As Mulheres de James Sirius Potter escrita por Lia Galvão, Miss Stilinski


Capítulo 22
Dulce Esperanza Ramírez


Notas iniciais do capítulo

OI MEUS AMORES. Eu senti saudades! Espero que as festas de final do ano de vocês tenham sido ótimas! Bem, vamos lá, não vou dar mais desculpas, vocês devem estar cansados já, mas eu queria deixar meu agradecimento especial ao Christopher Aguiar que chegou aqui no comecinho do ano e encheu nosso coração de amor comentando em t.o.d.o.s os capítulos da fic. Migo, cê num tem noção do quanto você me inspirou e motivou a sair dum puta bloqueio que eu tava, obrigada! Gratidão e bem-vindas também a todos os novos leitores que chegaram nesse tempo, eu sei que vocês são vários, obrigada de coração por darem uma chance a fic, obrigada por comentarem e obrigada por lerem!
Antes de eu ir mais uma coisinha, eu comecei a revisar os capítulos iniciais da fic e como vocês vão notar logo abaixo estamos com novas capas de capítulo! Conforme eu for revisando os anteriores eu vou mudando as capas, então passem lá sempre que possível para vocês descobrirem como nosso James parecia naquelas épocas. Ah, e meu amor e agradecimento para minha amiga maravilhosa que vocês conhecem como Ruby Chang que nos deu de presente essas capas lindas e cheirosas.
Sem mais delongas, aproveitem o capítulo, espero que gostem! /Lia Galvão

Hello, gente! COMECEI UM ESTÁGIO e isso atrasou, também, as coisas. Sei que a gente sempre dá os mesmos motivos, mas realmente estudar e trabalhar acaba dificultando o nosso desempenho. Enfim, espero que gostem e leiam até o fim, porque vocês vão gostar! /Miss Stilinski



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"James, eu venho lhe pedir encarecidamente que aceite meus pedidos de desculpas. Eu nunca, jamais, esperava que Dione fosse capaz de fazer uma coisa dessas e... Quando eu a vi com você... Eu sei que tem irmã, pode entender como eu me senti naquele dia.

Entretanto, eu não deveria ter feito o que fiz. Nada justifica meus atos. Não foi desse jeito que meus pais me criaram.

Não sabe o quanto me sinto culpado e envergonhado. E por este motivo eu demorei para lhe escrever meus pedidos de desculpas. Eu realmente sinto muito. E tudo piorou quando Teresa e seu amigo intimidante voltaram para buscar as suas coisas. Eles falaram coisas que... Bem, eles tinham razão e não irei culpá-lo se você sentir raiva da nossa família.

Não sei se isso fará você se sentir melhor, mas Dione está sendo punida. As mentiras que ela contou e sua manipulação... Tudo isso fez com que nossos pais vissem que ela não é mais uma criança e que está na hora de parar de fazer tudo o que ela quer. E, bem, Teresa fez questão de mostrar a ela que não se deve contar mentiras.

Enfim, eu realmente sinto muito pelo o que aconteceu, James. A culpa ainda me corrói durante a noite e a maior parte do dia. Espero que um dia possa nos perdoar e que possa conversar conosco, já que Dimitri o tirou de lá tão depressa.

Espero que fique bem na Espanha,

Apollo."



Terminei de ler a carta e passei a mão pelo meu rosto. Olhei para a noite estrelada e para os prédios amarelos e vermelhos de frente para o meu pequeno apartamento.

Eu não sabia se estava pronto para aceitar as desculpas, mas também tinha minha parcela de culpa ao ficar em dúvida sobre minha própria índole. Eu devia muito àquela família, entretanto, eu não podia dizer que havia ficado feliz com a surra que me deram. Portanto, apenas dobrei a carta de Apollo e a guardei dentro da gaveta. Não queria pensar naquilo por ora, ainda mais que as coisas estavam indo bem na Espanha.

Acredite, eu sabia como Teresa havia ficado com aquela história, já que ela tinha ficado para trás quando Dimitri me tirou de lá. Ela não só deu uma lição de moral em todos, como ainda continuou falando quando voltaria para pegar as minhas coisas. Eu entendia porque eu havia me apaixonado por ela e porque Dimitri estava apaixonado por ela.

As aulas aqui já tinham começado há alguns meses, meu aniversário passou com um bolo que Dimitri tentara cozinhar e devo dizer que o resultado não foi dos melhores, mas a presença dos meus amigos valia mais do que qualquer pedaço fofinho de abóbora. Apesar de a estadia deles não ter durado muito, pois logo ao fim do verão Dimitri e Teresa partiram para a Romênia. Parecia que os mafiosos estavam tentando de tudo para ficar fora do mapa. Falei que tinha um tio que cuidava de dragões e que poderia saber algo sobre mercado negro de sangue de unicórnios entre outros, eles ficaram de investigar a respeito.

Quando a confusão se instaurou na casa dos Michaedelis Dimitri aparatou comigo até onde era a república,  onde todos se preparavam para a viagem de portal. O grandão me deu ordens de ir com o pessoal e garantiu que se encontraria comigo assim que resolvesse as pendências que ficaram na Grécia.  E assim foi.

Eu estava atordoado demais para comentar sobre o ano que finalizara ou até mesmo contar da experiência na casa dos Michaelides, graças isso fiquei esperando pelo grandão na porta de onde era a nova república. Dimitri não tardou a aparecer com Teresa em seu encalço,  a última com os cabelos bagunçados e rasgos no traje formal que usava para o casamento, não consegui não sorrir para ela e, naquela noite, ficamos até tarde em um bar rindo e fazendo piada do acontecimento mais recente na vida de James Sirius Potter.

Depois disso as coisas foram se ajeitando. Dimitri sugeriu, para não dizer ordenou, que eu não ficaria nem na república nem em casa de família, mas, sim, iria morar sozinho em um apartamento em um bairro trouxa. Ele não me explicou muito bem os motivos, apenas disse que era pra eu o ouvir e que já tinha arrumado tudo. Como eu realmente não queria ficar em casa de família e não era muito fã de dividir banheiro com outras dez pessoas, eu apenas aceitei.

E tudo estava indo muito bem, as aulas tinham começado e agora minha grade inteira era voltada à licenciatura e matérias de como ter uma boa didática ou afins. A vida era tranquila e eu não tinha que me preocupar com uma criança tirando a roupa para mim volta e meia. Não fosse o fato que eu estava completamente sem dinheiro, tudo estaria perfeito.

Tinha me acostumado com estágios bem-remunerados desde a Itália.  O dinheiro que eu ganhava na fábrica dava para bancar meus custos, contas e sobrava. Nos Michaedelis, Héktor sempre fez questão de me pagar pelo trabalho na loja e eu não tinha nenhum gasto, já que eles não permitiam que eu pagasse nada. Já na Espanha as coisas estavam um pouco mais difíceis. Claro que eu tinha minhas economias, mas estar constantemente convertendo galeões em dinheiro trouxa e tendo gastos nos dois mundos não estava ajudando a mantê-las.

Eu tinha conseguido um cargo de monitor na faculdade de algumas matérias de poções,  mas o dinheiro que eu recebia mal dava para comprar comida. Não que eu esteja reclamando! Em todos aqueles anos aquele era, de longe, meu estágio preferido. Era a primeira vez em três anos que eu estava trabalhando para valer com o que eu queria fazer e isso me rendia créditos na grade do curso. Para complementar minha renda eu tinha espalhado cartazes oferecendo aulas particulares e a demanda foi boa. Estava com a agenda cheia, porém esse ano tinha cuidado para não ficar sobrecarregado. Com a monitoria e as aulas particulares eu estava conseguindo sobreviver, até descobrir que Dimitri estava pagando o aluguel para mim.

Vejam bem — e eu acredito que já tenha dito isso antes  — quatro anos atrás eu ficaria mais do que feliz em ter alguém pagando minhas contas, mas eu tinha mudado. Quando Dimitri me disse para ficar naquele apartamento eu acreditei que o imóvel era dele, assim como o da Bulgária, e não tinha problemas com isso. Porém, saber que Dimitri tinha gastos mensais comigo era quase ofensivo.  Graças a isso, tornei a espalhar cartazes pela faculdade, desta vez anunciando que gostaria de dividir um apartamento com algum outro bruxo que estudasse por lá, assim conseguiria lidar melhor com as contas e Dimitri não mais iria pagar meu aluguel.

Era recesso de inverno, o que significava que eu estava no apartamento completamente só e à toa. Naquele natal Viola não conseguiu ir devido as aulas de Paisley, que já tinham começado. Dimitri e Teresa junto aos demais aurores que trabalhavam com eles conseguiram prender um membro importante da máfia e não podiam me dar detalhes, mas também não puderam me fazer companhia naquele feriado. E, naquele 25 de dezembro chuvoso e solitário, eu chorei assistindo Lilo e Stitch.

Eu estava na cozinha após ter guardado a carta de Apollo, minha ceia era uma caixa de comida chinesa que eu tinha pedido há uma hora, pouco depois que parei de chorar por causa da animação,  e o conceito de Ohana ainda ribombava na minha cabeça. A casa vazia, as risadas do prédio vizinho, a sensação de solidão e a saudade serviram de motivação para que eu buscasse um pedaço de pergaminho em branco e tinta.

"Minha querida cara de Pimenta... feliz natal! A você, Albus, Lily e ao meu pai. A Dominique, Fred e todos os demais. Eu sei que você quer respostas, eu sei que você quer entender, mas por hora tudo que eu posso lhe dizer é que eu estou bem, apenas não estou preparado para voltar ainda. Dê-me apenas mais alguns meses.

Com amor e sinceras saudades,

James"

A pena foi largada de lado ao mesmo tempo que o som da campainha preenchia o ambiente, assustando-me. Não estava esperando nenhuma visita e já estava relativamente tarde. Dobrei o pergaminho e o deixei separado em um canto da cozinha, fazendo uma nota mental de arrumar uma coruja no dia seguinte para enviar a correspondência. Ao abrir a porta deparei-me com um rapaz, aproximadamente uns 23 anos, cabelos e olhos castanhos.

— James Evans? — Perguntou com uma expressão meio séria,  que me fez dar um passo para trás e erguer uma mão protetora em frente ao meu rosto.

— Bem, depende... — Informei. — Você quer pegar esse cara de porrada? — Sabe como é, depois da quinta vez acaba se tornando um trauma...

— Yo... quê? — O moço perguntou da porta. Relaxei minha postura, mas ainda o encarava desconfiado.

— Você trabalha para a máfia?  — Perguntei semicerrando os olhos, o garoto olhou para os lados e então voltou a me encarar.

— Mi nombre és Juan... — Começou.  — Vim por causa do anúncio. — Disse com um sotaque carregado, erguendo o anúncio em questão em frente aos meus olhos.

— Ah!! Claro! — Eu sorri para Juan e abri caminho para ele. — Por favor entre! Eu não estava esperando que alguém respondesse por agora então, por favor, não repare a bagunça. — Convidei e o cara sorriu, entrando no apartamento.

— Ah... sinto muito por vir nesse horário e sem avisar... eu devia ter mandado uma carta. Digo, é natal, eu nem esperava que você estivesse aqui... — Fiz uma careta, ele pareceu notar. — Eu sinto muito... Estou com seu cartaz já há algumas semanas, de alguma maneira eu sabia que iria precisar dele... hum... a vaga ainda está disponível?

— Sim, não consegui encontrar ninguém ainda, infelizmente. — Eu tinha espalhado os cartazes pouco antes do feriado e apenas três pessoas me procuraram interessadas, todos eles apresentaram algum problema. A única pessoa que me agradou — Uma sueca que estava na Espanha para aperfeiçoar seus estudos em História da Magia — foi barrada por Teresa que pontuou que eu não dividiria um apartamento com uma mulher. Segundo ela eu não sabia me comportar. Minha falta de argumentos em minha defesa a fez ganhar a discussão e me obrigou a assinar o acordo de que eu deveria escolher um cara.

— Ah! Isso é ótimo... bom... — Juan parecia quase tímido.

— O que lhe traz até minha humilde residência nesta noite de natal? Você não é o fantasma do natal passado né?  — Perguntei assustado, dando-me conta daquela possibilidade apenas naquele momento. O cara parecia estar assustado comigo,  porém era educado demais para verbalizar isso.

— Como eu disse, estava já há um tempo pensando em te procurar. Minha família é... complicada. Eu larguei minha carreira de auror recentemente para me dedicar ao estudo de Astronomia e meu pai não ficou muito feliz. Ele acabou usando o natal para decidir que eu não podia mais morar com ele se continuasse com essa ideia, então aqui estou eu.

O sorriso dele era alinhado e branco. Em apenas uma fala eu sabia quase toda a vida do rapaz a minha frente, que apenas sabia onde eu morava e meu nome falso.

— Eu sinto muito... — Disse enquanto tentava processar as informações que me foram passadas.

— Não é como se eu não soubesse que ele faria isso. — Ele ergueu os ombros. — Mas então... eu posso me candidatar a vaga? — Perguntou e eu respirei fundo, ele tinha acabado de dizer que tinha abandonado o emprego.

— Olha, eu estou procurando alguém que me ajude com as despesas. É um bairro trouxa então preciso de alguém que seja discreto e não tenha problemas com eles. Além de ser alguém que eu possa confiar...

— Eu sei que a gente só se conheceu agora,  mas eu garanto que pode confiar em mim senhor Evans. Além disso, minha mãe é nascida-trouxa e eu costumo passar as férias na casa dos meus avós em Barcelona, então sei lidar com vizinhança trouxa. Além disso eu sei falar cinco idiomas, prender a respiração por quatorze minutos e não ronco. — Apresentou e eu pisquei, não conseguindo conter o riso quanto a última afirmação.

— E você tem como ajudar com as despesas? Digo, você largou o emprego e tudo o mais...

— Ah! Tenho sim. Larguei meu cargo de auror, mas eu ainda preciso comer, certo? — Ele riu. — Tem uma escola primária no vilarejo que eu morava e eu trabalho com uma turma lá. Você sabe, um bando de crianças aprendendo a usar magia, ganhei mais cicatrizes em meus dois meses lá que em meus quatro anos como auror. Mas eles pagam bem...

— Bom, muito bom. E você disse que queria se dedicar a astronomia?

— É minha paixão,  pretendo virar professor de uma escola de verdade um dia, como Hogwarts,  você é inglês não é? Estudou lá? — Eu sorri, a nostalgia ainda presente em mim.

— Temos objetivos em comum meu amigo. Olha, eu gostei de você,  mas preciso pensar primeiro. Tudo certo para você? — Perguntei e ele concordou com um movimento de cabeça. — Prometo que lhe dou uma resposta o quanto antes... Você tem onde ficar?

— Ah! Não se preocupe com isso, estou em um pub hotel perto de Madrid, pode mandar uma coruja para lá quando se decidir. — Ele exibiu o sorriso perfeito e eu acenei.

— Certo então... Feliz Natal, eu acho.

— Feliz Natal para você também! — Ele desejou e, assim que cruzou a porta do apartamento,  desaparatou.

Acho que ele tinha perdido a parte sobre a discrição por estarmos em um bairro trouxa.

