Mate-me Docemente escrita por Mrs Days


Capítulo 1
Coração Assassino


Notas iniciais do capítulo

É a segunda vez que escrevo uma história na primeira pessoa contada no presente. Espero que gostem.



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Então, você quer o meu depoimento para saber a minha versão dos fatos? Ok. Não, não vou precisar mesmo de advogado. Sei me virar sozinha. Ah, tenho que olhar para essa câmera? Desculpe-me, eu não sabia. Pronto. Meu nome é Lena McAdams e sou agente da Homicídios. Cuido de casos mais específicos que envolvam serial killer. O meu caso atual era o do Assassino dos Feriados – nome carinhosamente atribuído por ele matar pessoas em datas comemorativas. Só que essa não era a única particularidade dele. Além de matar nesses feriados, suas vítimas sempre estavam ligadas á comemoração em si.

Não está me entendendo? Tentarei resumir. Seu primeiro crime foi há três anos, na páscoa, quando estrangulou e matou uma mulher vestida de coelho da Playboy. Isso se repetiu no dia dos namorados quando os corpos de uma mulher e um homem – possivelmente um casal – foi encontrado enterrado. No dia das mães, uma mãe de três filho foi executada. Digamos que ele é bastante criativo e que eu poderia continuar com esse depoimento por um longo tempo.

Mas voltarei ao que aconteceu naquele dia. Quero dizer, ontem. Ah, feliz natal, quase que me esqueço. Não me olhe com essa fúria, sabe que independente dos meus motivos, fui a pessoa mais sensata – até mesmo fria – que já trabalhou para o governo. Era véspera de natal e a neve já havia coberto o chão em camadas grossas de gelo, obrigando as pessoas á saírem com pneus especiais em seu carro. Eu odeio neve.

Eu tinha trocado de turno com uma amiga porque não gosto de ficar em casa nas datas comemorativas. Não desde que meu marido me deixou há quase dois anos quando peguei esse caso. Por mais que meu casaco fosse grosso, ele não me protegia totalmente da brisa gelada. Em falar nisso, onde está o meu casaco? Ele é uma evidência? Tomem cuidado, foi presente de Theodore.

Trabalho em um prédio no centro da cidade, porém você já sabe disso. Com certeza verificou a autenticidade de meu distintivo e puxou minha ficha. Era só perguntar, camarada, poderia te contar das minhas inúmeras brigas em bares na época de adolescência. Sinceramente? Não me arrependo de nenhuma delas.

Foi assim que conheci meu ex-marido. Ele era barman do bar local que eu freqüentava e sempre apartava minhas periódicas brigas. Se me der a oportunidade de poder fechar os olhos e ver se ainda tenho um resíduo daquela memória em mim... Oh, tenho! Como seus olhos azuis eram felinos e atraentes, além de ter um brilho perigoso na íris. E seu sorriso, ah, seu sorriso. Conseguia fazer qualquer mulher ficar de perna bamba. Quando aqueles braços me envolveram e ele me arrastou para um quarto vazio me enchendo de broncas repetitivas, tive a certeza que estava apaixonada. E, para a minha sorte, ele também estava.

Acredita que em menos de um ano estávamos casados? Todos achavam que era uma loucura entre dois adolescentes imaturos. Talvez realmente fosse, só que não podíamos simplesmente deixar aquele amor escapar. Ah, como eu amava. Ainda o amo. Mesmo depois de tudo o que ele fez comigo meu coração é estúpido o suficiente para achar que ainda o pertence. Sim, saí do assunto. Irei retomar minha narração.

Abigail estava me esperando quando digitalizava alguns documentos sem importância e praticamente deu um salto da cadeira quando cheguei. Sou uma pessoa bastante silenciosa, o que ajuda no meu trabalho na hora de observar algum suspeito sem ser percebida.

“Lena, você me assustou.”, ela disse com a mão no peito. Tirei o casaco e o coloquei na parte de trás da cadeira esperando que ela se recompusesse. “Você não tem noção do quanto estou te devendo.”, ela sorriu agradecida.

“Não precisa agradecer.”, eu disse pegando todos os arquivos que haviam deixado na minha mesa e focando apenas no mais importante no topo da pilha. Abby percebeu e franziu o cenho. “Não tenho muito o que fazer nessa época do ano.”

Isso fez Abby bambear na ideia de me deixar ali. Não vou dizer que estava sozinha, porque tinham outros policiais que tinham sido designados para trabalhar ontem. Eram poucos, todavia estavam ali.

