O estranho eremita escrita por 0 Ilimitado


Capítulo 6
Ato 6 - Pelas águas do Pacífico




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“A noite me guardava emoções, podem ter sido poucas para você, mas foi a primeira vez que certas inteirações puderam ser sentidas e concluídas.”


Durante nossos oito anos juntos, tive poucas oportunidades de declamar meu passado. Antes de dormir, você se remexia na cama e eu abria o livro, procurava alguma identidade, algum misticismo que me fizesse lembrar uma lembrança no mínimo sutil da minha juventude que tanto sussurrei a ti.
Após fazer dezessete, pude finalmente partir, deixei em casa minha mãe com Alzheimer, meu pai com um câncer de pulmão em fase metastática e adivinha onde o trono da minha tia se estabelecia? Seu livro tornou-se um best-seller, e ela ganhou lugar na prefeitura da cidade, status é tudo no capitalismo. Tenho certeza que sua natureza hedonista pulverizou muitas memórias concretas e felicitas de almas que tanto almejavam ambições, seu gosto por garotos moveu orgias entre quatro paredes, banhadas a ouro.
Sem ao menos conseguir estabelecer comunicação com os outros, tive que enfrentar a vida de cabo a rabo, sai da alcateia dos lobos para a fossa dos leões.
Embarcação por embarcação, cédula por cédula, juntei dinheiro trabalhando como assistente de porto, desenvolvi uma paixão por barcos e nutri-a arquitetando uma expedição sola. E não é que deu certo? Sai pelo Pacífico, deixei a barba crescer, a brisa gelada da noite levar (lavar) a minha alma, e conduzi o barco sem rumo, foi um tiro no escuro, admito, no entanto na hora de voltar parecia saber até onde cada gota estaria na imensidão do oceano.
Estilo terapeuta em decadência dando um tempo de si.
Apaixonei-me pelas águas, afeiçoei-me as nuvens, dei um amasso no céu de tirar o fôlego, pude fielmente perceber que a natureza é intrínseca ao homem.
Varri a poeira em alto mar confessando segredos ao ar: a primeira punheta, a primeira inveja, o primeiro amor.
Durante toda a minha estadia comendo comida enlatada e assassinando peixes em prol do consumo, encontrei um prazer digno de lobo solitário em noite de Lua cheia, na cabine do veleiro, sentava nos meus cobertores e travesseiros, sentia o leve tremular do barco, separado por uma tênue superfície tocava a água sem ao menos me molhar, e por fim, abria o meu universo, a janela da alma, os meus livros.
E após ler e contemplar como se gotejasse mel de minha boca, fechava os olhos, buscava inspiração entre as estrelas que residiam no céu sublime e começava as minhas resenhas, uma frase aqui, uma expressão ali e então, juntava minhas criações e se unificavam em uma única história.
Quando terminei de ler a primordial obra, minha vontade era de recitar para alguém, ser reconhecido em um português chulo, por um lapso de momento esqueci ser acostumado e mimado em território para um só urso.
Partindo de carta para testemunho, devo te contar uma nobre verdade, no dia que te pedi em namoro, chamei-te para alto mar, pois me sentia mais seguro em abrigo de um território que soava menos inóspito para mim, no fenecimento, houve glória, anéis nos dedos, felicidade estampada no rosto e sonhos sendo compartilhados em uma noite que... Isso é engraçado, foi a minha primeira noite junto a uma mulher.
O calor que é descrito em poemas românticos, o suor que desce pela espinha dos poetas, por mais etérea que seja, não se iguala a sensação de estarmos junto, unificados em um vórtex de saliva e amor.
Éramos um casal adolescente aproveitando as férias de verão juntos, o calendário sempre voltando para o dia um, aproveitando o “carpe diem”, sugando o tutano da vida como se a extinção não bastasse para nos separar.
E essa visão persiste, olhe onde estou agora, sentado diante das chamas cor-de-carne, escrevendo para a eterna mulher dos meus sonhos, o mensageiro dotado de transporte para os dois mundos poderá enviar essa carta.
Andávamos descalços pela praia, a areia massageava nossos pés, árvores cresciam em nossas cabeças, inspirados, enamorados, estrelares e imortais, mais altos que o mar, mais suntuosos que o magistral Burj Khalifa.
Polos opostos, atraídos, seus dedos foram feitos para tocar piano, os meus para virar páginas, mesmo que a mais necessária de ser virada, meus dedos calejados não conseguem, não consigo passar por essas escrituras, ainda não. Ainda. Espero.
Você, mestre dos instrumentos, lembra de quando tentou me ensinar manusear o saxofone? Foi um desastre, tive certeza que se caísse na água não sairia vivo, sem fôlego para soprar, sem paciência para atingir o êxito.
Queria que estivesse aqui, sei que estaria triste, sei que ficaria presa no velho farol procurando algum resquício de vida, e enquanto não encontrasse ficaria atracada em suas paranoias de que o mundo está perdido, em contradição, seguraria a esperança como se fosse uma corda que soltada traria consequências funestas.
Nossa, agora estou me lembrando de quando nós nos conhecemos, pela primeira vez. Havia ido no porto, queria conhecer a cidade e não sabia ao certo por onde começar, mesmo sendo apenas um homem que controlava quem entrava e saia dos postos, arrumei um tempo para você. Ainda um pouco presunçoso.
Dirigi pelas águas calmas, olhava para trás pretensioso. Com seu óculos escuro, seus braços abertos, os fios sendo levados pelo vento, o Sol refletindo seu sorriso nas minhas imaginações, o sereno da noite lavou seus cabelos ao nascer, deu a noite o seu reflexo, deu ao céu a sua bênção, de manter o negro e também a timidez. Com sua alegria, abria um sorriso. Quando voltamos para o porto, você muito feliz me deu um abraço potente, e tirando o óculos perguntou se gostaria de jantar a sua presença, em um restaurante a luz da Lua naquela mesma noite, não respondi de primeira para não demonstrar meu desespero em sentir novas sensações e me conectar a algo, meio assustado com o pedido, aceitei.
Sua explicação foi que no jantar eu poderia falar mais da cidade, sem dúvidas conversamos muito mais do que isso. O Lázaro de corpo e alma começou a brilhar, esperei ansioso feito um soldado sonhando com a amada em uma trincheira na véspera de uma importante batalha.
A noite me guardava emoções, podem ter sido poucas para você, mas foi a primeira vez que certas inteirações puderam ser sentidas e concluídas.


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