Dezenove escrita por Drama Queen


Capítulo 4
Penas


Notas iniciais do capítulo

Capítulo mais do que dedicado à Dama de Vidro, pela recomendação maravilhosa, e para as lindas Cam e Mizaren, pelos cometários mais do que motivadores.

Classificação: +13
Avisos: Álcool, Drogas, Heterossexualidade.



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Festas nunca foram o meu forte. Festas a fantasia, muito menos. Eu odiava que todas aquelas pessoas travestidas dos mais diversos personagens bebessem ao ponto de não conseguir controlar os próprios movimentos e esbarrassem em mim a todo o momento. Odiava que a luz negra deixasse todos com um aspecto fluorescente atordoante, que as músicas em outro idiota não fizessem o menor sentido, e que eu simplesmente ficasse procurando pelo rosto do meu ex-namorado por trás de cada máscara. Festas à fantasia eram patéticas.

E eu era ainda mais.

Pedi o quarto copo de refrigerante com vodca, e o barman me encarou com malícia. Como se houvesse álcool o suficiente nesse mundo capaz de me entorpecer e alterar meus sentidos ao ponto de agarrar um quarentão tatuado, barrigudo e careca. Não faz meu tipo. E o de ninguém, diga-se de passagem.

Se minhas amigas me vissem naquele estado, provavelmente me levariam para um chuveiro e abririam a água gelada, tudo isso acompanhado de dezenas de reclamações sobre meu ex e minha atitude com relação ao nosso término — ou, se você preferir evitar todos esses eufemismos, com relação ao pé na bunda que ele me deu —, e sermões infinitos sobre minhas aulas começarem na manhã seguinte e eu ter virado a madrugada numa rave em um galpão abandonado.

Patético.

Continuei observando o local ao meu redor, vendo as pessoas aparentemente mais velhas do que eu se agarrarem tão vorazmente ao ponto de me permitirem ver suas línguas numa troca de saliva que em muito se distanciava de um beijo sóbrio. Ao meu lado, no balcão, um estudante com seus vinte e poucos anos fazia carreiras de cocaína com seu cartão de crédito estudantil, provavelmente o mesmo que usara para comprar a droga.

Mais ao longe, alguém amarrava um elástico ao braço. Heroína? Heroína. O pior era ver que, junto dele, um grupo de meia dúzia de outros retardados também utilizava da mesma seringa. Meu lado maligno torcia para que todos eles pegassem HIV e provassem a teoria de Charles Darwin sobre a evolução das espécies ao morrer antes de se reproduzirem.

— Não é todo dia que se vê alguém das exatas por aqui — uma voz soou ao meu lado, sendo imediatamente ignorada. — Ainda mais caloura.

— Por acaso tenho “bixete burra” estampada na testa? — resmunguei, virando o restante da bebida e pedindo mais uma para o gibi humano — Patético.

Encarei-o por alguns segundos. Vestia uma fantasia de anjo negro, com o corpo inteiramente coberto, não fosse pela boca, nariz e orelhas. Seus olhos pareciam castanhos por trás da máscara, mas eu não era capaz de afirmar com tanta certeza, visto que a bebida começava a subir pela cabeça e me deixar tonta. Voltei a olhar para frente, batendo as unhas nervosamente sobre a bancada fria de pedra.

— Definitivamente, é de exatas — comentou, tenta puxar o assunto novamente.

— Qual é o seu problema? — revirei os olhos, pegando a bebida. Não obtive resposta. Levantei-me e fui até a pista, precisando de um tempo para ficar só. Infelizmente, ele me seguiu, insistentemente. — Deixe-me adivinhar, está cursando psicologia e precisa de alguém sóbrio numa festa para seu trabalho de conclusão de curso? Patético.

— Você sente a necessidade de usar essa palavra em todo final de frase? — ele deu uma risada ampla. — Não tem curiosidade em saber como descobri?

— Não.

— Tudo bem — o garoto respondeu, ainda me seguindo para onde quer que eu fosse. — Você é irritante assim sempre ou só quando termina com o namorado?

— Não é da sua conta — bufei. Esse anjo já estava me tirando do sério. — E você, atormenta as pessoas sempre, ou só quando está carente por atenção?

Ele parou de dançar, avaliando-me de cima a baixo em minha fantasia de abelha. Não era muito original, mas era o melhor que se poderia conseguir numa terça-feira chuvosa, às oito da noite. Seus lábios se entreabriram para dizer algo, mas, arrependidos, fecharam-se logo depois. A inquietação tomou conta de seu corpo, e seus olhos vagaram pelo ambiente, apenas para repousar sobre os meus depois.

— Posso te fazer três perguntas? — questionou, praticamente gritando em meu ouvido para que pudesse escutá-lo em meio à multidão.

— Não garanto resposta — sorri, deixando meu lado maldoso vir à tona.

O garoto considerou por alguns segundos, ajeitando nervosamente o cabelo negro com os dedos. Tirou a própria máscara, indicando para que eu fizesse o mesmo. De fato, finalmente ele tinha conseguido minha atenção — e, consequentemente, minha curiosidade e vontade em participar de qualquer que fosse aquele seu jogo.