“Tem certeza que quer passar a véspera de natal aqui? Não tem nada para fazer. Até os bandidos têm família.”, ela tentou me convencer. Em resposta, sentei-me e abri o arquivo mantendo os olhos atentos á qualquer detalhe que tivesse deixado passar. Uma pequena pista era de tremenda importância. “Lena, me escute...”

Ergui os meus olhos para ela, séria.

“Abigail, me escute você. Esse cara não foi nomeado de Assassino do Feriado a toa. Hoje é véspera de natal e não deixarei ninguém se machucar por minha causa.”

Abby ergueu as mãos.

“Já entendi.”, ela me cortou e franziu o cenho, preocupada. “Isso quer dizer que ele irá atacar hoje.”

Eu assenti determinada.

“E eu estarei esperando por ele.”

“Não acha que é perigoso?”, Abby indagou e eu soube que ela estava pensando se era realmente uma boa ideia me deixar sozinha naquele feriado. Mesmo sabendo que eu poderia solicitar reforços assim que quisesse, também sabia que era orgulhosa demais para fazê-lo. “O que você está planejando fazer? Escoltar o Papai Noel? Sinto te decepcionar, mas devem ter uns vinte na cidade.”

“Só que poucos que ficam até a meia-noite na rua.”, peguei meu bloco de anotação vendo tudo o que tinha escrito nesse tempo que andava investigando esse assassino. “Eu andei pesquisas nessas semanas, Abby. Sei como ele vai agir, o conheço o suficiente e...”

Abby tomou o caderno de minha mão.

“Não, Lena. Você não o conhece!”, exclamou. Meus olhos se arregalaram por conta da explosão instantânea da minha amiga. “E não vou deixar que se coloque em perigo por conta de uma obsessão. Vamos sair daqui e comemorar o natal. Sua sogra não tinha te convidado para ir a casa dela?”

Eu estava disposta á discutir, só que seria apenas perda de tempo. Enquanto não desse o braço á torcer para Abigail, ela simplesmente não desistiria. Por isso que peguei meu casaco e a acompanhei até o carro. Claro que não sem antes ter escondido a pasta do assassino no bolso interno e ter pedido para os agentes me avisarem sobre qualquer atividade suspeita. De um jeito ou de outro eu estava determinada á pegar aquele assassino.

Será que vocês têm um pouco de água para me oferecer? Estou falando rápido demais e isso me deixa com sede. Obrigada. Irei continuar. Meu primeiro erro de ontem foi ter seguido o conselho de Abby e ter ido para a casa da minha ex-sogra. Não um erro por ela me odiar nem nada do tipo. Vejam, fui criada em um orfanato até os dezoito anos e de lá veio meu comportamento destrutivo. Eleanor Moreal foi quase como uma mãe para mim e me acolheu como se eu realmente fosse sua filha.

O problema em si era a casa e as lembranças que me assombram quando vou visitá-la. A cada cômodo que piso, posso escutar minhas conversas com Theo ou ver alguma cena romântica entre nós dois. Ele tinha me pedido em namoro na varanda de seu quarto e ver aquelas portas pesadas de madeira fechando-a, me entristecia. Eleanor sempre faz isso todas as vezes em que a visito, como se tivesse pena de mim e quisesse evitar as memórias. Sabe aquele ditado: O que os olhos não vêem, o coração não sente? Exatamente isso.

Mas ela sempre se esquecia das fotos e é para elas que sou atraída quando chego lá. Minha imaginação pode ser bastante fértil, porém não pintavam com tanta realidade quanto aquelas fotos. Meus dedos roçam na superfície fria e sorrio involuntariamente, e em seguida sou engolida pela tristeza por aqueles momentos não voltarem. A velocidade como meu relacionamento se desestabilizou me deixou desconsertada. Éramos como duas metades de um encaixe perfeito e uma semana antes dele me abandonar parecíamos completos estranhos.

Não pense que sou uma pessoa que vive remoendo o passado, entretanto você também ficaria desse jeito se dormisse bem ao lado da pessoa que ama e acordasse com um bilhete de sinto muito. Primeiro pensei que tinha sido por causa das minhas incessantes horas de trabalho. Hoje em sai sei que foi muito mais que isso. Em breve chegarei nesse ponto.

“Pensei que não viria por conta do trabalho.”, Eleanor disse com um lamento oculto em sua voz. “Eu iria jantar e ir dormir.”, confidenciou.

Eu me senti imediatamente culpada. Desde que Theodore foi embora, sua mãe apenas me tinha como família. Prometi manter contato, só que nunca imaginei que seria tão difícil. Ao me sentar na poltrona ao lado da aconchegante fogueira foi que reparei nos porta retratos intactos e imutáveis. Um sentimento melancólico me tomou quando peguei a foto de quase seis anos atrás de mim e Theo em nossos tempos de namoro.

