agora eu já sabia como ele e Luna tinham acabado ficando juntos, o que ele estava fazendo da vida, dentre todo o restante que eu tinha perdido. Mamãe agia como se eu nunca tivesse saído de casa, Lily agia como se eu não tivesse voltado e assim seguimos por um tempo.

Como eu estava de férias, sem varinha, novamente sustentado pelos pais e nenhum emprego, tinha descoberto que desenvolver alguns hobbies seriam necessários para que às 10h da manhã eu já não estivesse com a cara no chão reclamando de tédio. Jardinagem e Crochê foram os que mais se destacaram no tocante de desenvolver novas habilidades, porém em algum momento do dia eu sempre, sempre, acabava arrumando toda a casa e isso variava desde lavar a louça à organizar por completo todo o guarda-roupa de Albus. E deixe eu contar uma coisa para vocês: ele consegue ser MUITO desorganizado. Naquele específico dia eu deveria ter ido com meu pai (porque ele não me deixava sair sozinho) até a sede da universidade na Espanha para solicitar minha documentação dos últimos semestres, mas um imprevisto no quartel de aurores precisou adiar aquele compromisso para o dia seguinte, o que significava que agora eu estava sentado no chão do quarto de Albus dobrando suéteres e combinando pares de meia.

— Espera um minuto. — Marie rosnou de onde estava, ao contrário de Lily eu podia obrigar minha gata a ficar perto de mim, não podia porém obrigá-la a me amar e ela fazia questão de deixar bem claro que me odiava. — Isso é o que eu to pensando que seja? — Não, eu não estava falando sozinho, eu estava tendo um diálogo rotineiro com minha adorável e simpática que respondia a quase tudo que eu dizia exibindo as unhas, erguendo a coluna, o rabo, eriçando os pelos e fazendo pssst. — É o mapa do maroto? — Existia empolgação na minha voz conforme eu puxava o pergaminho dentre diversos pares de meia (alguns estavam sujos, estou dizendo para vocês, ele precisava de uma intervenção).

Tateei meu corpo em busca da varinha, não que fosse ter alguém em Hogwarts em pleno verão, ou que eu fosse conhecer apropriadamente quaisquer das marcas no chão, mas encontrar o velho artefato tinha me trazido boas lembranças e eu estava empolgado para vê-lo revelar-se para mim uma vez mais, até perceber que eu não tinha mais minha varinha comigo. E para aquele específico tipo de magia eu precisava sim de um catalisador. A frustração veio de uma só vez, seguida da realização que o safado do meu irmão tinha pegado o meu mapa sem permissão (não que eu fosse responder a carta se ele tivesse pedido) e então a lembrança de que por todos aqueles anos ele tinha tido a posse da capa.

Larguei o mapa e as meias de lado para mergulhar na bagunça do guarda-roupa de Albus. Desnecessariamente baguncei ainda mais o já bagunçado, até perceber que um pedaço da madeira simplesmente desaparecia e… bem… Puxei para cima, rindo em êxtase enquanto observava a capa da invisibilidade cobrir meus braços da minha vista. Marie miou.

— Ele pegou meu mapa! Não é nada mais justo. — Ela miou de novo. — Ah, então agora você quer conversar? — Uma rosnada leve. — Eu não ligo ok? Não sei muito bem o que vou fazer com ela, mas ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdã…

Antes que eu pudesse concluir minha frase um barulho no primeiro andar chamou me atenção. Franzi o cenho e olhei para o relógio, não era para ter ninguém em casa naquele horário. Assim, coloquei o dedo na boca, pedindo silêncio à Marie, enrolei a capa ao redor dos meus ombros (precisei quase me ajoelhar para ela me cobrir por completo) e então deixei o quarto de Albus, fechando a porta com cuidado e descendo em câmera lenta afim de evitar qualquer barulho até descobrir onde estava o invasor. O elemento surpresa era minha única vantagem ali.

