Liceu de Artes W.L escrita por Nandarazzi, RukeNoKokoro


Capítulo 12
2º TRIMESTRE - Capítulo 11: Semana de Testes


Notas iniciais do capítulo

~ IMAGENS de REFERÊNCIA ~

— Planta arquitetônica do Liceu de Artes:
http://fc01.deviantart.net/fs70/f/2015/023/f/0/tzd14pa_by_nanaramos-d8f30yl.jpg

— Planta arquitetônica dos quartos: http://th04.deviantart.net/fs71/PRE/i/2015/023/4/7/quarto_liceu_by_nanaramos-d8f318n.jpg




~ GALERIA de PERSONAGENS ~

http://nanaramos.deviantart.com/gallery/52775462/Liceu-de-Artes-W-L



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Se houvesse um momento a se considerar como o mais quieto no Liceu de Artes Wallace Limeira, esse seria o período de exames. Nos corredores, reina o silêncio dos passos apressados que não estão lá. Nos dormitórios, o cheiro do café mantém os estudantes despertos num lugar que deveria lhes servir de descanso... E nas salas de aula, rostos cansados encaram as letrinhas dos livros didáticos, em um ansioso desespero de decorar o conteúdo das provas, ou recuperar o tempo perdido. A semana de provas daria inicio do dia seguinte, e ninguém estava disposto a correr o risco de falhar nos primeiros exames do ano...

Isto é, quase ninguém.

– Falei com ele – sussurrou Daisuke, sem sequer olhar para o amigo ao lado. Seus olhos gateados vasculhavam a sala, procurando indícios de alguém que pudesse tê-lo escutado.

– E aí? – o gigante Cairo tentou conter a emoção num reles sibilar. Sabia a quem Daisuke se referia.

– Ele quer falar contigo em particular – os sussurros trocados entre os amigos contribuíam para o clima furtivo daquela conversa.

– Não pode nem me dar uma palinha?

– Ele pediu que não te contasse nada – Daisuke não externou sua euforia, disfarçando-a com um tom de voz de quem temia ser pego em flagrante – Olha, espera a poeira daquela briga no pátio baixar... Essa semana de provas vai ser difícil de vocês se encontrarem, mesmo! É o tempo que temos pra pensar em algo.

– Não sei se vou aguentar esperar tanto tempo!...

– Ssshh, não se exalta, gato! – Daisuke pediu silêncio, cobrindo os lábios com um dedo. Por pouco não chamavam atenção – Sem desespero, deixe de ser peru. Eu te garanto que nada de ruim vai acontecer... Confia em mim – e sorriu com uma piscadela discreta.

“Peru” é quem sofre por antecipação, temendo não estar vivo até a ceia de Natal. Com base no otimismo de Daisuke, o coração de Cairo disparou de emoção: então, talvez, ele pudesse ser correspondido? Mas a razão lhe castrava os sentimentos felizes, as rédeas da consciência confusa traziam-no “de volta à realidade”, lembrando-o de que ele era um bolsista grandalhão de uma comunidade carente, e William, um cavalheiro nascido em berço de ouro.

O badalar das dez horas desperta os alunos de seu transe hipnótico. Tendo sua concentração nos estudos de Geometria abalada tão abruptamente, risos e suspiros são trocados entre colegas para aliviar o susto causado pelo tindar do relógio central. Os dois primeiros turnos de aula, das sete e meia às e nove e meia, eram dedicados às aulas comuns de cada período (que iam do primeiro ao décimo, totalizando cinco anos de estudos) – mas os dois últimos turnos, das dez ao meio-dia, eram dedicados às matérias dos cursos específicos, como pintura em artes plásticas, e roteiro em teatro e dramaturgia. Dali em diante, Cairo e Daisuke se separariam, assim como muitos colegas do 3-B: cada um seguindo seu rumo, absorto em seus pensamentos... E os de Cairo, recorrentemente, eram em William.

