Por que fazer? (Em um hiato provavelmente longo) escrita por Giovanna Biondi


Capítulo 1
Capítulo 1 - Início dos problemas


Notas iniciais do capítulo

Se você tem menos de treze anos e quer ler, pense antes, pois tem cenas de automutilação fracas.
Espero que gostem ;)



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Mil cento e trinta e quatro. Mil cento e trinta e quatro vezes agora. Vezes que me pego pensando em coisas aleatórias em momentos que devia prestar atenção em outra coisa. Mil cento e trinta e quatro desde que fiz quinze anos, onze meses, três dias e dezesseis horas atrás.

Minha mente se recusa a prestar atenção nas coisas do cotidiano. Os dias se passam tão rapidamente, e normalmente todos acabam sem ter servidos para algo. Ignoramos tudo e todos, por dentro ignoramos. Pois um dia tudo isso acabará. Todos serão substituídos por outros, e assim acontecerá inúmeras vezes até o final de nossas vidas. Enquanto falamos, conversamos, discutimos, pensamos apenas no presente, mas no fundo de nossas mentes sabemos que todas essas palavras gastas terão sido apenas gastas, pois as pessoas que ouvem essas palavras irão embora de sua vida um dia, e você não poderá fazer nada, e, mesmo se pudesse, não faria.

Muitas coisas acontecem sem motivos. Assassinos em série matam inúmeras pessoas por semana. Adultos, adolescentes, crianças. Adultos podem até dizer que deixaram seus filhos, a vida de seus filhos. Mas e as crianças? E os adolescentes? Eles aguentaram escolas, estudaram e deixaram de fazer o que queriam pra passar de ano, com o pensamento: Um dia, a escola acabará e eu poderei fazer o que quiser. Mas não podem, porque são mortas. Todos podem morrer a qualquer momento. Então porque não acabar com a sua vida antes que alguém a tire de você? Já pensei nisso muitas vezes. Mas como todo ser humano, eu prezo pela minha vida, mesmo que lá no fundo.

Duas semanas atrás. Eu estava sozinha em casa. Minha mãe saíra para uma entrevista de emprego no Rio, meu pai fora em um jantar com seu chefe e meu irmão mais velho foi numa festa com seus amigos e ficara a noite toda fora. O apartamento estava escuro. O silêncio dominava. Apenas uma lâmpada no teto da cozinha piscava. Eu estava abaixo dela. Abri a gaveta da cozinha e peguei a faca que minha mãe usa para cortar o peru no dia de ação de graças. É uma faca. Sua lâmina bem afiada, onde o reflexo do meu rosto me encarava. As mangas da minha camiseta preta estavam dobradas até entre o cotovelo e o ombro. Aproximei a faca de meu pulso. Minha mão tremia. A lâmina brilhava, como se estivesse sorrindo. Sorri também. Meu riso baixo era o único som na casa. Encostei a lâmina da faca no meu pulso e fiz o primeiro corte. Depois outro. E outro. E outro. Troquei a faca de mão e cortei novamente. E de novo. Novamente. Outro corte. Eu sorria loucamente, o sorriso tomando conta do meu rosto, minha risada ficando mais alta. Mas de repente minha risada cessou. Meu sorriso desapareceu. O sangue tingira minha pele. Escorria pelos meus braços começando a formar uma pequena poça no chão branco gelado da cozinha. Meu rosto estava amedrontado. O sangue me aterrorizava. Ele saia de meus braços e caiam no chão, não pertencendo mais a mim. Gritei. A faca caiu no chão. E corri ara o banheiro.

Naquela noite dormi sozinha no apartamento, o cobertor até meus ombros. Abraçava meus braços, as cicatrizes começando a formar uma casca cor de sangue. Meu irmão chegou às três horas e quinze minutos da manhã. Pelos seus passos dava para perceber que andava tombando em tudo. Estava embriagado. Ele parou na porta do meu quarto.

