The hanging tree escrita por Carolina Rondelli, Felipe Valentim


Capítulo 5
Are you, are you, coming to the tree?


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Infelizmente, esse é nosso último capítulo (sim, o que é bom dura pouco), espero que tenham gostado de tudo até aqui, nós agradecemos muito a cada um que leu e a cada comentário.
Peguem os lencinhos e aproveitem o capítulo!



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Ele não estava especialmente bonito nem feio, ali, pendurado na árvore-forca, estava do mesmo jeito que ela se lembrava desde a primeira vez que fora em sua casa, levar sua comida, um dia depois da morte de seus pais.

Lucy estava chorando, agachada na própria cama, quando ouviu batidas na porta. Levantou-se e tentou enxugar os olhos o máximo que pôde, e até conseguiu, mas a vermelhidão naqueles olhos negros a entregavam.

— Quem é? — perguntou.

— Jacques, senhorita Thomas, vim trazer-lhe sua comida.

Lucy abriu a porta e deu de cara com o pescador, que era bem mais alto que ela, carregando uma sacola com a pesca. Ele estendeu a sacola e Lucy a pegou.

— Muito obrigada, senhor.

— Por nada, sabe cozinhar? Tem algo para acompanhar o peixe?

— Sim. O senhor Representante me deu alguns sacos de arroz e tenho bastante feijão.

— Ótimo — ele respondera, e continuou, um pouco sem jeito. — Você estava... chorando?

— Não, senhor — Lucy disse, mas as lágrimas entregaram a mentira que tinha acabado de dizer.

— Deve ser difícil, eu sei, mas as piores noites passam, a manhã sempre chega. Somos capazes de suportar muito mais do que imaginamos, acredite — disse ele, já se encaminhando para a porta.

— Você pode ficar? — sussurrou Lucy.

— Desculpe, senhorita, mas minha mulher me espera em casa, e ela está muito adoentada.

— Ah, sim, claro — Lucy disse, envergonhada. — Desculpe-me senhor.

— Não precisa se desculpar por não querer ficar sozinha, é natural temer.

— Não só por isso, senhor — Lucy respondeu —, se tem uma esposa doente em casa, a última coisa que desejaria era ganhar uma protegida, outra boca para alimentar. Por que o escolheram, senhor?

— Não sei, não questionei a ordem que tinha.

— Não sou tão ingênua assim, senhor. Sei que sou jovem, e meus pais diziam que sou bonita, sei o que alguns pescadores fariam, se aproveitariam de mim.

— Talvez — admitiu Jacques.

— Então obrigada, senhor.

— Por nada, senhorita. Tenha uma boa noite.

E depois disso, Lucy nunca, nunca mais se esqueceria daquele dia, quando percebeu a sorte que tinha.

Depois de olhar por tempo demais para o defunto, Lucy começou a caminhar para casa. No caminho, o Representante da vila, que agora estava bem mais gordo do que quando decretou que Lucy seria a protegida de Jacques, encontrou com Lucy no meio do caminho.

— Senhorita Thomas, estava mesmo querendo vê-la — disse. — Deve ter visto o que aconteceu com o seu protetor, aquele safado do Hall...

— Não fale assim dele, senhor, não sabemos o que o levou a cometer tais crimes — Lucy respondeu, se segurando para não gritar que ela tinha sido o motivo.

— Falta de caráter, provavelmente, minha querida, mas não vamos falar de assassinos — ele prosseguiu. — Talvez tenhamos problemas com sua alimentação, e agora que já tem mais de vinte anos...

— Não se preocupe, senhor, darei um jeito. Muito obrigada por tudo que fez por mim durante tudo esse tempo. Como disse, já tenho mais de vinte anos, já uma mulher, posso me cuidar sozinha.

Lucy fez um aceno de cabeça e saiu sem nada mais dizer, já com lágrimas nos olhos. O que ela mais temia aconteceu, Jacques morreu e ficou tão mal falado quanto ela. Lucy sabia que era sua culpa.

Já chorando, passou pela casa que antes pertencia ao seu pescador e, quando viu que ninguém estava na rua, entrou, sem pensar no que fazer, só queria desesperadamente algo que lembrasse Jacques. Seu cheiro, suas roupas, sua casa.

