Chovendo estrelas escrita por Glória San


Capítulo 1
Capítulo único – Que sejamos lerdos, mas não tanto


Notas iniciais do capítulo

História feita para eu poder defender a minha visão de amor... mas o tiro saiu pela culatra. Findou que a minha visão de amor saiu como a visão de amor que eu queria combater... Só que não. Enfim, eu espero que gostem e espero que sejam sinceros sobre isso. Obrigada a quem está aqui e boa leitura ♥



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Capítulo único – Que sejamos lerdos, mas não tanto

Eduardo quase nunca ia à biblioteca. Até porque, com tantos recursos de pesquisa, ir até lá era a coisa mais desnecessária. De qualquer forma, precisava da enciclopédia que um de seus professores indicou. Quando isso acontecia, ele apenas encontrava o trecho que era necessário e ia embora.

No momento que suas notas chegavam, no melhor um sete, ele não podia evitar pensar: sou um gênio! Naquela tarde, ele procurava algo sobre a história da igreja católica. Os livros que ele pegava sempre eram finos e quebradiços. Dentro de sua cabeça meio oca, isso queria dizer "trabalho feito".

Sempre que ia, Eduardo se preocupava em encontrar os melhores horários, os mais vazios. Então supostamente não deveria haver um garoto ali. Ele deveria está estudando. O menino não era pequeno, apenas menor que si mesmo. Os cabelos escuros eram encaracolados e ele tinha um livro na mão. A forma que ele olhava para aquele objeto tão desinteressante na opinião de Eduardo, era, no mínimo, intrigante. Ele parecia genuinamente feliz. Porém, isso não era da sua conta, então ele apenas ignorou. Encontrou o que queria e foi embora.

...

Se havia algo que fazia Eduardo sair de sua zona paz e amor e fazê-lo nutrir ódio, era quando o professor encarregado de um trabalho exigia mais de uma fonte bibliográfica. Qual o problema de apenas uma? Não podia realmente entender.

Voltou à biblioteca, no período que melhor lhe convinha. Não esperava que houvesse mais alguém no local. O mesmo garoto de cabelos escuros. Os olhos focados demais no livro que segurava. Eduardo não lembrava se era o mesmo livro da última vez. Novamente ignorou.
Voltou-se para a prateleira que sabia guardar o livro que queria. Quando encontrou, foi embora.

Isso se repetiu por duas semanas. Eduardo dizia para si mesmo que era apenas curioso o olhar no rosto do garoto de cabelos escuros. Ele sempre ia embora sem falar nada.

...

Por alguma razão, Eduardo sempre ia à biblioteca. Lá, ele encontrava o garoto de cabelos escuros e encaracolados. Uma cara de tacho, um volume nas mãos, mas olhos tão focados que chegava a ser admirável. Ele observava de longe, vendo como ele sempre parecia estar com um livro diferente. Pela sua matemática falha, ele já deveria ter lido mais que metade daquele acervo. Eduardo tomou gosto por estar na biblioteca.

...

Naquela tarde, sua curiosidade falou mais alto. Olhou para o menino. Ele não sorria, não ria, não mexia o rosto... Mas, ainda assim, seus olhos eram expressivos como um quadro colorido e alegre de Tarsila do Amaral. Segurando o livro envelhecido com cuidado, Eduardo andou calmamente até a mesa a que o garoto sentava. Puxou uma cadeira e sentou-se com cautela, para não causar barulho no lugar tão silencioso.

– Oi. – O menino mal se mexeu, porém, respondeu em um tom cordial:

– Oi. – De qualquer forma, ele não tirava os olhos do objeto.

– O que você 'tá lendo? – perguntou com indiscrição. O garoto apenas inclinou o livro e mostrou a capa. "O reencontro". – É bom? Fala sobre o quê? – Ainda sem mostrar emoções, o garoto pegou um marcador de páginas e fechou a obra. Olhando para Eduardo, ele pôs-se a falar.

...

Eduardo não precisava ir à biblioteca. Não era necessário, nenhum professor pediu e não havia trabalhos a serem feitos. Mas, queria estar lá. Gostava de estar lá. O nome do garoto de cabelos escuros era Roberto. A paixão com que ele falou sobre algo tão desinteressante – ainda pela cabeça de Eduardo – fez com que ele quisesse ouvir mais.

Roberto estava sentado à mesma mesa de antes e Eduardo se controlou para não correr até lá. Deixando essa sensação de lado, ele apenas se encaminhou até o menino.

