End of the World escrita por Agatha, Amélia


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Quando vocês estiverem lendo isso, estaremos viajando, muito longe de casa, mais especificamente no fim do mundo. Como onde estamos não tem internet, vai ser meio complicado responder os comentários, mas tentaremos assim que possível. Demoramos um pouco para postar porque, como teremos dificuldades para escrever, preferimos fazer uma pequena reserva de capítulos. Apesar disso, só temos até o 5 por enquanto, e pretendemos postá-lo semana que vem. A partir de agora, tentaremos estabelecer uma rotina de postagens semanais.
Boa leitura!



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Mergulhada em seus pensamentos, a garota estava com a cabeça levemente inclinada para a janela, observando a paisagem branca devido à neve que caía. Avery Dickens pensava em sua vida, todas as pessoas que haviam sido importantes para ela, os acontecimentos mais marcantes e, principalmente, nas coisas que perdera com o apocalipse, tudo o que sentia falta e não poderia ter novamente. Desde o chato professor de Educação Física, que lembrava seu pai pela severidade, até o seu amado computador, Avery sentia falta de tudo isso, tudo o que ela queria era a sua antiga vida de volta.

O novo cotidiano, para ela, só poderia ser resumido em uma palavra: tédio. De uma hora para outra sua família tinha sido arrancada de casa, sem explicação alguma. No início, não havia nada além das perguntas, Avery ouvira seus pais sussurrando, vira as expressões sérias em seus rostos, e tudo o que tinha eram especulações. Pensara que poderia ser um ataque nuclear ou até mesmo uma guerra, já que seu pai era militar. Havia se surpreendido muito ao descobrir, por conta própria, que eram pessoas infectadas, com aspecto mórbido, que atacavam as outras, se alimentando delas. Desde então, sua vida mudara drasticamente, e tudo indicava que permaneceria desse jeito por mais tempo, apesar de seus pais estarem certos de que tudo se resolveria.

Avery não podia fazer perguntas ou objeções, no entanto isso não era novidade para ela. As raras conversas que tinha com seus pais estavam relacionadas à sobrevivência, procura por combustível, água, alimentos, abrigos e esconderijos. Seus dias se resumiam em realizar tarefas maçantes. O humor de seu pai, John, piorara muito ao decorrer dos dois anos, o que levava Rebecca a se posicionar do lado do marido com mais frequência, acarretando maior número de restrições para a filha, de quatorze anos.

A principal proibição da adolescente era também a que mais a aborrecia, não poder matar os errantes. Isso fazia com que Avery se sentisse um peso morto, ela só podia assistir enquanto seus pais abatiam aquelas criaturas. Ela já chegara perto dos caminhantes algumas vezes, o que a levava a questionar mais essa regra e o motivo de John ter permitido que a garota levasse seu taco de beisebol, já que não podia utilizá-lo, uma vez que jogar uma partida estava fora de cogitação. Dessa forma, Avery sentia que o casal, para reduzir a inutilidade da filha, a sobrecarregava com mais obrigações.

– Você está muito calada, algum problema? – Rebecca perguntou do banco da frente, se voltando para a filha.

– Assim é bem melhor – John comentou sem tirar os olhos da estrada coberta de neve e, consequentemente, mais perigosa. A loirinha pensou em revirar os olhos ou realizar qualquer outro tipo de ação que demonstrasse sua revolta por conta da afirmação, contudo não era necessário, ela já estava acostumada com esse tipo de tratamento e de certo modo era até positivo, seu pai estava de bom humor.

– Quando podemos parar? – a mulher indagou após alguns segundos de silêncio.

– No próximo rio. Vamos ver se ele está congelado como os outros. Estamos a uns dez quilômetros de lá.

O carro preto estacionou no acostamento da rodovia. Alguns metros a diante, depois do declive, se situava o rio que, para a sorte da família, ainda possuía água corrente, diferente dos dois anteriores. A nevasca que parecia ser uma das mais rigorosas que o estado da Geórgia recebera em anos, já tinha passado, porém seus estragos ainda eram visíveis, o que incluía o congelamento da maioria dos rios. Por sorte, era possível usufruir do líquido para beber, além de outros fins, mesmo com a baixa temperatura em que a água se encontrava. O leito do rio era rodeado por cascalhos, que separavam o local da floresta que o rodeava.

– Leve a sua mochila, vamos lavar algumas roupas sujas – Rebecca falou saindo do carro.

– Avery, encha as garrafas – John entregou seis recipientes de plástico vazios para a filha, que mal conseguiu carregá-las.

