Refugiados escrita por Lara Campos


Capítulo 8
Capítulo 8 - Refugiados


Notas iniciais do capítulo

É... esse é o último capítulo. Foi muito bom escrevê-lo, aquele sentimento de dever cumprido, de sentir que mais um filho foi posto ao mundo haha' Pois é, minha gente. Espero que tenham gostado, avisando que eu postarei logo um EPÍLOGO, então não sumam. Fiquem por aí e um último capitulozinho estará logo em suas mãos.
~
Aos que gostaram, comentem suas impressões e suas criticas também. Aos que gostaram mais um pouquinho, uma recomendação da história não faria mal a ninguém, né? E aos que não gostaram... então... beijinho no ombro, porque eu fiz o melhor que pude.

Até mais, gente. Não se esqueçam do epílogo.



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Paylor manteve-se em silêncio, sabendo que nossa decisão já havia sido tomada e que não dava para mudar a votação.

_Só há um porém… - disse Paylor com os olhos semicerrados - Thomas quer um acordo. E vocês certamente vão querer ouvir o que ele tem a dizer.

Peeta PDV

_Então… ele quer falar comigo pessoalmente?

_Isso é uma loucura, certo? Eu não vou permitir uma loucura dessas, ninguém vai. Esse cara pode…

_Eu vou - interrompi Katniss e ela ficou boquiaberta tentando digerir minhas palavras -.

_O que?

_Eu vou, Katniss.

_Peeta, você não tem esse direito.

_Direito? Óbvio que eu tenho esse direito. Aliás, eu sou o único que tem esse direito por aqui. Eu nem sei onde estou, Katniss. Desde que desmaiei só você entrou nessa sala para me visitar e eu tenho certeza de que você veio sem a autorização de ninguém deles.

O desdem em minha voz ficou um pouco palpável demais e Katniss abaixou os olhos fitando o chão, sem respostas por um segundo. Ela estava sentada ao meu lado, agora, em minha cama, e dividíamos um espaço muito pequeno para nós dois. Desde que Gale e Haymitch haviam entrado no quarto a pezadas permanecíamos ali com a porta aberta, sem pudores ao falarmos, e de pouco em pouco enfermeiros passavam pelos corredores e vigiavam pelo canto dos olhos a nós dois.

Katniss havia contado tudo para mim. Tudo desde que minha memória começara a falhar devido aos truques mentais de Thomas contra minha sanidade. Eu ainda não tinha cem por cento de certeza de que tudo era real, mas a sensação de ter Katniss ao meu lado era muito boa. Por isso, devia, sim, ser real. E toda aquela história fazia total sentido. Como o fato de estarmos de novo na capital, a decisão de matar Thomas, o convite de Paylor para que eles pudessem formular novas leis - ela precisaria de um Conselho, afinal - e a chantagem de Thomas.

Esse último detalhe.

Eu não tinha garantia nenhuma de que sairia ileso de tudo, mas queria encontrar Thomas. Pelo menos uma última vez. Ele havia requerido uma conversa a sós comigo em troca de algo que dizia poder resolver meus problemas mentais. Uma espécie de antídoto que a Capital, caso precisasse, havia desenvolvido para me trazer de novo à realidade de uma vez por todas. Mas será mesmo que ele dizia a verdade? Tudo parecia absurdo e, afinal, qual era a intenção dele ao me curar, quando todos tinham a certeza de que ele havia piorado meu quadro de perturbação?

_Eu não sei o que dizer.

Katniss permaneceu quieta, buscou meus olhos fixando os seus e quando nosso olhar finalmente se encontrou ela começou a chorar. Senti uma pontada no peito ao vê-la daquela maneira e puxei-a pelos ombros para um abraço.

_É a minha única chance, Katniss.

Ela não respondeu.

_E se eu tenho que escolher entre viver uma vida atormentada para sempre e encarar aquele psicopata de frente mais uma vez, acho que prefiro a segunda opção. Talvez eu ainda possa ser salvo.

_Eu nunca mais... vou te deixar sozinho. Nunca mais.

Ela soluçava entre uma palavra e outra e seu rosto se escondia cada vez mais fundo em meu peito.

Se aquela seria a única chance de voltar ao normal e ser feliz ao lado dela, eu nem hesitaria.