Se fechasse os olhos juraria que era capaz de escutar a voz dele gritando o meu nome enquanto corríamos pelo parque a algumas quadras dali. Éramos tão jovens e ingênuos colocando todas as nossas fichas no amor e agora eu só sentia raiva. Estava preparada para bater com a foto em algum lugar que garantisse que iria rachar quando fui bruscamente interrompida por Eleanor.

“Você não teve notícias dele?”, ela questionou com a voz frágil.

Manteve-me de costas, pois sabia que não tinha forças para encarar minha sogra e dar aquela resposta. Balancei a cabeça.

“Sei que vocês ainda têm assuntos para resolver, minha querida, mas você tem que entender o meu filho.”, Eleanor pegou o porta retrato da minha mão e o pôs no lugar. Ela sabia que eu estava prestes a desmoronar á qualquer segundo. “O problema foi que em meio á tantos gritos, vocês não foram capazes de se escutar. Sei que você o viu com aquela moça e que nada justifica só que foi um deslize. Acontece.”

Fechei os olhos ao mesmo tempo em que pressionava os lábios com força, tanto para reprimir aquela lembrança desagradável e os sentimentos que vinham junto com ela quanto para me impedir de contar o que a vem atormentando por meses. Theodore não voltaria, não depois da última briga catastrófica que tivemos.

Talvez realmente fosse melhor. É a conclusão que eu tiro atualmente. Depois do modo como me afundei no trabalho, eu poderia se dar ao luxo de despachar as lembranças desagradáveis para o fundo da mente. Só que eu simplesmente não poderia parar de procurar o meu marido, era algo mais forte. Pena que não era por um ato de amor. Ou era isso o que repetia para mim mesma diariamente em frente ao espelho enquanto carregava a arma.

Tinha que dar o braço a torcer sobre uma coisa: Minha sogra tinha razão. Theodore e eu tínhamos muitas coisas para resolver além de nosso casamento, assuntos praticamente inadiáveis. Não querendo aparentar confusa com o misto de emoções que me tomavam, forcei um sorriso para Eleanor querendo ser amigável.

“Então, tem algum presente para mim?”

Eleanor sorriu.

“Claro, querida.”

Foi uma ceia confortável. Conversamos sobre assuntos diversos e sempre evitando o que mais queríamos comentar. Eu queria contar a verdade, só que não poderia. Não por ser um caso ultra-secreto ou coisa do tipo. Simplesmente por Eleanor ser mãe.

Antes de continuar quero esclarecer uma coisa: Isso tudo foi só uma introdução para os verdadeiros relatos da noite. O que você realmente precisa prestar atenção e anotar nesse depoimento vem a partir de agora.

Eu estava encostada no batente da porta do quarto observando Eleanor pegando em um sono quando o meu celular começou a vibrar no bolso. Todos os meus pelos se eriçaram e meus músculos se tencionaram enquanto minha mente entrava em modo de alerta. Antes que atendesse a chamada, sabia muito bem do que se tratava e era por isso que estava assustada.

“Agente McAdams.”, atendi.

“Lena, é o Christopher.”, meu colega de trabalho respondeu. Fechei a porta do quarto lentamente e desci as escadas com o meu silêncio habitual. “Você disse para te informar sobre qualquer atividade que parecesse suspeita. Recebemos uma ligação á poucos minutos sobre um cara sendo seguido.”

Nessa hora eu já estava inclinada sobre a mesa escrevendo um bilhete para Eleanor justificando minha ausência quando ela acordasse. Peguei meu casaco, colocando-o de um jeito mirabolante o bastante para não ter que me afastar do celular enquanto Christopher me dava às coordenadas da ligação. Felizmente tinha vindo de um estacionamento de um mercado á poucas quadras dali.

“Lena, tem um pequeno detalhe.”, ele pigarreou hesitante. No auge dessa ligação, eu já estava dentro do carro colocando o celular no suporte e o pondo no viva-voz. “Todos pensaram que fosse trote, já que ele disse que estava seguindo o Papai Noel.”

Meu sangue congelou naquele exato momento. Era ele. Ele sabia que eu o estava seguindo e que estava perto. Foi o que disse para Abby ontem. Eu o conhecia melhor do que qualquer um e por mais que tivessem hesitado em me dar o caso, sabiam que eu era a única que poderia solucioná-lo.