– O que você está lendo hoje? – Eduardo se acomodou em uma cadeira ao lado da de Roberto enquanto indagava com suavidade. Desta vez, entretanto, Roberto se dignou a soltar o livro e responder como ser humano normal.

– "O ateneu". – a voz dele sempre era meio rouca, talvez pela falta de uso.

– Fala sobre o quê? – Roberto suspirou antes de responder.

– Sobre um garoto que passa a estudar em um colégio interno de elite.

– Ele não queria?

– Ele era uma criança.

– Isso responde tudo?

– Você sempre faz muitas perguntas? É irritante. – Às vezes, tratamos como queremos pessoas com que temos mais intimidade. Roberto não ligava se eram íntimos ou não. Ele sempre falava o que queria, ainda que com a expressão vazia.

– Para com isso... É apenas bom ouvir você falar. – a frase pareceu ecoar no ar da quase vazia biblioteca. Depois de processar o que disse, e sentindo-se pressionado pelo olhar de “ué” no rosto de Roberto, Eduardo corou.

Olhou para baixo, tentando ocultar o rosto. Em vão. Roberto o observava atentamente e, para seu azar, Eduardo perdeu o sorriso satisfeito que ele deu. O garoto leitor perguntou algo que deixou o outro legitimamente surpreso pela falta de hora.

– O que você gosta de comer? – pensando em uma resposta que não fosse muito pessoal, muito indiferente nem muito religiosa – como se fosse possível – respondeu o que veio a mente.

– Tudo. – foi vago. Depois disso, repreendeu-se mentalmente. Alguém tinha que ter calor humano naquela amizade, afinal!

– Especifique. – insistiu.

– Hambúrguer. – expôs por fim.

– Ótimo. Eu também. – Roberto levantou e deu uma volta na mesa, segurando o braço de Eduardo com firmeza. – Então vamos comer hambúrguer.

...

As tardes de Eduardo pareciam menos tediosas e a biblioteca parecia muito mais aconchegante. Roberto afirmou com fervor que estudava quando Eduardo perguntou, mas ele sempre parecia estar na sala que abrigava os livros, em uma escola de turno de dez horas por dia. Não podia culpar Eduardo por perguntar.

Depois das aulas, sempre saiam para comer na lanchonete perto da escola ou tomar sorvete. O preferido de Roberto era o de chocolate. Ainda assim, ele não demonstrava com o entusiasmo que Eduardo julgava necessário.

Naquela tarde em especial, resolveram inovar o cardápio; estavam comendo em um restaurante japonês que Roberto conhecia. Ele conhecia bons lugares como ninguém e Eduardo gostava dele por isso. A comida estava especialmente boa e Eduardo se divertia; ver Roberto falar tão apaixonadamente ou tão livremente sobre algo não era novo para Eduardo. Mas, mesmo assim, trazia-lhe prazer.

Sempre que terminavam, se despediam e ia cada um rumo a sua casa. Por Eduardo, eles conversariam pelo resto do dia por mensagens telefônicas. Roberto não parecia adepto disso, entretanto.

Dessa vez, comeram e foram para um parque que existia lá perto em seguida. O local familiar estava vazio, apenas os dois adolescentes. Eles sentaram-se e passaram a observar o pôr-do-sol. A mistura de cores cheia de harmonia entre o azul, o alaranjado e o púrpuro era simplesmente fascinantes. Suspirou com uma das vistas que sabia nunca se cansar no futuro. Sentiu Roberto se mexer confortavelmente ao seu lado.

O começo de noite também era algo bonito, Eduardo devia confessar. As estrelas começavam a surgir, apenas pontinhos prateados em um enorme manto azul. Era incrível mesmo. Desviou a vista do espetáculo natural que acontecia e olhou para Roberto. Ele parecia iluminado de alguma forma ali, sob a luz tênue da Lua.

O pescoço delgado fazia uma curva ridiculamente bonita e a pele parecia mais pálida. Os cabelos escuros enrolavam na nuca, o que era gracioso, se descrito com verdade. A aparência de Roberto era serena e calmante. Balançando a cabeça em negação e engolindo em seco, voltou sua atenção para o céu, novamente. A Lua parecia especialmente bela, observou. Por alguma razão, ela lembrava Roberto.