Chegando perto da cozinha percebi longos cabelos ruivos e suspirei aliviado ao notar Lily ali. Já estava puxando a capa para retornar às minhas atividades quando então percebi que ela estava acompanhada. Ajeitei a capa rapidamente e me abaixei ainda mais com medo de que algum dos dois me vissem. Lily estava com um cara, seria aquele o namorado?

— O que foi isso? — Cobrou o estranho.

— Isso o quê? — Lily fechava a geladeira e parecia ter ficado alheia ao meu suspiro, o cara semicerrou os olhos.

— Eu ouvi alguma coisa, Lily — o homem disse e eu me encolhi ainda mais na capa. Óbvio que eu não gostei do modo que ele falou com minha irmã, mas no momento estava me mantendo em low profile.

Lily foi até a escada para ver se ouvia alguma coisa, enquanto eu me mantinha a uma certa distância, onde eu podia ver e ouvir tudo o que se passava no cômodo. Lily voltou até o cara imbecil — dava para ver que ele se fazia de bom moço, com aquele cabelinho ridículo emplastado de gel e suéter de cashmere. Quem usa isso hoje em dia? Fala sério! — e sorriu para ele. Foi um sorriso forçado, que não lhe chegou aos olhos.

— Não foi nada, amor. — disse ela, acariciando o seu braço, o qual foi puxado com força, fazendo minha irmã cambalear. Aquilo me fez respirar fundo e contar até três. 

Não se mete, James. Não se mete.

— Não foi nada? Você disse que estava sozinha em casa. Quem você anda trazendo aqui? — ele olhou em volta, tentando ver se tinha mais alguém ali. — Hein, sua putinha?

Minha raiva começou a aflorar. Meus dentes trincaram e minha mão começou a abrir e fechar. Putinha é o caralho! Eu me aproximei apenas mais alguns centímetros, para olhar bem pra cara daquele otário. Quem o visse, pensaria que ele é o típico cara de bem e de família. Aposto 2 nickles que era um daqueles caras que acham que puro sangue é tudo. Eu sei, é uma aposta baixa, mas é o único dinheiro que eu tinha naquele dia e só porque eu encontrei as moedas nos cantos do sofá.

Lily engoliu em seco e eu percebi que ela também estava se controlando. Minha irmã forçou outro sorriso, um que provavelmente ela usava sempre... sabe, aqueles apaziguadores? Meu coração se acelerou. Pensei que ela ia bater nele, mas, ao invés disso, ela tentou novamente.

— Cariño mio — disse ela em espanhol, numa tentativa de ser carinhosa. Mas eu notei uma nota trêmula em sua voz. — Você está escutando coisas. Não tem ninguém em casa. E não me chame assim, sabe que eu não gosto.

O semblante do homem mudou da água para o vinho. Eu o vi crescer para cima de minha irmã, quase a engolindo com o seu tamanho. O tamanho de um tremendo filho da puta, mas que para minha irmã poderia ser um monstro. Ele pegou seu pulso e a sacudiu. Os cabelos de Lily voaram para todos os lados, enquanto ele a sacudia.

— Você está me chamando de louco? — perguntou ele com uma voz ameaçadora. — Você que deve estar louca! Toda vez é isso! O que tanto esconde? O que a santa Potter esconde tão a sete chaves que é até preciso mentir para mim? — a cada palavra dita, ele a sacudia. A essa altura, o meu coração batia em meus ouvidos, o ódio me consumindo por inteiro.

— Não é da sua conta! — gritou ela por fim, puxando o pulso do aperto do homem. Ajeitou os cabelos e o olho profundamente. Ela estava de costas para mim, mas a sua voz estava embargada quando falou novamente. — Você é louco, sim! Quantas vezes eu precisei te dizer que eu não escondo nada? Todas as vezes você pensa que eu estou te traindo! Eu tento conversar, tento te fazer entender, mas você nunca escuta. E quer saber de uma coisa? Agora não é mais da sua conta!

