A menina de olhos tristes escrita por Angel Black


Capítulo 3
Terrores Noturnos




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Quando era quase oito horas, Malfoy escutou a porta de sua casa se abrir, mas continuou na cama. Sabia que era a menina e queria dar-lhe espaço para começar o trabalho. Quando sentiu o cheiro de café, sua fome não deixou que permanecesse mais tempo descansando.

A mesa da sala do jantar estava belíssima. A menina tinha feito café e panquecas. Panquecas com uma maravilhosa calda de chocolate. Alice era mesmo preciosa. Principalmente para alguém como Malfoy.

Uma vez, bem antes de ser preso em Azkaban, Draco teve uma amante que adorava cozinhar. Foi o caso amoroso de Malfoy que mais durara e Draco tinha certeza de que era porque ele adorava as costelas suínas que ela preparava.

O caso acabou quando a mulher foi presa em Azkaban por contrabando de ervas proibidas. Depois que ela foi solta, ela procurou Malfoy e deu-lhe bofetadas em seu rosto porque ele jamais quis visita-la.

Na época, Draco tirou sarro da pobre mulher. Anos depois, quando Azkaban já começava a fazer seu efeito, Draco desejou ser visitado por alguém, mesmo que fosse por sua maluca amante e seu dom para fazer costelas suínas.

Era estranho pensar nisso agora. Por mais que quisesse negar, Malfoy sabia que Azkaban lhe havia deixado cicatrizes profundas. Ele havia mudado. Seu interesse repentino em querer ajudar uma menina estranha que mal conhecera, só poderia ser efeito de seus anos na prisão.

– Bom dia, senhor – disse a menina, surgindo na sala de jantar, enquanto Malfoy se servia. Ela parecia envergonhada. Tinha a cabeça baixa, os ombros encolhidos e esfregava as mãos nervosamente.

– Sente-se e coma, Alice! – mandou Malfoy. Era fácil mandar na pobre menina. Ela obedecia cegamente. Com o troglodita do pai tratando-a como na noite passada, aquilo era compreensível.

Draco nunca gostou de mulheres submissas. Achava-as enfadonhas, chatas, bobas, sem graça. Aquela menina, entretanto, havia despertado nele um lado protetor que ele desconhecia. Ele sempre fora egocêntrico, egoísta, individualista. Cuidar de alguém que não fosse ele mesmo, era algo muito estranho. Mas agora que havia se metido na vida daquela menina e seus costumes bizarros, não poderia abandoná-la. Era uma obrigação moral ajudá-la.

– Pode me explicar o que aconteceu ontem, Alice? – perguntou Malfoy, quando ela já estava terminando de comer.

– Eu sinto muito por aquilo, senhor. Isso não irá se repetir. Minha mãe disse que quando o senhor precisar, ela poderá ir até o supermercado.

– E porque VOCÊ não pode ir até o supermercado?

Alice não respondeu. Ao invés disso, ficou brincando com a comida.

– Alice, responda-me agora.

– Eu não devo ver outras pessoas. Não devo tocar nelas. – respondeu ela, num voz quase inaudível.

– E por que isso? – perguntou ele, curioso. Mas quanto mais ela pressionava, mais ela hesitava – ALICE, vamos, responda!

– Senhor, eu preciso deste emprego. Minha família está na miséria...

– Você não vai perder esse emprego, Alice, eu prometo. E eu vou ajudar você e a sua família mas eu quero que você seja honesta comigo.

– Todos dizem isso. Todos dizem que vão me ajudar... ajudar minha família. Até descobrirem que... – parou ela, de repente.

– Descobrirem o que?

– Coisas estranhas acontecem comigo... – admitiu ela, levantando os olhos para ele. Aqueles olhos redondos e tristes estavam marejados. Ela era encantadora até quando chorava, pensou Malfoy, surpreso consigo mesmo.

– Coisas estranhas acontecem a todo mundo, especifique, menina... – disse ele, aproximando sua mão da de Alice. Ela, contudo, retraiu ambas as mãos, colocando-as sobre o colo.

– Eu tenho trabalho a fazer, Senhor. – disse ela, levantando-se.

Malfoy observou-a enquanto ela retirava os pratos e sumia na cozinha. Havia alguma coisa sobre essa garota que o intrigava muito, mas era difícil tirar dela alguma informação enquanto ela se esquivasse.

Draco se levantou e seguiu para a cozinha. A menina lavava os pratos. Como ela estava de costas para ele, ela não percebeu sua presença ali, observando-a. Ele se aproximou ainda mais, como um tigre se aproximando de sua presa. Ela cantarolava uma canção com uma vozinha suave. Malfoy estendeu a mão e acariciou a ponta de seus cabelos ruivos encaracolados e ainda assim ela continuava absorta, sem perceber a aproximação dele.