 

No dia seguinte estava nevando pelo que eu considerei ser toda a Espanha. Do bairro trouxa à faculdade bruxa o chão estava coberto por uma fina camada de neve que tendia a aumentar conforme os flocos continuavam a cair. Tinha deixado o conforto do meu apartamento com a finalidade de enviar a carta à minha mãe e tinha juntado a lista uma carta endereçada a Dimitri, a quem eu pedia ajuda sobre o rapaz que fora me procurar para dividir o apartamento comigo. Como eu não tinha uma coruja, tive de ir até o corujal da faculdade para conseguir enviar minhas correspondências.

Eu estava andando muito mais do que aparatando. Minha poção tinha evoluído muito na Grécia com a ajuda dos Michaedelis, mas ainda não estava pronta ou perfeita. Eu estava preparando a versão mais recente dela, que exigia uma semana de repouso antes de levar ao fogo e não estava muito afim de ficar enjoado a cada viagem. Além do fato de as ruas da Espanha serem lindas e o vilarejo bruxo onde a faculdade estava localizada ser relativamente perto da cidadela em que eu estava morando.

Tinha alguma coisa sobre estar sozinho que também influenciava minhas longas caminhadas. Não tinha ninguém preocupado comigo me esperando voltar, eu não tinha uma hora marcada para limpar o banheiro e nem tinha que dar satisfação para ninguém. Ao mesmo tempo que a liberdade era boa, eu sentia falta de estar cercado por um monte de gente.

No caminho de volta para casa, já no bairro em que eu estava morando, em meio ao silêncio que a neve na rua causava, eu ouvi miados não muito longe dali.

Parei e tentei escutar com mais atenção. Os miados retornaram e eu fui, devagar, até atrás de um prédio perto do meu e vi, em meio a um monte de lixo, algo se remexendo. Fui até lá e tirei todos os plásticos de cima, encontrando um belo gatinho de pelos brancos e olhos azuis. Ele me olhou, parecendo estar agradecido e assustado e ficou ali, esperando.

Algo naqueles olhinhos me fez amolecer. Ele era lindo e tão pequeno! E eu o tinha achado. Então eu o peguei no colo, enrolei-o em meu sobretudo e fui correndo para a minha casa. A neve estava caindo com mais força naquele momento e eu não podia deixá-lo naquele lugar sozinho, passando fome e frio.

Assim que eu cheguei em casa fechei tudo o que podia trazer vento e o frio. Peguei uma colcha velha e fiz uma caminha, na qual eu coloquei o gato em cima, enrolando-o em seguida. Depois, fui até a cozinha e vi que eu não tinha nada para gatos. E, convenhamos, eu não tinha nada nem para mim! E o que eu faria? Tinha certeza de que ele estava com fome e com sede. Abri a geladeira e vi que tinha leite — eu tinha visto em algum desenho as pessoas dando leite para gato — mas não tinha vasilha para colocá-lo. Olhei ao redor e achei uma tampa rasa de alguma coisa que eu havia comido e coloquei o leite ali. Logo em seguida, dei para ele beber.

Ele cheirou um pouco e depois começou a beber de verdade. Eu sentei ao seu lado e fiquei o acariciando.

— Você tá com fome, né? Não tenho nada para você comer... — Eu o olhei. — Você precisa de um nome. Me ajuda, ok? Hum... que tal... — olhei para a tv desligada, lembrando-me do filme que eu assistira na tarde passada. — Já sei! Stitch! — ele balançou o rabo, enquanto ainda bebia o leite. — Vou considerar isso como um sim.

Fiquei em silêncio depois disso, pensando onde eu arranjaria um pet shop para comprar coisas para o Stitch. E eu fiquei muito tempo pensando mesmo, até que eu me lembrei que havia um perto do mercadinho que eu sempre ia para comprar comida e outras coisas.

Levantei-me depressa e peguei meu agasalho, indo para a porta. Eu esperava que o pet shop estivesse aberto.

— Hey, não saia daqui, ouviu? — falei e olhei em volta, verificando se eu havia fechado tudo.

Quando terminei de me certificar, saí outra vez de casa. Eu andei depressa, pois estava um frio cortante na rua. Não ficava muito longe, graças a Merlin e eu fiquei bem feliz em descobrir que eles não tinham fechado devido a nevasca. Quando cheguei ao pet shop um sininho tocou e eu fui catar potinhos para colocar ração e leite. Stitch era um filhotinho lindo e devia ter poucos meses, graças a isso eu fui atrás de ração especializada para bebês. Não sei o que eu estava esperando, mas não encontrei nenhuma daquelas papinhas para bebês que vendiam no mercadinho ao lado.

Dei a volta pela loja, mas não estava encontrando nem mesmo pacotes de rações para levar, então fui até o balcão. Entretanto, não havia ninguém ali.

— Sério? O sino da porta tocou! — exclamei alto o suficiente para que um homem saísse de não sei aonde.

— En que puedo ayudarte? — perguntou ele.

— Hã... hã... é... yo... yo no hablo espanhol — tentei dizer a única coisa que eu havia aprendido ali. Eu tinha que sugerir a Hogwarts que eles integrassem algumas matérias de idiomas na grade. Sério.

— Ah — disse o homem. — Un minuto por favor.

Ele sumiu e eu entendi que ele foi lá dentro fazer alguma coisa. Eu comecei a ficar impaciente, pois o meu bebê estava sozinho em casa e sem nada para comer. Que tipo de atendimento era aquele?

Então uma bela espanhola saiu lá de dentro. E quando eu digo uma bela espanhola, eu quero dizer que era bela mesmo. E eu tinha um péssimo hábito de ficar sem fala quando eu via uma mulher bonita.

— Em que posso ajudar, senhor? — perguntou Dulce Ramirez, estava escrito em seu crachá, com um certo sotaque. Dulce era uma mulher de cabelos pretos, pretos mesmo, olhos escuros e lábios pequenos, mas bonitos... — Não vai me dizer o que quer?

— Er... ração. — Respondi. — Ração para gatos. Achei um e preciso de comida. E eu não acho a ração.

— É porque aqui a gente só vende a granel… — explicou Dulce, saindo de trás do balcão. — Ele é filhote ou adulto?

— Filhote. — Falei, a seguindo pelo estabelecimento.

— Sabe a raça?

— Era para saber? Peguei o Stitch tem... menos de meia hora. Acho que é vira lata...— respondi.

— Por que está tão desesperado? — ela deu uma risadinha.

— Porque eu nunca cuidei de um ser vivo antes. — disse eu. — Quero dizer... eu cuidei de um cacto antes... ou melhor: não cuidei de um cacto, já que ele morreu. Sabia que tem que regar o cacto com água?! Como eu ia saber que ele precisava de água?! Cactos dão no deserto e lá não chove o tempo todo. Então pensei que ele se mantinha sozinho.

Dulce soltou uma risada enquanto pegava um saco, eu dei risada nervosa.

— Está com medo de matar o gatinho se não der comida e água?

— Tem que dar água?

— Sim, o que você achou que era para dar?

— Hã... leite?

— Madre de Dios — disse ela em espanhol e eu não tinha a mínima ideia se ela havia me chamado de idiota. — Não dê leite a gatos, faz mal para eles.

— Ah, ótimo!  Então eu quase matei meu gatinho, que eu acabei de adotar... — disse e olhei para o nada, com medo de chegar em casa e ele estar duro, no chão, morto.

— Ele não vai morrer se beber leite um dia. É só não dar mais, faz mal pra barriguinha deles. — Dulce respondeu. Ela parou perto de um recipiente cheio de ração. — Quantos quilos você quer?

—Um — falei e ela assentiu.

Pegou uma espécie de pá e a encheu, colocando o conteúdo no saco e indo até a balança. Depois, voltou até o recipiente e pegou mais um pouco e retornou à balança. Dulce assentiu para si mesma e deu um nó no saco.

— Prontinho, senhor. Deu dez euros, contando com os potinhos. — Ela indicou com a mão o que eu carregava.

Dei para ela colocar em um saco e entreguei o dinheiro. Já ia sair quando Dulce falou:

— Hey. Por que não vem aqui amanhã ou depois para verificarmos o estado de saúde do seu gatinho? Você disse que o achou na rua e seria bom checar se está tudo ok... Aqui também tem veterinário.

— Você é a doutora?

— Sou a estagiária. — ela riu e eu sorri para ela. Dulce parecia ser uma pessoa doce (ba dum tss) e eu queria vê-la novamente.

— Tudo bem, eu venho. Qualquer coisa para que meu gato não morra. — brinquei e ela riu mais uma vez.

— Esperamos o senhor aqui então.

— Me chame de James. Eu não sou um velho, convenhamos. — pisquei e ela ficou vermelha.

— Hã... ok, James. — ela sorriu. — Até mais.

— Até, Dulce Ramírez.

Virei-me para a saída, com a sensação de que eu estava tendo uma queda pela veterinária.

 

Ao voltar para casa a minha reação imediata foi gritar. Bem alto. Um palavrão.  Não tinha muito o que se fazer.

A caixa de leite que eu tinha deixado em cima da bancada estava virada e derramou todo o conteúdo no chão. A porta do armário estava aberta e potes com quatro ingredientes para poções estavam quebrados no chão.  A cortininha que enfeitava a pequena janela da cozinha estava rasgada e tinha um cheiro muito forte de urina por ali. Se eu tivesse que adivinhar quem era o culpado de tudo aquilo, eu apontaria para o minúsculo gatinho que estava completamente sujo de nanquim, brigando com minha pena, ao lado do fogão.  E foi o que eu fiz.

—Stitch! — Chamei e o timbre alto da minha voz assustara o bichinho, que largou a pena e correu para se esconder atrás da geladeira. — O que foi que você fez aqui?

Eu tinha saído só por alguns minutos!

— Meow. — Foi o que ele disse.

— Mas é claro que foi você! Não tem mais ninguém aqui! Eu te tirei do frio, te alimentei e é assim que você retribui? — Perguntando ainda observando a bagunça apenas naquele cômodo. — Você fez cocô na pia? — Perguntei meio esganiçado ao notar aquilo.

— Meow. — Aquele demoniozinho de olhos azuis adorável saiu de trás da geladeira e veio pulando em minha direção. E eu juro por Merlin que aquela era a coisa mais fofa que eu já tinha visto em toda a minha vida. Uma parte do rosto dele estava toda suja de nanquim e ele esfregou a parte limpa no meu pé, fazendo-me querer apertá-lo pra sempre. — Meow.

— Ah... ah... Está tudo bem! Você não fez por mal certo? Digo... eu te dei leite e... eu te deixei sozinho aqui, num lugar desconhecido certo? Está tudo bem! Eu consigo limpar isso rapidinho. Mas me conta uma coisa... você por acaso comeu alguma das patas de acromântula que tinha naquele pote? — Em resposta a minha pergunta o bichano começou a engasgar e fazer uns barulhos estranhos, o que me fez arregalar os olhos e o pegar no colo o mais rápido que pude. — Ok, nós estamos indo para o veterinário.

 

— Essa foi rápida... — Dulce comentou quando eu ultrapassei a porta de entrada,  completamente afobado.

— Ele ta morrendo. — Avisei correndo até ela.

— Eu já te disse que o leite não...

— Ele comeu uma acr... uma tarântula. Aquelas aranhas grandes e peludas sabe? Olha só! — Coloquei o bichinho na bancada, que engasgou por mais um tempo e então vomitou uma bolinha absurdamente nojenta. Após isso ele miou e lambeu a patinha, sentando ali mesmo e se mostrando completamente em paz.

— Você realmente é um papai de primeira viagem né? — Ela perguntou fazendo carinho no gatinho, que começou a ronronar.

— Ele estava morrendo! Tava tudo uma bagunça e eu tenho patas de ac... tarântula guardadas em um pote e ele tinha quebrado esse pote...

— Por que você tem patas de tarântula em um pote? — Ela perguntou horrorizada e eu notei que não devia ter falado isso para uma estudante de veterinária.

— Hum... Biologia. Eu faço biologia. É para o meu TCC... Estudo... venenos.  E sou péssimo nessa matéria. — Ela semicerrou os olhos e eu sorri amarelo.

— Bem, por sorte foi apenas bola de pêlos. Nós temos um produto aqui que pode ajudar a evitar isso. — Ela comentou indicado o que quer que o Stitch tenha expelido. — E você quer aproveitar que já está aqui e o gatinho já está aqui e deixar o veterinário consultá-lo? Um cliente cancelou devido a nevasca então nós temos tempo ...

— Hã... claro! É... ok! — Sorri e ela sorriu de volta para mim, segurando o gatinho no colo e o levando para um lugar que eu não conseguia ver.

 

Fiquei o que eu considerei ser um tempo longo no pet shop, enquanto Stitch estava lá dentro com o veterinário e Dulce eu descobri que precisava comprar muito mais coisas do que apenas ração e potinhos.

Então eu cacei pela loja bolinhas de lã — tinha visto em Tom e Jerry que gatos adoravam bolas de lã —, ratinhos de borracha — iria enfeitiçá-lo depois para que andasse sozinho —, entre outras bugigangas. Peguei uma cesta e coloquei tudo o que eu queria para o meu filho. Andando de volta até o balcão eu vi algo muito interessante. Olhei em volta. Ok... aquilo era muito estranho. Olhei outra vez em volta. Aquilo não era um pet shop trouxa? Por que raios havia uma torneira que saía água sozinha?

Eu me abaixei para olhar melhor. Olhei atrás da torneira mágica e passei a mão. Dimitri havia me assegurado que aquele lugar era à prova de bruxos, que era uma vila de trouxas.

— Legal, né? — uma voz perguntou, me fazendo pular no lugar.

Virei-me e me deparei com Dulce sorrindo para mim. Aquele sorriso me desarmou. Seus cabelos compridos, lisos e brilhantes estavam presos numa trança de lado.

— Como isso funciona? — indaguei, eu é que não ia apontar a minha varinha antes de verificar se era mesmo um artefato bruxo.

— Bem, tem toda uma técnica para que ele funcione. — Explicou ela. — Tem uma bombinha de aquário aqui debaixo dessas pedras que faz a água subir por esse cano de plástico e dar a impressão de que sai pela torneira.

— E de onde vem a água?

— Bem, você tem que encher esse balde até a boca e ligar a bomba. — respondeu ela. — Aí, você vai precisar lembrar menos de trocar a água.

— Então me vê três. — falei e ela deu uma risada.

— Não será preciso. Vai levar?

— Sim, com certeza — respondi e ela assentiu, indo para o balcão, vendo a minha cesta cheia de coisas. — Vai levar isso também?

Eu assenti. Nessa hora, o homem que havia me atendido mais cedo apareceu com Stitch no colo. Mas não era o bebezinho mais lindo do mundo? Tão comportado no colo do veterinário! Ok, eu estava muito apaixonado por aquele gato.

Ele chamou Dulce e falou um monte de coisa para ela e, em um certo momento, ela deu uma risada. Eu queria saber do que ela tanto ria. Odiava não saber um idioma.

Dulce se virou para mim.

— James... eu tenho uma notícia para lhe dar.

— Ai, meu Mer... meu Deus — exclamei. — Tenho certeza que foi o veneno. Meu gato vai morrer, Dulce? O que eu posso fazer? Eu não quero perdê-lo… Eu sei que eu só conheço ele há umas três horas, mas a gente já tem uma conexão...

— Acalme-se, James — disse ela, rindo. — Stitch é fêmea.