Vamos, escrava, encha as garrafas de água. Ela apenas pensou, ao invés de murmurar, pois sabia que dessa forma não poderia ser ouvida. A loira se agachou na beira do rio, constatando que, mesmo não estando congeladas, as águas possuíam uma temperatura muito baixa. O trabalho foi executado rapidamente, Avery já estava acostumada com aquilo. E era engraçado como pai possuía consideração por ela justamente quando havia se tornado uma espécie de “empregada”, pois antes a loira era um fardo para ele, um fato que John adorava expor para a jovem.

Ela respirou fundo e decidiu voltar para o carro, não havia mais nada para se fazer ali e ajudar a mãe a lavar as roupas não era um tarefa que lhe agradava. Desistiu da ideia ao notar que seu pai estava lá, observando o motor do veículo. Os dois nunca tiveram uma boa relação, na verdade o que ocorria entre os dois só podia ser definido como péssimo. John tinha certeza de que Avery não era sua filha, pois, na época em que Rebecca havia engravidado, o Primeiro-Sargento estivera servindo o Exército na região do Oriente Médio e Ásia Central. O homem só tinha aceitado criar a garota devido à esposa, entretanto não se esforçava para fingir que gostava dela.

– Você precisa de ajuda? – Avery perguntou ao se aproximar da mãe, ansiando por uma resposta negativa.

– Não, deixe as suas roupas aqui.

A adolescente realizou a tarefa e, logo em seguida, se sentou perto da beira do riacho, a alguns metros de Rebecca, e começou a comer algumas frutas secas que levava na mochila. Só usava uma colher porque usar as mãos sujas era “extremamente mal-educado e anti-higiênico. Por que você acha que tantas pessoas morreram nesses últimos tempos?” Esse era o argumento do casal Dickens para tentar dar modos à filha. Claro, porque nos últimos tempos as pessoas vêm sim morrendo infectadas por vírus, um vírus que as transforma em mortos-vivos...

Instantaneamente, Avery teve uma ideia. Se havia um jeito de provar sua utilidade, era tomando uma atitude. Reclamar ou questionar, algo que ela sempre fazia, não adiantaria nada. No entanto, se fosse capaz de mostrar que conseguia se virar sozinha, talvez seus pais finalmente dessem a autonomia que a garota tanto desejava. Várias ideia passaram pela sua cabeça, todavia todas eram muito complicadas. Algo simples, porém crucial para a sobrevivência, seria o suficiente. Buscando no fundo de sua memória, Avery se lembrou da noite em que uma fogueira havia sido a única barreira entre sua família e a morte.

Dessa forma, a loira tentou se recordar das aulas de Ciências, algo que ela julgara desnecessário durante toda a sua vida. Ela pegou a colher, finalmente aquele objeto simples lhe serviria para algo realmente importante. “Os espelhos côncavos podem ser utilizados para produzir altas temperaturas.” Avery cavou um pequeno buraco no chão, preenchendo-o com alguns galhos e folhas secas encontrados no chão.

– Parecia mais fácil no livro – a jovem murmurou para si mesma, enquanto tentava usar a colher para redirecionar os raios solares, o que não era uma tarefa muito fácil já que a radiação solar nessa época do ano era ínfera. Durante aproximadamente um minuto, Avery ficou focada naquilo, até que as primeiras faíscas se formaram, até que as chamas surgiram e se alastraram pelo buraco. – Eu consegui! Pai! Vem ver o que...

O cenário que ela encontrou era bem diferente do que esperava. De início, a adolescente piscou diversas vezes, para conferir se era mesmo verdade. Sua mãe, alguns metros adiante, estava deitada no chão, enquanto três errantes colocavam as mãos dentro de seu abdômen, completamente aberto, para retirar seus órgãos internos. O sangue escorria em abundância pelo seu cadáver, formando uma mancha vermelha no rio. Mais mordedores se aproximavam, vindos da estrada. Seu pai estava ao lado do carro, ainda vivo, e cercado por duas dezenas de caminhantes. Era um número grande de mais para a munição que possuía, Avery sabia que ele não sobreviveria. Mesmo com todo treinamento do exército e a alta precisão de seus disparos, era tarde demais.