“Deixe comigo.”, desliguei acelerando o máximo que poderia naquela neve.

A grossa camada de neve que cobria o chão dificultava a mobilidade do meu carro conversível, fazendo que tivesse que me esforçar ainda mais para manter o controle da direção. Os limpadores de para-brisas eram quase inúteis tamanho era a quantidade de neve que descia do céu. Eu franzi o cenho imune á bela visão que a rodava. Minha mente estava focada em apenas um objetivo: cumprir o meu trabalho.

E enquanto dirigia, um filme se passava na minha cabeça. Desde o primeiro encontro com Theodore, nosso casamento repentino e o seu abandono. Detetive, vou te contar o real motivo de eu ter sido abandonada. Não foi por ser uma brigona ciumenta nem nada do tipo. Posso ter o humor explosivo, mas me contenho em meu trabalho, fazendo-me ser uma das melhores. E era isso o que meu marido temia.

Quero dizer, qualquer serial killer iria temer que sua esposa descobrisse o seu segredinho sujo. Eu tinha recém pego o caso dele e fiz a bobeira de levar a pasta até em casa para estudá-lo. Estava ali: a foto da garota que Theodore estava conversando e que foi o motivo inicial de nossa briga.

Ele foi esperto em ir embora antes que eu ligasse os pontos. Talvez eu apenas o considerasse um suspeito, só que tudo se encaixava diante dos meus olhos. Mesmo depois de nosso casamento e de minha instabilidade financeira, Theodore não largou seu trabalho como barman. Claro, é um ótimo lugar para se caçar vítimas. E eu investiguei. O único lugar que todas as vítimas tinham em comum era aquele maldito bar. Um lugar de amor e sangue, literalmente.

Antes que me pergunte se não me precipitei, detetive, tive anos de treinamento para ter a habilidade de poder traçar um perfil. Meu marido tinha o perfil do serial killer e trabalhava no local em comum entre as vítimas. Acredita que mesmo assim ainda não consegui crer no que estava acontecendo? Fui cegada pelo amor, detetive, e esse é meu maior pecado. Todavia, tive que dar o braço á torcer quando por um descuido ele deixou um fio de cabelo no local e o DNA bateu. Ele tinha ficha, sabe pelo o quê? Briga de bar. Irônico, não é?

Cheguei ao local em dez minutos, só que no meu relógio interno pareciam ter se passado duas horas. Saquei minha arma, erguendo-a e me preparando simultaneamente que analisava o local em busca de qualquer sinal de que outra pessoa estava ali. Pisava com a ponta dos pés e ficava atenta ao mais sutil som. Meu coração batia com tanta força contra o meu peito que por um momento pensei que quebraria os meus ossos.

Detetive, tenho que repetir uma coisa. Sou uma agente profissional e que já vi muitas coisas em um curto período de tempo. Preparei-me para aquele encontro mentalmente inúmeras vezes e tive diversas reações. Raiva, tristeza, frustração e remorso. Sim, detetive, remorso. Não posso simplesmente esquecer que ele foi meu marido, mesmo que seja um assassino sangue frio.

Enfim, eu pensava que tinha me preparado. Porque minha primeira reação ao vê-lo debruçado sob o corpo de um rechonchudo Papai Noel e retirando uma faca totalmente ensangüentada de seu estômago, foi choque. Meu silêncio foi quebrado quando minha arma caiu aos meus pés e meus olhos se arregalaram. Aquele monstro parado na minha frente tinha feito amor comigo durante noites a fio incessantes vezes.

Theo não se abalou com a minha presença. Terminou de rasgar o estômago do Papai Noel com uma calma de Buda e se ergueu com confiança. Ainda consigo lembrar-me do som de sua gargalhada. Fria, sem nenhum tipo de pesar, como se tivesse prazer em ser assistido. Aquele não era o homem com quem casei. Ou era e tinha sido escondido atrás de uma máscara muito bem moldada. E no momento em que ele se virou e aqueles olhos azuis que tanto tinham me feito arfar de amor, me deixaram tremendo de pavor.

“Lena.”, sussurrou meu nome com doçura enquanto limpava a faca na calça jeans. Ele parecia um animal selvagem e insano. Não o cara doce que conviveu comigo. “Pensei que nunca fosse chegar. Gostou da surpresa?”, sinalizou para o corpo como se estivesse mostrando um espetáculo.

“O que aconteceu com você?”, murmurei ainda descrente da realidade que estava sendo jogada em minha face. “Theodore...”, lamentei.