A expressão dele mudou mais ainda. Eu vi seu peito inflar. Sabe quando você via tudo em câmera lenta? Eu estava tendo um desses momentos. Eu vi a decisão dele se formar em seu rosto e aquilo eu JAMAIS permitiria. O homem levantou a mão e pegou impulso, indo em direção ao belo rosto da minha irmã. Isso tudo aconteceu em segundos. 

Lily se encolheu em seu lugar, mas a mão que iria lhe acertar em cheio nunca chegou. Minha mão, a única parte visível de meu corpo, segurou a dele no ato. Vi a surpresa nas expressões de ambos e arranquei a capa, me revelando por completo. Meu rosto pegava fogo e o meu ódio me cegava.

— Ela não estava escondendo nada, eu estava brincando disso sozinho, seu babaca! — exclamei, puxando o seu braço para perto de mim e o acertando em cheio no nariz.

A força foi tamanha, que sua cabeça virou para trás com o impacto. Escutei o grito agudo de Lily, mas não deixei que ele se recuperasse. Eu o acertei outra vez no nariz, fazendo-o cambalear para trás. Fui na direção dele, socando outra vez aquela cara engomadinha dele. 

Minha fúria era tanta, que eu não conseguia ouvir o que minha irmã dizia. Eu só acertava e acertava o rosto daquele filho da puta que ousou encostar em Lily, escutando o latejar do meu coração em meus ouvidos. Ao mesmo tempo, eu lembrava de Giulietta, tudo o que eu não pude ter feito por ela, eu estava fazendo pela minha irmã. Ele ia cada vez mais para trás, enquanto eu dava jab atrás de jab, cada passo que ele dava eu imitava, impedindo que ele conseguisse correr ou reagir.

A cara dele já estava toda ensanguentada, ele não conseguia dizer uma palavra. Eu estava cego pelo ódio e pelo arrependimento de não ter feito aquilo por Giulietta. A raiva era tanta, que eu nem conseguia dizer nada para aquele filho da puta. Preparei-me para mais um soco, como se toda a minha força estivesse focada em meu punho, mas então instantes antes de eu acertá-lo e quebrar definitivamente seu maxilar Lily entrou na frente, encaixando-se no curto espaço que nos separava e conseguindo frear todos os meus movimentos.

— Lily, sai. — Meus ouvidos zumbiam, cada molécula do meu corpo tremia vibrando no mais puro ódio, a força que eu estava fazendo para não afastar minha irmã contra a vontade dela era maior do que a que eu tinha planejado para aquele golpe.

— James. É a minha luta, eu consigo. — Eu não estava conseguindo interpretar bem a expressão da minha irmã, mas Lily tinha uma mão sobre uma peito e me afastava um pouco para trás com delicadeza. Além disso, era a primeira vez em semanas que ela falava diretamente comigo, então eu apenas dei dois passos para trás e tentei me concentrar em não avançar novamente.

O idiota estava tentando se manter de pé, tinha reagido o suficiente para limpar um pouco de sangue do seu nariz, o que apenas fizera o líquido carmim se espalhar por todo o rosto e Lily então virou-se para ele. Ele parecia ter algo a dizer, mas Lily se antecipou.

— Não querido, não se esforce. — Naquele momento eu quase, quaase, perdi tudo e fui fazer aquilo que eu estava evitando. Tinha ódio no olhar do babaca enquanto minha irmã tentava ser gentil com ele, mas mesmo que eu não estivesse de um bom ângulo para enxergar o rosto de Lily apropriadamente, eu posso te dizer que a expressão dela mudou tão rapidamente quanto a do garoto minutos atrás. — Você fica muito melhor calado. — Pontuou antes de então empurrá-lo com força em direção a geladeira, o que o faz bater as costas na porta e talvez, com sorte, a cabeça também.

