Ethereal escrita por Ninsa Stringfield


Capítulo 2
Primeiro




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Ela caiu agachada o mais silenciosamente possível. Sabia que todas as atenções já estavam voltadas em seu direção, mas realmente não queria aumentar as chances de seus caçadores. Se concentrou em sua respiração, tentando ao máximo mantê-la controlada como se assim pudesse se camuflar junto às sombras. Conseguiu sentir o olhar virtual das Projeções passando como ondas elétricas por seu corpo, mesmo sabendo que nenhuma delas conseguia vê-la de verdade . Sabia que isso nunca tinha impedido um deles antes.

Não conseguia ouvir nada que lhe parecesse suspeito, ou nenhum ruído que pudesse pertencer a um ser vivo. Segurou sua foice com mais força, deslizando a mão pelo cabo que era praticamente do comprimento de seu braço. O gesto pareceu acalmá-la, e usou essa nova sensação de agitação para se desgrudar da parede de aço em que se encostava e continuar seu caminho. Deu algumas voltas pelos caminhos que o labirinto de caixotes abria a sua frente, andando em círculos com a intenção de confundir quem a seguia. Parou novamente para considerar seu caminho. As plataformas superiores pareciam desérticas; mas pensando bem, ela acabara de sair de trás de um daqueles caixotes despercebida. . Podia dar a volta e tentar subir em alguns dos caixotes a sua direita ou podia subir a corda que se estendia a sua frente e ser atacada por milhares de lanças de luz. Detestava servir de distração. Praguejou enquanto guardava a foice na correia de couro que circundava seu corpo e se adiantou para a corda.

Já estava quase sorrindo por perceber que ninguém havia notado-a ali em cima, subindo estupidamente por aquela corda ridícula, quando sentiu a primeira pontada. No começou foi apenas uma leve onda de choque que formigava em sua perna, até que ela não conseguiu mais sentir seus músculos. Desviou de uma flecha que vinha em direção a sua cabeça e continuou a subir utilizando apenas as forças dos braços. Ela errou um dos nós da corda e escorregou um pouco para baixo, outra flecha passando raspando em seu braço, não atingindo-a por sorte. Alguém resmungou um xingamento de algum ponto abaixo de seus pés, mas ela tomou a aproximação apenas como um incentivo e continuou a subir.

– Desista Diane, eu consigo te ver. Fim de jogo - gritou a voz de Cléo, próxima demais.

– Pena que não consegue me acertar.

E continuou a subir.

Houve uma pausa no tiroteio por tempo suficiente para que Diane concluísse que a arma da garota precisava ser recarregada. Já estava quase chegando na esteira do andar superior quando de repente a corda que ela se pendurava mexeu e um grito ficou preso em sua garganta pela surpresa. Não precisou olhar para baixo para saber que era Cléo balançando a corda. Rangeu os dentes enquanto lutava para continuar subindo na corda instável. Mexeu com sua perna esquerda freneticamente até finalmente conseguir senti-la novamente e deu impulso com os pés mesmo ainda sentindo o formigamento.

Requereu uma força sobrenatural para fazê-la pular da corda e conseguir se segurar na esteira na brecha de dois caixotes, estreito o suficiente apenas para que uma pessoa passasse se espremendo. Mas Diane não confiava em aparências, muito menos deixava que sua morte eminente a parasse. Por isso se balançou com nada menos do que seus dedos trêmulos a segurando, tirando força do desconhecido, e deu um impulso forte para trás quando achou que seria a hora.

Quem a observava de baixo ficou boquiaberto e teve que piscar diversas vezes antes de acreditar realmente no que estava vendo. Diane praticamente voou quando soltou seus dedos da esteira e se jogou para trás dando um giro no ar e caindo na plataforma que há pouco se segurava e deu cambalhotas até parar com apenas um joelho apoiado no chão e com a espada de lâmina curta em mãos, que havia pego inexplicavelmente enquanto girava.

Cléo bufou do andar debaixo, resmungando um baixo exibida, antes de gritar para suas Projeções persegui-la. Diane se levantou e correu se esgueirando e se abaixando quando alguma flecha vinha em sua direção. Tinha certeza que a tinta em seu rosto já havia desaparecido, escorrido de seu corpo com o suor, mas não ligou. Aquele era definitivamente o menor de seus problemas. Subiu mais um andar dando saltos mortais e impossíveis de um caixote para outro - tudo isso enquanto se desviava das flechas e ria dos xingamentos de Cléo -, e continuou subindo cada vez mais, até se dar por satisfeita quando um vislumbre de outra cruz cinza fluorescente como a dela apareceu em seu campo de visão, e assoviou.