Mas, quando entrou, uma lembrança estranha chegou, de quando Lucy frequentava sua casa, mas não para ver Jacques, mas sua mulher, a também falecida Senhora Clarissa.

Quando Lucy soube que ele tinha uma mulher doente em casa, pensou em ir lá, talvez ajudar com algo que tivesse aprendido com a mãe. Mas depois de algumas visitas, ia lá porque Clarissa gostava da protegida do marido, apreciava a companhia, já que Lucy sabia que não havia nada a ser feito, ela estava morrendo.

Jacques não sabia que ela ia, e nem precisava, ela só queria retribuir de alguma forma.

No fim do seu último dia, Clarissa sussurrou para Lucy:

— Não o deixe sozinho. Ele parece mal, mas é uma boa pessoa. Já sou eternamente grata por seus cuidados, se fizer Jacques feliz, seria a mais sorridente dos céus.

— Farei o possível para ser agradável a ele, senhora — respondeu a garota.

— Não estou dizendo isso, cachos da noite — era o apelido pelo qual chamava Lucy —, seja a mulher que não pude ser para ele, Jacques merece toda a felicidade do mundo.

— C-como mulher?

— Sim, querida, se assim for feliz também. Sei que nutrem sentimentos, mesmo que fraternais, um pelo outro.

Antes que pudesse responder, ouviu o barulho da porta se abrindo. Despediu-se e foi de encontro a Jacques.

— O que faz aqui? — perguntou ele, surpreso.

— Tenho vindo cuidar da sua esposa durante muitas tardes, há muitos dias. Mas não é tempo de conversarmos, acredito que seja a última noite da Senhora Clarissa.

— O que quer dizer com última noite?

— A doença está vencendo, ela já se cansa de lutar. Desculpe por não ter conseguido salvá-la — e saiu, sem esperar resposta.

Na época, achou que o pedido de Clarissa tivesse sido um devaneio de uma moribunda, mas, não esperava que viesse a fazer o que ela tinha pedido. E como pediu.

No dia seguinte, depois do enterro, Lucy tinha encontrado Jacques sentado na porta de casa, com uma garrafa de bebida na mão, já bêbado.

— Não é um bom jeito de honrar a memória dela — Lucy disse, quando passou por ele.

— Ela não está aqui, está?

— Entre e tire seu luto — Lucy insistiu.

— Eu não pude salvá-la — choramingou ele.

— Ninguém poderia.

— Ela era uma boa pessoa... Eu deveria ter morrido, não ela...

— Vamos — Lucy desistiu de discutir e colocou o braço de Jacques em volta de seus ombros e o forçou a se levantar.

Já dentro de casa, ele foi para a cama e ela arrumou a sala, que estava com garrafas quebradas no chão, provavelmente de algum acesso de raiva de Jacques.

Quando acabou, foi para o quarto e Jacques já estava dormindo, mas, quando ela se aproximou para cobri-lo, ele sussurrou:

— Não me deixe também.

Esse tipo de promessa não é das mais fáceis de manter, e ela não imaginava que seria ele a quebrar.

Lucy resolveu pegar uma camisa listrada no armário de Jacques — sua preferida — e saiu da casa, sem mais se importar com olhares ou acusações, não tinha muito a perder.

A garota foi para o porto e se sentou em um caixote localizado em um dos poucos cais vazios. O mar sempre a fazia lembrar-se de Jacques, não somente pelo cheiro de maresia que exalava do pescador, mas também pelo fato de ser imponente e misterioso.

Estar ali fez Lucy se lembrar da primeira vez que visitou o porto.

Tinha se passado um mês desde a morte de Clarissa e Lucy resolvera levar café para Jacques, já que há muito a vila não fornecia o grão. Ela teve que esperar alguns minutos até que o barco voltasse e o pescador desembarcasse.

— O que faz aqui, senhorita? — disse Jacques, surpreso.

— Vim lhe trazer isso — Lucy ergueu uma garrafa térmica que ela carregava.