O bolsista acompanhou-o com o olhar, fitando aquelas madeixas louras de pontinhas enroladas cobrindo a nuca branca, sentado lá longe nas primeiras cadeiras. Viu seu corpo delicado erguendo-se do assento, ganhando formas e músculos com o começo da fase adulta, empunhando as alças da pesada bolsa-carteiro rumo às aulas de culinária. Como que magnetizados um pelo outro, seus olhares se encontraram num choque que percorreu a espinha dorsal de cada um. Sentindo as bochechas em chamas, apenas sorriram timidamente um para o outro, afastando-se efusivamente. Por um momento, Cairo até esqueceu-se de suas preocupações... Algo lhe dizia que elas não tinham sentido de existir.

– Atenção, todos os alunos! – a voz de Mineiro ecoou através das caixas de sons espalhadas pelos prédios e avenidas. O tom de urgência, raro partido de sua pessoa, atraiu a atenção de alunos e docentes – Vamos comunicar uma importante decisão da reitoria do Liceu. O Festival de Música Wallace Limeira terá entrada franca este ano, em suas duas edições! Repetindo: o Festival de Música Wallace Limeira terá entrada franca este ano, em suas duas edições!

– Ouviu isso? – perguntou Luciano ao amigo, com o hálito quente formando nuvens de vapor quando em contato com a fria atmosfera – Qual você acha que será a repercussão disso?

– O Festival é muito famoso em todo o estado – respondeu Lucas, com a voz ligeiramente abafada pela echarpe em torno do seu pescoço – Mas não era assim, tão acessível... Ainda é elitizado demais. Além do mais, com o foco em música clássica, não é bem um programa muito “povão” para um fim de semana...

– Mas para a classe média, talvez. Não há sonho maior para estas pessoas do que a oportunidade de frequentar os mesmos eventos que as classes altas... E com a entrada franca, acredito que a reitoria tenha planos de tornar isso possível. É uma atitude nobre da administração, e com a publicidade certa, poderá chamar a atenção de classes mais baixas, o que acredito que seja o que eles tem em mente – Luciano juntou as mãos em forma de concha e soprou sua respiração quente nas palmas, esfregando-as e aquecendo-as do frio daquela manhã garoada.

Sob a luz bruxuleante do poste elétrico, dois grandes amigos faziam hora antes das aulas de instrumentos de corda. Lucas e Luciano eram como unha e carne, e apesar de tão diferentes um do outro, eram seus gostos em comum que os uniam. A música clássica era uma verdadeira paixão de ambos, um talento que lhe pulsava as veias como que encrustado em seu DNA, que combinado com horas e horas de prática a fio, fazia dos jovens instrumentistas natos. Tais dons lhes garantiram os lugares de melhores musicistas clássicos do Liceu de Artes em suas respectivas especialidades: Lucas era violinista, e Luciano, pianista. Era quase certo que, com tamanho prestígio dentro e fora das paredes da escola, deixassem o Liceu para ingressar diretamente em alguma grande orquestra sinfônica nacional – ou internacional.

Fora o amor pela música que os unia, em nada mais se pareciam. Lucas era um rapaz de pele mulata e olhar penetrante por detrás dos óculos de lentes quadradas, cabelos raspados e fartos lábios sedutores, porte altivo e atraente para seus dezenove anos. Teria muitos admiradores, se seu temperamento não fosse tão imprevisível, e sua expressão fechada de poucos amigos não espantasse tantos... Certamente não espantou a Luciano, seu melhor amigo e confidente, que viu através daquela cara feia um homem leal e de grande intelecto.

Diferente de Lucas, Luciano tinha um gênio maleável, receptivo e um olhar cheio de candura. Sua palidez transparecia sua fraqueza física, e não era raro vê-lo adoentado – especialmente naqueles períodos mais frios do ano. Tinha pensamentos românticos de músico, e inspirado nos compositores clássicos que cativam gerações a séculos, deixa crescer suas longas madeixas castanhas, presas num rabo de cavalo comumente usado pelos seus ídolos do passado. Lucas e Luciano eram muitos indivíduos certamente muito distintos, destacando-se na multidão de alunos do Liceu por suas aparências e alto prestígio.

– Não tolera muito o frio, não é, Luciano? – ambos estavam muito elegantes em seus trajes de inverno, mas mesmo com o casaco preto lhe agasalhando a pele alva, Luciano ainda sentia os pelos finos do corpo se eriçar com a frente fria.