Michael olhou para os lados, até ver Diane a muitos níveis acima do dele. Ele assentiu e correu atravessando corredores e matando Projeções em uma velocidade impressionante. Ela se empoleirou como um pássaro em cima do caixote mais alto da sala, observando tudo aos seus pés com atenção. Demorou algum tempo até encontrar Irene, seguida por um atrapalhado Nolan, que derrubava adagas de vidro pelo caminho e era obrigado a voltar para pegá-las. Os dois cercavam um pedaço de pano reluzente que queimava algum ponto no fundo de seus olhos conforme ela olhava, irritando sua visão.

Procurou Michael e o encontrou dando a volta no ponto onde Nolan e Irene se mantinham escondidos e na defensiva, prontos para qualquer tipo de ataque. Mas definitivamente não estavam prontos para um ataque duplo. Ela sorriu, e estava prestes a correr na direção da outra corda que se encontrava na outra extremidade do salão quando alguém agarrou seu pé e ela escorregou para trás, batendo sua têmpora na lateral do cubo gigante de metal.

Sentiu o sangue queimar-lhe a pele, mas ignorou a dor quando caiu de costas, sua própria foice perfurando seu corpo. Se levantou de um pulo já dando um chute no guerreiro de energia que cambaleou para trás derrubando um de seus companheiros sem querer, este caindo também e tombando da plataforma até se espatifar no chão em uma confusão de luz e desaparecer para sempre. A Projeção parada na sua frente se recuperou e avançou. Diane tirou a foice da faixa que a prendia as suas cotas e brandiu a arma em sua direção. Ele desviou e girou, atacando mais uma vez.

Dessa vez, ele não conseguiu ir tão rápido e Diane acabou arrancando seu braço fora, desaparecendo no momento que foi desmembrado do resto do corpo. O guerreiro de luz nem pareceu notar a falta do membro, voltando a partir para cima dela. Outros guerreiros começaram a subir e a cercá-la. Uma flecha foi disparada e Diane desviou, assistindo um dos guerreiros desaparecer de vista.

Girou em seus calcanhares e partiu um guerreiro ao meio quando este deu indícios de querer se aproximar dela, depois se virou novamente e acertou outros três num golpe só, que despencaram da plataforma. Ela se agachou e deu uma cambalhota na esteira, derrubando outras duas Projeções e cortando a perna de outro fora. Mas ela não foi rápida o suficiente para parar uma outra flecha que acertou seu pulso esquerdo. Ela ignorou todo o braço que passou e a ser inútil e continuou a brandir sua arma. Aquela foice havia sido forjado para ela, seu cabo de prata detalhado cheio de desenhos que ela escolhera. Nem um dos guerreiros mais experientes do mundo conseguiam pará-la quando ela estava com a arma na mão, mesmo que todos seus outros membros estivessem dormentes, Diane e aquela foice foram feitos um para o outro. Como se a arma fosse mais uma extensão de seu corpo.

Derrubou todos as Projeções que se puseram no caminho entre ela e seu plano de fuga. Deu uma rápida olhada na direção de Michael que lutava sozinho com Nolan e Irene, ambos afastando-o da bandeira reluzente, que agora era protegido por Cléo, que não tirava os olhos de Diane. Deu um piscadela para sua oponente, que apenas revirou os olhos já pronta para a batalha.

Diane era rápida demais, seus reflexos eram bons demais, e os guerreiros de luz que tentavam atacá-la nunca chegariam aos seus pés, mas ela tinha um ponto fraco. Quando era atacada por mais de um guerreiro ao mesmo tempo, ela tendia a se irritar; enquanto girava e decepava Projeções, o ódio a cegava, e ela acabava por baixar a guarda. Por isso Cléo pusera todos os seus guerreiros em cima dela, pois sabia que ela não aguentaria. Diane respirou fundo tentando controlar a raiva, que inchava pelo seu corpo tanto por ser atacada por tantos ao mesmo tempo quanto por ser tão previsível.

Ela fechou os olhos e deixou que seus instintos tomassem conta dela. Era um truque que teve que aprender com o passar dos anos para não acabar morrendo em tal situação. Já não lutava mais com o corpo, mas com a alma, e principalmente com a enorme mancha negra que se estendia por esta e que a corrompia por dentro. Era um truque perigoso, que poucos deles se atreviam a invocar, mas que Diane necessitava para vencer.