— Isso é café? Você não faz ideia do quanto quero um café nesse momento.

Os dois andaram lado a lado pela floresta próxima ao porto, no caminho de casa, e Lucy estava contando sobre seu dia quando tropeçou numa pedra que não viu já que estava muito entretida na conversa.

Em um ato de reflexo, a garota segurou o braço de Jacques e o levou junto ao chão.

O pescador caiu sobre Lucy. Os cabelos negros dela cobriam quase todo o seu rosto, deixando livres apenas os lábios. O rosto de Jacques estava quase colado com o de Lucy e, nesse momento, o cheiro de maresia não incomodava mais.

Seus lábios se encontraram como se fosse o certo a se fazer e ninguém poderia discordar. Durante aquele minuto nada mais importava, nem o café que estava sendo derramado no chão, ou pessoas que poderiam estar vendo. Tudo que eles desejavam era que aquele momento durasse para sempre.

— Ah, Jacques, o que vou fazer? — lamentou-se Lucy, voltando ao presente.

Ela se abaixou perto do mar e colocou a camisa lá, depois de sentir seu cheiro por uma última vez, sem nenhum motivo específico. Apenas devolveu ao mar o que achava que lhe pertencia, aquele sempre foi o lugar de Jacques, não poderiam tirar isso dele, mesmo depois de sua morte.

Lucy se levantou e foi deixando o cais, se perguntando se voltaria ali. Tinha duas escolhas mais óbvias: tentar fugir novamente quando a noite caísse ou continuar ali, naquela vida que estava tão decidida a deixar para trás um dia atrás. E outra escolha ela não se atrevia a pensar muito, poderia desistir de tudo, talvez se juntar à Jacques onde quer que ele estivesse depois de morrer. Quando ele disse que para que ela fugisse, tanto poderia estar se referindo a fugir da vila ou fugir para ele. Lucy sabia que tinha uma escolha pela frente, a mais difícil de sua vida.

Quando se deu por si, já estava no centro da vila, e, naquele dia, tudo parecia lembrar Jacques. Pela calçada que passava, foi onde ela foi humilhada publicamente pela primeira vez.

Estava fazendo muito frio, estavam doando agasalhos para os mais pobres e Lucy foi lá, pois os seus estavam rasgados e gastos. Alguém disse que “prostitutas não deviam sentir frio.” Lucy respondeu que não era aquilo, como se adiantasse, e as pessoas começaram a apontar e, quando viu, estava sentada na calçada chorando, até que Jacques chegou e a afastou das acusações.

— Está bem? — perguntara.

— Ficarei — prometeu.

— Queria calar suas bocas quando falam de você.

— E como faria isso?

— Fazendo de você a senhora Hall.

— Do que está falando? — ela disse, estranhando.

— Sei que não podemos nos casar, já que sou viúvo...

Lucy ficou perplexa, já tinham se passado muitos meses desde seu primeiro beijo, e muitos outros já tinham vindo, mas nada como isso.

— Se pudesse o faria? Casaria comigo?

Jacques puxou-a para um pequeno beco perto de sua casa e, do nada, se ajoelhou.

— Não podemos nos casar aqui, mas, daqui para frente, posso ter a honra de chamá-la de Sra. Hall?

Lucy não respondeu, apenas fez com que Jacques se levantasse e o beijou. Desde então, não existia um nome pelo qual Jacques chamasse Lucy que ela se sentisse mais especial que esse. Ela daria tudo para ouvir sua voz chamando-a novamente.

Lucy devia ter sede, fome, sono ou algo do tipo, mas não sentia nada além de dúvida e tristeza profunda. Mesmo assim, quando finalmente chegou em casa, foi para a cama, e foi lá que a memória mais intensa que tinha de Jacques veio a sua mente, e, por mais que quisesse, não conseguia evitar.

Já devia ter quase um ano que os pais de Lucy tinham morrido, o dia todo tinha sido quente e o céu prometia uma tempestade no fim da tarde, quando Jacques chegou com os peixes de Lucy.

— Tenho que sair antes que chova — disse Jacques.

— A chuva é um pretexto para que fique — Lucy insistiu, mas Jacques disse que tinha que ir embora.

