Eu me mexo na cama, encarando o escuro do meu quarto. Olho as horas no celular: 2:45. Amanhã é dia de escola e eu ainda não consegui dormir.  Depois de algum tempo, desisto de tentar. Ligo a luz e abro o computador pra tentar terminar uma história que estou escrevendo. Sempre quis ser escritor (e sempre fui bom nisso), mas de alguns dias pra cá, parece que toda fonte de inspiração em mim se esvaiu. Encarei a tela em branco por meia hora, me condenando e xingando por não conseguir escrever nada. Deixei o computador de lado e comecei a mexer nas coisas do meu quarto, andei pra lá e pra cá, eu estava ficando extremamente ansioso. Me obriguei a parar quando minha cabeça começou a latejar insuportavelmente. Sentei na cama, respirei fundo e me acalmei. Eu estava muito nervoso pelo fato de amanhã começar numa escola nova, bem no meio do ano, depois de ter acontecido alguns incidentes na escola antiga. E eu sou a pessoa mais tímida do mundo, de verdade, então não vai ser uma experiência nada agradável, de início. Fui me acalmando aos poucos, até que por fim, dormi.

Alguma coisa gelada me atingiu em cheio, atrapalhando meu sono. Demorei um pouco pra perceber o que tinha acontecido.
—DROGA, BRUNO, VOCÊ TEM QUE PARAR DE ME ACORDAR JOGANDO ÁGUA EM MIM, SEU ESCROTO!- gritei irritado para o meu irmão mais velho, já levantando meio no automático e indo procurar uma toalha.
—ESCROTO É VOCÊ, CHARLIE! - ele gritou da cozinha. Não conseguia o ver, mas imaginei que estava me dando dedo do meio. Fui andando sonolento até o banheiro e me olhei no espelho: eu parecia um zumbi. Tenho certeza de que vou dar uma ótima primeira impressão. Eu nasci com uma má formação chamada heterocromia, que não é nada assustador ou coisa assim, é só que meus olhos tem cores diferentes, um é azul e outro é verde. Eu sou assim desde que nasci, então acho que me familiarizei a esse detalhe, mas não consigo imaginar quão estranho isso deve ser para quem não me conhece. Mas com o tempo, acabei me acostumando com pessoas olhando duas vezes ao passar por mim na rua. Pra ser totalmente sincero, acho que até gosto de ter uma coisa que não seja normal, pra variar.
Depois de ficar um pouco encarando o espelho e tentando não pensar na impressão que eu passaria pras pessoas, fui andando até a cozinha e sentindo o cheiro de comida. Hoje era o dia do Bruno de cozinhar- nós dividimos isso, cada dia é um.
Meu irmão mais velho parece muito comigo: os mesmos cabelos pretos e o mesmo sorriso, mas ele tem os olhos da minha mãe, um azul meio acinzentado, e é alguns centímetros mais alto que eu, o que é plausível já que ele tem 22 anos, ou seja, 6 anos mais velho que eu. Ele cozinhou ovos essa manhã.
Eu cheguei a pensar, por alguns segundos antes de colocar a comida na boca que ele tinha acertado o ponto dessa vez. Claramente, eu estava errado.
—Sua comida é realmente horrível, Bruno. - reclamei

—Ah, é? - ele disse, olhando pra mim com um olhar desafiador. Eu deveria parar, já que tenho mas coisas pra fazer do que discutir com meu irmão mais velho, mas o orgulho falou mais alto.

—É.

Ele jogou os ovos na lata do lixo.

—Você passa fome hoje.

—E você jogou a panela no lixo.

Bruno me encarou por alguns segundos, tentando parecer sério diante da bagunça que fez. Mas não resistiu e nós dois caímos na risada e ele bagunçou meu cabelo e colocou um braço ao redor dos meus ombros.

Bruno foi a única família que eu conheci.

—Você ainda vai ter que fazer sua própria comida.

Olhei para o relógio.

—Acho que vou passar fome mesmo. To atrasado.
E sai correndo na esperança de chegar a tempo.