~

Plutarch havia me visitado logo depois que Katniss deixou o meu quarto. Ele me explicava detalhadamente como faríamos para que minha segurança fosse garantida durante meu tempo de conversa com Thomas e também me dava instruções básicas como: não se aproxime demais, não o toque, use esse sinal caso perceba que está perdendo o controle - ele levantou quatro dedos da mão esquerda simulando o sinal - e não saia da sala sem nos comunicar antes. O local em que conversaríamos seria monitorado por câmeras e os corredores de acesso também.

Após dadas todas as regras, Plutarch solicitou que um dos enfermeiros trouxesse uma muda de roupas para mim e que logo em seguida levasse meus pijamas brancos deprimentes. Levantei-me da cama, fui ao banheiro, lavei meu rosto diversas vezes olhando em seguida para o espelho e tentando reconhecer minha própria imagem refletida. Eu devia ter emagrecido uns dois quilos nesses últimos três dias. O suprimento hospitalar intravenoso não parecia nem de longe tão nutritivo quanto os pães e a comida de Greasy Sae que geralemente me alimentavam. Mas o fato era que eu tinha certeza de que aquela seria a última vez em que me sentiria tão fraco, tão estúpido e que teria dúvidas sobre a realidade.

Haymitch apareceu cerca de uma hora depois estendendo-me a mão e indicando que eu já podia sair de meus aposentos.

_É agora, hein? - começou ele tentando quebrar o silêncio apavorante em que os corredores do hospital se encontravam -.

_É.

_Tem certeza de que é a melhor maneira? Quero dizer, você estava bem até esse cara voltar.

Certamente Katniss havia pedido para Haymitch tentar uma última vez fazer com que eu mudasse de ideia. Ou até o próprio havia pensado em fazê-lo, já que Katniss e ele pareciam sangue do mesmo sangue de tão iguais.

_É minha decisão final, Haymitch. Eu preciso tentar. Por mim. Por Katniss.

_Certo, então, filho. Boa sorte e… mantenha-se vivo.

Suas últimas palavras fizeram com que um sorriso escapasse de meus lábios. Haymitch nunca perdia seu senso de humor deturpado e agora remontava nossos últimos momentos - meus e de Katniss - antes de entrar na arena, dando o conselho menos útil possível, mas ao mesmo tempo o mais honesto que pôde.

_Pode deixar - respondi batendo minha mão direita em seu ombro -.

Andei por mais uns cinco minutos a sós, seguindo as direções que Plutarch havia me dado acerca de onde deveria entrar para me encontrar com Thomas. A cada dez metros uma nova câmera aparecia em meu campo de visão, recém colocada e equipada para um ângulo de 360 graus: visão completa. Ao encontrar a sala com o número quarenta e oito gravado na porta parei por um segundo. Fechei meus olhos, respirei fundo e dei mais dois passos, girando a maçaneta e já dando de cara com Thomas sentado em uma cadeira branca acolchoada e com os braços e pernas acorrentados à parede.

_Se não é meu paciente preferido…

_Doutores normalmente cuidam de seus pacientes - minhas palavras saíram como num piscar de olhos. Mantive-me de pé a cerca de dois metros de distância dele -.

_Pois eu cuidei de você, Peeta. Como ninguém cuidou até hoje.

Tive vontade de rir. Um riso de deboche, de nojo e de descrédito com tamanho sinismo.

_O que você quer, afinal? Dois minutos do meu tempo, antes de morrer, pra me convencer de que somos almas gêmeas?

Ele sorriu pelo canto dos lábios.

_Acredito que não sejamos almas gêmeas, meu querido. Mas que você é um cara interessante, eu não posso negar. E não digo isso com interesses - ele deu de ombros - Minhas preferências são outras e creio que as suas também.

_Então? - perguntei já impaciente -.

Olhar para ele soberano naquele cômodo imensamente pintado de branco me dava náuseas. Suor escorria pela lateral de meu rosto e ele quase congelava ao tocar minha pele fria e pálida.

_Não vou tomar muito do seu tempo. Quero apenas que ouça tudo que tenho a dizer com a mais profunda honestidade que consigo carregar dentro de palavras.

Assenti com a cabeça, olhando em seguida para a câmera no canto da sala.