Depois de uma rápida conversa e um beijo demorado, quando o pescador se dirigia a porta, ambos levaram susto com o estrondo de um trovão, e a chuva começou a cair sem perdão.

Lucy sorriu.

— Não era para sair daqui esta noite — disse.

Ficaram durante os primeiros minutos da tempestade ora conversando, ora se beijando, quando Lucy ouviu um barulho de água pingando. Foi até a cama e Jacques a seguiu, para ver a gigantesca goteira que descia de um buraco no teto.

— Sua casa está mesmo caindo aos pedaços — brincou Jacques, enquanto secava uma gotícula que tinha caído na coxa de Lucy, que tinha subido na cama para tirar o lençol para que não molhasse mais.

O toque a fez olhar para ele, que devolveu o olhar. Estavam próximos demais um do outro e da cama. Lucy largou o lençol e chegou mais perto de Jacques, e em um minuto, ele também estava lá na cama. O vestido escorregou facilmente para fora do corpo de Lucy, do mesmo jeito que a camisa dele.

Lucy descobriu seu corpo enquanto ele parecia conhecer cada parte do dela, conhecendo seus limites e o que podia fazer.

Mais tarde, naquela noite, depois que os trovões e o vento já haviam passado, uma chuva branda caía quando ele sussurrou:

— Eu te amo, Sra. Hall.

— Eu te amo — responderam a Lucy do passado, que dividira a cama com Jacques, e a Lucy do presente, desesperada, triste e sozinha.

— Você se foi — chorou, falando para o lado vazio da cama. — Você se foi.

E Lucy acabou, por fim, adormecendo. Talvez por cansaço, ou por seu corpo não suportar mais a dor não de tê-lo nos braços.

***

Quando Lucy acordou, já tinha escurecido. É agora ou nunca, pensou.

Tinha sonhado com Jacques. Ela e ele em um campo cheio de flores, ele dizia que a queria feliz, mas ela sempre soube disso. Ele tinha se sacrificado por ela, seria certo deixar que a vida dele tivesse sido perdida em vão? Lucy decidira que não, e, no mesmo instante, se levantou e juntou uma trouxa de roupas com as peças que Jacques não tinha levado na primeira tentativa. Logo seria Natal, todos estavam em suas casas, Lucy não seria vista.

Saiu pouco antes da meia-noite e, como previra, não encontrou com ninguém. Mas, para sua desgraça, a árvore-forca ficava no caminho para o porto, então ela encontraria Jacques.

Quando chegou lá, suas forças se esvaíram.

O amor de sua vida já estava cheirando mal, os olhos ainda estavam abertos, mas Lucy não se deu ao trabalho de fechá-los, mas deu um beijo em sua boca, o último beijo, que deveria ter dado quando fugiu do porto, quando Garth fora assassinado, mas estava muito assustada para isso.

Passou as mãos pelo outro cordão de corda que estava ao lado de Jacques, vazio. Sabia que não poderia estar assustada para fazer o que precisava ser feito, e, ali, viu que seu objetivo nunca foi realmente fugir sem Jacques, pelo menos não para fora da vila.

Desejava ardentemente fugir para ele.

E o que faria depois do mar se era ali onde seu amor estava? Nunca se sentira tão próxima de Jacques. E, nesse momento, compreendeu para onde ele queria que ela fugisse. Queria que fugisse do mundo.

Era meia-noite, na árvore-forca, e, enquanto as famílias celebravam a chegada do Natal, uma garota de cabelos pretos, como cachos da noite, colocava o colar de corda e deixava seu corpo pender ao lado do de seu amado.

Do mesmo jeito que Jacques morreu, seus olhos não deixaram os dele, nem por um segundo.

Eles estavam finalmente livres, e juntos por toda a eternidade.


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Notas finais do capítulo

Então é isso, espero que tenham gostado. Eu queria pedir, encarecidamente, para TODOS que leram a fic, que comentem aqui, gostaríamos muito de saber o que acharam!
Um feliz Natal e um ano novo cheio de fics novas para todos vocês, fiquem com Deus, beijo no coração!