— Você me acha atraente?

Já na primeira? Pois é. Fitei seu corpo magro, alguns centímetros mais alto que o meu, e seu rosto anguloso. O anjo não tinha nenhuma característica que o fizesse essencialmente belo, mas o conjunto em si era bem atraente.

— Até que sim — dei de ombros, indicando que prosseguisse.

— Tudo bem — ele riu, colocando as mãos nos bolsos. Minha curiosidade apenas aumentava, coisa que eu deixava claro ao beber do copo com mais frequência, conforme ele tentava juntar coragem para perguntar. Parecia um garoto tímido, que procurava provar a si mesmo o contrário. — Você namora?

Revirei os olhos. Ele só poderia estar de brincadeira comigo.

— Não — bufei —, eu não namoro. Por quê?

Seu indicador se levantou, pedindo-me silêncio. Era tão egocêntrico que só ele pudesse fazer as perguntas, mas deixei prosseguir. A música ficou mais alta, o que fez com que tivéssemos de nos aproximar mais para podermos ouvir um ao outro.

— Se você me acha atraente e não namora ninguém, o que te impede de me beijar nesse momento?

Na realidade, aquela era uma ótima pergunta. Tão ótima que me levou à reflexão por tempo o suficiente para que ele pudesse me segurar pela cintura e me puxar para si. Seu rosto estava perigosamente próximo ao meu, e seus olhos de chocolate derretido clamavam por uma resposta que, no fundo, ele já sabia qual era.

Apenas permiti que uma risada saísse por meus lábios enquanto meus dedos enroscavam-se em seus cabelos, bagunçando-os e aproximando-nos ainda mais. Sua boca trêmula tocou a minha, e logo o beijo começou a me aquecer de dentro para fora. Seus dedos firmes apertavam-me cada vez mais, e seus braços me envolviam com mais desejo e ternura a cada segundo que se passava.

Santo Deus, aquele anjo havia caído do céu.

De repente, seus lábios desceram para meu pescoço, mordendo e puxando de leve a pele ali. Minhas mãos automaticamente desceram para suas costas, puxando seu corpo para ainda mais próximo ao meu. Minhas pernas bambearam quando o ele chupou o local com força, e um arrepio percorreu toda minha coluna vertebral. Aquilo deixaria marcas, mas quem ligava?

Senti meu celular vibrar no bolso da frente. Pensei a princípio em ignorar, mas poderia ser importante. Relutante, afastei o garoto e puxei o aparelho, lendo a mensagem de texto da colega com quem eu dividia o apartamento. Ela dizia onde a chave estava, e pedia para que eu não demorasse muito, ou me atrasaria para a aula. Já se passavam das três da manhã.

— Tenho que ir. Seu celular — pedi. Ele me entregou o objeto, e rapidamente anotei meu número. — Prazer, Ana.

— Thomas — ele sorriu. — Eu te ligo amanhã.

Apenas acenei em despedida, sem me importar, de fato, se ele realmente ligaria. É claro que não se encontra alguém que beija tão bem todos os dias, mas a cidade é grande, não faria diferença. Andei três quarteirões até chegar em casa, tomei um banho, e desmaiei na cama, sem me lembrar de qualquer problema que eu tivesse uma hora antes.

Não foi muito legal acordar três horas depois, com uma ressaca do cão, mas que se dane. Tomei apenas um café preto e algumas aspirinas, completamente sem apetite para qualquer coisa mais sólida. Vesti alguma roupa velha, afinal, era dia de trote. O anjo estava certo sobre a parte do caloura. E do exatas também, diga-se de passagem.

Cheguei à faculdade parecendo um zumbi. Meio perdida, perguntei para alguns assistentes onde ficava a recepção do meu curso, e eles me indicaram uma tenda específica em meio ao gramado verde, agora todo respingado de tinta. Parei em frente ao local, quando meu celular tocou. Número desconhecido. Aparentemente, Thomas também acordara cedo.

— Oi — suspirei —, você não dorme?

— Universitário tem dessas — ele riu. — Vire cento e oitenta graus, bixete.

Ainda sem desligar o aparelho, virei-me para trás. Um garoto magro, pouco mais alto do que eu, de cabelos negros e olhos cor de chocolate — agora escondidos por trás de uma armação e lentes quadradas — segurava o celular em uma mão e um pote de tinha guache vermelha na outra.

— Você ligou — comentei, sem nada muito mais inteligente para falar naquele momento. — Não me diga que é meu veterano.

— Tenho más notícias, então.

Rindo, ele guardou o aparelho no bolso. Imitei-o, vendo-o se aproximar. Thomas riu ao ver a marca arroxeada mal coberta pela maquiagem, e com os próprios dedos, começou a pintar meu rosto.

Eu não tinha nem dúvidas no que ele escreva em minha testa.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Críticas construtivas são mais do que bem-vindas.
Aceitando sugestões por comentários ou MP.