Prólogo

- Bolívia? – perguntou Isabelle incrédula.

- Amor, é o meu sonho, minha vocação, tudo que eu sempre quis na vida...

- Você dizia que eu era sua vida Johnny! Mas as coisas mudaram com a proposta dos seus pais não é?

- Belle, presta atenção... – os olhos de Johnny já estavam completamente em cachoeira.

- Não me chama de Belle, me esquece, pra sempre Johnny!

Não importava o quanto Johnny tentasse explicar sua decisão, Isabelle o amava demais, e a amargura e a tristeza que agora inundavam seu coração a deixavam ainda mais raivosa, a faculdade de medicina que ele queria e a de jornalismo que ela almejava eram medos que pairavam sobre o relacionamento do casal como um temporal de inverno, mas o que Deus une o homem não separa. Não para sempre.

Mas no princípio da criação Deus ‘os fez homem e mulher’.
‘Por esta razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher,
e os dois se tornarão uma só carne’. Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne.
Portanto, o que Deus uniu ninguém o separe".

Marcos 10:6-9

Roma definitivamente é uma das maiores paixões de Isabelle, ela se adaptou aos romanos e ao italiano tão rápido que sentia como se fosse nativa dali. Já quase conseguia esquecer os fantasmas do seu passado. Johnny Wenceslosh... Não, não se permitia recordar dele. Ela respirou profundamente e organizou os papéis de sua próxima coluna no jornal Corriere della sera, aquele emprego surgira do nada quando ela mais precisava, ao terminar a faculdade de jornalismo e ir fazer um pós de 1 mês na Itália com bolsa integral, seu professor que era influente no jornal conseguiu esse emprego para ela, agora já estabilizada há um ano ela havia conseguido o que mais queria: um filho.

Depois de pensar muito sobre o assunto, resolveu adotar uma criança. É claro que ela orava todas as noites por um marido que desse apoio para criar a criança, sozinha ela conseguiria, mas o papel de um pai é essencial na criação. Contanto ela não agüentava mais! Queria tanto poder ser chamada de “mamãe”, só que não acreditava mais em homens para casar, talvez isso interferisse um pouco em se interessar por qualquer homem. No dia seguinte ela vai levar o menino que pretende adotar ao parque para brincar, para ver se consegue se aproximar e ver como se sai no papel de mãe.

Ao sair de seu escritório e entrar em seu carro ligou o motor e o aquecedor, estava muito frio e ela deixou o carro funcionando enquanto checava seus e-mails e mensagens, havia uma, no entanto que não era muito comum. Seu ex sogro, Fabrício, mandou uma mensagem via WhatsApp com a bandeira da Itália, e ela não sabia o que significava. Ela não havia perdido o contato apenas com ele, pois o pastor sempre lhe mandava os versículos certos na hora certa, e ficou muito alegre quando soube que ela havia se batizado, porém sempre ficava um pouco afastada quando ele falava sobre Johnny. Era um efeito automático. Alguém tocava no nome dele, e o coração dela ardia em brasas, como se uma ferida aberta estivesse infeccionada e não pudesse ser anestesiada, e toda e qualquer cirurgia seria inútil. A única coisa que ajudava era a Igreja, Deus. O pai todo poderoso nunca a deixara, e mesmo quando ela apertava o travesseiro a noite chorando, sentia sua mão sobre seu ombro, sabia que um dia as coisas iam melhorar. Só queria saber quando.

Praticamente toda a comunidade romana era católica, ainda mais com o Vaticano ali do lado, mas ela sabia desde o começo que seria uma missionária, e sabia que Deus havia mandado-a ali para fazer a obra dele. Logo que ela chegou e fez amigos, foi convidada para festas, sair de noite, beber, fumar, enfim, tudo que se faz em um país estrangeiro. Mas ela não fez isso, foi fiel. Depois de três meses, já havia levado várias pessoas da faculdade para a Igreja, e quando Deus as tocou... Enfim, agora estão convertidas, com a graça do Senhor.

Quando que Isabelle Dinareli iria usar uma saia? Nunca! Calça jeans era t-u-d-o! No entanto agora nem que quisesse conseguiria usar uma, além de acostumada a usar saia, diz a palavra do senhor ¶ Não haverá traje de homem na mulher, e nem vestirá o homem roupa de mulher; porque, qualquer que faz isto, abominação é ao Senhor teu Deus.

Deuteronômio 22:5

Agora ela usava uma linda saia preta de camurça com muitos casacos, o inverno italiano era rigoroso para uma brasileira, ela dirigiu-se até sua casa cantando o hino Oceans do Hillsong United que é um dos mais lindos que ela já ouviu “se a maré subir no teu abraço vou ficar, pois eu sou teu e tu és meu... oh oh” e no embalar dos hinos chegou a sua casa, não era lá grande coisa, mas para ela estava incrível. Era aconchegante e quentinha, ela mesma pintara as paredes de azul celeste e verde limão aleatoriamente, ficou um amor. Seu gato, Golias, a escalou quando ela entrou pela porta, ronronando por comida é claro. Gatos.

Isabelle ligou o notebook para falar com os pais enquanto preparava a ração do pet, suas irmãs estavam grandes e ela não pôde ir aos seus últimos aniversários – janeiro e abril – então hoje ela pensou em fazer uma proposta para deixá-las de coração aquecido.

Quando Golias recebeu sua comida, Eliza que é sua irmã mais nova atendeu a chamada de vídeo, sua carinha era alegre, mas ela via a saudade que sentia no peito refletir no rostinho da menina de nove anos.

- Paz meu bem. – falou Isabelle sorrindo.

- Paz Belle. Como ta?

- Melhor agora falando contigo meu bem. E a mãe e a Nicole? O pai já chegou?

- Calma! – disse a pequena rindo. – A mãe e a Nicole foram comprar umas coisas no mercado com o pai e ainda não chegaram.

- Como assim te deixaram sozinha?! – perguntou estranhando aquilo, não era do costume de sua mãe.

- Eu pedi. Já sou grande, não preciso de ninguém no meu pé! – disse fazendo bico.

- Ta certo, concordo. Eu tenho uma novidade pra contar, quando chegar todo mundo eu conto okay?

- Ah fala sério Belle! Conta pra mim!

Isabelle deu risada e pediu para a menina esperar um pouco, alguém estava batendo na porta. Que estranho, ela não era acostumada a receber visitas. Contra sua vontade a mensagem de Fabrício veio a sua mente, seriam eles? Ele quis dizer que estavam na Itália? Ele descobriu onde ela morava e foi lhe ver? Uma opção mais impossível que a outra, e uma ilusão dolorosa cresceu em seu coração.

Quando abriu a porta, seu coração pesou dez toneladas, mas ao menos ela sabia que estava certa e errada. Errada, não eram eles. Certa, ela nunca mais os veria novamente.

- Paz Paola, entra. – falou para a amiga da faculdade que se convertera há alguns meses.

- Paz. Eu preciso te contar uma coisa. – disse entrando rápido.

Paola sentou na cadeira da cozinha e respirou fundo, Isabelle por sua vez pegou um copo de água para a amiga e sentou-se com ela.

- O que foi? – perguntou Belle.

- Eu sonhei contigo em uma Igreja pequena, parecia com a que você me descreveu da cidade em que você morava no Brasil, você palestrava ao lado de um homem não muito velho, quarenta anos no máximo, ele não era seu marido, mas você parecia ter muito respeito por ele. Eu acho que era um pastor. E ele era muito parecido com o seu ex, o Johnny.

Houve um abalo momentâneo nos neurônios de Belle.