— O quê?

— Ele é ela — repetiu Dulce.

— Ah... — isso não estava nos meus planos. — E o que eu faço agora?

— Escolhe um novo nome — respondeu ela. Eu assenti, pensando.

— Hum... Marie — disse eu, lembrando de um filme antigo da Disney, sobre uns gatinhos lindos.

— Ótimo nome — Dulce sorriu e pegou minha gata no colo, acariciando seu pelo e depois a estendendo para mim. — Olha, ela está bem. Só precisa ser vacinada e tomar remédio contra vermes. A gente faz esse serviço, mas cobramos a mais pela vacina.

— Eu vou querer que a vacine e que dê o remédio para ela. Eu sou péssimo nisso e vou acabar deixando-a fugir.

— Está bem. — Dulce pegou Stitch... quero dizer, Marie e levou para o veterinário. Falou algo em espanhol e depois voltou-se para mim. — Tudo vai dar duzentos euros.

O meu coração deu uma parada. Por Merlin, que facada. Mas eu não deixaria minha bebê sem estar em dia com a vacina e com o remédio contra vermes. Portanto, eu tirei da carteira duzentos euros e entreguei para Dulce.

Esperei mais uns vinte minutos e o homem voltou com Marie no colo. Ela estava quietinha e prestando atenção em tudo. Engraçado que eu pensava que gatos odiassem colo. Ele me entregou a gata e eu agradeci aos dois — sorrindo mais para Dulce —, indo embora logo em seguida.

 

(...)

 

Eu liguei a torneira na tomada e a água instantaneamente começou a "sair" pela torneira. Eu comemorei mais do que Marie. Que engenhoca incrível essa! Os trouxas realmente tinham sua criatividade. Marie foi beber a água e eu sentei-me em meu sofá. Pensando no que eu havia gastado, deveria economizar mais as minhas economias. E eu precisava urgente de um colega de quarto para dividir o aluguel. Não queria pedir dinheiro para Dimitri.

Liguei a televisão e fiquei ali, vendo filmes e especiais de Natal, até que Marie deitou-se ao meu lado e eu acabei adormecendo ao seu lado.

Acordei com um barulho na janela. Minha cabeça doía por não sair da mesma posição, por causa de Marie, que também havia dormido a noite toda comigo. Peguei-a no colo e fui até a janela, deixando a coruja entrar. Eu já sabia de quem era a carta.

Tirei a carta da pata da coruja e a abri, com uma mão só.

 

"Ah, meu filho! James, eu vou matar você quando voltar! Anos se passaram e você me manda feliz Natal agora?!

Feliz Natal, meu querido. Albus e Lily mandaram feliz Natal também" eu duvidava muito disso "e eu fico muito aliviada de saber que está bem. E, espero que, quando voltar, me explique o que raios você esteve fazendo durante esses anos!

Seu pai lhe mandou feliz Natal e que seja forte onde quer que esteja.

Espero que não demore para voltar.

Com amor,

Mamãe."

 

Eu sorri e eu senti meu peito apertar. Minha cara de pimenta, com certeza, iria puxar a minha orelha assim que eu passe pela porta.

— Vovó vai arrancar o meu pescoço quando eu voltar — falei para Marie. — Mas tenho certeza de que vai amar você! Talvez isso a impeça de me matar, você precisa de mim!

Eu sorri para ela, que apenas se esticou e pulou do meu colo de repente. Balancei a cabeça e fui até seu potinho de ração, colocando mais comida ali.

Olhando para a ração e Marie comendo, lembrei-me de Dulce. Eu queria conhecê-la melhor, mas eu não queria chamá-la para sair tendo a conhecido há um dia. Sentia que eu iria voltar mais vezes para vê-la. Eu tinha gostado dela.

Voltei para o sofá e eu mal tinha tocado o assento quando a minha campainha tocou. Eu fechei os olhos, mas levantei logo em seguida. E qual foi a minha surpresa ao abrir a porta? Ela não ia morrer nem tão cedo.

— ¡Hola! Usted me poderia ayudar... James! — Dulce estava toda molhada e ela era doida por estar do lado de fora daquele jeito.

— Dulce, você vai congelar! — disse eu, exasperado.

— Meu cano estourou — lamentou-se ela. — E eu não sei consertar aquela droga! Eu já fui em todos os apartamentos, mas não tem ninguém em casa. Menos o senhor Moralles, mas ele não consegue nem escutar o que eu digo. Nunca poderá me ajudar.

— Está bem, eu ajudo. Você tem alguma ferramenta?

— Tenho, sim — respondeu e eu assenti.

— Espera só um minuto — eu voltei para dentro e peguei minha varinha no quarto, voltando com uma toalha grossa nos braços. Sabe como é, tinha que manter as  aparências. — Tome, se seque. Onde é seu apartamento?

— É no primeiro andar — respondeu e saiu na frente. Eu a segui e descemos as escadas. Eu morava no terceiro e último andar, mas já estava acostumado a descer e subir as escadas e eu não sabia como eu não a tinha visto durante todo esses tempo morando aqui.

Assim que ela abriu a porta do seu apartamento eu vi a bagunça que estava. Tudo estava molhado e espalhado pelo lugar e eu me perguntava como os trouxas se viravam sem magia.

— Ok, Dulce, me dê as ferramentas. — Ela pegou uma caixa de ferramentas que estava em cima da pia. — Enquanto isso... acho melhor ir secando as coisas, seu cachorro de duas patas está lambendo barro.

— Ah, Señor Patitas! — exclamou ela em espanhol,  indo até o bichinho.

Tudo parecia estar quebrado. O cano jorrava água para todos os lados, inundando a cozinha e indo para a sala. Ela, ao que parecia, tentou consertar, mas acabou quebrando a pia, por isso o barro no chão. O cano eu podia dar um jeito, mas se eu tentasse usar Reparo com a pia ia dar muito na cara.

Abaixei-me e peguei qualquer coisa dentro da caixa de ferramentas. Olhei para Dulce, que estava enxugando e espantando seus bichinhos para longe. Aproveitando isso, tirei a varinha do cós do meu jeans e sussurrei:

Reparo — e o cano se remendou. Peguei uma cola e fingi colar o cano e bati com uma chave de fenda  (eu via muito Discovery Channel). Demorei mais alguns minutos e me levantei. — Pronto! Consertado.

Dulce espremeu o pano dentro de um balde e virou-se para mim, surpresa.

— Já?!

— Sim. Só precisava apertar umas coisinhas e usar um tubo de cola — balancei a cola e pisquei para ela.

Dulce foi até a pia, abaixou-se e verificou o cano.

— Mas nem parece que você usou cola! — ela parecia impressionada.

— Minhas incríveis habilidades para bricolagem — falei, sorrindo e estendendo a mão. Dulce aceitou a minha mão e eu a ajudei a se levantar e ficamos ali, parados, olhando um para o outro, ainda com as mãos dadas. — Então... er... quer almoçar comigo? Não vai conseguir cozinhar aqui nem tão cedo.

— Hã... tudo bem. Tá legal. — Ela sorriu, colocando o cabelo atrás da orelha.

— Mas eu só tenho lasanha congelada — pontuei e ela deu uma risada.

— Que bom que eu tenho sobras do meu jantar de ontem. Me ajuda a levar lá pra cima?

— Às suas ordens — sorri e ela balançou a cabeça, rindo.

 

(...)

 

Depois que tudo foi levado para o meu apartamento, esquentado e servido, nos sentamos à minha mesa de estudar. Ok, era a mesa de jantar, mas eu geralmente comia no sofá, já que aquela mesinha estava sempre cheia de papel.

Eu havia feito um suco de laranja para acompanhar aquelas tortilhas e a gazpacho, uma sopa à base de tomate e alguns pimentões. Como eu não sabia muito bem preparar comidas espanholas e estava sempre muito ocupado com os estudos e a monitoria, eu vivia de comida congelada ou comia nos restaurantes (quando dava) por ali por perto. Demorei bastante para notar que eu tinha me tornado aquilo que eu um dia jurei destruir: Viola quando eu a conheci.

— Eu nunca tinha experimentado algo assim — falei para ela, tomando um pouco da sopa. — Geralmente, eu como coisas... bem, inglesas. — Dulce deu uma risadinha.

— Eu preciso ter um cardápio fácil. Não tenho muito tempo para ficar cozinhando, e mesmo que a ideia de sobreviver de lasanha congelada seja tentadora meu corpo precisa de alguns nutrientes.

— E posso perguntar para o que você tem tempo?

— Não para muita coisa! — Ela riu. — Se  eu não estou trabalhando no pet shop, eu estou na faculdade. E, se eu não estou na faculdade, estou em ONGs que resgatam animais. Por isso eu tenho o Señor Patitas e a Piratinha. E se eu não estou nas ONGs eu estou em casa cuidando dos meus doentinhos.

— Piratinha? Doentinhos?

— É a minha gatinha. Ela não tem um olho... teve uma infecção e tiveram que operar. Mas não tinham dinheiro para isso, então eu custiei a cirurgia. E fiquei com ela pra mim — respondeu Dulce, com amor. Eu sorri. Estava adorando conversar com ela. — E doentinhos são os meus… filhos. Você sabe, quando você trabalha todos os dias resgatando animais maltratados você vê muitas coisas e algumas vezes é impossível não se apaixonar por alguns deles. Infelizmente todo mundo só quer adotar animais perfeitos e se eles tiverem algum “defeito” acabam ficando para trás e é de partir o coração ver esses animaizinhos adoráveis cheios de amor pra dar serem descartados  por uma infelicidade do destino. — Ela piscou e então riu. — Ah disculpame! Acho que empolguei e falei demais. — Eu ri com ela, a olhando encantado.

— Não se preocupe com isso, eu amei ouvir. E você pode concluir, sei que não terminou...

— Você deveria falar algo… — Ela instigou, mas logo viu que eu não daria o braço a torcer. — Bem, certo. Então eu acabei adotando alguns… sete. — ela riu. — E mesmo com as dificuldades e com o alto custo em medicação e as noites em claro, eles são a melhor parte do meu dia. — O sorriso dela era lindo e seus olhos brilhavam enquanto ela falava deles, eu realmente queria conhecer aquela garota melhor.

Mesmo que estivesse uma sirene vermelha em minha cabeça gritando para eu tomar cuidado e avisando que a gente não tava preparado para se jogar de cabeça em nada.

— Uau… — Foi tudo que eu consegui falar assim que desliguei a sirene. Dulce riu.

— Mas e você? O que é que você faz da vida?

— Pergunta interessante. Bem, eu faço a minha faculdade..

— Biologia, né? — Dulce perguntou e eu assenti, agradecido. Tinha esquecido dessa mentira e diria que era Química facilmente.

— Isso. Licenciatura. E dou aulas, faço monitoria na faculdade e dou aulas particulares também. Aos trancos e barrancos eu consigo comprar minhas lasanhas…  — Ela riu.

— Faz em qual faculdade? — Eu senti meu sangue gelar, mas felizmente um bater insistente na janela me livrou da resposta.

Devido ao frio que fazia a coruja parecia muito mais impaciente e me bicou três vezes assim que eu abri a janela, voando direto para próximo a lareira, de onde ficou me olhando ameaçadoramente até eu oferecer a ela miolos de pão. Apenas quando estava devidamente alimentada e aquecida ela me permitiu pegar o pergaminho amarrado em sua pata.

— Você tem uma coruja? — Dulce me perguntou, lembrando-me de  sua presença.

— Hã… não. — Disse colocando meu corpo em frente ao bicho. A bela espanhola me encarou por um tempo e então levantou, afastando-me para o lado e se aproximando da ave. — Eu não recomendaria fazer isso… — Disse, mas aquela ave ingrata se aprumou ao toque de Dulce e não a agrediu em nenhum momento.

— Ela é linda! E tão mansa…

— Eu não acho que tenha reparado nos buracos que ela fez na minha mão…

— Onde você a conseguiu?

— Não é minha é… de um amigo.

— Eu tenho uma cacatua… sempre amei corujas, criaturas incríveis, mas tão selvagens!

— Ah, isso porquê você nunca viu a coruja da minha irmã. Parece um ratinho amedrontado. Demoramos meses até conseguir fazê-la levar algumas cartas.

— Sua irmã tem uma coruja? Você usa ela para levar cartas? Tipo… pombo correio?

— Claro que não! Apenas correio…

— Quê?

— Quê?

— James, eu…

— Isso é um latido? Eu acho que é sim! Olha só a hora, deve ser o señor Patitas com saudades de você. Muito obrigado pela visita, envie notícias sobre o cano, passar bem! — Disse enquanto ia enxotando Dulce para fora. Uma vez que ela estava no corredor, forneci-lhe o meu melhor sorriso antes de fechar a porta na cara dela.

Eu realmente tinha gostado daquela garota, mas algo me dizia que eu tinha acabado de arruinar todas as minhas chances com ela. Maldita coruja. Resmunguei, voltando para a mesa e desenrolando o pergaminho de Dimitri.

“Hey cara, feliz natal. Então, eu fiz umas pesquisas e o tal do Juan é boa pinta. Era auror até uns meses atrás, teve uns problemas com a família rica. Sabe como é, uma versão Espanhola de mim. Se quiser dividir o apartamento a barra tá limpa, mas eu insisto em dizer que não tenho problema nenhum em pagar o aluguel, deixa de ser cabeça dura.

P.S.: Teresa pediu para informar que o frio na Romênia é infinitas vezes pior que na Inglaterra.

P.S.2: Ela acabou de fazer uma ameaça bem convincente a minha vida caso eu não largue essa pena e vá esquentá-la.

Se cuida”

 

Ah, eu estava mais aliviado. E eu poderia ligar para Juan e informar que ele poderia se mudar para minha casa. Por um lado, seria maravilhoso. Por outro... bem, deveríamos aguardar as cenas dos próximos capítulos.

Suspirei e mandei uma resposta, brincando com Teresa ao dizer que era para ela se enrolar em camadas de casacos. Ela iria querer me matar, mas eu já não estava mais ligando.

Olhei para os pratos em cima da mesa e algo estalou na minha cabeça. Dulce! Merda, eu tinha que dar um jeito naquilo. Balancei a cabeça e acenei com a varinha, fazendo com que as louças fossem lavadas sozinhas. Bem, pelo menos as coisas dela haviam ficado na minha casa. Seria uma boa desculpa para ir falar com ela e tentar ganhar o seu perdão. Afinal, o que eu fiz fora muito rude.

 

(...)

 

— Hey, Dulce — eu falei quando ela abriu a porta no dia seguinte. Sua expressão não era uma das boas.

— Eu vim aqui lhe devolver suas coisas. — estendi suas panelas lavadas. Dulce as pegou da minha mão, agradeceu e fechou a porta na minha cara.

Fiquei ali parado, pensando no que eu ia fazer. Depois eu subi as escadas, peguei Marie no colo — fingi que ela não havia fugido de mim e ainda por cima reclamado quando eu a peguei nos braços — e desci as escadas. Toquei a campainha três vezes até Dulce atender, mas finalmente ela o fez e, assim que ela surgiu, coloquei Marie na frente do meu rosto.

— Oi, Dulce. — Falei com voz fininha. — Eu vim aqui porque eu acho que você não queria ver meu pai.

— Você está certa, Marie. — Ela cruzou os braços.