_Quando você foi capturado pela capital, Snow deu ordens claras para todos os subalternos da mansão para que mantivessemos você totalmente a salvo. Recebemos suas palavras como máxima intocável e esperamos por mais direções. Alguns dias se passaram e o clima parecia cada vez mais tenso dentro da Casa Branca. Todos sabiam que a rebelião estava por vir. Nós, da Capital, não somos idiotas, apesar de um tanto superficiais dentro daqueles moldes de vida. Quando fui designado especificamente para cuidar do seu caso, tudo já estava caindo aos pedaços. Você salvou o que poderia ter sido o fim da força daquela revolta dos Distritos, rapazinho. Seu alerta em todas as televisões de Panem salvaram o Distrito 13. Salvaram Katniss. E isso Snow nunca perdoaria, por isso precisava te causar dor. Precisava destruir o ímpeto de heroi de dentro de você.

[...] Eu me perguntei por bastante tempo: por que? Por que aquela criança de dezessete anos se importava tanto com um país todo, com um sistema? E percebi que essa não era a questão. Fizemos um mapeamento completo de sua mente nas máquinas mais avançadas que você imaginar e tudo o que eu pude sentir foi um completo êxtase. Eu nunca havia me deparado com algo tão complexamente maravilhoso. Veja bem, cada uma de nossas lembranças se conecta com os neurônios de maneiras diferentes através de sinapses químicas. Quero dizer, em cada região de nosso cérebro há um compilado de ligações que remetem a uma imagem, uma sensação e um tipo de sentimento. Acontece que todas essas informações têm como precursores um tipo específico de proteína que atua diretamente no gene responsável pela nossa capacidade de manter essas tais memórias.

[...] Mas sua mente, meu jovem, é muito mais desenvolvida do que qualquer máquina que um dia vamos construir. A mão do homem nunca vai ser tão poderosa quanto à da natureza. E isso foi o bastante para que eu quisesse congelar você no tempo, estudá-lo indefinidamente e extrair o elixir da memória perfeita de dentro de você. Katniss, aquela mocinha, no entanto, ocupava mais de noventa por cento de suas memórias e Snow estava completamente determinado a fazer um tipo de vingança pessoal contra o tordo. Ele sabia que era inevitável que o sistema caísse e que ele cairia junto. E então, nós dois juntamos forças. Eu nunca quis te destruir. Mas para conseguir o que queria, tinha que desconstruir seu cérebro. Tinha que fazer de seus neurônios tão inúteis que eles seriam incapazes de se ligar mais uma vez. Porque eu precisava daquela proteína. O elixir. Eu precisava de tudo que estivesse dentro de você.

Uma sensação ruim foi crescendo em meu estômago. Todas aquelas palavras, todas aquelas lembranças da dor que eu sentira enquanto perfuravam meu cérebro e injetavam em mim o veneno das teleguiadas. Náusea. Meus olhos estavam se fechando aos poucos devido à fraqueza de meus músculos e Thomas continuava a falar.

[...] O veneno das teleguiadas veio como ideia de Snow. As alucinações, as perdas de memória, junto com minha extração do que eu precisava de dentro de você fizeram com que o efeito de sua loucura fosse levado a um extremo inimaginável. E suas lembranças, todas foram deturpadas. Todas as ligações relocadas. Quase todas, aliás. As que envolviam Katniss eram quase impossíveis de quebrar, mas também eram o principal alvo. Você tinha tantas delas que eu não sabia o que faria. E foi exatamente assim percebi que tinha apenas que enfraquecer algumas das ligações, ao invés de destrui-las. Por que mais uma vez, meu jovem, a mão do homem nunca vai ser tão grande quanto à da natureza.

Meu corpo começou a se queixar mais fortemente. Minhas pernas bambas já não conseguiam mais se manter de pé e foi então que caí no chão ajoelhado. Eu ainda estava lúcido, porém.

_Você é um tipo de maluco, cara… - minha voz fraca ainda conseguiu insultá-lo em meio à minha fraqueza e os litros de suor que escapavam de meu corpo -.

_Eu te disse uma vez e vou repetir, Peeta. Você pode morrer como um heroi ou viver como um eternamente perturbado.

Suas palavras começaram a ecoar em minha mente repetidas vezes. Você pode viver como um heroi… ou um eternamente perturbado. Heroi ou eternamente perturbado… Heroi… eternamente perturbado. E aos poucos eu sentia que meus olhos não aguentavam mais. Irrompi-os em lágrimas que se misturaram ao suor molhando a gola de minha blusa por completo.

_Porque eu preciso ser um heroi morto? Que tipo de heroi é esse? Eu não quero ser heroi de nada… eu não sou nada! - eu batia minhas duas mãos na lateral de minha cabeça com raiva ao falar e podia sentir o vibrar de minhas têmporas pedindo para que eu parasse. Mas eu simplesmente não conseguia -.