– Não esperava uma garoa dessas, logo do começo do outono! – riu gostosamente, sentindo um desejo lhe subindo pelos palatos gustativos – Sei que não temos esse hábito, mas vamos comer alguma coisa antes da aula? Estou louco por um chocolate quente!

– Eu também. No Wagon tem uma coxinha de frango com catupiry deliciosa.

O Liceu de Artes possuía cozinhas coletivas em cada andar do prédio principal, mas desde o ano anterior, foi aprovado um projeto no Conselho Estudantil que permitia o acampamento de foodtrucks na avenida central durante o intervalo de 30 minutos entre as aulas. Esse projeto sugerido por Eduardo, que não coincidentemente era o herdeiro do maior conglomerado cervejeiro do país, e defendeu sua proposta com argumentos do tipo “a viagem de ida e volta para as cozinhas coletivas, o tempo de preparo e de consumo dos alimentos custa muito tempo e causa fadiga”, e “lanches rápidos ricos em carboidratos e proteína servem de estimulo para a jornada escolar”.

Os foodtrucks haviam iniciado suas atividades há cerca de um mês, logo no começo daquele ano letivo – mas, apesar de ter aprovação popular, o jovem playboy multimilionário havia se tornado motivo de chacota entre os fofoqueiros locais, que plantavam maledicências justamente por associarem o projeto dos foodtrucks com o sobrepeso bastante aparente de Eduardo...

Mas pior do que isso: graças ao tipos de bebidas e alimentos industriais muito específicos oferecidos nos ditos foodtrucks, havia a desconfiança de que Eduardo estava aproveitando-se do projeto para promover os produtos do conglomerado de sua família. Por conta disso, o projeto não recebera o apoio de Sariel e alguns poucos outros gatos pingados durante o Conselho Estudantil, que desconfiavam deste esquema e secretamente investigavam esse possível jogo de interesses.

Naqueles trinta minutos de intervalo, a avenida principal formigava de alunos famintos, com oito foodtrucks oferecendo uma ampla variedade de lanches em cada esquina dos cruzamentos. O Wagon, ao qual Lucas se referia, especializava-se em salgados gourmet, mas havia quem vendesse apenas sanduíches, churros e pretzels, doces, e até espetinhos. As bebidas disponíveis eram as mesmas em todos os foodtrucks, e por mais que muitos consumidores nem se importassem com isso, este fato alimentava as desconfianças de Sariel e seus aliados na marmelada por detrás do projeto de Eduardo.

– Que droga! Eu não gosto de nenhum desses refrigerantes – dizia o sanfoneiro Leonardo, acompanhando Sariel naquela manhã de segunda-feira, externando sua frustração com as opções de bebidas – Será que ninguém aqui vende coca-cola?

– Acho difícil, Léo. Se nossas desconfianças forem verdadeiras, o Eduardo não permitira vender nada dos conglomerados concorrentes nos foodtrucks.

– Se vendessem as cervejas aqui, eu até entenderia. São gostosas! Mas esses refrigerantes são nojentos, olha só: dá pra ver pedaços de corante laranja no fundo da garrafa, eca! – e fez uma careta de descontentamento.

– Viu só? É uma questão de tempo até que outros alunos percebam isso e comecem a reclamar. Aí, ou os foodtrucks se adaptam a demanda, ou vão embora de uma vez.

Leonardo ia responder, quando o olhar de Sariel focou em duas silhuetas do outro lado da avenida: uma alta e loura, e outra forte e corada de cabelos pretos. De frente ao Wagon, Cícero abortava Zidane por trás e lhe sussurrava algo possivelmente ameaçador no ouvido, com um sorriso sádico lhe projetando os lábios. Zidane o olhou com desdém e leve desconforto, mas convencido pelo outro, distanciaram-se da multidão e sorrateiramente ocultaram-se nas laterais do prédio principal, em direção ao bosque.

A curiosidade de Sariel aguçou-se sobremaneira, como um texugo eriçando os pelos duros contra o frio congelante da tundra. Mas não havia maneira discreta de aproximar-se dos dois em campo aberto – e desde o incidente na área de lazer, Cícero entrara no seu radar para não sair assim, tão cedo. O que Sariel menos queria, naquele momento, seria alimentar o fogo que se formaria das faíscas trocadas em seus olhares... Olhares sequiosos por uma briga.