— Mas eu acho que a mim você pode escutar — continuei com a voz fina. — Ele quer pedir desculpas por ter sido tão rude com você. Ele não sabe se virar quando está nervoso e, bem, ele fica nervoso quando está perto de você.

— Ah, ele fica?

— Fica sim. Aquele dia eu estava bem, ele só inventou uma desculpa para ir te ver no petshop. E ele fica nervoso quanto às corujas porque é uma coisa da cidade natal dele que ele não consegue explicar pra outras pessoas. — Marie miou e se remexeu nos meus braços, tentando sair. Eu até que tentei a segurar, mas aquela pilantrinha me unhou e pulou para fora, subindo as escadas na primeira oportunidade. — Oh! Dulce! — Saudei, voltando pra minha voz normal. — Ela não é uma peça? Digo, a Marie… aquela danadinha… — ri, fingindo certo nervosismo. — Eu sinto muito por isso, ela ficou chateada comigo ontem quando eu, bem, fiz o que fiz e disse que viria resolver as coisas porque gosta muito de você.

— Ah… Marie gosta?

— Pois é, alguma coisa sobre você ser a melhor veterinária do mundo. Mas, hum, sabe, ela tem razão, eu sinto muito mesmo e eu acho que ela gostaria que eu te chamasse para jantar.

— Bem, avise pra Marie então que eu não sei se isso é uma boa ideia.

— Ela insiste! E promete que eu vou me redimir. Então, o que acha de sexta às 18h? — Perguntei, lançando meu mais charmoso sorriso.

— Isso não vai acontecer. — Dulce decretou e deu um passo para trás, preparando-se para fechar a porta. — Sábado às 20h, não se atrase. — Declarou e então me deixou no corredor, sorrindo de orelha a orelha por ter conseguindo um encontro com ela.

Ainda sorrindo,  virei-me, triunfante, para subir até meu apartamento.

(...)

 

No dia do encontro escrevi uma carta para Juan dizendo que ele estava aprovado e que ele poderia vir para o apartamento no dia 1 de janeiro. Peguei a coruja que eu alugara naquela manhã e coloquei a carta presa em sua patinha. Fiz um carinho nela e a liberei para a noite gelada da Espanha.

Eu estava nervoso. Sim, eu estava. Fazia muito tempo que eu não tinha um encontro de verdade depois de Giulietta, na verdade, desde antes dela, considerando que os encontros com Giulietta não poderiam ser considerados “de verdade”, já que eram às escondidas. Mas ainda assim ela tinha me marcado, apesar do abandono. Eu não pensava em mais ninguém e também acreditava que eu não conseguiria ver outra mulher com os mesmos olhos que eu tinha para a italiana que enganou meu coração. Até aquele momento.

Dulce não me parecia uma  mulher complicada. Ela era meiga, divertida, inteligente e amava animais. Tudo bem que eu não pensava muito em bichinhos de estimação quando era criança, mas agora... eu queria ter um gato macho para Marie ter filhotinhos. E por algum motivo eu queria passar meu tempo falando sobre bebedouros de gatinhos e leishmaniose com Dulce. E eu estava empolgado, talvez dessa vez iria dar certo, dessa vez eu conseguiria manter um relacionamento sem ser espancado, abandonado ou manipulado.

Aprontei-me e fiquei ainda mais bonito que já sou naturalmente. Meus cabelos estavam apontando para todos os lados, mas de um jeito charmoso, que conquistaria na hora o coração de Dulce Ramirez e eu usava um terno informal, sem gravata. Olhei o relógio e vi que faltavam dez minutos para às oito da noite. Ajeitei minha blusa em frente ao espelho, coloquei comida o suficiente para Marie, enchi o balde de água e saí de casa, descendo para o apartamento de Dulce.

Assim que o relógio marcou 20h eu toquei sua campainha. E, de lá, surgiu uma deusa. De verdade, aquela mulher estava deslumbrante e sua beleza era tanta que seríamos o casal perfeito. Ambos lindos de morrer. Dulce usava um vestido de mangas compridas, sem estar muito colado ao corpo, meias-calça grossas e levava um casaco grosso pendurado no braço. Seus cabelos estavam soltos e ondulados, sua maquiagem era leve. Da sombra nos olhos aos sapatos, Dulce estava completamente de branco.

— Você está... maravilhosamente linda — comentei, embasbacado. — Um pouco Feiticeira Branca, porém ainda linda.

— É, você não está tão ruim — disse ela, sorrindo de orelha a orelha. Eu estreitei os olhos.

— Ora, ora... temos uma piadista entre nós. — Eu dei um sorriso malicioso.

— Minha segunda opção de carreira era ser humorista. — Ela deu de ombros. — Quanto à feiticeira branca: é uma tradição no Brasil que eu adquiri para mim.

— Brasil? Você já esteve lá? Droga eu sempre quis ir para lá…

— Sim, eu fiz intercâmbio no começo da faculdade. Lá é lindo e quente e na noite de Ano Novo a maioria das pessoas se vestem de branco para trazer paz. Cada cor significa uma coisa, azul é serenidade, rosa é romance e branco é uma espécie de mistura de todas as cores. É uma tradição divertida e simples.

— Meu Deus… já é ano novo! —  exclamei, pois tinha perdido totalmente a noção do tempo

— Pois é, por isso não podemos perder tempo aqui se queremos conseguir chegar em Barcelona ainda esse ano, vamos?

— Onde nós vamos? — indaguei e ela saiu do seu apartamento, espantando Piratinha para dentro.

— Você me convidou para um encontro e não planejou onde vamos? — disse ela, ao terminar de trancar a porta de casa, virando-se para mim e arqueando uma sobrancelha. — Eu suspeitei disso, então tenho ideias de alguns lugares. Mas vamos logo, o último trem para Barcelona saí às 20:40.

— Certo, milady — respondi, estendendo meu braço, que Dulce aceitou de imediato.

— É mi señorita para você, Inglês. — Brincou e eu concordei, a conduzindo para fora do prédio.

 

(...)

 

Da porta para fora Dulce quem me conduzira em direção a estação ferroviária. Nós pegamos um trem para Barcelona e Dulce parecia empolgada. A morena contava que a noite de ano novo era uma de suas festividades favoritas, pois sempre trazia consigo renovação e novas possibilidades.

— E permita-me fazer uma pergunta. — Inclinei-me em direção a Dulce. Estávamos sentados lado a lado, porém a espanhola tinha se virado no banco de forma que ficasse de frente para mim. — Quando você disse que pela tradição do Brasil você se veste toda de branco, é absolutamente toda de branco? — Perguntei com tom insinuante e recebi um tapa moderado no rosto.

— Mas que audácia! — Dulce concluiu e eu ergui os ombros.

— Não me custava tentar.

— Bem, boa sorte tentando descobrir. Mas afirmo com convicção que suas chances de o fazê-lo diminuíram consideravelmente.

— Por quê?  — Perguntei como uma criança mimada a quem era negado um pirulito.

— Porque eu sou uma dama! — Os olhos de Dulce denunciavam que existia uma brincadeira por trás daquilo. — E eu exijo ser tratada como tal. — Decretou, ajeitando sua postura em seu banco.

— Ora… como quiser mila… mi señorita.

 

A viagem de Gimora até Barcelona demorou cerca de trinta minutos, que foram muito bem aproveitados com uma boa conversa. Descobri que a mãe de Dulce era uma religiosa ortodoxa e a havia colocado para fora de casa quando a menina terminara com seu primeiro namorado, com quem a mãe afirmava que Dulce deveria ter casado. Seu pai por sua vez se correspondia com ela e enviava uma quantia fixa de dinheiro para a ajudar com as contas. Eu disse que entendia os problemas familiares apesar de estar longe daquilo e Dulce riu.

Barcelona no ano novo era… Alguma vez vocês já fizeram alguma experiência com formigueiros? Quando eu tinha sete anos eu deixei um bolinho de abóbora do lado de um formigueiro que tinha nos arredores d’a Toca. Meu objetivo era descobrir quantas formigas viviam por lá. Após algumas horas eu descobri que não era capaz de contar. Tinham centenas de formigas subindo umas em cima das outras e se aglomerando no bolinho, ao redor e na trilha do formigueiro até ele. Foi uma cena que me deu nos nervos e me fez manifestar magia pela primeira vez: ateando fogo no bolinho e em todas as formigas que estavam lá. Bem, Barcelona no ano novo era exatamente como um formigueiro inteiro tentando pegar um pouco de glacê do bolo de abóbora da minha avó.

Assim sendo, e considerando que não havíamos feito nenhuma reserva, a maior parte da noite foi uma procura incansável atrás de um restaurante. Não dava nem para andar no meio da rua de tão lotada de pessoas que estava, quem dirá ter restaurante com mesas disponíveis

Às 23:30 da noite e depois depois de cinco restaurantes cheios, chegando a conclusão de que não haveria nenhum lugar chique ou normal para irmos comer, desistimos. Ficamos parados numa rua movimentada e foi aí que eu vi. Virei-me para Dulce e disse:

— Olha... Eu acho que qualquer encontro é válido. Quer comer um cachorro quente comigo? — Dulce me olhou e eu fiz a minha melhor cara de cachorro pidão.

— Eu digo para ele me tratar como uma dama e ele resolve me levar para comer cachorro quente. — Ela ficou me olhando por algum tempo e depois riu, balançando a cabeça. — Eu nunca saí com alguém igual a você, James — ela pegou a minha mão.

— Isso é bom ou ruim?

— Um dia lhe direi — respondeu ela e fomos até o senhor que vendia os cachorros quente.



— Eu nunca comi um cachorro quente tão caprichado — comentei, depois de comer.

— Nem eu. Estava uma delícia! — Ela disse rindo e lambendo os dedos sujos de molho. — Eu pediria outro se o moço do carrinho não tivesse sido engolido pela multidão. — E foi a vez dela me olhar com cara de cachorrinho pidão. Logo em seguida Dulce riu, jogando os cabelos para trás. Meu Deus, ela era linda.

Antes que eu pudesse respondê-la um coral de milhares de vozes começou a entoar uma… música.

— Diez… nueve…

— Dios mío! Las uvas!

— Quê? — Perguntei com toda a sinceridade do meu ser enquanto Dulce revirava sua bolsa.

— Cinco… cuatro…

— As uvas! — Disse em inglês,  lançando um pacotinho de uvas para mim. — Faça como eu. — Mandou assim que o primeiro ribombar do relógio anunciou meia-noite, enfiando uma uva na boca e a engolindo antes que a segunda batida ecoasse

Apressei-me a imitá-la, mas até conseguir abrir o pacotinho eu já tinha perdido cinco batidas. Dulce parecia querer me ajudar mas qualquer movimento fora do seu ritmo a faria perder as batidas e então eu enfiei sete uvas de uma só vez na sétima badalada, o que pode não ter sido uma boa ideia porque Dulce engasgou e começou a rir, deixando as uvas restantes caírem no chão.

— Droga, James! — Ela disse ao se recuperar. — Agora eu não vou ter mais sorte!

— Discordo. — Disse sob a voz de milhares de pessoas que começavam a gritar felicitações de ano novo e do barulho de fogos começando a explodir. — Eu trago a sorte.

— Ah é?  E como você pretende fazer isso?

— Bem... señorita Dulce Ramírez, você me permite ser seu primeiro beijo de 2028? — Pedi e Dulce riu, antes de me puxar pela nuca e me beijar.

E agora eu gostaria que você usasse sua imaginação para visualizar dois jovens muito bem apessoados na Font Màgica de Montjuïc, o céu estrelado sendo invadido pelos mais belos fogos de artifício enquanto a fonte reproduzia o espetáculo das águas dançantes. Esses dois jovens estão se beijando em frente a essa paisagem. É quase um pedido de casamento no castelo da Cinderela no Disneyworld.

— Feliz ano nuevo James.

— Feliz ano novo Dulce.

Rimos antes de voltamos a nos beijar. E ela tinha um delicioso gosto de uva e ketchup.



Lá pras uma da manhã a rua estava consideravelmente mais vazia e depois de um bom tempo de caminhada conseguimos achar uma lanchonete que não estava lotada e fizemos uma refeição mais digna.  Dulce era linda em qualquer luz e parecia irradiar um brilho próprio, sorrindo e misturando inglês e espanhol de uma maneira adorável. Conversamos sobre diversas coisas e eu fiz o possível para desviar de assuntos que me fariam mentir para ela. Por algum motivo eu não queria dizer mentiras àquela garota. Rimos e nos beijamos. Dulce fez um placar de pontos ao qual eu tinha que alcançar 50 para conseguir descobrir se todo seu traje era branco. No momento eu tinha -3.

— Okay, eu vou simplesmente desistir.

— +5. — Ela brincou,  bocejando em seguida.

— Ok, acho que está na hora de irmos atrás do nosso trem.

— Não!  — Ela protestou rapidamente. — As tradições de ano novo não acabaram ainda. Quantas horas?

— 02:19

— Okay, vamos! — Ela colocou algumas notas em cima da mesa e começou a correr em direção a noite fria de Barcelona, fazendo-me correr atrás dela.

Após aproximadamente doze quarteirões e eu descobrir que tinha asma, a morena freou os pés à orla de uma praia.

— Me ajuda a pegar uns gravetos. — Ela pediu, começando a se abaixar na areia e juntar alguns pedacinhos de madeira.

— E isso é para..?

— Você vai ver! Pegue o máximo que conseguir. — Se ela soubesse que eu tenho um graveto nas calças que faz mágica... O quê? Não é nada disso que estão pensando! Eu tô falando da minha varinha. Vocês já foram mais inocentes!

Enfim, depois de algum tempo catando gravetos no chão o suficiente para fazer um monte de madeira na areia, Dulce quietou.

— Certo, as regras são simples. Você tem que tirar seus sapatos.

— E morrer de gangrena?

—Têm que ser rápido certo? São quase meia-noite no Brasil. Assim que der 3:00 aqui nós vamos correr para o mar e pular sete ondas.

— Tá fazendo uns 2 graus.

— Eu tenho toalhas na minha bolsa, você enxuga o que molhar, calça os sapatos e aí acendemos a fogueira.

— Não existem falhas no seu plano. Tirando o fato de que podemos morrer e deixar diversos bichinhos órfãos.

— Um minuto. — Ela anunciou e tirou seus sapatos, puxando a meia-calça  e a largando na areia.

— Okay, eu posso estar vendo vantagens nisso.

— Menos dez pontos.

— Droga. — Resmunguei por todos os motivos possíveis enquanto me livrava dos sapatos e meias.

— Dios está frio!

— Como eu disse...

— Dez... nove...

— Nós vamos morrer.

— Você não traz sorte James? — Desafiou e eu não soube reagir. — Três... Dois... Um.

Dulce disparou em direção ao mar e eu a acompanhei, a risada da morena ecoou em meus ouvidos enquanto ela gritava pelo choque da água fria e pulava a primeira das ondas.

— Você é louca. — Gritei para ela, porém indo e imitando cada um de seus movimentos.

— Alguma coisa contra?

— Absolutamente não!

Seis... sete.

Os lábios de Dulce estavam roxos devido ao frio e ela pulou em direção a areia fofa e nossos pertences.