_Porque você nunca vai conseguir voltar ao normal enquanto tiver Katniss em sua vida. E eu sei que você preferiria morrer a estar longe dela.

Minha ânsia parou subitamente. Levantei meu rosto ainda de joelhos no chão. Olhei para Thomas com os olhos caídos e encharcados. Enxuguei meu rosto com uma das mãos e percebi que estava começando a entender onde ele queria chegar.

_Quer dizer que… esse antídoto… não existe?

_Existe sim, Peeta. Mas como eu te disse, sua mente é muito forte. A única maneira de fazer com que você volte ao normal é destruindo todas as ligações que ela tem. E isso significaria esquecer que Katniss existe. Viver com o que todos vão te contar sobre o passado. Olhar para ela como se sentimento algum houvesse existido um dia.

Aquilo era absolutamente inimaginável. Valeria a pena viver sem lembranças? Por mais doloroso que fosse conviver com minha própria imagem refletida ao espelho, valeria mesmo a pena olhar para um horizonte sem nada e reescrever tudo que já vivi? Amar Katniss era doloroso. Mas como seria não amar? O que eu saberia sobre a vida, se não me lembrasse ao menos dos erros que me levaram ao aprendizado? Quem eu seria, enfim? Um bebê de colo mais uma vez?

Tomei um fôlego rápido. Recompus minha postura. Aproximei-me de Thomas mais do que o recomendado até tocá-lo na altura dos ombros.

_Uma vez eu a levei para a superfície de um dos nossos prédios de treinamento durante os Jogos. Tudo o que eu sempre quis durante uma vida inteira como homem, apesar de eu ainda nem ser um, foi olhar para ela e perceber que eu tinha toda a atenção de seus olhos. E foi exatamente nesse dia que eu disse que não faria de mim um fantoche da Capital. Eu seria eu mesmo até o minuto em que morresse na Arena. E, Thomas, eu ainda não morri. Prefiro ser um refugiado dentro de minha cabeça para sempre do que olhar para Katniss e não ver nos olhos dela a mulher que eu sempre amei.

Nem trinta segundos se passaram e a porta atrás de nós dois estava se abrindo com um baque estrondoso. Minha aproximação devia ter colocado todos em alerta máximo, apesar de que toda a Central podia ouvir nossa conversa através das filmagens com voz de nosso quarto. Olhei para trás e Katniss estava vindo em minha direção correndo e chorando. Haymitch, Gale, Plutarch e até Johanna - que eu nem tinha ciência de que estava ali - estavam atrás dela também, como um exército pronto para me salvar e tirar Thomas de circulação de uma vez.

Katniss me abraçou com uma urgência desmedida e afundou seu rosto em meu ombro esquerdo, soluçando e buscando ar a todo momento. Retribuí seu abraço sentindo-me completo com seu corpo ali, mais uma vez, perto do meu. Todos nos olhavam perdidos naquele momento e até mesmo Gale acenava a cabeça para mim e eu sentia que aquilo tinha a ver com o fato de ele ter nos ouvido durante todo aquele tempo e, portanto, ele aprovava minha atitude com um olhar cortês.

_Peeta, eu…

_Shii… - calei sua boca com meus dedos e acariciei seus fios soltos do penteado que ela estava, ajeitando-os -.

Saímos da sala, todos, sem uma palavra sequer. Katniss e eu fomos levados a um quarto conjunto em um prédio alto e recém reformado ao lado do hospital. Rebirth¹ era o nome pintado na faixada do prédio. Era até um pouco irônico. Subimos, então, e ao entrar em nosso apartamento Katniss virou meu rosto rapidamente com suas mãos e grudou seus lábios aos meus.

_Eu te amo tanto, Peeta. Eu realmente te amo. Eu sei disso.

Sorri sem abrir minha boca.

_Eu também amo você, Katniss. Amo tanto que acho que estou louco.

Ela sorriu ruidosamente em meio a lágrimas que desciam de seu rosto e beijou minha boca mais uma vez, segurando meu pescoço com as mãos trêmulas.


Nós dois seríamos refugiados para sempre. Do mundo. De nossas próprias mentes. Juntos, no entanto. E, finalmente, num amor que era recíproco e mais forte quanto qualquer dor.


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Notas finais do capítulo

¹Rebirth = Renascimento

Estou derretendo em arcoíris aqui.... Everlark, sempre!!!!!!



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