O cheiro característico dos mortos rapidamente tomou conta do lugar, juntamente com o odor do sangue quente de Rebecca e John e o da fogueira, cujas chamas aumentavam cada vez mais. Outros gritos oriundos da boca do Primeiro-Sargento foram ouvidos, todo aquele ambiente de horror parecia ter sufocado a garota que não conseguira mexer um músculo desde então. Uma tremedeira tomou conta do seu corpo enquanto alguns errantes, percebendo a presença de uma terceira pessoa viva, caminharam até a jovem Dickens.

Lentamente, eles foram formando um semi-circulo em volta da loira, que não tinha muitas escolhas de fuga. Se quisesse realmente sobreviver, ela teria que fazer algo. Havia duas opções: ficar e morrer ou correr e tentar sobreviver. Avery podia estar chocada e com medo, mesmo assim preferiu a segunda opção, a sede de viver era maior que tudo isso, principalmente somada ao pavor de ter criaturas asquerosas abrindo seus tecidos e utilizando seus órgãos como alimento.

Sem parar para olhar para trás ela correu, correu e correu. Era o único comando que sua mente mandava o corpo executar, o cansaço, a falta de ar, o peso da mochila e o medo eram totalmente ignorados. Não era mais Avery quem estava no comando das ações realizadas por seus membros, e sim um extinto de sobrevivência que era impulsionado pela adrenalina em suas veias. Ela não pararia até que estivesse se sentindo segura, e para isso precisava ficar o mais longe possível da ameaça dos caminhantes, mesmo que isso significasse adentrar em uma floresta desconhecida sem uma rota certa.

Sem comida e proteção, Avery parou no meio da mata para recuperar o fôlego. Com as mãos nos joelhos, ela se apoiou na árvore e ficou parada lá por longos instantes, levando ar para seus pulmões e logo depois começando a chorar. Após uma longa e exaustiva caminhada e do choque inicial, ela finalmente derramou as lágrimas, principalmente por seus pais. E seu pranto também fluía pelo que sentia. Medo de ficar perdida em uma floresta, totalmente sozinha e sem suprimentos.

Apesar de não terem sido os melhores, bem longe disso, o casal havia criado a garota e convivido com ela por mais tempo que ninguém. Com todas as brigas e desentendimentos, eles ainda eram a sua família, a única que sobrara desde o início do fim do mundo, John e Rebecca tinham sido os responsáveis pela sobrevivência dela nos dois anos anteriores. Avery resolveu ignorar os momentos ruins. Os bons, mesmo sendo raros, seriam tudo que ela teria deles. Os feriados que tinham passado juntos e relativamente bem, na infância, quando sua mãe tivera o costume de buscá-la na escola e, o mais incrível, as poucas vezes em que seu pai demonstrara carinho, afeição e até mesmo orgulho por ela. Esses momentos, exatamente por não acontecerem com frequência, eram umas das coisas que mais a alegravam, e que ela manteria vivos em sua memória.

– Então... Eu vou andar, estou por aí – Avery escutou uma voz feminina dizer. No primeiro momento, ela ficou assustada. Fazia quantos meses que ela não via alguém vivo além de seus pais? Ela mesma já havia perdido a conta, uma parte de seu cérebro dizia que era uma coisa boa que viera em boa hora, uma vez que a loira se encontrava sozinha. Outro lado deixava a menina em estado de alerta, e Avery até cogitava pegar seu taco de beisebol da mochila, mesmo sem saber o porquê, de tanto medo e apreensão. Talvez fosse apenas instinto.

Mantenha a calma. A loira pedia a si mesma enquanto escutava o som dos passos se aproximarem cada vez mais, atitudes afobadas e imprudentes de nada adiantariam, uma vez que a pessoa desconhecida poderia muito bem tomar atitudes drásticas. Então, ela apenas desejou que tudo ficasse bem, não importava em que situação, afinal só havia duas saídas: dar de cara com uma pessoa desconhecida ou ficar escutando seus passos se distanciarem e continuar sozinha na mata fechada.

O som se aproximou tanto que quando Avery se deu conta, ela já avistava uma mulher loira passando pelos galhos com certa dificuldade. Ela parecia estar distraída e não notou a presença da jovem, até porque parecia travar uma batalha com o emaranhado de folhas que havia se formado em volta dela, a falta de jeito, as madeixas loiras soltas e a grande mochila que levava nas costas eram um grande empecilho para a mulher. Era uma situação tão estranha e simples de ser resolvida que Avery soltou uma pequena gargalhada, chamando a atenção da mulher.

– Você é um deles? Um morto-vivo? – a loira mais velha indagou assustada enquanto recuava alguns passos, se afastando da menina.