Zidane acreditava que, caso aparentasse sua corriqueira impaciência, conseguiria enganar Cícero ao fazê-lo pensar que não se sentia afetado pelo que estava acontecendo – quando, na verdade, um pavor subia por todo o seu corpo e o dominava por inteiro. Temia pelo que estava a ser discutido entre eles, bem ali, longe dos ouvidos de terceiros. Mas Cícero era um rapaz muito intuitivo, e como um sabujo fareja o medo de sua presa, pôde sentir o cheiro do medo e a incerteza exalando pelos poros pálidos do colega...

No entanto, se deixou levar pelo seu jogo, fingindo não aparentar ser mais esperto do que era: sabia que denotar falsa ignorância seria estender uma prancha ao mar aberto para Zidane caminhar sobre a própria sozinho, cego pela própria arrogância. Nada lhe dava mais prazer do que ver baitolas pomposos, como aquele veterano desgraçado, caindo do salto e perdendo a pose diante de um macho de verdade como ele!

– Fala logo o que você quer, Cícero – Zidane evitava contato visual, enrolando a echarpe ao redor das mãos e protegendo-as do frio trazido pela névoa do bosque – Corta o papo furado, que hoje eu não tô bom.

– E quando é que está? – Cícero apalpou os bolsos das calças, à procura de cigarros. Ergueu os olhos de solasaio, deliciando-se com a expressão de puro desprezo no rosto caucasiano de Zidane... E, mentalmente, respondeu a si mesmo: “Só está bom nos dias em que o Chicão come esse seu rabo guloso, não é, seu safado?”

– Dá pra ser mais conciso, ou tá difícil?

Cícero encontrou seu maço de Lucky Strike de hortelã, levou um cigarro preto à boca e acendeu-o lentamente, vendo o sangue subir às bochechas do outro, tomado pela apreensão. A ausência de pressa em Cícero denotava estar prolongando o prazer, como que resistindo a um sexo oral delicioso para mandar ver numa penetração cheia de vigor...

– Eu não tenho a tarde toda – insistiu Zidane, assumindo uma postura mais defensiva.

– Vai querer? – e ofereceu a bituca ao outro, nada afetado pela sua mudança de humor.

– Pára de me enrolar! – Zidane balançou o braço no ar, num movimento que pretendia inconscientemente atirar o cigarro de Cícero para longe: a situação por si só já era nauseante o bastante, e o aroma torturante do cigarro só tornava tudo mais difícil de suportar – Por acaso está querendo me emputecer?!

– Você não precisa de mim pra isso – Cícero decidiu que aquela seria sua última resposta sarcástica (por enquanto). Já estava na hora de tratar de negócios – Que bom que o lance dos foodtrucks deu certo, não é mesmo? Não acha que seria uma boa ideia se eles vendessem cerveja?...

– Porque está me perguntando isso?

– Olha só, Zidane, você pode até achar que eu sou mesmo esse excelentíssimo filho-da-puta que você tem em mente... Mas, pra provar minha diplomacia, eu vou te oferecer um último acordo. Se você convencer aquele almofadinha do Eduardo a vender cervejas em pelo menos um dos foodtrucks, vou perdoar a sua dívida... – e deu uma bela tragada, saboreando a fumaça sublimando no céu da sua boca enquanto dava tempo para Zidane processar sua proposta.

– Do que está falando? Não tenho dívida nenhuma com você – Zidane tirou uma súbita valentia sabe-se lá de onde.

– Não se faça de imbecil. Você sabe ao que estou me referindo. Só pra refrescar sua memória, fui eu e meus amigos que pichamos o museu pra você jogar a culpa encima do admirador pé-rapado do seu irmãozinho, pra que ele fosse expulso do Liceu por justa causa... E de quebra, seus amigos do Conselho ganharam um bom argumento pra usar contra o Sariel e sua turminha de rebeldes esquerdopatas.

– Você que está em dívida comigo, seu canalha, por ter mandado aqueles seus amigos neandertais atrás do meu irmão pra bater nele! – finalmente, Zidane colocou suas garras de fora tal qual uma leoa feroz: há semanas estava com aquilo preso na garganta, e estava totalmente disposto a apanhar por dizer a verdade! Era seu instinto de irmão mais velho, misturando-se ao instinto de jornalista.