Quando abriu os olhos novamente, todos as Projeções de Cléo haviam desaparecido, e quando ela olhou para baixo procurando pelo rosto da garota, a viu subindo pelos caixotes e avançando em sua direção. Diane correu para a corda e guardou sua foice nas costas, então pulou da plataforma no momento exato que Cléo chegou ao seu lado, suas mãos agarrando a corda enquanto suas pernas escapavam das garras da outra. Mas a corda em que se pendurava era fina demais, e ela sentiu seus dedos escapando enquanto escorregava.

Caiu de costas com tudo no chão. Após uma queda de mais de oito andares, sua visão estava turva e seus sentidos desorientados. Sentia uma pontada de alívio enquanto suas mãos ensanguentadas começavam a se curar, mesmo que sentisse que havia fraturado pelo menos meia dúzia de costelas, e utilizou essa nova onda de energia para tentar se levantar. Cambaleou diversas vezes antes que conseguisse firmar o peso em suas pernas e se manter em pé por mais de três segundos sem cair de cara no chão, e então começou a correr.

Diane tinha perdido todo e qualquer senso de direção, se apoiando nos caixotes sem se importar em se desviar das flechas que Cléo atirava em sua direção, não é como se algum membro de seu corpo naquele ponto pudesse fazer falta. Tinha uma leve impressão dos ruídos da batalha a pelo menos dois corredores à frente, e utilizou o som de contato das lâminas de vidro para tentar voltar a si. Não demorou mais de meio segundo para balançar a cabeça e sair de seu estado de torpor, mas não teve muito tempo para desfrutar da falta de sua dor de cabeça quando uma lâmina reluzente passou raspando em seu pescoço, levando parte de sua pele consigo.

O sangue voltou a queimar enquanto escorria e manchava suas roupas, mas agora a dor apenas a mantinha cada vez mais acordada. Sacou sua foice no momento que Cléo surgiu de cima de um dos caixotes e caiu ao seu lado.

– Procurando por algo?

Diane sorriu. A garota estava sem seu arco - com certeza tinha ficado sem munição e sem paciência para esperar que recarregasse -, o que lhe conferia uma grande vantagem. Podia vencer de uma luta frente a frente com ela, mesmo que tivesse descartado suas espadas de vidro enquanto caia aturdida pelos corredores. Ela retirou seu cinto do ombro e todas as facas escondidas nos bolsos de sua calça. O sorriso de Cléo tremia, mesmo que seu olhar continuasse determinado.

– Que tal um à um? - desafiou Diane - Lembra das regras?

A garota também jogou suas facas e pistolas no chão, ficando apenas com uma katana em mãos.

– Se eu lembro as regras? - repetiu ela - Eu inventei esse jogo.

Diane riu e partiu para o ataque. Sua foice cortou o ar quando Cléo se desviou do golpe e correu para um caixote atrás dela dando um impulso neste para dar uma cambalhota no ar e parar atrás de Diane, dando um chute na garota. Ela rolou no chão e girou para se levantar bem na hora que sua oponente brandia a espada em sua direção. Desviou da lâmina por milímetros de distância. Deu mortais consecutivos para trás enquanto Cléo avançava, só parando para se agachar e rolar por debaixo das pernas de sua oponente e puxar sua perna para trás fazendo com que a garota caísse de cara no chão, a katana escapando de seus dedos.

Ela tomou um segundo para recuperar o fôlego, dando tempo para que a garota aos seus pés se levantasse.

– Nunca perca sua arma - disse ela como se estivesse dando lições em uma criança - Pensei que você tinha inventado esse jogo.

Cléo bufou.

– Você fala como uma Treinadora.

Eu fui sua treinadora - lembrou ela - E posso dizer como tal que estou muito decepcionada.

A garota caída no chão xingou um pouco mais. Diane pegou a katana que fora deixada de lado e ajudou a garota a se levantar devolvendo sua arma. O rosto de Cléo queimava de raiva, ela não gostava de perder tanto quanto Diane.

– Vamos lá - incentivou a garota se colocando na posição - E para de prestar tanta atenção na minha foice, é para você prestar atenção em mim, não na minha arma. A arma não faz nada sozinha, eu faço. Não tire os olhos de mim - Cléo torceu o pescoço num estalo anto - E por favor, mantenha seus pés firmes ao chão, não queremos passar por essa situação embaraçosa mais de uma vez.

