Dante

Vinte e um, a idade mais esperada entre os garotos do complexo. Nascidos no berço da guerra, nós eramos treinados desde cedo para assumirmos as obrigações de nossos pais, e agora, havia chegado a nossa vez. Esse dia era lembrado por mim em especial, não somente por ser o dia de meu aniversário, mas também por me trazer lembranças desagradáveis, lembranças das quais eu poderia não ter presenciado, talvez isso melhorasse a minha convivência com ela, talvez isso tirasse o peso que havia nas minhas costas.

Era dia 02/08/2035 quando tudo aconteceu, e eu vi com meus próprios olhos a maior demonstração de amor, a que custara milhões de vidas em troca de uma. Eu tinha apenas cinco anos mas me lembrava perfeitamente dos detalhes daquela noite. Haviam se passado meses de combate, eu me escondia no complexo junto com minha mãe enquanto meu pai ia para o campo todos os dias, mas naquele era diferente. Último dia de batalha, poucos sabiam disso, eles já estavam em nossos portões fortemente armados, não tinhamos chance alguma, seriamos facilmente aniquilados, se não fosse por ela.

Enquanto alguns soldados juravam ter ouvido um choro de bebê, outros insistiam que quem chorava era a mulher que estava dando a luz. Esse foi sem duvida alguma o maior erro de Demetrius, sua compaixão levou seu povo a derrota e a morte, esse era um preço muito alto a se pagar, mas ele não se importou muito com isso. Ao lado da mulher, Demetrius viu a criança nascer em seus braços e concluiu que aquele seria o dia mais feliz de sua vida, se não fosse pelos deslizes que havia cometido, ocupado de mais para se preocupar com a própria segurança.

Soldados invadiram a pequena cabana onde estavam escondidos, passando por todas as suas defesas com facilidade, Demetrius havia sido muito descuidado. Poderia ter dado um basta ali naquele momento, não demorou muito para a cabana se encher de rebeldes armados, mas uma coisa não lhe permitiu ordenar que atirassem. Uma arma apontada para a cabeça de sua mulher enquanto outra apontava para o peito da criança, ainda em prantos e banhada em sangue. Demetrius teria sido um pai ótimo se houvesse sobrevivido, mas em troca disso preferiu se render, levando todo o seu exército a morte ou a prisão por longos anos, em troca de uma única coisa que para ele era tudo. A criança, esta deveria ser poupada da morte ou de qualquer castigo, independente de qualquer coisa. Anya deveria ser educada e protegida como qualquer outra criança, como se fosse da própria família do inimigo. Era um preço minimo de se pagar, e como meu pai honrava suas promessas, criou a garota como se fosse dele.

Anya porém era muito quieta e fechada, sempre soube da história e por isso mantinha uma distância segura de Dante e de seu pai, Deimos. O respeitava como qualquer outro membro superior do anexo, mas nutria por ele um sentimento forte e perigoso, porém ainda inofensivo. Anya foi educada e treinada ao lado das pessoas que a vida te levaria a odiar, contudo era boa e calma, tinha total consciência de que a violência ali só a levaria a sua morte. Ela era diferente de todos, seus traços irlandeses eram uma dádiva que só os rebeldes recebiam por genética. Diferente dos cidadãos do complexo que tinham a pele bronzeada pelo sol e cabelos escuros muito lisos, Anya era branca como mármore, seu rosto era decorado com várias gotas alaranjadas que desciam por seu pescoço, contornavam seus ombros e embelezavam suas costas. Os cabelos eram de um laranja avermelhado, meio puxado para o castanho, lisos com ondulações grossas nas pontas. Mas nada disso realmente importava quando se olhava para seus olhos, eram de um azul tão bonito que chamava atenção por onde passava. Ela era com toda certeza a garota mais bonita que eu já havia visto.