Simplesmente linda escrita por Ágata Vaz


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Dedico essa fic à L.B.Q, que se supera cada dia mais.

Agradecimento especial à M.B.B. Não sei a odeio ou a amo, mas ela é um bálsamo para a minha mente cansada. Obrigada pela paciência.

E aos leitores, só uma coisa:

Boa leitura.



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A mulher mais linda do mundo estava na minha frente.

Não era a mais feia, tampouco a mais bonita. Certamente existiam criaturas com traços mais harmoniosos do que os dela, mas isto tampouco me importava. A mim, ela continuaria sendo a mais bela. Não tinha uma tez de porcelana, como diriam os poetas. A pele era queimada, lembranças da sua infância na roça; e suas faces, cheias por natureza, mantinham rubores que, durante sua afobada adolescência, tentou esconder com camadas e mais camadas de base. Naquela época, pouco lhe servia as falas da mãe que, cheia de sabedoria, dizia: “É sinal de saúde, meu bem”. O que lhe importava era esconder a vermelhidão da bochecha e tentar disfarçar as teimosas espinhas para, ao menos, ficar com a pele lisa e sem defeito tal qual a rainha da escola, Simone.

A pessoa a minha frente sorriu, perfeita. Ela não tinha mais vergonha de sorrir como antigamente tinha. Os dentes da frente ligeiramente saltados, que nem o aparelho dentário instalado aos quinze anos tinha conseguido corrigir completamente, não lhe incomodavam mais. Ela sabia, e com razão, que um pequeno detalhe como aquele era um charme a ser considerado. Eu tinha uma vontade de dizer para ela: “Ei, você sabia que tem o sorriso mais lindo mundo?” Mas suspeito, no meu humilde raciocínio, que ela já está a par dos seus dotes.

Entre nós, não havia necessidade de conversa, nós nos entendíamos. Eu, por exemplo, sabia que, se ela mexia discretamente o ombro, era porque queria jogar o cabelo para trás. E que cabelo! Não eram cachos espetaculares como os da Camila Pitanga nos tempos de Cama de Gato, nem o liso perfeito da Cléo Pires em Salve Jorge; mas aquelas madeixas, tão comuns e ao mesmo tempo tão extraordinárias, encantavam mais que qualquer penteado. Perguntei-me internamente se não seria porque eram os cabelos dela, e somente dela. Livre de qualquer química, solto de qualquer elástico. Fios castanhos em sua única e perfeita originalidade.

Ela ri, porque sabe o que estou pensando. No embalo, digo a ela: “Mas que beldade hein!” Confiante, ela faz pose.

Olho para o relógio, verificando se não perdi a hora. Felizmente, ainda há tempo. Retorno para o meu objeto de admiração. Ela ainda está lá, a Magnífica. Um raio de luz penetra as persianas, iluminando seus olhos. Eles estão sorrindo. E é para mim. Ela está me encorajando. Parecem falar: “Vamos, é um novo dia!”. E eu, timidamente, respondo-a em pensamento, dizendo: “Só um pouco mais!” Seus olhos castanhos são quentes e acolhedores. Sinto-me forte olhando para eles, como se estivesse na casa da minha mãe, tomando uma xícara de café e conversando sobre a promoção de carne do supermercado. Lembro-me de um tempo onde ela odiava aquele tom escuro na íris. Pensava contrariada do porquê de não ter lindas joias azuis nas órbitas, feito a sua tia Magda. Mas o destino – Deus, Buda, ou sei lá o quê – havia a presenteado com aqueles olhos cor de bosta, como dizia quando mais jovem. Mal sabia ela que, nos momentos mais sofridos, quando ela estivesse sozinha pelo mundo, aqueles olhos – talvez um pouquinho inchados pelo choro e com certeza injetados de sangue – serviriam para lembrá-la do rosto de sua mãe, e que isto sempre lhe traria coragem para acordar no dia seguinte e batalhar pelo pão de cada dia.

Lá fora, no quintal, escutamos o cachorro da casa latir. Certamente é o vizinho saindo para correr. Rio ao lembrar-me dela, aos dezoito anos, decidida a emagrecer. Os oitenta e cindo quilos acumulados no ensino médio a incomodavam muito. Escolheu, como meta, Carolina Dieckmann. Esbelta, magra, alta. Começou com uma caminhada, mas, francamente, os primeiros dias foram sofridos. A preguiça parecia grudá-la na cama feito cola, entretanto aguentou firme e persistiu na rotina de exercícios: academia, natação, corrida com o cachorro, sessões de dança e aulas de muay thai. Continuou assim por vários anos, porém as tão sonhadas medidas nunca passaram por seu corpo. Isso frustrou-a muito, coitada; como ela iria imaginar que a culpa não era da falta de esforço, e sim da genética? Que seu corpo, de quadril largo e seios fartos, não havia sido feito para adequar-se ao modelo Carol? Apesar disso, o tempo foi dando seu jeito. Ela não deixou de continuar com as atividades físicas, todavia, diminuiu o ritmo. Parou de se espelhar em atrizes e passou a usar como exemplo a si própria. Sabia que nunca caberia numa calça 38, mas quem se importa? Resolveu investir mesmo foi nos abdominais, para ficar com a barriga pronta para o verão. E, quando deixou os colegas de boca aberta, ao entrar na festa de formatura com um vestido longo e sexy, entendeu que ela não precisava ser esbelta, magra e alta. Ser gostosa era muito melhor.