– Vê como fala comigo, seu bosta – Cícero apenas retribuiu com um olhar chispando de ódio. Não estava afim de meter a porrada em Zidane, em respeito ao seu amigo Francisco, o Chicão – Não mandei ninguém ir atrás do William, eles foram por conta própria e eu não pude impedi-los. Mas fala sério: eu faço a corte por meses a fio, e teu irmão me responde com socão no meio da cara! Eu não posso sair desmoralizado desse jeito! E não bastasse a humilhação que o William me fez passar, meus colegas não ficaram satisfeitos com a paga da pichação que fizemos no muro meses atrás...

– E eu com isso? Sabia que ia receber sua paga, e ainda assim deu encima do meu irmão. Você que quebrou nosso acordo! E mesmo depois disso, pra provar que tenho palavra, dei os licores que me pediram conforme havíamos combinado.

– Deu porque não queria que ninguém soubesse do seu segredo. E mais: saiba que deveria me agradecer! – Cícero levantou a voz – Ninguém tem mais moral nessa merda do que eu, parceiro! Se não fosse eu dando encima do teu irmão, você ia ver a montanha de macho correndo pra cheirar o rabo dele, que nem um bando de cachorro no cio! Mas sou eu o macho alfa desse lugar, só eu mando e desmando nos outros, entendeu bem? – disse batendo a mão no peito, voz carregada de um orgulho gutural.

– Por que o William, Cícero!? Ele já disse que não tem interesse em você! – Zidane tinha um olhar de súplica em seus olhos – Tantos rapazes lindos no Liceu, e você fixou-se justamente num que sequer sabe se é gay!

– Aah, ele sabe que é gay, sim... Basta ver como olha pra aquele gorila, com quem ele anda pra cima e pra baixo! – era a vez de Cícero fira com raiva, atirando sua bituca no chão e apagando-a com a sola da bota de couro – A gente não escolhe nossos amores, Zidane. Só sei que preciso tê-lo em meus braços, mais do que qualquer coisa, e você sabe que só aqui comigo ele estará realmente seguro...

Zidane havia superado a fase da negação, da revolta, e agora estava na fase da barganha: negociava com Cícero para livrar-se da dívida maldita. Em breve passaria pela depressão, seguida finalmente da aceitação, conforme Cícero havia planejado num esquema psicológico do qual ouvira falar certa vez... Como se chamava, mesmo? “Modelo de Kubler-Ross”? Tanto faz o nome. Só sabia que era assim que conseguia o que queria: não apelava apenas para sua força física (para isso serviam seus subordinados), mas aliando isso à tortura psicológica em os seus oponentes, enfrentava-os de forma sorrateira e refinada para assim torna-los seus aliados.

– Sei que está desesperado - disse Cícero, pronto para dar o bote: suas palavras era bem calculadas, pois sabia do relacionamento secreto de Zidane e usaria isso ao seu favor - Mas você sabe que um homem apaixonado é capaz de tudo...

– Sim, eu... Imagino como seja isso – Zidane estava quase em prantos. Lembrou-se de William, e depois, de seu querido consorte. Não gostaria de ver o irmão sendo perseguido por homens sequiosos por sexo, e sequer imaginava o escândalo que seria se descobrissem seu relacionamento secreto com Francisco: um rapaz tão diferente de Zidane em tantos aspectos, que poderia erguer desconfianças sobre sua conduta no seu meio social.

Dessas lembranças doces e poderosas, reergueu sua compostura, respirou fundo e olhou Cícero nos olhos sem temor.

– Pois eu acredito em você. Apesar de não gostar de sua atitude, você é de boa família e bom berço, o que por si só o desiguala à qualquer outro partido, especialmente àquele favelado ignorante. Além de oferecer uma proteção imbatível ao meu irmão... Pois pode contar comigo para o que for preciso. Farei o que estiver ao meu alcance para firmar este namoro, e conseguirei convencer William de que esta é a melhor opção...

– Excelente! – Cícero mal pode esconder seu contentamento – Eu só tenho a lhe agradecer, Zidane. Sei que entenderia minhas motivações assim que visse o quanto estou apaixonado pelo seu irmão... – apesar de exagerado, Cícero mostrou sinceridade nas palavras, o que não passou despercebido pelo observador jornalista.

