Do outro lado do portão escrita por Gui Montfort


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem



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Após uma semana de chuvas pesadas, Salem tinha novamente o brilho da lua sobre si. Paulo não perdeu tempo e foi encontrar seu amigo, no lugar de sempre, na hora de sempre. Ninguém em sua casa viu quando ele saiu, seu pai e sua mãe dormiam como anjos. Mas para Paulo, a noite não terminava enquanto ele não fosse ouvir as histórias de seu amigo. Tirava dúvidas com ele, uma vez que seus pais nunca tinham paciência para responder aos seus questionamentos.

Cortou a sala como um raio, 10 minutos depois e lá estava ele, no mesmo lugar de sempre. Já via seu amigo sentado e fumando um charuto. A fumaça fedia, ele ao longo de seus nove anos de vida não conseguia entender que gosto tinha em puxar e soltar uma fumaça como um trem a vapor. Mas isso não o incomodava tanto. Sentou-se e abraçou o senhor que já estava sentado, com as pernas cruzadas.

– Pensei que não viria mais, pequeno! – Disse o velho lhe dando um cascudo carinhoso.

– Hoje teve futebol, meu pai demorou um pouco para ir deitar. E eu precisava vir ver você. – Olhava para a fumaça, enfeitiçado.

– Precisava? – O velho indagou curioso.

– Sim. Acredita que meus amigos na escola acham Salem uma cidade amaldiçoada? – Ele riu com a ideia.
– Imagino que tenha ouvido isso do padre. Ele diz isso já há um tempo. – Notou que os olhares ao redor focavam seu pequeno amigo e berrou para que se afastassem. – Não se preocupe Paulo, as famílias deles esqueceram de cada um. Acham curioso eu ter um amigo pequeno, que não bebe e não fuma. – A frase fez Paulo sorrir mais aliviado. Sentia-se seguro ao lado daquele amigo.

Paulo contou que seus colegas de classe tinham medo da estátua do Corvo no centro de Salem. Não entendiam o significado que a ave tinha para a história da cidade em que moravam. Seu amigo uma vez lhe contara como um Corvo guiou o fundador até as terras que hoje formam a cidade de Salem. Paulo achou aquilo mágico e zombava de seus colegas por não conhecerem uma história tão linda. Mágica.

– Eles podem ser carentes, mas assustam. Aquele ali não para de olhar para nós. – Apontou para o rapaz sentado sob a estátua de um anjo com espadas. – Me assustam mais que os mendigos da rua nove.

– Já disse para nos deixar em paz. O garoto é meu amigo! – Berrou o velho. O rapaz resolveu caminhar sob o luar e deixou os amigos em paz em sua conversa. – Conheço e conheci alguns da rua nove. Às vezes um ou outro resolve se mudar para cá. – Riu e deu outro cascudo em Paulo.

Continuaram a conversa por mais tempo. Falaram de uma Salem que o menino não conhecia. Uma Salem que agora só estava no passado e nas lembranças do velho. Paulo viu seu relógio do Homem de Ferro apitar.

– Preciso ir. – Abraçou o velho. – Nos vemos na sexta-feira.

– Claro, mas não demore muito, ou então eu durmo. – Sorriram. O velho notou um rasgo na bermuda azul do garoto. – O que foi isso?

– Você acha que é fácil pular o muro do cemitério? Eles são pontudos. – Piscou para o velho e disparou para o portão. Quando já estava pronto para subir, viu o seu algoz chegar.

– Ei mocinho! Mocinho! Pare aí! – Gritou uma voz rouca. Paulo parou, ficou tão parado como estava a estátua do anjo que vira há minutos. – O que faz aqui sozinho? Han? – Perguntou o homem careca trajado em um uniforme azul, a calça e a blusa dele estavam sujas de terra e pó.

– Vir ver meu amigo. – Respondeu inocentemente o garoto. Apontou para onde estava o velho.

– Que amigo?! – Um frio correu na nuca do zelador do cemitério municipal de Salem. – Não vejo ninguém!
– Paulo, segure nas mãos dele. – Disse o velho calmamente com seu timbre rouco. O garoto fez como foi pedido e apontou:

– Meu amigo, ali…consegue ver? – Perguntou olhando para o rosto pasmo e agora sem sangue do zelador.

– Ve…vejo. – Disse com as pernas e voz trêmula. Fazia o sinal da cruz com a outra mão. – Vejo sim, ele também é…era meu amigo. – Alfredo não acreditava nos olhos

– Quanto tempo não é Alfredo? – Sorriu o velho. – Nem lembro qual foi o último cadáver que enterramos juntos aqui. Deixe o menino ir, ele tem chaves que nem você tem em seu molho. – Uma baforada e um desmaio. Alfredo, o zelador, desmaiara. – Vá, garoto. Vá! – Paulo foi. Foi descansar, antes que seus pais acordassem. Olhou para trás e não viu seu amigo.
– Ele ainda vai me ensinar a fazer isso. – Deu uma pequena risada, agora do outro lado do portão. Foi para casa feliz que o velho também tinha outro amigo além dele. Dormiu como um anjo. Talvez o fosse. Talvez não

Publicado no Blog http://ocorvodesalem.wordpress.com/ junto com outras histórias.


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Notas finais do capítulo

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