— Você vai morrer congelado! — Gritou por cima do ombro, enquanto eu tentava a alcançar. Ela ainda se secava quando eu me abaixei perto do montante de gravetos e pesquei minha varinha, discretamente, acendendo o fogo.

— Ora temos um senhor do fogo aqui.  — Dulce zombou enquanto se remexia para vestir a meia-calça.

— Eu gosto de chamar de isqueiro. — Brinquei, cuidando de secar meus pés e vestir minhas meias antes que eles caíssem.

— Chame do que quiser. — Ela riu e se aproximou da fogueira.  Após apenas um instante eu me juntei a ela e a abracei.

— E agora?

— Agora nós esperamos o pôr do Sol e, aí,  vamos atrás do nosso trem.

 

(...)

 

Por quase toda a noite e uma parte da manhã, nó conversamos. Conversamos sobre nós, sobre tudo e eu adorei cada segundo. E, mais uma vez, James Sirius sentia aquela coisa dentro do peito. Ok, chega de de falar de mim em terceira pessoa.

Depois que eu a deixei em casa, subi para minha e nem tirei a roupa, deitei na minha cama e dormi.

Acordei com batidas na porta. Eu abri os olhos e suspirei, querendo não atender quem quer que fosse que ousara me acordar. Entretanto, poderia ser Dulce querendo os meus incríveis beijos mais uma vez. Então, com os cabelos apontando para todos os lados, — esse era meu charme, todos sabem disso — eu levantei e atendi a porta.

Só para constar, não era Dulce. Era Juan. E eu tinha me esquecido totalmente. Ele me olhou e pareceu um pouco constrangido.

— Er... Me desculpe se eu te acordei. — Pediu ele e eu assenti, passando a mão no rosto e balançando a cabeça.

— Sem problema, cara — respondi e dei espaço para que ele entrasse.

Juan carregava duas malas nas mão e outras duas voam atrás dele. Ele entrou e as malas também. Eu botei a cara pra fora e graças a Deus ninguém havia visto aquilo. Fechei a porta e me virei para ele.

— Então, Juan. O seu quarto fica depois do banheiro. É o de frente ao meu — falei, indo até o corredor e parando em frente ao quarto que ele ficaria. Abri a porta. — Tem uma cama que deixaram aí, mas se quiser, pode trazer a sua. Ah, e também tem um armário, para você colocar suas roupas.

— Tá bom essa — disse, entrando um pouco sem jeito. Percebi que ele era meio tímido. Também, ele poderia achar que eu era um louco da machadinha e que iria matá-lo durante o sono.

Eu fiquei parado na porta, observando-o colocar as malas no chão e olhar o quarto.

— Quero que se sinta em casa aqui. Logo vai perceber que eu sou um colega de quarto muito legal — eu sorri.

Juan virou-se e assentiu.

— Gracias.

— Mi casa su casa — falei, tentando falar em espanhol. — Acertei?

— Sim — ele riu.

— Bem, vou deixar você se acomodar. O jantar é pizza. — Eu ia sair, mas voltei, lembrando-me de algo muito importante. — Hum... Juan, só tome cuidado ao fazer magia por aqui. É um bairro trouxa e, bem, você sabe que não podemos fazer magia perto deles.

— Sem problemas.

Eu assenti e o deixei desfazer as malas.

 

(...)

 

Depois de um mês convivendo com Juan, percebia que ele não era uma pessoa tão quieta assim. Apesar de sua família ser... rígida, parecia que agora ele estava livre. E, convenhamos, eu sou um cara super legal e engraçado. É tão fácil as pessoas ficarem à vontade comigo e eu sou tão simpático que logo eles querem ser meus amigos.

Naquela noite, eu comprei pizza e Juan, que não sabia que eu não bebia,  comprou duas garrafas de vinho tinto para nós, e ficamos conversando sobre várias coisas e contando nossos perrengues na escola.

— Sério?! — ele colocou as mãos na barriga.

— Essa é uma das histórias que eu vou contar para os meus bisnetos — eu ria junto com ele. — Ela me envenenou, cara! Piradinha — fiz sinal de doida com o polegar.

Ele era um cara legal. E era bom falar com alguém que eu não precisasse inventar que estudava numa escola de trouxas. Quero dizer, ainda não estava na hora de dizer a Dulce o que eu era de verdade e explicar que o mundo das pessoas sem poderes se misturava com o dos bruxos.

— Eu devo dizer que eu sou o cara mais desastrado que você irá conhecer — disse Juan, bebendo e depois comendo um pedaço de pizza. — Eu peguei varíola de dragão e não podia ir pra escola... Isso porque eu queria saber como era ficar doente. Nunca mais eu quis pegar nem gripe.

Àquela altura eu estava bem alegre, portanto, eu soltei uma gargalhada bem alta. Se Viola me visse talvez não fosse ficar tão contente. Mas, em minha defesa, eu estava... Bem. Eu estava leve. Sem aquela carga emocional pesada e tudo o que eu vinha sofrendo desde a morte de Saphira. Eu estava bêbado, sim, mas não era para esquecer ou para aliviar a raiva ou a tristeza. Eu estava bêbado por estar com um amigo, que também estava bem leve.

— Aqui — ele tomou outro gole de vinho,— e você e aquela sua vizinha? — ele fez uma cara de que sabia que eu era safadinho. Eu ri.

— Então, já tem um tempinho que a gente está junto, sabe? Antes mesmo de você se mudar eu já a conhecia e nós já saímos juntos algumas vezes. Mas não estamos namorado e tal. — Fiz uma pausa e sussurrei, inclinando meu corpo para frente. — Nem avançamos para a segunda base. — Voltei a minha postura normal, bebendo mais um pouco do vinho. — Acho que ela ainda é virgem.

— Isso é um problema?

— De jeito nenhum. Eu sou um homem muito paciente, sabe? Gosto quando ambos estamos curtindo. Gosto de dar prazer, entende? Então eu espero o tempo que for necessário. — Respondi, meio tonto.

— Cara, esse vinho é muito bom — Juan riu, meio que sozinho e eu o acompanhei. Nós já estávamos bem alterados e eu nem me incomodava. — Você já viu um explosivim explodindo?

— Não... Mas segundo a minha mãe, eu tinha alguns nas minhas calças quando eu era pequeno — era tão idiota que nós dois voltamos a rir. Peguei mais uma fatia da pizza, quando a campainha tocou, o que fez Juan gargalhar e rolar para o chão,  eu ri dele, aí a campainha tocou de novo.

Eu levantei com um pedaço de pizza numa mão e com o copo de vinho na outra — Juan tinha quebrado as taças no segundo dia aqui em casa. Quando abri, vi Dulce parada, com uma calça legging preta e um top verde. Sua barriga aparecia e, nossa, ela era sexy. Seus cabelos estavam presos num rabo de cavalo e ela trazia uma expressão de confusão no rosto.

— Ouvi sua risada — comentou. — Oba, pizza! — e pegou o meu pedaço, dando uma mordida. — Quem está aí?

— Isso é ciúme? — eu quis saber com a voz meio arrastada e ela entrou sem eu convidar. Dulce não respondeu minha pergunta. — Esse é o Juan, meu colega de quarto. Juan, essa é Dulce, minha namorada.

Dulce parou e me olhou, nem dando chance de Juan falar alguma coisa.

— Sou sua namorada? — ela ergueu uma das sobrancelhas.

— Achei que depois daqueles beijos e as minhas idas ao veterinário estava claro — falei, rindo igual a um idiota. Dulce botou uma das mãos na cintura enquanto a outra ainda segurava a fatia de pizza.

— Então pede. — Mandou ela. — Me pede em namoro.

Agora tinha sido a minha vez de erguer as sobrancelhas.

— Dulce, você quer ser a minha namorada? — eu nem precisei pensar, mesmo estando bem bêbado. Eu gostava dela e eu sabia que aquele sentimento que eu tanto temia estava começando a mostrar as garras.

Eu estava certo de Dulce, como eu não estive com Giulietta, por exemplo. Dulce não tinha problemas com famílias de mafiosos; Dulce não tinha poderes que a tornava complicada; Dulce não iria embora. E, se ela quisesse, quando eu terminasse aqui, eu poderia levá-la comigo. Dizer a verdade. Eu queria isso. Eu queria ficar com ela.

Dulce deu um sorriso brilhante depois de fingir que estava pensando sobre o assunto. Olhei para Juan, que parecia se divertir com essa tensão que Dulce criara.

— Não. — Disse ela, me dando um beijo com gosto de mussarela. — Prazer te conhecer, Juan. — E estendeu a mão. Juan apertou sua mão estendida.

— O prazer é meu. Bem, eu acho que vou dar privacidade a vocês. Ainda tenho que terminar de arrumar as minhas coisas — Juan se levantou, limpando as mãos no papel toalha. Mas encheu seu copo de vinho primeiro.

— Pode ficar — disse Dulce.

— Não. Amanhã a gente tem aula — respondeu Juan. — Tenho que fazer minhas coisas irem pro lugar. Foi um prazer conhecê-la — ele sorriu e sumiu para o seu novo quarto, decidindo no meio do caminho que ele queria a garrafa de vinho toda.

— Por que não aceitou namorar comigo? — perguntei, um pouco choroso. O que o álcool não fazia nas veias de uma pessoa...

— James, eu não aceitaria um pedido importante com a pessoa bêbada. Não tem credibilidade. — Ela respondeu, sentando-se no sofá, comendo um pedaço da pizza. — Faça do jeito certo: sóbrio. — Dulce deu um sorriso. — Senta aqui, gostosão.

Eu sorri para Dulce e senti-me ao seu lado. Ela largou a pizza na caixa, limpou as mãos e chegou mais perto de mim. Eu nem preciso dizer que eu estava muito animado, não é?

Dulce passou as mãos em meu peito e eu olhei para onde elas estavam. Ela continuou a carícia, sem olhar para mim. Eu já estava um pouco ofegante e o efeito do álcool já estava esquecido. Dulce levantou o olhar. Era meio inocente, meio sexy e aquilo me deixou louco.

— O que você está fazendo, Dulce? — engoli em seco, quando ela se ajeitou para que seus seios encostas sem meu braço.

— Nada — ela respondeu, sorrindo, ao beijar o meu pescoço. Senti-me arrepiar. Dulce passou a mão pelo meu pescoço e levou seus lábios aos meus. Não era o beijo que eu estava esperando, aquele que era leve, que ia pegando fogo aos poucos e quando eu ia colocar minhas mãos em seus seios, ela parava.

Não... Era aquele tipo de beijo que já estava com a intenção de ser sexy e selvagem, que já começava pegando fogo. Como se ela quisesse que eu avançasse para a segunda base.

— Dulce — falei entre o beijo. Ela me olhou, já passando para o meu colo. — Você tem certeza?

— Toda — respondeu Dulce, voltando a me beijar.

Ela não devia ter dito isso.

Sorri e a peguei no colo, segurando suas pernas uma de cada lado, sentindo que ela estava se aproximando mais para a minha ereção. Merlin!, como eu queria transar com ela. Ela roçava em mim enquanto eu a levava para o meu quarto.

Fechei a porta e, silenciosamente, enfeitiçei o quarto com o Abaffiato.

Dulce me esperava, já soltando os cabelos grandes e negros. Ela ia me matar do coração a qualquer minuto. Fui até ela, pegando-a pela cintura, beijando sua boca novamente. Eu a queria e ela parecia me querer também. Eu a encostei na parede e passei a mão pelo seu corpo incrivelmente belo. Cheguei na barra da sua legging e esperei que ela me barrasse, mas Dulce deixou. Eu, lentamente, a tirei. Depois, eu tirei o seu top e, obrigado Merlin, ela estava sem sutiã nenhum. Eu sorri para ela.

Dulce, então, tirou a minha blusa e depois a minha bermuda. Eu estava sem cueca já. Dulce sorriu ao meu ver nu. E, então, voltamos a nos beijar, com uma intensidade que nunca antes havíamos alcançado. Ainda com os meus lábios nos dela a levei até a minha cama e me livrei da única peça de roupa que restava nela. Fui beijando seus pés, suas panturrilhas, suas coxas até chegar onde eu queria. Então eu a chupei. E, nossa, como era bom! Senti Dulce se contorcer e sorri, continuando a carícia. Ela gemia e segurava os meus cabelos e eu adorava cada segundo daquilo.

Sentindo necessidade de me beijar, Dulce puxou minha cabeça. Meus lábios encontraram os dela e continuamos nossas carícias. Estiquei a mão até a mesinha que ficava ao lado da minha cama e peguei a camisinha que tinha dentro da gaveta. Depois que eu a  coloquei, devagar, me encaixei nela. E devo confessar... Havia muito tempo que eu não sentia aquela sensação maravilhosa de me sentir dentro de uma mulher.

Dulce ofegou e eu comecei a me movimentar e a sentir mais dela. Tão molhada e quente... Fomos daquele jeito, com ela gemendo ao meu ouvido, até que, quando ela gozou, eu finalmente pude gozar também.

Espasmos de prazer percorreram nossos corpos, mas apesar de eu estar satisfeito decidi que Dulce merecia mais. Minha mão foi de encontro à sua intimidade enquanto minha boca ficava mais do que satisfeita em brincar com os seios daquela bela espanhola. Dulce se remexia embaixo de mim e gritava frases desconexas em meio aos gemidos.

Quando ela alcançou o terceiro orgasmo na noite, senti que meu trabalho estava feito e eu pude deitar-me ao lado dela. Olhei para o lado e a vi de olhos fechados, sorrindo. E, para a minha surpresa, Dulce não era virgem.

 

(...)

 

Um barulho do lado de fora do quarto me acordou. Dulce não estava mais ali quando eu passei a mão no travesseiro ao lado. Ouvi as vozes de novo e me levantei — havia retirado o feitiço quando Dulce pegara no sono vestindo minha bermuda. Quando cheguei até a sala vi Dulce achando graça de alguma coisa.

— O que houve, gente? — esfreguei os olhos.

— Seu amigo tem um costume muito engraçado de falar sozinho na lareira — ela falou como se aquilo fosse a coisa mais bizarra do mundo. E, para o mundo dela, era mesmo.

Juan me olhou, pedindo socorro.

— Ué, Dulce — eu ri. — Cada um com a sua mania.

— Mas eu podia jurar que ele fala com um tal de Har...

— Harold! — Juan gritou, parecendo ansioso com alguma coisa. — É um velho amigo, às vezes ele liga para matarmos a saudade e ...

— É uma lareira. — Dulce fez questão de pontuar como se Juan precisasse de uma passagem só de ida para ala psiquiátrica do hospital mais próximo.

— Juan... amigo, você ainda não desistiu daquela pesquisa de narcóticos?

— Narcoquem? — Juan perguntou e eu respirei fundo, pegando Dulce pela cintura e fuzilando meu colega de quarto com o olhar.

— Juan faz química comigo, a pesquisa final dele é sobre narcóticos e ele começou a mexer com drogas mais pesadas agora, acho que só o cheiro não faz muito bem para ele. Se essas crianças soubessem o mal que isso faz...

— Química?  Eu achei que você fazia biologia... — Dulce ergueu uma sobrancelha alto demais para eu crer que sairia bem dessa.

— Bioquímica — Juan interveio. — Você sabe, é o ship da biologia com a química.

— Ship?

— Um relacionamento abusivo se quer saber, eles combinam, mas são tóxicos para seus estudantes.

