Retrato das coisas que se acham na minha cabeça escrita por Ped5ro


Capítulo 9
O que se sente, senti...




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Ontem eu sonhei com você.

Antes, eu estava no quarto dos meus avós e vi um aparelho grande e esquisito embaixo da cama deles. Então minha avó, que estava na minha frente, pegou algo como uma bíblia, começou a lê-la pra mim, coisas felizes e infelizes, mas nada que se parecesse com palavras de uma bíblia. Então me virei e ela tinha grandes olhos chorosos, observei de novo a máquina em baixo da cama, compreendi que o aparelho era uma espécie de desfibrilador.

Como um choque, entendi que meu avô iria morrer, mas não como se estivesse doente e sim como se um dia fosse morrer, “em breve”, pensei na hora. Aquilo me assustou, pois foi como se eu nunca tivesse pensado naquela hipótese, igual quando eu era criança e achava que eles já tinham nascido velhos e que viveriam para sempre por causa disso. A ideia de que somos mortais sempre me parecia impossível, o mundo parecia imutável, foi quando eu idealizei minha própria fraqueza, que percebi esses ciclos de nascimento e de morte que nunca paravam de acontecer, arrastando e limpando (ou poluindo) o mundo do que já não era necessário. Minha avó chorava e se sacudia, girava, dançava, naquele velho quarto deles. A mesma cama. O mesmo guarda-roupas. Só o chão parecia diferente, meio branco demais.

Foi aí que me desloquei no espaço-tempo desse sonho. Apareci bem no quintal da minha casa, naquele canto que eu sempre me escondia quando era mais novo. Um muro baixo, bem perto do tanque, que até hoje tem cheiro de sabão de coco e amaciante de lavanda, que era o que a vovó sempre usava. E eu estava encolhido contra o muro, chorando, me sentindo perdido e meio transparente. Você veio até mim, me chamou pra ir a algum lugar, não respondi, não consegui responder, aí você começou a gritar e eu chorei ainda mais. “Você não pode chorar pra sempre, você não pode ser assim pra sempre”, você falou e parte do meu choro era por discordar de você e concordar ao mesmo tempo e parecia que um vazio ia aumentando. “Eu cansei disso, cansei de você, não aguento mais. Tô indo embora.”, e você pegou suas coisas e me deixou ali.

Por um lado fiquei feliz por você, por outro fiquei infeliz por mim. Finalmente você ia achar alguém diferente e melhor, mas agora eu tava sozinho, e meu avô ia morrer e minha avó chorava. Ela também ia morrer, eu também, você, meus pais, as estrelas, o azul. Tudo ia acabar e eu nunca percebi isso antes. “Pra que tudo começa se vai acabar?”

Mas isso não importava se você achasse alguém, se minha avó parasse de chorar e eu não pensasse mais nisso.


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