– E sobre a venda de bebidas alcoólicas nos foodtrucks?

Você é bem esperto pra entender isso por conta própria, mas eu vou te explicar. Afinal, não quero problemas com meu futuro cunhado – disse cheio de boçalidade – As bebidas são meu trunfo, Zidane... Enquanto eu tiver livre acesso à William, meus amigos não lhe farão mal algum e até me ajudarão a protege-lo de companhias indesejáveis. Você tem um exército à sua disposição para a guarda-costas do seu irmãozinho... Mas isso tem um preço.

Zidane suspirou pesadamente... Onde raios havia se metido? Cícero dava as costas, preparando-se para ir embora. Com as mãos dentro de sua calça jeans preta, apertada na cintura à evidenciar o volume entre suas virilhas, concluiu aquela conversa de maneira imparcial:

– Pise na bola, e eu virei cobrar o preço pelo serviços dos meus homens. A dívida pela pichação está paga, mas voltarei a cobrar esse preço caso se faça necessário. Temos um código de ética muito rígido, e seu segredo estará bem guardado, desde de que eu tenha o que eu quero. E você já sabe o que eu quero...

– Sei sim... – suspirou novamente, algo que nada condizia com sua atitude quase sempre de nariz empinado, e cheio de si. Cícero percebeu que sua conversa havia surtido efeito, e agora que o via completamente sem chão, já deleitava-se intimamente por ter o maior e mais influente baitola do Liceu de Artes aos seus pés.

– Mal posso esperar para colher os frutos dessa nossa parceria, Zidane... Passar bem!

– Você também, Cícero.

Quando o moreno se foi, Zidane sentiu um grande alívio nos ombros, como se imenso peso fosse tirado de suas costas. Sabia que havia muito a ser feito, mas terminada a fatídica discussão, só conseguia pensar em uma coisa... Na verdade, em alguém. Pegou seu smartphone e contatou um velho conhecido por mensagens de texto:

“Vai ter alguma aula importante agora?”

“Só ensaio da banda, porque?”

“Pode dar um pulo no meu dormitório?”

A resposta demorou a chegar. A incerteza o corroeu, Zidane era exigente e não pensara direito antes de enviar as mensagens, e o medo de um “não” o consumiu como uma câimbra na batata da perna... Mordeu os lábios, ansioso a encarar a tela de cristal líquido do celular.

“Vou sim, em dez minutos estarei lá”

Sem esperar nem mais um minuto, Zidane enfiou o celular nos bolsos do casaco Burberry e disparou em direção ao prédio principal. Sua silhueta alta e esguia não passou despercebida por Sariel, a bebericar seu café expresso, cujo olhar nada escapava. Ao subir as escadas rumo ao seu quarto, o estudante de Jornalismo já suava frio, sequioso por liberar a tensão sexual fluindo por suas veias, misturadas à raiva e insegurança plantadas em seu coração por aquela conversa desagradável que acabara de ter... Depois de uma transa bem gostosa, ele pensaria no assunto.

Já em seu quarto, apreciou brevemente o silêncio e o conforto de uma sala vazia, pronta para receber dois amantes cheios de calor. Sentiu um arrepio percorrer sua pele alva ao desprender-se dos trajes de inverno: era como se pudesse sentir as mãos carinhosas de Francisco já despindo-o completamente... Colocou seu Iphone 6 no pedestal da caixa de som sobre a escrivaninha, escolhendo a trilha sonora daquele final de manhã, enquanto aguardava a chegada daquele que lhe traria tanto prazer. Em sua seleção musical da qual tanto orgulhava-se, deixou que a música da cantora Lorde ressoasse em seu corpo e dialogasse com sua alma, deixando-se amolecer o corpo e seduzir-se pelo momento.

“I've never seen a diamond in the flesh

I cut my teeth on wedding rings in the movies

And I'm not proud of my address

In the torn up town, no post code envy”

A porta irrompe de forma violenta, despertando Zidane de seu transe musical. Ser interrompido num momento tão pessoal irritou-o profundamente, pois fora visto numa situação de muita vulnerabilidade... Mesmo que por quem já estivesse bem apessoado com este seu lado mais entregue e solto. Não gostava da ideia de ser pego de surpresa e parecer fragilizado.