Ele sorriu por alguma razão. Nem ele mesmo compreendia porque fazia o que estava fazendo. Tinha uma necessidade estranha de tocar nela. Talvez porque ela evitava tocá-lo. De qualquer forma, ela exercia aquele estranho encanto sobre ele, como nenhuma outra pessoa fora capaz de fazer.

Malfoy deu mais um passo, a ponto de quase tocar no corpo da garota e antes que ela pudesse perceber o que estava acontecendo, Draco esticou a mão e tocou a mão da garota.

– AHHHH!!! – a garota se retraiu contra a pia, virando-se para ele como se tivesse levado um choque. Ela havia derrubado um prato e com o susto até Malfoy deu um passo para trás.

– Acalme-se, Alice. – disse Malfoy, levantando as mãos. Ele se preocupou com ela. Ela estava ofegante. Tinha os lábios entreabertos como se estivesse vendo um monstro a sua frente e os olhos estavam vidrados como se estivesse horrorizada – Fique calma, menina...

– O senhor não deveria ter feito isso. O senhor não deveria...

– Eu não vou machucar você, Alice... eu jamais machucaria você... – disse Malfoy, tentando tranquiliza-la.

– Eu sei que o senhor não me machucaria... mas eu posso machucar você!

Malfoy arregalou os olhos. Isso era uma informação que ele não esperava receber. Como é que aquela coisinha miúda e frágil poderia machuca-lo.

– O Senhor me tocou... o senhor me tocou...

– Alice... – iniciou ele, achando graça da situação, mas ela não se acalmou.

– Agora o senhor está amaldiçoado... oh, Deus... eu sinto muito... eu sinto tanto... – disse a garota, chorando copiosamente.

– Ora, Alice... não vai acontecer nada comigo... – falou Malfoy, dando um passo na direção dela.

– O Senhor não entende... Quando eu toco em alguém... quando eu toco... – a garota parou de falar, olhando para as próprias mãos.

– O que acontece quando você toca em alguém, Alice? – perguntou Draco, tentando fazê-la terminar o que dizia.

– Coisas ruins acontecem com as pessoas que eu toco. Eu sou um monstro... um monstro que destrói tudo o que toca.

– Você tocou em mim antes. Eu toquei em seus ombros ontem, e você tocou em meu peito, quando eu estava em sua casa.

– Nós nos tocamos sim, mas havia o tecido da roupa. Se houver alguma coisa entre a minha pele e a pele da pessoa que eu tocar, nada acontece. É por isso que eu evito que o senhor me toque... O senhor e todas as outras pessoas da face da terra.

– Ora... isso é bobabem, Alice – disse ele, tentando se aproximar, mas ela se esquivou novamente.

– Não, não é! – disse ela, enxugando as lágrimas. – O senhor está amaldiçoado.

– Fique calma, Alice e me conte o que acontece... – disse ele, tentando esclarecer a situação. Talvez houvesse alguma verdade naquilo que ela dizia. Ele era um bruxo e ninguém melhor do que ele para saber que havia um mundo sobrenatural do qual poucos sabiam.

– Quando eu toco em alguém, essa pessoa essa pessoa vê coisas. – explicou Alice, tentando controlar o choro - Assombrações, aranhas, corvos, vermes, demônios. Alguns sentem dor, como se estivessem levando um choque terrível. Alguns morrem no mesmo instante. Outros simplesmente param de falar para sempre, como o jovem Tommy, o filho do casal que morava nessa casa, antes do senhor. Eles se mudaram depois disso. Eu não sei porque isso acontece. Não queria que acontecesse, mas acontece. Eu não posso ir a lugar nenhum e não posso deixar ninguém me tocar. Se eu quebro alguma dessas regras, meu pai... bem...

– Já entendi. –disse Malfoy, aproximando. Dessa vez, ele tocou nela por sobre o tecido da roupa, mas fez uma carícia nos ombros da menina e fê-la recostar seu rosto em seu peito. – Não se preocupe, Alice. Veja, eu não morri e também não senti nenhuma dor.

– Mas quando o sol se por, o senhor saberá ... o senhor verá... – disse Alice, afundando-se em seu peito.

– Não diga para ninguém, principalmente a seu pai, que eu toquei em você... prometa-me Alice...

–No fim, eu terei que dizer... – disse ela, afastando-se dele. – O senhor aparecerá morto pela manhã e meu pai saberá. – disse ela, entristecida – Vou embora, agora... não há razão para eu continuar aqui... eu sinto muito, senhor Draco... sinto muito mesmo.