Hoje, posso ver que o tempo teve seus efeitos nela. Não está mais acima do peso, porém, sua barriga deixou de ser chapada. Os seios cresceram ainda mais, entretanto, a elasticidade está começando a dar lugar à flacidez. Se passar a mão na cintura, poderei sentir as gordurinhas. Também sei que, do bumbum à articulação do joelho, sua pele está cheia de estrias e celulites. Ainda assim, é divina.

Duas crianças estão me chamando. Sinto, sem melancolia, que está na minha hora. Em uma última olhada para a mulher maravilhosa, penso comigo “Dai-me força para mais um dia”. Ela sorri, porque sabe que eu consigo. Sinto que quer me dizer um monte de coisas, mas sabemos que não há necessidade. Eu já sei. Ela comprime os lábios, espalhando o batom, e eu imito seus movimentos. Eu ajeito a saia lápis cinza e ela faz o mesmo. Nós nos encaramos. Estamos radiantes. Viro-me e pego a chave do carro. Mas, antes disso, escuto o elogio de sempre:

Você tá linda!

O meu reflexo pega a bolsa e se vira, poderosa. Juntas, encaminhamo-nos para as portas.

Hoje, aos trinta e seis anos, sei que não preciso ser a mulher mais bonita do mundo.

Que não preciso ter a pele sem defeitos de uma boneca.

E que a minha calça não precisa ser trinta e oito.

Basta eu poder me olhar no espelho todo dia e ter a confiança para dizer que estou linda. Linda de chinelo, linda com a unha lascada, linda com o cabelo malcomportado.

Simplesmente linda.

Linda assim: sem maquiagem, sem chapinha, sem roupa chique e sem dieta em dia.

Linda de qualquer jeito.

E você precisa saber que todas essas individualidades são só suas, e que ninguém precisa ficar do seu lado para ser comparada, somente pelo fato de que é única, que é só você.

Então, já falou para si mesma que está linda hoje?


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Notas finais do capítulo

Oi :D

Espera, vamos fazer isto direito: Olá! Vocês não me conhecem, mas eu sou Ágata Vaz, a autora.

Caramba, eu realmente não sei o que dizer. Vou começar pelo básico: tudo bem com vocês?

Eu não queria escrever essas coisas nas notas finais, mas é que eu desejava que vocês lessem o capítulo sem formar uma impressão minha a respeito. Uma leitura crua, sem julgamentos e pensamentos precipitados (a dedicatória e o agradecimento foram necessários). Funcionou? haha Espero que sim.

E aí? O que acharam? Maçante? Emocionante? Impressionante? Me deem suas opiniões. Eu particularmente achei surpreendente o que escrevi. Foge totalmente ao que estou acostumada em todos os quesitos: tema, gênero, tamanho e proposta. Sem falar que a escrevi em menos de dois dias. O que para mim é um milagre. Tudo fluiu muito rápido, sem grandes dúvidas. Por isso ela é tão importante para mim, além do fato de que é a primeira história que publico e mando para betagem.

Quanto a proposta da fic, é isso mesmo. Falar um grande "E daí?" E daí se estou acima do peso? E daí se não sou gostosa? E daí se uso óculos? E daí se não sou bonita? E daí? E daí? E daí?

Algumas pessoas dirão "Falar é fácil" e eu infelizmente tenho que concordar. Falar é fácil mesmo. Porque falar não te faz olhar na frente do espelho todo dia e apertar aqueles pneuzinhos, sentindo dó de si mesma. Falar não te protege contra comentários aparentemente inofensivos dos seus amigos e até mesmo parentes. Falar não te impede de lançar aquele olhar invejoso para cima da melhor amiga só porque ela é mais bonita, magra, alta ou sei lá o que. Falar não dói. Por isso é fácil.

O modelo imposto pela mídia é algo difícil de combater. A parcela de pessoas que aceitam planamente a identidade própria são muito poucas comparadas ao resto do mundo. Eu gostaria que as coisas fossem diferentes. E se essa história ajudar de alguma forma, bom, já terá sido um começo.

Enquanto a capa, é uma espécie de releitura de um quadro do Pablo Picasso. O original é colorido. Vocês podem procurar por ele como "Menina diante do espelho", porém os sites divergem em relação ao nome da obra, utilizando outros termos como mulher e garota. Não fiz nenhuma alteração artística nela, só aumentei a dimensão e cortei umas margens em branco. Em relação a escolha da imagem, é um pouco óbvio. Eu queria algo relacionado a história, mas que não revelasse o desfecho final, e a acabei elegendo esta.

Muito obrigada a todas por terem lido até aqui. Você são muito pacientes. Quero agradecer ao Hunt, pela excelente betagem e pelas explicações perfeitas. Você é um anjo de beta. Gostei muito de trabalhar contigo!

Aiai, chega de prosa. Eu fico por aqui. Será um milagre se as notas não ficarem maiores que o capítulo. Obrigada a todos.

Atenciosamente, Ágata Vaz