A pergunta o fez fechar as mãos em punhos e os olhos se estreitarem, como se tivesse disparado um gatilho. E ao relacionar essa palavra com a situação em que me encontrava, lembrei que além de meu marido Theodore era um assassino. Abaixei-me e peguei minha arma, erguendo-a. Isso fez seu humor se amenizar e ele sorriu debochado.

“Cuidado para não se machucar, Lena.”, ele gracejou dando mais um passo em minha direção. Mirei em seu peito. “Opa, relaxe, amor.”

“Só irei relaxar quando você largar essa faca, Theodore.”, exigi com a voz mais rígida. E vetando uma das regras mais importantes, dei ouvidos ao meu lado emocional. “O que aconteceu?”, eu repeti ansiando por ouvir uma resposta.

Esperei que ele desse qualquer sinal de empatia, qualquer um que fosse. Ele apenas largou a faca e manteve os olhos frios nos meus. Sabendo dos meus protocolos, ergueu as mãos e seu sorriso se tornou ainda mais insano, como se ele estivesse feliz.

“O que aconteceu Lena?”, ele ressoou minha perguntou com a voz arrastada e rouca, como de um animal. “Você aconteceu. Se não fosse por sua obsessão por esse caso, ainda poderíamos estar juntos. Olhe o que fez comigo. Não consigo dormir e nem procurar uma vítima direito desde que te deixei. Você me inspirava, Lena. Matar me excita, porém não tanto quanto fazer amor com você. Aguardei por cada data comemorativa ansiando que você me encontrasse e nunca o fez. Tive que ser um pouco mais... persuasivo? Essa é a palavra certa? Não importa. Tive que praticamente me jogar em seus braços para que me encontrasse com aquele ligação anônima. Uma grande falha para uma agente brilhante.”

Aquilo quase me fez soltar a arma novamente, sorte que consegui me recompor antes. Ele tinha razão. Sou a agente perfeita com a falha mais irreparável possível. Não conseguia separar o homem que amei do homem que matava as pessoas. Sentia saudades dele e o queria de volta ao mesmo tempo em que o queria atrás das grades pagando por tudo o que fez.

“Por que você queria que eu o encontrasse?”

Seu sorriso se ampliou até tomar totalmente seu rosto.

“A cada vítima, eu imaginava você, Lena. Não bastou para mim te escutar gemendo meu nome durante todas as noites, eu tinha que te ver agonizando e gritando meu nome.”, ele abaixou as mãos lentamente com brilho feroz nos olhos. “E com o passar do tempo isso estava se tornando cada vez mais incontrolável. Por isso fui embora. Eu te amava o bastante para poupá-la.”

Franzi o cenho assustada e confusa.

“Amava?”

Ele riu.

“É, Lena. Infelizmente, o meu desejo de ver o seu sangue ganhou.”

Theodore se abaixou e pegou a faca em um movimento tão rápido que quase fui incapaz de acompanhar. Minhas mãos tremiam tanto que me fizeram errar o alvo que era o seu ombro. Eu juro, detetive, que o meu objetivo era incapacitá-lo e prendê-lo. Mas meu emocional novamente tinha ganhado essa batalha e como um instinto natural e inconsciente acabei mirando no coração do meu marido.

Ele caiu no chão e se remexeu algumas vezes antes de largar a faca e ficar encarando o nada completamente imóvel. Não tenho como descrever a dor que senti naquele momento. Era como se todas aquelas lembranças estivessem dançando ao redor de meus olhos e afundando em um rio de mágoa. Eu matei o homem que amava, detetive, para poder salvar outras pessoas.

Arrastei-me até o seu corpo, ignorando o soar da meia noite e a alegria de algumas famílias que comemoravam ao meu redor e chorei abraçada ao assassino que tomou o meu coração como propriedade dele. Não sei quando tempo fiquei assim até tomar consciência que tinha que ligar para alguém.

“911, qual a emergência?”

Eu tinha que ficar em silêncio por alguns segundos controlando-me para não desabar no telefone e fazer minhas palavras o mais compreensíveis possível.

“Alô? Eu preciso de ajuda. Eu atirei no meu marido.”

Poderia ter dito que atirei em um assassino, mas a Lena que abraçava aquele corpo não era a agente que está na sua frente. Era a esposa desolada que estava tentando se convencer que toda a sua vida não tinha sido uma reles mentira. Bem, o resto você já sabe. A ambulância chegou junto com a polícia e me trouxeram aqui para escutar a minha versão dos fatos.

Sabe detetive, pergunto-me até hoje se ele realmente me amou. Infelizmente nós nunca iremos ter essa resposta. Esse é o meu depoimento. Algo mais que queira saber?


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