– Roberto,... – chamou hesitante. Quando recebeu a atenção que desejava, continuou: –... você que tem conhecimento dos “mais variados assuntos” – Fez aspas no ar –, me diz uma coisa... É normal um homem amar outro homem? – Esperou uma risada, alguma chacota, quem sabe perguntas enxeridas... Roberto não fez nada disso, como outros adolescentes fariam. Sem que pudesse controlar mais uma vez, um rubor espalhou-se por seu pescoço e por seu rosto, concentrando-se em suas bochechas. Roberto o olhou com estranheza antes de responder finalmente:

– Qual a diferença?

– O quê? Não responda a uma pergunta com outra pergunta! – O garoto de cabelos escuros suspirou.

– Não há nada de errado. Pelo pouco que sei, você estaria amando a outro ser humano, como você. Almas não têm sexo, afinal.

– Ué... Você se vê amando uma pessoa do mesmo sexo?

– E por que não? Seríamos pessoas. Pessoas devem ser felizes. – Foi a vez de Eduardo suspirar.

– Por que acha isso?

– Porque uma mente que se abre para novas ideias nunca volta ao tamanho original. – Uau... Eduardo sentia orgulho pelo fato de ser amigo de alguém como Roberto. Mesmo não tendo a certeza de que deveria se sentir assim por isso.

– Certo... – começou novamente. – Você já teve alguma experiência do tipo?

– Como? Com outro homem? Alguém já disse que você pergunta muito?

– Você perguntou três vezes de uma vez. – apontou com acusação. – Responde. – pediu com mais urgência. Roberto revirou os olhos antes de responder.

– Não. Eu nunca senti o desejo de ficar com outra pessoa. Garoto, garota...

– Ah. – Por alguma razão da qual não se orgulhava, Eduardo sentiu um peso sair de seu peito. Alívio.

– Mas, eu acho que agora é diferente. – E o peso pareceu ter se alojado de maneira ainda mais doloroso no mesmo lugar.

– O que você quer dizer? – lutou para ocultar o desespero da voz.

– Eu gosto de você. – direto e curto. Roberto o assustava, definitivamente. E Eduardo nunca pensou que seria possível engasgar com ar até aquele dia. Sempre admirou a sinceridade de Roberto, mesmo no tempo que ele era só o "garoto de cabelos escuros da biblioteca".

– Alguém já disse que sua franqueza é sua bênção e sua maldição? – Roberto não sorriu.

– O que você sente em relação a mim? – questionou com calma. Eduardo quis responder. Quis mesmo. Dizer "amo você como um irmão" ou "você é um ótimo amigo". Era suposto que se negasse uma confissão assim. Porém, as palavras ficaram presas em sua garganta. – Não sabe? – Eduardo assentiu com relutância. Ele sabia o que ia acontecer, mas não sabia ao certo como se sentia sobre isso. – Certo. – Roberto aproximou seu rosto do seu. – Posso tentar te ajudar? – Assentiu novamente. Não iria fugir.

Roberto quebrou a distância entre seus lábios. O toque era gentil e suave, como uma brisa fresca no verão. Seu cabelo castanho claro era segurado com delicadeza. Os dedos de Eduardo se fecharam na camiseta do garoto de cabelos escuros, como se ele fosse sua tábua de salvação em meio a um oceano furioso. Não se mexeram, não interromperam o ato, apenas se beijaram com doçura.

Quando acabou, estavam corados e respiravam com força. Mesmo Roberto, tão controlado e absoluto sobre suas emoções. Eduardo olhou confuso, assustado, receoso. Até o momento, não havia sentido desejos físicos ou atração emocional por um garoto. Mas, Roberto é diferente. Ele...

– Estou apaixonado por você. – e soltou a bomba. – Eu sei que pode parecer repentino, mas faz realmente muito tempo. – Eduardo tornou-se ansioso por saber.

– Desde quando?

– Desde o tempo em que você ia à biblioteca com preguiça exalando de seus poros.

– Hei! – Roberto sorriu. Um sorriso verdadeiro e puro. Eduardo não pôde evitar sorrir junto. Olharam novamente para a Lua. Tão linda, tão fria e tão distante. Talvez por isso ela tenha lhe lembrado de Roberto em um primeiro momento. Não mais agora. Ele com certeza é mais acessível. – Isso é bom. Eu achei que levaria um épico pé na bunda. – e riu. Roberto o olhou surpreso, mas logo a sombra de um sorriso passou por seu rosto.

– Porque você é muito burro. – entrelaçando suas mãos, Roberto beijou sua testa, encostando a cabeça em seu ombro no momento sucessor. Eduardo pensou que poderia querer mais nada.


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