Aquela tinha sido uma surpresa agradável visto que eu já estava achando que ela ia defender o idiota e brigar comigo, mas as coisas foram em uma direção diferente. Lily então deu um soco no cara, o soco que eu queria ter dado, e quando eu percebi o corpo do mané deslizar para o chão eu percebi que minha irmãzinha tinha contido muito sua força quando ela tinha me batido semanas atrás. Quem diria.

Lily gritava. Apenas gritos de ódio que às vezes se misturavam à palavras ou tentativas dessas que eu não conseguia entender muito bem. Avançando um pouco na cozinha eu consegui perceber que silenciosas lágrimas escorriam pelo rosto da minha irmã enquanto ela simplesmente chutava aquele lixo repetidas, constantes e fortes vezes. Os movimentos pareciam ser aleatórios, mas eu pude perceber que os pontos onde cada pé pousava eram bem estratégicos e por cima da raiva um leve sorriso puxou o canto de meus lábios. O babaca tossiu sangue, sujando o chão da cozinha e a minha vontade foi de arrastar a cara dele ali para que ele limpasse com a própria língua, mas antes de conseguir sugerir aquilo eu percebi então que ele estava desacordado, sem nenhum movimento ainda que instintivo que o protegesse dos golpes, muito bem aplicados, da minha irmã.

Agora vejam bem, eu já tinha apanhado até quase morrer muitas vezes, eu conhecia o sentimento, eu sabia o momento em que tinha quase implorado para que parassem temendo, mesmo quando eu queria morrer, pela minha vida. E todos esses momentos antecipavam o desmaio. Por mim aquele idiota morreria ali mesmo? Com toda certeza. Ele certamente estava muito próximo disso. Mas um senso de moralismo e racionalidade me puxou para a realidade o suficiente para que eu agarrasse Lily pela cintura e a puxasse para longe dele. Ela continuou chutando o ar e quando percebeu o que eu tinha feito começou a me estapear da melhor forma que conseguiu.

— Me solta James! Esse filho da puta, me larga!

Eu entendia a frustração dela, claro que entendia. Merlin sabia quantas vezes ela tinha apanhado quieta, então ela tinha todo o direito de, literalmente, acabar com a vida dele. Porém eu simplesmente não podia deixar minha irmãzinha viver com aquela culpa pelo resto da vida dela. Por isso, afastei-me o suficiente até conseguir colocá-la no chão e a segurar pelos ombros, impedindo-a de chegar até a cozinha.

— Lily, me escuta. Eu entendo, eu entendo de verdade. Mas você não merece viver com isso, ok? Eu não posso permitir uma coisa dessas. Já está feito, ele está desacordado, provavelmente com muitas costelas quebradas além do rosto, mas agora você precisa subir as escadas e tomar um banho para tirar esse sangue de você ok?

Não era uma tarefa fácil controlar a mais pura e simples fúria, eu sabia, estava tendo que fazer aquilo naquele momento. Porém Lily pareceu compreender o que eu estava falando. Ela travou o maxilar, sua respiração estava pesada, mas sem falar mais nada observei minha irmã apenas virar de costas e subir as escadas.

Puxando muito ar para meus pulmões, eu voltei para a cozinha e encontrei o cara lá, mais sangue tinha se acumulado perto dele, escorrido do rosto e de outras partes que eu só sabia estarem sangrando pela mancha nas vestes. Eu grunhi e, imitando minha irmã, desferi um chute contra as costelas do cara.

— Eu acabei de limpar esse chão idiota. — Tinha passado horas ali! Até encerado eu tinha. Agora estava tudo sujo de sangue. Francamente, era frustrante.

Mas um chute bastou e logo minha versão mais racional tinha voltado, em partes. Eu me abaixei e puxei o babaca pela camisa, balançando seu corpo e aproveitando para dar mais alguns tapas enquanto gentilmente, ou não, o mandava acordar. Demorou alguns segundos, talvez meus tapas não estivessem sendo tão leves quanto deveriam, mas ele finalmente abriu os olhos novamente, ou tentou, só percebi o quão inchados eles estavam quando ouvi tentar falar alguma coisa, ele não conseguiu e um dente ensanguentado caiu na nossa frente. Patético.