– Sou sim, aprendi a rir e a falar! – ela debochou e deu um sorriso fraco, fungando antes de limpar o rosto molhado. Talvez fosse melhor para Avery se esquecer dos pais que perdera, ignorar a dor momentaneamente lhe traria menos sofrimento. A garota sabia que teria a noite inteira para chorar por eles, contudo, naquele momento, tinha questões relacionadas à sobrevivência para tratar.

– Engraçadinha...

– Vai querer ajuda? – Avery perguntou se aproximando e, mesmo sem obter resposta, ajudou a garota que dificilmente conseguiria se livrar sozinha.

– Não costumo receber ajuda de pirralhos – a Dickens revirou os olhos com o comentário. Eu deveria imaginar que ela era uma patricinha mimada... –, mas, como você me ajudou e também é a primeira garota viva que eu vejo em quase dois anos, acho que podemos ser amigas! A propósito, sou Kate Harris.

– Avery Dickens.

– Você pode morar comigo! Isso é, se você não tiver nenhum lugar para ficar.

– Claro, vamos pintar as unhas e fazer trancinhas umas nas outras! – Avery exclamou totalmente irônica, uma vez que animada ela não estava, e sim entediada. A experiência que a órfã possuía com garotas do estilo de Kate não era nada boa, afinal, era praticamente impossível encontrar uma estudante em seu colégio que nunca tivera problemas com as populares da Escola Municipal de Columbus.

– É claro que não vamos fazer isso! – Kate disse já perdendo o pouco de paciência que possuía. Contudo, era melhor mantê-la, uma vez que ela acretidava ser por uma boa causa. – Não sei se você sabe, mas nós estamos em um apocalipse, pessoas morrem num estalar de dedos! – Avery sabia muito bem o que era isso, em uma hora seus pais estavam lá, vivos, e na outra estavam no chão sendo dilacerados pelos caminhantes. – Ter um abrigo é essencial, eu tenho um e isso é ótimo, mas é completamente tedioso! Você tem que me entender, eu vivo cercada de homens e tem horas que eles conseguem ser muito irritantes, até mesmo meu namorado!

– Bom, digamos que eu não tenha um abrigo, nem comida. Vocês estariam dispostos a me dar alimento e um teto?

– Óbvio que sim! Titio Matt adora ajudar desabrigados! Até faríamos isso se encontrássemos algum... Então, você vem?

Avery ponderou por alguns instantes. Ela tinha alguma opção? Essa seria a melhor que a loira poderia ter, e estaria sendo muito ignorante se deixasse a oportunidade. As pessoas do tal grupo lhe pareciam ser boas, com exceção de Kate. O Tio Matt poderia ser legal, pessoas de idade costumavam ser bastante acolhedoras, e Avery não pôde deixar de compará-lo ao seu falecido avô, mesmo antes de conhecê-lo.

A jovem observou Kate mais uma vez, dessa vez tentando analisá-la mais profundamente. Sem dúvida alguma, ela se assemelhava a uma boneca, sendo igualmente bonita. Seus cabelos longos e ondulados, que quase atingiam a cintura, possuíam uma tonalidade dourada como o Sol, olhos azuis, rosto comprido, alta e magra. Ela usava um macacão jeans com um grande furo no joelho direito, que mais parecia obra do acaso do que um estilista, e uma blusa bege de mangas compridas para proteger do frio, que Avery poderia jurar que já fora branca um dia.

– Você vem ou não? – ela perguntou novamente, ao notar que a garota estava perdida em pensamentos.

– Sim, eu estou sozinha mesmo... – Avery colocou as mãos nos bolsos e focou o olhar no chão. O silêncio tomou conta do local, nenhuma das duas sabia o que falar.

– Agora eu preciso falar com o titio, sei que você vai adorar conhecer todo mundo. Somos só quatro pessoas, mas estamos aqui desde o começo.


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Notas finais do capítulo

O que acharam do capítulo? Assim que tivermos tempo (e internet) iremos atualizar o Tumblr, só falta publicar mesmo. Já tínhamos em mente como seria a mãe da Avery fisicamente, mas acabamos decidindo o pai dela de última hora. Ambos não estarão no Tumblr porque não consideramos importante, e não temos nada para escrever sobre eles.
John Dickens: http://falacinefilo.com.br/wp-content/uploads/2013/02/Harrison-Ford-2.jpg
Rebecca Dickens: http://www.fimho.com/wp-content/gallery/michelle-pfeiffer-pics/Michelle-Pfeiffer-speacial.jpg
Até o próximo!