Malfoy a observou indo embora. Ele estava preocupado com ela. Se ela chegasse assim cedo em casa e contasse a verdade a seu pai, tinha certeza de que o pai iria machuca-la, abusar dela de alguma maneira. Pobrezinha era oprimida pela família. Não havia acreditado na história de que ela não poderia tocar em ninguém. Achava mais provável que o pai dela a havia convencido disso. Era o tipo de tortura psicológica que surtia ainda mais efeito do que abusos físicos. Mas como poderia ajudá-la?

Draco decidiu no momento que era infrutífero ir atrás da menina. Impor-se em sua casa e em sua família seria ainda mais traumatizante para ela.

Resolveu passar o dia lendo um livro sobre poções com Mandrágora. Quando desceu já era perto das seis, só porque seu estômago o alertava de que ele havia pulado a hora do almoço.

Jantou algumas frutas que encontrou na geladeira e resolveu ir dormir mais cedo. Fez uma nota mental de que na manhã seguinte, se a menina não viesse por conta própria, ele iria até a casa dela, busca-la para fazer o café da manhã. Ele era um completo ignorante na arte da gastronomia e agora sofria com isso. Não era exigente. Para ele, ovo frito era manjar dos Deuses, mas gostava de ter alguém para lhe fazer a comida. E a comida de Alice Donovan era deliciosa. Seria egoísmo seu querê-la por perto para lhe fazer a comida? Ou isso encobria outros motivos?

Malfoy balançou a cabeça como se isso pudesse afastar seus pensamentos de Alice, mas ao invés de esquecê-la, Draco levantou-se e se aproximou da janela do seu quarto, de onde podia contemplar a velha casa dos Donovan. Ficou imaginando o que poderia estar acontecendo com Alice naquele momento. Estaria ela segura? Seu pai estaria abusando dela? Pensar na menina na companhia de seu pai o angustiava. Precisava fazer algo a respeito, mas ainda não sabia exatamente o que fazer.

Por fim, resolveu se deitar, aguardando que o sono viesse lhe visitar. Apesar de não ter feito nada concreto naquele dia, sentia-se estranhamente cansado e antes que percebesse, suas pálpebras se fecharam e ele adormeceu.

Draco escutou um profundo grito cortando a noite e acordou assustado. Olhou ao redor em pânico, pois não estava mais em sua casa. Havia de alguma forma, retornado a Azkaban. Estava deitado sobre o chão, com lençóis sujos e mofados fazendo as vezes da cama.

Levantou-se desesperado e grudou nas barras da cela.

– Olá... olá!!! – gritou ele. Escutava gemidos, vozes perdendo-se nos corredores de Azkaban. E então, um dementador surgiu na frente de sua cela.

Ele se afastou imediatamente, apavorado com a aproximação daquela criatura pútrida.

– Eu não estou mais preso... eu ganhei a liberdade... eu sou livre!! – gritou para a criatura, mas o Dementador continuava a se aproximar.

“Isso não pode ser real”, pensou Malfoy. “não é real!!!”.

Malfoy acordou novamente, completamente ensopado de suor. Estava no seu quarto e em sua casa. Fora um pesadelo? , pensou ele, tentando racionalizar o que havia acontecido. Aquilo foi vívido demais para ser um pesadelo.

Tentou se levantar, mas sentiu um estranho peso sobre seu corpo. De repente, viu seu pai lançar-se em sua direção. Ele o manteve na cama e tentava estrangulá-lo a toda força.

– Largue-me... – Draco tentou dizer, mas a força e a violência de seu próprio pai era superior a sua.

Quando percebeu que não ganharia aquela batalha, Malfoy largou do braço do pai, enfiou a mão sobre o travesseiro, tirou a varinha de debaixo e estuporou Lucius.

O feitiço atingiu seu pai no peito e jogou-o contra a parede. No mesmo instante, o corpo de Lucius dissolveu-se como se fosse névoa negra.

– O que diabos está acontecendo? – disse Malfoy para a escuridão.

Então aconteceu. Uma corrente de dor percorreu seu corpo, fazendo seu corpo todo tremer em convulsão como se estivesse sendo atingido com a maldição do cruciatus. “Isso vai passar”, pensou Malfoy, tentando controlar seu próprio espírito. Ele já havia sido torturado antes. Ele havia superado a dor antes e poderia superar agora se fosse forte e se conseguisse concentrar-se. De repente, a dor simplesmente passou e seu corpo relaxou.

Exausto, Malfoy virou os olhos para o relógio no criado mudo. Havia passado um pouquinho da meia noite...


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