— Você sabe o que você fez. Qualquer palavra que você der, eu irei te caçar e te arrebentar mais do que eu te arrebentei hoje. Mais do que a minha irmã te bateu. E eu te garanto que não vai ter ninguém para nos parar. — cuspi as palavras em sua cara. Ele gemeu, tentando, sem sucesso, tocar o rosto desfigurado. — Se encostar mais um dedo nela... ou se eu souber que encostou um dedo em outra menina, te caçarei até o inferno ok? E não tente se achar o espertão e fazer algo contra a gente, você sabe quem nós somos, eu te garanto que qualquer mínima coisinha que você tentar fazer para prejudicar a minha irmã só vai render a você o resto da sua vida em askaban. Estamos entendidos? — Por baixo dos olhos inchados eu percebi que ele estava ficando assustado. Eu devo admitir que por anos eu tinha me mantido longe com a desculpa de não ser associado ao meu pai, mas, Merlin, ameaçar os outros e garantir que eu sairia impune por ser filho de Harry Potter? Isso era muito bom. Claro, sem discussões sobre privilégios, foquem no problema ok? De qualquer maneira, ele fez o que eu achei ser um movimento concordando com as minhas palavras e eu sorri, de forma psicopata. — Agora desapareça da minha frente antes que eu me arrependa em ter te deixado vivo.

O idiota então desaparatou dali e eu dei outro chute, dessa vez na geladeira, ao perceber que eu teria que limpar o chão de novo. Sim, eu machuquei meu pé.

Mais tarde, quando eu estava ajoelhado no chão tentando tirar as manchas de sangue do rodapé da geladeira, Lily desceu. Ela estava quieta, mas ao olhar rapidamente para ela percebi que ela tinha feito um curativo na mão. Ela olhou ao redor, apreensiva. O banho parecia a ter acalmado o suficiente para que ela criasse ciência do que tinha acontecido ali.

— Ele…?

— Foi embora. Não vai mais te importunar, isso eu garanto. — Ela concordou com a cabeça, parecia ter ficado um pouco mais aliviada ao perceber que eu não tinha informado nenhum tipo de óbito. Eu sabia que mesmo forte e independente minha irmã ainda podia ser frágil e sensível, por tanto me orgulhei um pouquinho de mim mesmo em tê-la impedido antes que fosse tarde demais. — Você está bem? — Ela concordou com a cabeça uma vez mais e então me olhou, suspirando.

— Olha James, eu agradeço a ajuda e agradeceria ainda mais se isso ficasse só entre a gente ok? Mamãe, papai e Albus… eles não sabiam. — Ela apertava uma mão contra a outra, eu sabia que ela estava nervosa, então apenas concordei com a cabeça. — E isso não muda as coisas entre a gente ok? — Well that’s a bummer. Eu estava sim esperando o amor da minha irmã de volta como recompensa.

— Lily eu… — Ela se moveu, pedindo para que eu parasse.

— Obrigada de novo. Isso é tudo. — Pontuou e então saiu, voltando para seu quarto. Eu fiquei em silêncio por algum tempo, encarando o lugar onde ela tinha estado, mas então voltei a focar na limpeza. Apenas cinco minutos separaram eu me livrando de todos os panos de sangue com a chegada de meu pai, mas tudo estaria perfeitamente em ordem para que ninguém desconfiasse de nada. No jantar, Lily desceria já sem curativo, agindo da mesma forma que todos os dias, como se nada tivesse acontecido por ali. Quanto a mim, eu apenas torci para que ela estivesse bem e cumpri a promessa que a tinha feito.

Depois daquilo tudo papai e eu fomos a minha universidade conforme prometido e para eu ser bem sincero com vocês as coisas não foram tão bem quanto deveriam, isso porque eu nem estava considerando as aventuras da tarde anterior. 