– Ai, Chico! Bem que podia bater antes de entrar, né? – respondeu com raiva à Francisco, que já preocupava-se em trancar a porta.

– Desculpa. Vim o mais rápido que pude – e logo notava-se. Zidane vislumbrou a respiração ofegante sob a regata preta e estampada com o logotipo de uma banda de rock de quem havia subido escadas às pressas, as gotículas se formando em seu rosto e o lamber discreto dos lábios – Hã... Aconteceu alguma coisa?

– Porque a pergunta? – Zidane deu-lhe as costas, tirando agora a sua camisa branca.

– Você parece bem irritado – Francisco afastou os longos fios de cabelos louros que untavam em seu rosto, tentando parecer mais apresentável.

– E já me viu agindo diferente? – Zidane era distante e monossilábico, e viu-se obrigado a concordar com o que Cícero lhe dissera momentos atrás. Tratava Francisco com indiferença nas aulas e nos corredores, e demorava para desfazer-se desta máscara mesmo quando estavam a sós.

– Na verdade, já vi sim... – e Zidane olhou-o por cima dos ombros, com aquele sorriso convencido e a sobrancelha erguida que faziam Francisco ganhar seu dia.

Francisco não se importava. Adorava ser seu capacho, seu servo, seu cachorrinho... Do contrário, nem estaria ali. Afinal, Zidane era seu muso, seu príncipe, seu deus grego entre os mortais. Como era sensual... Nada o agradava mais do que amaciar o humor genioso daquela potranca selvagem e poderosa, pois sabia que só ele podia oferecer um tipo de prazer que Zidane não poderia sentir com mais nenhum homem... O prazer de ter suas fantasias realizadas.

Sem fazer barulho algum (não queria contrariar seu querido amante), Francisco se aproximou e colou o peito nas costas do outro, sentindo o toque de sua pele nua. Zidane estava tão tenso que aquele simples toque o arrepiou por completo, e o “deus nórdico do heavy metal” logo percebeu isso, sorrindo de satisfação... Salpicou beijos pela sua nuca, descendo pelas suas costas delgadas, ajoelhando-se no carpete de encontro ao cóccix empinado de quem já procurava, ansiava por um certo carinho... Um certo toque que, a princípio, era um tanto invasivo – mas inexplicavelmente prazeroso.

– Ai! Chico!… - gemeu vulgarmente.

– Ssshh… Relaxe... - com os dentes e com os dedos, delicadamente, Francisco desceu os jeans de seu amante num rebolado lúbrico, desejoso pelas nádegas rosadas escondidas sob sua cueca branca. Incapaz de resistir, afundou o rosto entre aquela carne macia, aspirando o aroma natural de Zidane, e do sabão em pó de coco impregnado no tecido.

– Aii... Não sabe quanto sapo tive que engolir hoje! Só você mesmo, pra me aliviar desse mal estar...

– Pra isso que vim. Pra isso que volto sempre... Para isso que sirvo a você...

A química entre o dominador Zidane e o devotado Francisco era de uma estabilidade tremenda, ao mesmo tempo que efusiva como a explosão de um vulcão. O roqueiro empurrou gentilmente Zidane em direção a uma das camas, convidando-o para deitar-se de quatro, abrindo suas pernas para ele e permitindo que ele lhe desse o tão desejado prazer que buscava... Zidane mordeu os lábios, antegozando o momento em que sentira as mãos firmes de Francisco empurrando seus quadris em direção ao seu rosto, o tecido da cueca descendo por seus glúteos durinhos e o toque do amante em suas partes mais íntimas a acalenta-lo gentilmente. Bastava possuir a senha certa para adentrar na alma e no coração gelado do jornalista aristocrático, e o anilíngus hábil e profundo de Francisco era a chave para isso.

Zidane gemeu e revirou seu olhos em um sorriso carregado de mais puro prazer. Naquele momento, não haviam matérias, exames, projetos, dívidas, preocupações... Naquele momento, apenas Francisco lhe importava. E apenas a ele se entregaria.

“Let me be your ruler

You can call me queen bee

And baby I'll rule, I'll rule, I'll rule, I'll rule

Let me live that fantasy"


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