-Eliza?

Não respondi.

Então ele andou até seu quarto e se jogou na cama com um estrondo, achando que eu estava dormindo. Eu não estava. Demorei muito para dormir aquela noite.

Essa foi apenas a mais recente de minhas tentativas.

Agora eu estou na escola. Em mais uma aula de Literatura clássica no primeiro ano do ensino médio. O ponteiro aponta para o um e o outro para o cinco. Cinco minutos para a aula acabar. Cinco minutos que durariam uma eternidade. Cinco minutos para a liberdade não liberta. Cinco minutos para o final de um dia de aula e cinco minutos mais perto do começo de outro dia de aula. Cinco minutos para eu sair correndo pelo corredor da escola com minha mochila pendurada no ombro. Cinco minutos para todos me encararem, observando minha camiseta de manga comprida escura, meu short preto por cima de minha meia calça preta e meus tênis pretos. Meu cabelo castanho liso dividido ao meio tampando as laterais de meu rosto. Meu rímel preto e meu lápis preto contornando meus olhos, desfocando a cor de âmbar. Cinco minutos para eu correr e realizar meu plano.

E o sinal tocou.

***

Cheguei em casa e já ouvi os gritos. Ao passar pela porta vi meus pais discutindo junto a ela. Andei até a sala á esquerda e os observei. Eles gritavam. Meu pai gritou algo sobre um carro e saiu pela porta, batendo-a. Logo após minha mãe também passou pela porta, gritando e batendo-a mais forte ainda.

Eles tinham ido. A casa estava livre.

Joguei minha mala no sofá e peguei uma das cadeiras de madeira da mesa. Posicionei a cadeira em baixo de um cano, onde havia uma corda presa e escondida. Subi na cadeira e puxei a corda. Passei a corda pelo meu pescoço e dei um nó forte bem apertado com minha pele. Agora não tinha como escapar. Eu não poderia desistir. Chutei a cadeira com a parte de trás do pé e ela caiu com um estrondo. O peso do meu corpo caiu e meu pescoço começou a doer. A corda o esfolava. O ar entra pelo meu nariz e sai quase que imediatamente. Minha boca está tentando desesperadamente puxar o oxigênio. Meus pulmões doem. Eu quero desistir. Tentei puxar a corda mas não consegui. Meu corpo está balançando, girando. Uma figura apareceu na porta da sala.

-Eliza!

Eu não tinha prestado atenção. Me preocupei com meus pais mas me esqueci de meu irmão. Fico tão feliz em vê-lo nesse momento. Seu rosto demonstra espanto, medo e terror. Ele correu até mim e abraçou minhas pernas na altura do joelho com uma mão e tentou tirar o nó com a outra. Um pouco de ar já entrava em meus pulmões. Ele conseguiu soltar o nó, provando que meus nós são horríveis. Eu caí no chão, mas ele me segurou pelos ombros e me levantou. Me envolveu em seus braços e começou a chorar. Me afastou e segurou meu rosto com as duas mãos. Inspecionou meu pescoço, que eu imagino que esteja roxo. Olhou novamente para mim.

-O que você fez? Porque fez isso?

Seu tom de voz demonstrava raiva, mas seu rosto demonstrava medo. Eu não respondi.

-Eliza, fale comigo!

Fiquei quieta.

-Eliza!

É difícil contar as coisas ruins que acontecem com você e que você faz para os outros, e eu amo meu irmão, o que dificulta ainda mais as coisas.

-Eu precisava.

Meu irmão me abraçou.

-Você não precisa fazer isso. Eu estou aqui. Estou aqui pra você. Pode me contar tudo o que você quiser, mas não faça mais isso, por favor.

Concordei com a cabeça e o abracei. Mas não poderei lhe contar, e duvido que pare.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.
Critiquem, elogiem, sejam sinceros!
Captulos todo dia 14:30