No primeiro momento em que eu entrei na sala com meu pai o diretor ficou em choque. Minha verdadeira identidade era de conhecimento geral dentre os mais poderosos naquele intercâmbio, porém também era acordado entre todos que esses pequenos detalhes da minha vida jamais seriam trazidos à tona. O que era bem complicado de se fazer quanto Harry Potter entrava na sala em carne e osso.

No instante seguinte, recuperado à surpresa de estar em frente a uma lenda viva, a mudança de comportamento do diretor foi perceptível ao ponto de que eu simplesmente me irritei e saí da sala. Antes eu era tratado como um aluno comum, porém, ali, com meu pai ao meu lado, o diretor me ofereceu regalias que eu jamais tive antes, como, por exemplo, refazer algumas provas em que minha nota não tinha sido tão boa quanto poderia ser. Conseguem entender agora os motivos que me fizeram ficar tanto tempo sem voltar pra casa? Pois é.

Bati a porta atrás de mim e chutei uma lixeira. Eu tinha aberto mão de tanta coisa para conseguir seguir aquele sonho e agora, faltando apenas mais um ano para finalmente concluí-lo, tudo estava correndo por água abaixo devido a uma enrascada que eu tinha me metido. Praguejei e xinguei em búlgaro, Kristina tinha me ensinado e eu achava que ficava parecendo mais ameaçador, quando meu pai apareceu ao meu lado.

— James eu…

— Podemos ir pra casa agora papai? Ou tem algum outro aspecto da minha vida que você gostaria de destruir só por existir? Deixa eu ver… eu estava começando a trabalhar em uma carta de aplicação para algumas escolas, que tal visitarmos uma a uma e você me garantir o trabalho só com um sorriso e uma história cansada sobre como você derrotou Voldmort hm?

— James…

— Olha, eu posso continuar falando aqui, mas se você vai ficar nessa eu aviso desde já que eu posso começar a descer um pouco o nível e eu realmente não quero fazer isso, então vamos logo embora, por favor.

— James Sirius. — Meu pai era irritantemente paciente. Eu sei, eu sei, ele já tinha passado por coisa demais. Eu estava pronto para perguntar se ele estava feliz em ter estragado minha vida quase como fez com o tal de Cedrico, Albus tinha me contado uma história, mas para além da raiva eu ainda sabia meus limites de desrespeito e, por tanto, parei. — Eu sinto muito. — Ele continuou, eu sibilei, agora entendia perfeitamente o que Lily queria dizer quando falava que palavras não eram o suficiente. — Você pode parar de agir como uma criança?

— Você pode parar de me tratar como uma?

— Olha só James, ok, eu errei em vir aqui hoje com você, agora eu consigo perceber isso e eu sinto muito. Você não vai ganhar nenhum tipo de vantagem apenas por eu ter vindo aqui, isso eu te garanto. O semestre já terminou e no próximo você estará em outro país, então não se preocupe com ele, ok? Sua documentação está aqui completamente inalterada. Eu sei que parte dessa sua raiva é devido às decisões que eu precisei tomar enquanto você esteve fora e, sinceramente James? Eu não vou me desculpar por isso novamente. Eu consigo entender sua frustração, mas eu fiz o meu melhor para dar a liberdade que você queria enquanto tentava garantir que o meu filho estava bem e vivo e isso é uma coisa que você só irá entender quando for pai. Então é isso. Estamos num paradoxo em que eu irei continuar te tratando como uma criança enquanto você continuar agindo como tal. Você diz que evoluiu tanto nesses anos então me prove ok? Vamos voltar para casa, eu devolvo sua varinha e então espero você mostrar o grande e maduro adulto que você tanto se vangloria de ter se tornado ok?