Cléo partiu para cima dela na velocidade de um verdadeiro leopardo, quase não deixando espaço para que a outra desviasse. Diane teve mais que desviar do que brandir sua arma em si, enquanto a outra desferia golpe após golpe acima dela, girando no ar e afastando-a cada vez mais de seu verdadeiro objetivo: pegar a bandeira. Diane finalmente acordou do choque de ser atacada tão rápido e começou a observar os movimentos de sua oponente, percebendo como eles se repetiam e o quão fácil ela poderia derrubá-la no meio de um salto para outro. Mas ao invés disso, apenas usou sua foice para retirar a katana da mão da outra. Foi surpreendida por um chute no seu estômago e jogada com tudo em um dos caixotes, batendo novamente as costas. Ouviu o eco do som de seus ossos quebrando de novo, os mesmos que ainda não haviam se reparado da última vez.

Um grito ficou preso em sua garganta e ela ficou sem ar. Rolou no chão com a dor mas não soltou o cabo de sua arma. Cléo se aproximou dela em passos lentos, colocou uma mecha de seu cabelo castanho para trás da orelha, e quando finalmente chegou ao lado de Diane, chutou seu corpo para que ela ficasse de barriga para cima e colocou seu pé por cima dela. Como se tivesse acabado de capturar um animal selvagem. Ela ria.

– Não sabia que o infame Corvo também podia sangrar - ela pressionou a região das costelas da garota jogada aos seus pés e observou enquanto Diane gemia de dor - Já parou para pensar quanta dor você consegue aguentar?

Diane tentou controlar sua respiração, não deixou que a raiva tomasse conta de seu corpo, e se concentrou em limpar a mente. A dor ajudava a clarear as coisas, na verdade, era muito mais fácil quando sentia dor. Mais uma vez, em menos de uma hora, não era ela que controlava seu corpo, mas seus instintos. Sentia a onda de alívio que passava por seu corpo, conforme o sangue em sua veia bombeava ordens de alerta e seus machucados se curavam. Ela abriu os olhos e não viu nada. Sabia que havia respondido um "Já" como resposta a pergunta de Cléo, mas não se lembrava de ter abrido a boca. Sabia que de algum modo tinha conseguido se levantar e ficado por cima do corpo de sua oponente com a lâmina de seu foice no pescoço da garota. Se lembrava de ter sentido o leve sabor férrico de sangue no ar, e se lembrava de ter despertado justamente quando alguma voz em sua cabeça sussurrava para que ela cortasse o pescoço da outra, assistindo sua vida se extinguir como ar escapando de um balão.

Ela se levantou de um pulo. Não esperou que Cléo reagisse, apenas saiu correndo tentando abafar as vozes que gritavam em sua cabeça. Já tinha aprendido a controlá-las há muito tempo, mas não estava acostumada a abrir passagem para a escuridão tantas vezes num curto período de tempo. Balançou a cabeça diversas vezes tentando espantar a vontade que tomou conta dela de tomar mais uma vida. O jogo já tinha ido longe demais.

Cruzou mais um corredor e viu Michael lutando sozinho com uma Irene cheia de facas enquanto Nolan permanecia ereto caído no chão e desacordado. O garoto não parecia estar com dificuldades de segurar a luta, mesmo que Irene não deixasse brecha nenhuma para que ele respirasse. Ela olhou ao redor. Viu o brilho dourado da bandeira reluzindo na espada quebrada ao meio de Nolan, jogando luz por todos os lados. Começou a correr em sua direção, mas antes que pudesse encostar os dedos na projeção, se viu caindo no chão quando Cléo puxou seu tornozelo.

A garota tentou segurar seu corpo junto ao chão, mas Diane já estava farta daquela enrolação. Puxou a outra com a força de suas pernas e jogou seu corpo para longe. E já estava correndo novamente para a bandeira quando o inesperado aconteceu.

Seus dedos estavam a centímetros do seu alvo quando tudo ficou escuro. A sala inteira soltou uma espécie de ruído surdo como se adormecesse, e tudo ficou em silêncio. Michael e Irene pararam de duelar, Cléo deixou sua arma pender ao lado do corpo antes que pudesse acertar as costas de Diane mais uma vez. E a bandeira reluzente desapareceu, sua luz que iluminava o recinto sendo substituída pela luz negra que saía da lateral de todos os caixotes.

A porta da saída se abriu na frente dela revelando um forma escura que se aproximou lentamente da luz. Sua camisa branca reluzia a luz arroxeada, que também se impregnava nos dentes de seu sorriso.

– Diane Tulles, tem noção de quanto tempo eu fiquei te procurando?

Ela praguejou alto. Uma mecha de seu cabelo que havia escapado de seu coque caindo em seus olhos.

– O que diabos você faz aqui, Sebastian? - perguntou ela entre dentes - Você tem noção de que acabou de me impedir de conseguir a vitória, não tem?

Ele riu. Não parecia preocupado.

– Reunião na sala do Conselho - anunciou ele - Agora.


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