— Você devia impedir ele de continuar com essa pesquisa. — Dulce sussurrou no meu ouvido e eu não pude deixar de rir.

— Acredito que as sequelas não serão permanentes. Mas por que que você não volta pra cama comigo, hein?

— Porque eu estou com fome, por isso. — Ela disse risonha.

— Muito bem, irei mostrar minhas habilidades culinárias para você então.

— Apenas não deixe ele pedir pizza.  — Juan pediu choroso, entendi como uma crítica.

— Vai ser lasanha então.  — Pontuei e ouvi meu novo amigo pronunciar uma onomatopeia de dor.

 

(...)

 

Os dias que se seguiram, depois daquele desastre de Juan ao falar com alguém pela rede Flu foram ótimos. Eu havia conseguido dar aula para crianças e adolescentes que tinham dificuldade com poções e ganhava bastante galeão por hora.

As aulas na faculdade estavam num ritmo que não me sufocava. Ainda. E eu tinha decidido dar um tempo da poção.  Às vezes a minha obsessão com ela era quem estava me impedindo de alcançar a perfeição.

Dulce me ajudava com Marie e, a cada vez que eu me encontrava com ela, aquele pequeno ser dentro de mim acordava. Eu estava ficando apaixonado... Outra vez. E tudo o que eu queria era que ele aceitasse namorar comigo, dessa vez falando sério.

Naquele dia eu estava colocando comida para Marie quando Juan encostou-se no batente da porta da cozinha, cruzando os braços e franzindo a testa.

— O que foi, Juanzito? — indaguei e ele riu do apelido.

— Sabe que dia é hoje?

— Quarta-feira? — chutei, meio indeciso e Juan revirou os olhos.

— Catorze de fevereiro — respondeu, como se aquilo fosse óbvio e eu fiquei com a famosa cara de pastel. Ele revirou os olhos. — Eu vi que você gosta da Dulce. Não acha que hoje é um dia especial?

E foi aí que eu me toquei: dia dos namorados. Quando foi a última vez que eu comemorei o dia dos namorados? Quando eu namorei Teresa? Eu realmente não lembrava.

Levantei-me, limpando a mão suja de ração na bermuda.

— Acha que ela aceitaria namorar comigo?

— Bem, ela disse que namoraria você se estivesse sóbrio, então... — Juan deu de ombros, sorrindo.

Eu olhei para o vazio, tentando pensar.

— Juan, como... Como eu vou planejar algo hoje? Tudo vai estar cheio!

— Hum... Pode ser que eu conheça alguém, que conhece outro alguém. — Disse. — Só fale com Dulce, está bem?

Eu assenti. Dulce não me escaparia.

 

(...)

 

Fui recebido com pulos e lambidas no apartamento de Dulce. Calma, esses carinhos foram do Señor Patitas. Eu sorri, fazendo carinho nele, quando Dulce apareceu de short e sutiã. Meu coração e algo a mais pularam. Ela tinha um corpo maravilhoso.

— Jamie — disse meu nome com sotaque que me fez ficar arrepiado. — Diga-me o que tu fazes en mi casa? — perguntou em espanhol.

— Me encontre mais tarde ali embaixo, às sete — respondi. Estavámos praticando espanhol, por isso eu entendi o que ela havia dito.

— Pra quê? — ela franziu a testa, prendendo os longos cabelos em um rabo de cavalo.

— Confie em mim e me encontre às sete lá embaixo — falei e Dulce, ainda confusa, assentiu com a cabeça. — Ótimo — dei-lhe um beijo na bochecha e fui para a porta. — Ah! — exclamei, virando-me para olhá-la. — Vista algo... Bem, ponha o seu melhor vestido. Não entendo muito de roupas — dei uma risada nervosa. — Até mais tarde, mi hermosa.

— Está bem...

Saí do apartamento dela, deixando-a com uma expressão atordoada.

 

(...)

 

Juan era muito, muito bom mesmo. Provavelmente, esse amigo de um amigo, era algum bruxo que conseguiu reservar uma mesa no restaurante onde todos os casais gostariam de ir no dia dos namorados. O Can Recasens.

Eu sabia que deveria comprar algum presente para Dulce, mas eu não sabia o quê. Muito menos onde encontrar algum presente decente nesta data em particular. De modo que eu fui pesquisar se Dulce gostava de alguma flor e acabei descobrindo que ela gostava de girassóis. Portanto, quando Dulce abriu a porta e me encontrou ali, eu estava com o buquê de girassol nas mãos.

E, honestamente, eu fiquei embasbacado. Ela usava um vestido vermelho apertado na cintura, no estilo de quem dançaria um tango. Seus cabelos longos estavam ondulados e presos apenas de um lado. Seus lábios estavam vermelhos e seus olhos tinha aquela famosa maquiagem de gatinho. E seus sapatos eram pretos e de salto. Dulce estava de parar o trânsito, pura e simplesmente.

— Estou sem palavras para dizer o quanto você está linda — falei e Dulce soltou uma risadinha.

— Você me falou para vestir meu melhor vestido... Só não sei pra quê — respondeu ela. — Você também está muito bonito.

— Eu sei — e passei a mão em meu cabelo rebelde. Não queria passar gel nele. Então, olhei para as flores. — Ah, essas são para você. — E lhe dei o buquê de girassol.

Dulce abriu um sorriso grande e aceitou o buquê. Ela cheirou as flores e depois me olhou.

— São lindas, Jamie. Obrigada — agradeceu, aceitando o meu braço esticado. — Mas ainda não sei o que quer dizer tudo isso.

— Ah, você vai ver — sorri e pisquei um olho. — Vamos?

— Claro.

 

Eu pedi algo que se chamava Uber. Como os trouxas não têm poderes para aparatar e desaparatar eles inventaram um aplicativo para celular — algo que os bruxos deveriam adotar também, falar pela rede de Flu, Patrono ou Berrador era muito complicado às vezes — em que você chamava um motorista para buscá-lo no local onde você se encontrava. Bem inteligente.

E eu tinha que passar boa impressão. Afinal, era dia dos namorados.

Ao chegar em nosso destino, eu já via a gigantesca fila que se formava no Canal Recasens. Vários casais esperavam que, por algum milagre, um lugar vagasse. Honestamente, eu não sabia como Juan havia conseguido as reservas.  Eu estava perdendo minha habilidade com romance mesmo.

Saímos do carro após finalizar o que os trouxas chamavam de corrida e a guiei até aquela fila. Dulce achou que iríamos para um outro lugar, mas quando percebeu que realmente estávamos indo para o restaurante mais caro e cheio, ofegou.

— James!

— Esse é o meu nome — falei, sorrindo. — Vamos.

Eu a conduzi até o restaurante, onde havia uma outra fila, mas essa era menor e destinada para quem já havia feito a reserva. Dei meu nome para a mulher que estava atendendo e ela me guiou para dentro.

Era um lugar realmente aconchegante, ainda mais no dia dos namorados, eu podia sentir o ar refinado de pessoas ricas. E estava cheio. Bem cheio. Mas a recepcionista nos levou até o fundo do restaurante, que dava para a imensa janela.

Ela nos deu o cardápio, dizendo que logo o garçom iria nos atender, e voltou para onde estava quando nós entramos. Olhei para Dulce, que me olhava incrédula.

— O que foi? — perguntei, sorrindo.

— Você. Isso. — Dulce gesticulou para o restaurante, balançando a cabeça, sem entender.

— Hum... Lembra quando você me disse que aceitaria namorar comigo quando estivesse sóbrio?

— Sim...

— Bom, nada mais romântico do que pedir bem no dia dos namorados, não é mesmo? — falei e a Dulce ofegou. Eu pigarreei. — Dulce... Você quer ser a minha namorada?

Eu não sabia o que se passava pela cabeça dela e quando ela abriu a boca para me responder o garçom chegou com seu bloquinho de trouxa, perguntando se havíamos nos decidido.

Dulce pediu para ela e eu falei que queria o mesmo. O garçom se demorou um pouco em Dulce e eu percebi aquela expressão...

— Ei, amigo. Nuestro pedido — falei em espanhol. O garçom me olhou e eu ergui uma das sobrancelhas. Ele assentiu e foi entregar o nosso pedido para o chef. Balancei a cabeça e vi Dulce dar um risinho. — Que foi?

— Sabe aquela resposta? — ela mudou de assunto e eu logo fiquei ansioso.

— Sim...

Yo quiero ser tu novia — Dulce sorriu e eu senti que meu coração ia sair do peito de felicidade. Há muito tempo que eu não me sentia assim... Poder gostar de uma pessoa e não ter medo que outras pudessem nos ver juntos ou não ter medo de que ela pudesse sumir.

Eu abri o maior sorriso que pude e Dulce pareceu feliz por me ver sorrir. Vou fazer o que? Quando eu me apaixonava, eu ficava um idiota.

Depois de um tempo nossos pedidos chegaram e comemos. Tomei a liberdade de tomar uma taça de vinho, afinal, eu merecia um pouco.

Conversamos sobre tudo e muito. Ri bastante e ela também, embora eu não pudesse — ainda — revelar o que eu realmente era. A gente havia se conhecido há poucos meses, não tinha certeza se Dulce iria aceitar muito bem, como Allison aceitou. Mas não manteria segredo por muito tempo, já que a minha intenção era ficar mesmo com ela.

Quando terminamos parecia que Dulce estava radiante. Ambos estávamos, felizes de estarmos um com o outro. É bastante... Clichê, mas eu estava feliz como há muito tempo eu não ficava. Graças a Merlin eu havia conseguido alguém incrível que não fosse difícil demais de alcançar, alguém que queria estar comigo e  ser minha namorada.

Eu não tinha uma namorada desde que Saphira se fora e Dulce me fez voltar a enxergar como era bom estar apaixonado, sem segredos ou decepções.

 

(...)

 

Eu acordei cantarolando na manhã seguinte. Dulce não estava lá,  tinha acordado cedo para ir a faculdade e depois iria trabalhar. Vocês devem estar se perguntando o porquê de eu não ter realizado a mesma rotina, bem, eu tinha que explicar para a outra mulher da minha vida que ela teria que me dividir a partir de agora. Depois de Alisson e Holly eu não queria cometer o mesmo erro.

— Marie! — Chamei, balançando o pote de ração.

Enquanto esperava a aparição da minha menina, aproveitei para lavar a vasilha de água dela e encher de novo, antes de colocar para funcionar. Notei que ao final disso ela ainda não tinha aparecido e decidi chamar novamente, começando a procurá-la pela casa.

— Marie! Eu largo ela se você quiser! — Após meia hora procurando em cada canto escuro da casa, descobrindo que Juan escondia pratos quebrados embaixo da cama e reparando que a quantidade de pêlos na casa estava relativamente baixa, eu já estava ficando desesperado.

— E aí,  cara. — Juan abriu a porta da frente e eu saí de trás do sofá para encará-lo.

— Hey! Você viu a... qual é  a do boné?

Juan era um cara charmoso e tinha um cabelo quase tão legal quanto o meu. Muitas das nossas conversas giravam em torno de produtos de cabelo, os quais eu aprendi a amar com Dimitri, e como as meninas não resistiam a um visual selvage e um cabelo rebelde. Nosso clube era completamente contra bonés e chapéus.

— Hã... eu resolvi dar uma mudada no visual, sabe como é... — Ele disse, abaixando a cabeça e iniciando o trajeto até seu quarto.

— Uma mudada no visual? Juan você tem, literalmente, cinco porta-retratos com fotos só do seu cabelo. Você tem uma camisa com a foto do seu cabelo. Que que você arrumou... — Àquele ponto eu havia me aproximado e puxei o boné da cabeça dele. — Você tá careca!  Pelas barbas de Merlin, você tá careca!

— Não surta cara!

— Sua cabeça tá igual a do professor Xavier!

— As garotas gostam cara...

— Não como gostam de uns bons fios rebeldes. Nã-hã. E você zoa carecas, cara. É mais provável que você tenha tomado uma poção depilatória do que feito isso de propósito.

Cabelo era um assunto bem sério; eu estava realmente surtando, mas quando eu fiz a piadinha da poção e Juan não riu eu soube que ele não tinha abandonado o clube.

— Você fez isso não foi? Achou que era poção pra fazer o cabelo crescer e...

— Explodiu tá bom, cara! Eu tava fazendo uns experimentos e aí tudo explodiu na minha cara. Meu cabelo pegou fogo e eu não consegui apagar antes... disso. — Ele apontou para a careca. — Mesmo com poção capilar vai demorar meses pra voltar como era então não enche tá.

— Oh, pobre e ferido soldado. — Aproximei-me mais de Juan, lhe dando um abraço. — Eu vou usar sua loção de camomila como se o meu cabelo fosse seu. — Garanti e apesar de não ver eu o pude sentir virar os olhos.

— Isso acalma meu coração. — Resmungou ele, afastando-me. — Hey, o que é que você ia me perguntar quando eu cheguei?

— Ah! Você viu a Marie?

— Hum... não.  Desde ontem de manhã. — Ele disse pensativo e eu me senti ficar ansioso.

Reparei então que a vasilha de comida dela estava intacta desde a manhã passada e a caixinha de areia completamente limpa.

— Nós fomos roubados! — Gritei e após um minuto de desespero corri até a porta, abrindo-a e descendo as escadas com pressa.

— James! Você está de pijamas! — Juan gritou da porta, mas eu não tinha tempo para isso.

Corri o mais rápido que pude até o pet shop e cheguei lá ofegando, Carlos, o atendente da parte da manhã, respirou fundo ao me ver.

— Dulce! Su novio estraño está aquí. — Disse virando o rosto para a parte de dentro da loja.

— Lo diga que estoy indo! — Ouvi a voz de Dulce soar antes de um latido dolorido.

— Ella está llegando. — Ele disse forçando um sorriso para mim, mas fechando a cara logo em seguida.

Eu assenti em agradecimento e aproveitei o intervalo para recuperar o fôlego.

— Meu namorado resolveu me fazer uma surpresa no... oh, sem flores? Tudo bem.  — Dulce estava linda, como sempre, mas eu não tinha tempo para isso.

— Precisamos ir para a delegacia mais próxima. — Disse, ainda afobado.

— Quê? Por quê? O que houve? Você está bem?

— Sequestraram Marie! — Afirmei com toda certeza do meu ser.

— Perdão?

— Ela não está em casa! Eu procurei ela em todos os cantos,  até nas gavetas e no forno como você ensinou, mas ela não está lá. — Respirei fundo e abaixei meu tom de voz. — Ela não veio quando eu balancei o pote de ração.

— Oh... Ok! Vamos tentar manter a calma ok? Quando foi a última vez que você a viu?

— Anteontem. Ela dormiu comigo, mas quando eu acordei ela não estava mais lá.

— Ok, ela pode ter só saído. Piratinha sempre saí para uns passeios e volta apenas três dias depois. Foi assim que ela conseguiu aquele brinco.

— Dulce, benzinho, eu moro no terceiro andar, ela não pode simplesmente ter pulado a janela. Ela foi sequestrada!

— James, as pessoas não saem por aí entrando em apartamentos e roubando gatos de rua. Até porque gatos não se permitem ser roubados.

— Ela não era de rua, ela era minha! Eu estou te falando sequestraram minha gata!

— Quem faria isso e por quê?