Percebem o que ele fez aqui? Primeiro ele me tratou como criança e daí quando eu comecei a agir de acordo e fazer birra e tudo ele inverteu tudo pra parecer culpa minha. Ele estava errado? Não. Mas é tão frustrante brigar com seu pai quando ele faz esse tipo de coisa! Sério, eu de verdade entendia a Lily perfeitamente naquele momento. Mas eu também entendia o que era estar do outro lado da moeda, então apenas abaixei minha crina e concordei, verificando a documentação para ter certeza que estava tudo ok mesmo e então indo de volta para casa.



— Jay, querido — chamou minha mãe, assim que eu pisei na cozinha no dia seguinte. Um cheiro incrível estava vindo do forno.

— Sim, mãe — eu disse, sentando-me à mesa e comendo uns biscoitos que estavam dispostos em uma bandeja. — O que está cozinhando?

— É para o jantar mais tarde... é uma torta de cereja, Luna me ensinou a fazer. — Ela, então, acenou a varinha e algo veio em minha direção. — É do intercâmbio. Chegou quase agora.

Peguei o pergaminho e o li. 

— O que houve? — minha cara de pimenta perguntou.

— É o programa de intercâmbio. Diz que é para eu encaminhar uma carta para eles, dizendo se eu quero fazer o último ano aqui na Inglaterra ou permanecer no intercâmbio e terminar o ano na França.

— Como eles sabem sobre...

— Mim? — perguntei e ela assentiu. — Todas as faculdades sabem quem eu sou de verdade, mãe. Mas como as minhas notas são incríveis e tenho várias cartas de recomendação, eles sustentavam a minha mentira. E agora todo mundo sabe que Harry Potter foi buscar o primogênito dele e eles precisam saber se eu vou continuar.

Minha mãe suspirou entre um sorriso e então se aproximou, depositando um beijo na minha testa. Eu sabia que ela provavelmente queria me estimular a ficar, afinal, eu tinha passado anos fora e ela tinha acabado de me conseguir de volta, mas alargando um pouco mais o sorriso e acariciando meu rosto ela apenas disse:

— Tenho certeza que você fará o que é melhor para você.

E aquilo não me ajudou em nada.

 

O cheiro da torta àquela altura praticamente tomava conta da casa inteira, mas mesmo com aquela pequena distração, minha concentração estava 100% naquela carta, que eu lia e relia o tempo todo. Voltar pra casa tinha me dado um sentimento de que eu nunca deveria ter saído, então aquela decisão era complicada. Terminar meus estudos na Inglaterra era uma possibilidade, porém se eu optasse por aquilo eu perderia quase tudo o que tinha feito nos anos anteriores, além de ficar registrado no meu histórico que eu tinha desistido do intercâmbio. Ao mesmo tempo, continuar e ir para a França me pareciam uma realidade tão distante e improvável, eu tinha acabado de voltar, não queria partir novamente, mas também não queria colocar tudo a perder, eu…

— Você deveria ir. — A voz de Lily me fez erguer a cabeça. Eu pisquei lentamente, ela estava ali mesmo ou eu tinha dormido no meio do meu surto? — Você tava pensando alto de novo. — Justificou, apontando para a carta meio que explicando como ela sabia sobre minhas frustrações.

— Eu… quê? — Eu já tinha chegado no ponto em que tinha me acostumado à realidade em que Lily simplesmente não falava comigo, então além de não conseguir focar bem em nada além da carta, eu estava tendo problemas em entender o que tava rolando ali. Lily não pareceu disposta a explicar, apenas puxou a carta das minhas mãos e então se sentou de frente pra mim, com as pernas cruzadas no chão.

— Você lembra quando eu comecei a escrever James? — Seu tom era casual, como se estivéssemos nos falando há meses. Eu pisquei, ela correu os olhos pela carta e então me devolveu. — Eu ainda estava aprendendo o alfabeto e tudo o mais, mas a professora queria que todos os alunos soubessem escrever seus nomes, essa era minha tarefa naquela noite, mas papai estava de plantão e mamãe precisou correr para cobrir uma notícia. Ela nos deixou na vovó, mas pediu para você me ajudar com o dever.

Aos poucos a lembrança foi me guiando de volta para anos atrás. Lily tinha seis, eu estava no auge dos meus dez, antes de toda aquela história com Dominique n’A toca e etcetera. Eu ri, me lembrando do dia, Lily me olhou.

— Nós passamos horas naquilo. Você era a pessoa mais paciente do mundo, me ensinando cada letra, pontilhando pergaminhos para que eu criasse confiança até conseguir desenhar as letras sozinhas. Demorou horrores, mas por fim conseguimos. E daí mamãe chegou e eu fui correndo e super orgulhosa mostrar pra ela que eu tinha conseguido e então…

— Você tinha escrito James Sirius Potter dezenas de vezes. — Lily riu, concordando com a cabeça.

— Você tinha me dito que o seu nome era muito mais legal e que eu deveria aprender a escrevê-lo antes de qualquer coisa. Que também era o nome do vovô e do padrinho de papai e que isso me faria ganhar um doce extra no jantar. Além de que o seu nome tinha quase todas as letras do alfabeto enquanto o meu tinha menos, porque era mais curto.

— Hey! Eu não menti ok? — Ambos rimos brevemente, eu era um filho da puta narcisista desde cedo percebem?

— Mamãe brigou com você, mas você falou para ela não se preocupar e então voltamos para os pergaminhos. Só depois que eu escrevi por conta própria “James Sirius Potter é o melhor” você me ensinou a assinar com o meu próprio nome.

— Eu tenho certeza que ainda tenho esse pergaminho guardado em algum lugar.

— O que eu estou tentando dizer aqui é que eu adorei aquela tarde. E de noite, depois do jantar e antes deu dormir, você me ensinou o alfabeto completo, o que me fez chegar na escola no dia seguinte à frente de todo mundo que sabia só escrever o próprio nome. Você foi paciente e atencioso, você sabia exatamente o que deveria fazer e como fazer. Foi divertido aprender a escrever com você porque parecia que estávamos só brincando, então eu não senti como se fosse uma obrigação. Se com apenas dez anos você se provou um professor incrível, imagine só como será agora que você tem conhecimento para isso e sabe que é exatamente o que quer fazer?

Eu a encarei por alguns segundos. Lily não apenas tinha voltado a falar comigo, como também estava me incentivando a partir?

— Você realmente precisa aprender a deixar seus pensamentos só na sua cabeça James. Sim. Eu perdoo você. Eu percebi que na verdade você nunca foi o meu irmão mais velho, esse papel é do Teddy. — Ela cutucou, eu fiz uma careta, Lily riu. — Você já arriscou demais, não pode desistir disso agora. Só me prometa uma coisa. — Pediu, a olhei. — Você vai voltar.

— Nada nesse mundo seria capaz de me impedir disso. — Garanti e Lily concordou.

Três segundos contados se passaram e então Lily se apoiou nos joelhos e me abraçou. Naquele momento eu percebi que não tinha tido aquele contato com minha irmã desde que tinha retornado, o que significava que há anos eu não abraçava minha caçula. Apertei-a nos meus braços e ela também me apertou um pouco mais.

— Senti sua falta mané. — Eu sorri.

— Ah você vai se arrepender tanto de ter falado isso. — Brinquei.

— A torta tá pronta! — Mamãe gritou, aparecendo na porta e interrompendo aquele lindo momento entre irmãos. Ao me afastar de Lily eu percebi que mamãe sorria orgulhosa. — Ah, James, eu esqueci de avisar. Iremos jantar na Toca.

— Oh….

— Se eu fosse você arrumava um protetor nasal. — Lily recomendou, levantando-se e então saltitando para fora dali.

Acariciei meu rosto e gemi, já prevendo o que aconteceria a seguir. Tinha chegado a hora do segundo round.


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