— Eu não sei?! Inveja! Tenho certeza que foi Carlos, ele não gosta de mim e odeia o fato de que estamos saindo.

— Ok, você tá ficando louco. Carlos é um cara legal. Escuta só, volta para casa e procure uma foto dela ok? Se ela não voltar até eu chegar do trabalho nós vamos espalhar cartazes pela cidade ok?

— Mas até lá...

— Vai! Eu prometo que vamos encontrá-la ok? Agora tente se acalmar. Eu tenho um cachorro anestesiado para operar, vejo você em algumas horas.  — Garantiu, dando-me um beijo e deixando-me para trás.

A título de informação, Marie não voltou. Até Dulce chegar eu passei a tarde vendo um PowerPoint com fotos da Marie ao lado da caixa de papelão preferida dela, abraçando seu ratinho de brinquedo, chorando. Juan tentou me animar com sua careca, mas acabou chorando comigo por seu próprio motivo.

Quando Dulce chegou ela parou o PowerPoint e usou as fotos para improvisar um cartaz de desaparecida. Após isso, saímos pela cidade pregando o cartaz por postes, caixas de correio, carros e portas, enquanto eu balançava seu pote de ração e gritava por ela. Eu consegui que aproximadamente doze gatos de rua me seguissem, dos quais Dulce voltou com três para casa, mas nada de Marie.

— Já faz muito tempo, nós devemos ir na polícia!

— James, faz quarenta minutos e eles vão te mandar para a ala de viciados.

— Ela deve estar sozinha, suja, com fome e frio. Ou pior... morta.

— Dios! Uste és dramático!

— Ela é apenas um bebezinho!

A discussão foi suspensa com o barulho da campainha. Dulce levantou-se e foi atender, um senhor de meia-idade estava na porta segurando uma caixa.

— James — pausa para ressaltar que ele pronunciou meu nome como se o J fosse um R, eu não gostei. — vive aquí?

— Sí! Como puedo ayudar?

— Yo vi los carteles sobre la gatita, ella apareció en mi casa ayer y — Enquanto Dulce e o cara conversavam uma cabeça branca e felpuda enfeitada com um grande laço rosa pulou para fora da caixa, eu gritei.

— Marie! — Corri até porta, ignorando Dulce e o homem e pegando minha pequena preciosa no colo. — Ah, meu bebê!  Você está bem? O moço mal te sequestrou? Está tudo bem agora meu amor, não tem o que temer, eu juro que não faço mais nada para te chatear. Quer que eu termine com a Dulce? Ela ajudou a te encontrar, mas se você não gostar dela eu prometo que nunca mais a vejo.

— Hey!

Em resposta a meu excesso de carinho e preocupação Marie miou e unhou meu braço para eu a soltar. Passou por entre as pernas de Dulce ronronando e então foi toda pomposa beber água.

— Muchas gracias! — Dulce sorriu para o homem e então fechou a porta, virando-se para mim com o rosto vermelho de irritação e as mãos na cintura, eu nem preciso dizer quem ela me lembrou. — Então quer dizer que você vai terminar comigo?

— Claro que não!  Marie claramente te adora, ela até ficou se esfregando em suas pernas. — Afirmei e puxei Dulce para um abraço,  beijando-lhe o rosto. — Que é exatamente o que eu pretendo fazer em agradecimento. — Sussurrei em seu ouvido e Dulce me socou os ombros.

— Ah pelo amor de Deus! Escuta, o homem que veio aqui, seu nome é Afonso Espósito e ele mora na casa grande aqui do lado. Ele disse que ela apareceu lá manhã passada e que como ele viu que ela era bem cuidada resolveu tomar conta até o dono aparecer. O que particularmente me deixa irritada, se fosse um gatinho de rua ele provavelmente teria enxotado.

— Bem, pelo menos Marie está a salvo. Você o deu a recompensa?

— Ele disse que já tinha um patinho de borracha e estava muito bem, obrigado.

— Esnobe.  — Resmunguei. — Agora estou em dívida com ele.

— Bem, como você disse, pelo menos Marie está a salvo.

Marie miou e pulou no sofá,  aconchegando-se justamente no boné de Juan, que avançou para recuperar o objeto, mas foi impedido por um tapa meu.

— Da próxima vez você não ateie fogo em si mesmo, ela passou por muita coisa, deixe-a descansar.

— Mas o meu...

— Boa noite, Juan!

— Tudo bem! — Concordou como uma criança emburrada e seguiu para o quarto batendo o pé.

— Certo, e como é que eu posso agradecer você por ter trazido minha filha para casa em segurança?  — Perguntei, virando-me para Dulce.

— Bem, eu estou aqui repensando a coisa de se esfregar nas minhas pernas. — Ela riu e então me puxou pela gola para o quarto.

 

(...)

 

Na sacada a garrafa vazia encontrava-se jogada ao chão, ao lado do prato ainda cheio da mais saborosa e cara comida da cidade. Eu estava um farrapo. A faculdade tinha dado uma semana de folga antes dos exames finais, mas eu não conseguia usar meu tempo para estudar pois, mais uma vez, estava de coração partido.

— Por quê? — Eu gritei para ela, que me encarava com olhos frios de sua própria sacada, sem se importar com os sacrifícios que eu fizera por ela, sem se lembrar da forma com a qual eu abri meu coração. — Você sabia que meu pai é rico? Eu também posso ter uma mansão! — Meu coração doía. Trocado por um velho barrigudo milionário, eu esperava isso de qualquer um, menos dela. — MARIE! — Berrei, em meio a lágrimas de choro. A campainha tocou. — Eu comprei whyskas para você! — Tentei, apontando o prato.

— Díos! Como você consegue ficar bêbado com refrigerante de laranja? — Dulce quis saber.

— Meu coração estava bêbado de amor e agora eu me embebedo para evitar a ressaca.

— Agora pergunta se eu ganho uma declaração dessas? — Ela parecia irritada. — O senhor Esposíto está na porta.

A menção do nome daquele patife me fez levantar na mesma hora. Irritado e traído, caminhei até a porta para encará-lo, bem decidido.

— Eu quero a minha gata. Devuelve mi gata. Ridammi il mio gatto. Dóse mou píso ti gáta mou. Vŭrni mi kotkata. Eu devo conseguir falar isso em pelo menos mais duas línguas, me dá a Marie! — Falei em um tom não muito educado e definitivamente irritadiço, Dulce se postou entre o velho e eu.

— Veja Rames, eu vou ser sincero com você. Estamos nessa tem mais de meses, a gata continua indo para minha casa, eu acho que é muito mais fácil se você apenas aceitar que ela gosta mais de brincar com meus filhos.

— Thoir dhomh mo chait air ais.

— Okay, chega. Muchas gracías señor Esposíto, me vóy a hablar com él. — Dulce disse, empurrando-me para trás com sua bela bunda e fechando a porta. — James escuta aqui… — Mas acontece que eu não estava afim de escutar. Corri para a sacada, ajoelhando-me no chão e segurando as grades.

— Marie!! — Mas aquela ingrata miou, pulou da espreguiçadeira onde estava deitada e sumiu para dentro da casa. Casa que não era a minha.

 

(...)

 

Já eram meados de junho, meu namoro com Dulce estava sólido e as coisas corriam bem. A não ser por aquela ing(r)ata que não deve ser nomeada. Dulce e Juan se davam bem, estávamos sempre na companhia um do outro, mas eu ainda não tinha contado meu segredo para ela. Na verdade, estar ao lado de Dulce me fez começar a questionar se eu realmente queria voltar para valer e para sempre ao mundo mágico. Berradores de Viola, Dimitri e Teresa me proibiram de levar isso adiante, o argumento mais convincente fora o de Paisley que falava que eu era louco de querer ir para a escola de novo, mas meu sonho mesmo era ensinar, e isso eu poderia fazer sem magia. As aulas que eu estava dando eram produtivas e eu soube, mais ainda, que eu realmente tinha vocação para licenciar. Eu adorava aquilo. Portanto, estava eu, preparando mais uma aula de poções sobre mortos-vivos quando Dulce apareceu lá em meu apartamento.

Escondi minhas anotações sobre as aulas de poções e abri um sorriso para ela. Toda vez que eu a via eu sentia vontade de sorrir. Dulce estava linda, com seus shorts jeans e uma regata preta.

— A que devo a honra de sua visita minha linda? — perguntei, a pegando pela cintura. Seus cabelos pretos balançaram com o movimento.

— Hoje quero lhe mostrar uma coisa — disse ela e eu sorri.

— Hum... Agora? — eu estava curioso. Mas Dulce balançou a cabeça, com um sorriso misterioso nos lábios.

— Mais tarde. Lá em casa — respondeu ela, corando.

— Com certeza estarei lá. — Eu sorri para ela e a beijei. — Quer ficar mais um pouco?

— Não... Preciso arrumar algumas coisas — disse e depois sorriu. — Até mais tarde. — Dulce me beijou outra vez e saiu pela porta. Eu ri e voltei para o meu trabalho.

 

(...)

 

Estava tudo normal quando eu cheguei ao apartamento de Dulce. Parando para pensar, eu nunca havia passado a noite na casa dela. Geralmente a gente transava na minha casa e eu não ligava, até porque a única vez que tentamos ficar na casa dela a cama foi invadida por cinco diferentes bichos e isso meio que cortou o clima. Agora eu realmente estava curioso.

Dulce estava linda como sempre. Usava um vestido leve e estava descalça. Ela tinha preparado um jantar, ostras com aspargos ao molho de pimenta, que estava absolutamente divino. Nós jantamos, rimos, bebemos vinho, nos beijamos.

— Sabia que algumas pessoas dizem que ostra é um alimento afrodisíaco? — Dulce perguntou, beijando meu pescoço.

Não que eu tivesse tempo para prestar atenção numa coisa dessas, mas a casa estava absolutamente quieta, como se não houvesse um único animal ali.

— É mesmo, é? — Perguntei, começando a distribuir beijos por seu colo, postergando a chegada à seus seios.

— Uhum. Pimenta, vinho, aspargos… essas coisas todas. — Ela comentou, sua mão deslizando meu abdômen já nu, descendo em direção ao fecho da minha calça. — Mas você sabe, crença popular. — Disse com uma voz arrastada e absurdamente sexy no pé do meu ouvido, subindo suas mãos para meus ombros.

— Eu não preciso de comida nenhuma para te desejar. — Afirmei e Dulce soltou uma risada rouca, àquilo já estava me deixando louco.

— Abra a boca James… — Ela mandou e eu, bem treinado, obedeci. O gosto de chocolate veio primeiro, mas a minha mordida me fez notar o azedo do morango e, quase imediatamente,  o gosto dos lábios de Dulce nos meus.

Eu a segurei em meu colo e inverti nossas posições, passeando com minhas mãos por seu corpo ao longo do beijo e encontrando sua fina calcinha. Quando fiz um movimento indicando que pretendia tirá-la, Dulce parou o beijo e me empurrou. Seus olhos estavam negros de desejo e seus lábios vermelhos sorriam.

— Hoje eu quem vou comandar. — Pontuou e eu permiti que um gemido escapasse por entre meus lábios enquanto me entregava. — Fecha os olhos. — Ela caminhara e parara atrás de mim, seus lábios em meus ouvidos que não perderam tempo em mordiscar o lóbulo de minha orelha. Eu estava adorando aquilo e fiz o que ela mandou. Senti um pano tapar meus olhos e Dulce fez um laço atrás de minha cabeça, passando a mão por minhas costas e abdômen, fazendo-me arrepiar. — Vem comigo. — Ordenou, pegando a minha mão e me conduzindo para algum lugar da casa. E eu fui. Cada célula do meu corpo estava excitada.

Escutei Dulce abrir a porta e depois entrar comigo, fechar a porta e depois dizer:

— Tire suas roupas, James. — Ela mandou com um tom tão decidido que eu não tive outra escolha a não ser fazer exatamente o que ela mandava — deixando a minha varinha embolada na calça —, achando que ela ia me fazer um incrível oral, porém com os meus olhos vendados. Com certa delicadeza, Dulce me puxou e me deitou na cama.

Eu ouvi o som de alguns objetos, mas não conseguia identificar o quê, até que algo gelado tocou minha pele, deslizando por minha barriga.

— Você foi um garoto mal James. — A voz de Dulce estava diferente, carregada de um desejo e de uma crueldade que eu desconhecia.

— Quê? — Perguntei, não sabendo mais se estava entendendo a brincadeira.

Senti o peso de Dulce afundar a cama, suas mãos quentes e macias subiram por minhas pernas, passando por todo meu corpo até estarem em meus pulsos. Senti então um aro gelado se prender contra meu pulso.

— Mas o que...  — comecei, mas ela me silenciou.

— Muito, muito malvado. — Ela disse, os aros gelados agora estavam em meus tornozelos. Eu me remexi, menos excitado e consideravelmente mais preocupado, Dulce puxou minha venda e, se eu pudesse cair para trás, eu cairia.

Eu estava num quarto cinza escuro, preso a uma cama esquisita. Era alta e cheia de grades pretas, tanto dos lados quanto em cima. Eu olhei para Dulce e atrás dela tinha uma estante cheia de aparatos sexuais que eu jamais tinha visto e alguns que eu sabia o que era. Tipo o chicote que ela estava segurando e deslizando por minha perna.

Eu a olhava horrorizado e tentei encolher a perna assim que ela deu com o chicote nas minhas pernas, conseguindo apenas um machucado a mais, já que aquelas algemas, apesar de felpudas, eram para valer. Dulce ainda vestia o vestido leve, mas tinha uma expressão selvagem, uma expressão de quem queria e iria comandar a situação. Não que eu não gostasse quando as mulheres com quem eu transava — principalmente as que eu namorava — comandasse o sexo. Mas daquele jeito...

Dulce bateu novamente com o chicote, mas dessa vez com mais força e na minha coxa. Aquilo ia ficar marcado.

— Dulce, o que você...

— Shii... Eu já volto. É melhor você se comportar. — e entrou no banheiro que havia ali.

Desesperado, eu olhei para todos os lados a procura da minha varinha. Quando eu a achei, estava longe de mim. Praguejei em búlgaro e me remexi, tentando me livrar das algemas, Dulce gritou do banheiro que se eu não me comportasse minha pena seria maior. E aí eu choraminguei, me dêem um desconto, eu estava algemado a uma cama de sadomasoquismo!

Eu sou um cara do amor. Tipo, amor mesmo. Eu gostava de transar com as minhas namoradas no estilo romântico e carinhoso. Alguns tapas na bunda? Sim. Uns apertões nas coxas? Também. Agora chicotes? Aqueles apetrechos que eu nem sabia o nome? Já era demais pra mim.

Ok James, pensa. Forcei minha mente, e aí lembrei de um feitiço que Kristina tinha me ensinado. Em sua especialização para professora ela passara um tempo na África, lá os bruxos são adeptos a magia sem catalizadores, ou seja, varinhas, e Kristina tinha me ensinado algumas coisas básicas para fazer sem varinha, como, por exemplo, chamar a minha varinha para realizar feitiços mais complexos. Tentei focar apenas no que eu queria e me concentrei em chamar minha varinha para minha mão, Dulce fazia barulho no banheiro e algo me dizia que ela já estava chegando. Quem, afinal, era aquela Dulce que estava no banheiro?! E por que ela não me contatara que gostava dessas coisas? Se ela tivesse me preparado para aquilo eu talvez até aceitasse entrar na brincadeira com ela, pelo menos uma vez. Mas eu não estava disposto a ser pego desprevenido daquele jeito, ela era doida e eu queria sair dali o mais rápido possível, não estava nem um pouco disposto a levar outra chicotada.

Quando a varinha veio para a minha mão, eu abri a algema na mesma hora em que ela dizia:

— Eu já estou indo, gostoso.

Eu arregalei os olhos e olhei para os lados, não podia sair pela porta, estava trancada e faria barulho demais, assim que vi a janela aberta eu não pensei duas vezes e fiz o que qualquer homem sensato faria: pulei para fora da janela — obrigado, Merlin, por ser bem no primeiro andar — e saí correndo de uma mulher extremamente gostosa que estava preparada e decidida a abusar do meu corpo sem nem olhar para trás.

Eu não tinha reparado que estava do jeito que Deus me enviou ao mundo até passar em frente a uma loja em que a vitrine refletiu meu corpo nu. Eu arregalei os olhos, mortificado. Apesar de já estar noite, a rua estava cheia de pessoas, senhorinhas passeando com seus poodles, crianças com seus pais, casais apaixonados. Tentei me cobrir com as mãos, mas, bem, modéstia a parte, não deu muito certo. Corri até uma lixeira, me escondendo ali, mas aquilo não funcionaria muito tempo. Foi então que eu vi, do outro lado da rua, uma loja de roupas. Tinha uma garota lá dentro e ela parecia estar fechando o caixa, mas teria que servir.

Corri até o outro lado da rua e entrei na loja, a moça ergueu os olhos para mim e não fez cerimônia ao focar toda sua atenção para a minha zona sul.

— Hum, boa noite. — Chamei, me enfiando atrás de uma arara. — Olha, eu tô tentando fugir da minha namorada, ela é meio doidinha sabe, e, bem, eu saí assim. — Apontei para meu corpo, a moça saiu de onde estava e esticou o pescoço, checando o que eu apontava.

— Muy bonito.

— Olha, eu preciso de uma roupa, mas eu estou sem dinheiro, eu posso levar alguma coisa? Prometo que amanhã pela manhã eu trago o dinheiro! — Como eu falava em inglês e era espanhola existia a pequena possibilidade de ela não ter me entendido, mas como ela riu e voltou ao seu trabalho, eu entendi como um “ok”.

Descobri então que era uma loja de roupas femininas. Descobri também que as calças não me serviam. E eu gostaria de deixar aqui explícito meu descontentamento com a sociedade e a indústria da moda que oprimem e forçam as mulheres a usar calças tão apertadas apenas para se sentirem bonitas. No fim eu não tinha outra alternativa e peguei um vestido, um dos mais baratos que coube em mim. Se eu não tivesse descoberto há poucos minutos que minha namorada era piradinha, eu poderia ter dado um daqueles de presente para ela.

— Hey moça, muito obrigado ok?! Eu prometo que volto para pagar depois. — Pedi, não sabia se estava mais desconfortável nu ou com aquele vestido. Já estava passando a porta quando a moça me chamou.

— Usted tiene que pagar por eso. — Ela falou. Eu consegui entender o que ela dizia, mas não conseguia responder, não na língua dela.

— Eu sei! E eu vou pagar, só que não agora… é uma emergência. — Tentei explicar. Ela não pareceu entender. Quando eu tentei sair da loja de novo um alarme apitou e então ela começou a gritar, eram muitas palavras em pouco segundos e eu não conseguia entender, mas logo tinha um cabo de vassoura contra minha cabeça e em menos de dois minutos tinham policiais na loja.

Eu tentei explicar, tentei conversar, mas a moça da loja gritava e gesticulava apontando para mim e foi assim que, pela segunda vez em menos de meia hora, eu estava nu e algemado mais uma vez.



— Hey Juan! Ei cara, tudo bem? Lembra quando eu prometi nunca mais te zoar por causa do seu problema capilar?

Eu não acho que isso aconteceu. — Juan resmungou do outro lado da linha.

— Está acontecendo agora, escuta cara, eu preciso muito de um favor seu.

Ok, mas eu tenho certas exigências ok? Número um…

— Juan, amigo, olha, eu não tenho muito tempo. Eu preciso que você pague minha fiança. Eu juro que vou te pagar, posso pegar algum trabalho no verão, mas eu realmente preciso de ajuda.

Espera, James, fiança? O que foi que você fez?

— Não dá pra explicar agora, apenas venha logo, eu tô na delegacia do centro da cidade. A fiança é de €400, se você não tiver pelo menos me traz um advogado ok? Você não pode falar com a Dulce!

Cara, o que foi que você…

O telefone ficou mudo e eu bati a testa contra a parede. Estavam me acusando de tentativa de furto. Ok, certo, de certo modo eu talvez tenha cometido isso. Mas não foi minha intenção! Os policiais não quiseram acreditar, nem mesmo quiseram me ouvir, apenas continuaram a repetir que tudo que eu dissesse poderia e iria ser usado contra mim no tribunal. De volta aos bons tempos com a minha família eu me lembrei de Victoire. Sim, Victoire. Sempre que Fred, eu e Dominique aprontávamos alguma pelo castelo ela nos repreendia, vivia falando que um dia nós seríamos presos e sempre, sempre, que a arrastávamos conosco para nossas pegadinhas ela vivia repetindo que não sobreviveria na cadeia. Bem, eu tinha descoberto naquele momento que eu também não.

Acontece que andar pelado pelas ruas da Espanha é ok. As pessoas não ligam, alguns até incentivam. Se tivessem me avisado disso antes eu não estaria naquela situação. O policial me levou de volta à cela e eu fiquei lá. Só para constar, laranja não era a minha cor. Da minha mãe, de Dominique ou de Lily. Mas não minha. Tinham uns outros quatro caras na cela que eu estava, um deles eu entendi que estava lá por assalto a mão armada. Não era justo. Tentei ficar no canto, não interagir. Pela primeira vez em anos eu me sentia como um garotinho assustado. Queria chorar, correr para minha mãe, pedir colo para Victoire. Mas eu não podia fazer nada daquilo, porque eu tivera a brilhante ideia de viver minha vida longe da minha família.

— Hey, chico! — Um guarda apareceu na cela, abrindo-a. — Pagaron su fianza. — Informou, gesticulando com o pescoço para eu sair dali. E eu o fiz, o mais rápido que pude.

Deram-me uma roupa que estava no achados e perdidos e mal servia, porém era melhor que ficar pelado, e me levaram para a entrada da delegacia, onde Juan estava cabisbaixo.

— Juan! mí amigo! Ah Juan, o que eu faria sem você? Escuta, eu vou te pagar, eu juro, você não vai acreditar no que aconteceu. Ah! Eu achei que ia morrer lá dentro cara.

— James… — Juan chamou, ele não parecia tão empolgado quanto eu. — Escuta cara, eu sinto muito, de verdade. Eu não queria fazer isso, mas eu fiquei desesperado sabe? Falaram que você tentou furtar uma loja James, ele notou que eu estava escondendo alguma coisa e…

— Ele quem? Cara que foi que aconteceu?

— Muchas Gracias. — A voz parecia cansada, voz de uma pessoa que mal via a hora de chegar em casa e tomar uma dose de firewhisky. Voz que eu conhecia desde os meus primeiros dias de vida. Virei o rosto, quase em câmera lenta, e lá estava ele. Mesmos óculos, mesmas cicatrizes. Alguns fios de cabelo branco a mais. Os olhos verdes dele foram de encontro aos meus, uma mistura de decepção, saudade, amor e, no fundo, vontade de arrancar minha cabeça fora.

— Acabou a brincadeira James, é hora de voltar para a casa. — Depois de quase cinco anos sem me ver aquelas foram as únicas palavras de Harry Potter para mim antes de deixar a delegacia.

 

O apartamento era estranhamente vazio. Um sofá, uma mesa de centro. Na cozinha tinha uma máquina de café, mas até onde eu tinha visto, aquilo era tudo. As paredes eram pintadas de branco e o silêncio era quase ensurdecedor. Juan estava em pé, no canto, olhando para os próprios sapatos, como se não pudesse me encarar. Minha cabeça girava.

— O que foi que aconteceu? — Harry estava no cômodo agora, eu o encarei.

— Como foi que você me achou?

— James…

— Não, nada de James. Eu não tenho mais 17 anos, pai! Isso não é uma brincadeira, é a minha vida e quer você queira, quer não, eu não sou mais uma criança!

— E ainda assim eu tive que aparecer para te tirar da cadeia como se você fosse uma! O que foi que aconteceu? — Sua voz era dura, mas nem por um momento ele gritou, ao contrário de mim, sentei-me no sofá com o rosto entre as mãos.

— Como você descobriu que eu era filho dele? — Perguntei, encarando o Juan.

— James…

— Vocês tem que parar de falar meu nome e começar a responder as perguntas! Eu te pedi um simples favor cara, você me traiu! — Ele parecia realmente triste, mas eu, ah, eu estava puto sem nem saber o motivo.

— O que você esperava que ele fizesse James? Você estava solto no mundo trouxa brincando de roubar vestidos em lojas, o que você queria que ele fizesse?

— Pagasse a fiança! Apenas isso, eu era réu primário.

— Você consegue se escutar?

— Eu sempre soube. — Juan falou. — Desde antes de aparecer no seu apartamento, seu pai me contratou.

— Meu pai… o quê? — Harry suspirou e indicou para que eu sentasse, não me lembrava de ter levantado. — Você contratou alguém para ficar de olho em mim? O que… como? Quando foi que você começou a me seguir?

— Você é meu filho James, e eu sou Harry Potter, realmente achou que poderia se esconder de mim?

— O quê?

— Quando você sumiu do enterro eu entendi que você precisava de um tempo. Mas então se passaram dias e você não voltou, eu não conseguia te encontrar e então soltei um comunicado, em toda a comunidade bruxa. Você estava desaparecido. E foi então que Holly apareceu.

— Holly? — Perguntei, inicialmente sem ligar o nome a pessoa, mas em poucos segundos juntando as peças. Lembrei-me de Allison ter dito que Holly estava trabalhando para o meu pai. A parte engraçada era que ela sempre esteve. — Você contratou uma auror para dormir comigo?!

— Hum… não. Ela estava em busca de uma promoção e encontrou em você, entrou em contato comigo e então fizemos um contrato: ela tomaria conta de você até você decidir ir para casa. Mas ela acabou se envolvendo com você amorosamente e, bem, nós sabemos como isso acabou. Foi aí que eu entendi que eu não poderia deixar uma mulher com sua tutela.

— Minha tutela?

— Eu não estou pedindo para entender o que eu fiz, um dia, quando você for pai, talvez você entenda. Eu nunca contei para sua mãe, eu me mantive sempre à espreita, nunca interferi em seus planos e, acredite James, eu estou orgulhoso do que você construiu.

— Viola?

— Não, essa não. Como disse, depois de Holly eu preferi não arriscar. Mas eu te perdi na Escócia. Vi uma reportagem sua na revista da filha da Skeeter, ela falava que você estava em frangalhos e bêbado, mesmo que ela costume falar montes de mentiras eu soube que aquilo era verdade e quis ir te buscar na hora, já chegava daquilo, seu período de luto estava se prolongando. Holly conseguiu te encontrar na Frigga, onde ela mandou seus pertences, e eu não ia aceitar ver meu filho destruir a vida dele bebendo e se matando aos poucos. Sumiu dinheiro do banco, eu soube que você esteve lá, mas então você sumiu. Você desapareceu James e aqueles foram os dias mais aterrorizantes da minha vida. Entenda filho, eu já enfrentei muita coisa, mas quando eu pensei que você poderia estar… — Harry não concluiu, tossiu, disfarçando o embargo na voz. — Então você apareceu, fazendo a inscrição para o intercâmbio. Eu soube então que você estava bem e tomando um rumo, decidi dar o tempo que precisava, sua mãe estava devastada, mas eu soube que não podia contar a ela, ou ela iria te puxar pelos cabelos na mesma hora, tem sido difícil para ela.

— Eu… — Mordi minhas bochechas, agora quem queria chorar era eu. A raiva dera lugar à saudade.

— Eu não podia te perder de vista de novo, você podia fazer o que quisesse, mas eu queria saber aonde você estava e o que estava fazendo. Então eu convoquei um time.

— Eu não consigo acreditar nisso. — Mas a raiva ainda estava ali em algum lugar. Todo aquele tempo eu pensei que estava por mim, seguindo minha vida, fazendo minhas coisas, mas meu pai esteve lá todo o tempo.

— Diferentes pessoas, para você não desconfiar, mas sempre aurores. James, eu nunca interferi em nada. Quando você se apresentou como James Evans pela primeira vez eu entendi a importância que tinha para você se desconectar de mim, eu posso até ter dificultado as coisas para você, mas, acredite, tudo que você conquistou até aqui foi por mérito seu e só seu.

— Quem mais? Holly, Juan e quem mais?

— Héktor. Paolo. Marco também, quando notamos o quão próximo você era dele eu entrei em contato.

— Meu professor de Introdução a ingredientes mágicos? — Perguntei referindo-me ao tutor da Bulgária, mesmo sabendo que meu pai tinha sido pontual ao dizer que todos eram aurores, eu não queria acreditar. Harry exitou.

— Dimitri. — Declarou, enfim.

Era isto. O cara que foi meu melhor amigo por anos não era nada além do que um homem contratado para ser minha babá. Minha cabeça girava, eu me sentia tonto. Precisava sair, respirar ar puro. Precisava de… Viola.

— Ele realmente gosta de você e se importa com você James, por isso ele te seguiu nos países que você foi, procurou casos e interferiu para estar onde você estava, ele não confiava em mais ninguém.

— Ele colocou Juan dentro do meu apartamento. — Eu mais pensava sozinho do que conversava, eles não pareciam perceber.

— James se você puder…

Eu ainda conseguia me lembrar do apartamento de Viola. Ela poderia não estar lá, mas lá pelo menos eu teria tempo para pensar, tateei os bolsos a procura da minha varinha e praguejei ao lembrar que devia tê-lo perdida na correria entre a casa de Dulce e a delegacia. Harry me chamou e então a ergueu.

— Você não vai fugir de dessa vez, James. Agora você vai voltar para casa. — Decretou, não me dando nenhuma escolha. Minha cabeça ainda rodava, eu precisava de tempo para digerir tudo que acontecia, mas era aquilo, eu tinha que jogar o jogo dele.

— Certo. Vamos fazer do seu jeito. Mas primeiro eu quero pegar a minha gata.




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Notas finais do capítulo

Então é isso! Particularmente eu não tenho nada contra bdsm e acredito que Laís também não, mas entendam nosso menino James e o susto que ele deve ter levado. Minhas sinceras desculpas se alguém se ofendeu! Mas e ai? O que vocês fariam no lugar dele? E o mais importante: NOSSO MENINO TÁ VOLTANDO PARA CASA. Depois de tanto tempo e tantos capítulos a verdade vem à tona, o que vocês acham que vai acontecer? Como Ginny vai reagir? Façam suas apostas e não percam os próximos capítulos de As Mulheres de James Sirius Potter hahahahaha
Beijos e abraços ♡