Filhos da Guerra escrita por Anna_Rosa


Capítulo 3




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Me vejo novamente envolto a cinzas e fumaça, tento não me concentrar no choro daquele novo lote de crianças, muitas tão pequenas quanto minha irmãzinha era quando a levei para uma das torres, algumas tem a mesma fragilidade que vejo nela. Um grito chama minha atenção, uma garotinha cai em meio aos destroços do que fora sua casa, eu me aproximo para colocá-la em pé, mas o garoto ao seu lado o faz primeiro, cuspindo em minha direção. Eu deveria castiga-lo, mostrar aquele moleque como as coisas funcionariam a partir de agora, não faço nada entretanto, apenas me vejo refletido em seu olhar de ódio, eu já fui como aquele menino, mas pouco me resta do que eu era.

Me lembro como se fosse ontem, meu pai havia sido levado haviam alguns meses, minha mãe estava prestes a dar à luz, eles chegaram em uma noite de tempestade, todo o povoado foi dizimado, crianças arrancadas de seus pais, homens e mulheres catalogados como utensílios, e aqueles que não tinham serventia, jogados fora, como mercadoria com defeito. Minha mãe conseguiu se esconder, já havíamos fugido do povoado quando eles nos encontraram, não havia piedade naqueles olhos, eu podia jurar que havia divertimento, eles nos matariam, mas algo em mim chamou atenção deles e eles deixaram minha mãe partir, jurando que voltariam para buscar o bebê.

Pensando bem, talvez nunca tenha sido algo em mim, talvez tenha sido algo nela. Por muito tempo pensei sobre isso, hoje, já não me importo. Não sei onde minha mãe está, e nunca esquecerei o olhar de tristeza em seu rosto quando, friamente, recusei seu pedido de fuga e tomei minha irmãzinha, na época ainda um bebê, em meus braços e parti rumo a Torre Norte. Tenho esperança que minha mãe, um dia, possa compreender que aquela era a melhor chance que nossa família tinha, que ela jamais conseguiria fugir com um bebê, pode parecer terrível, mas apenas uma delas poderia chegar a resistência, e não era minha irmã.

Eu ouço gemidos a minha volta, suplicas de socorro, mas não olho ao redor, no começo, tudo o que eu queria era estender a mão aquele jovem senhor, que tanto lutou e dizer para ele correr, para pegar a família e correr. Por muito tempo, eu não fui o Comensal ideal, vi amigos morrerem em rebeldia, enfrentei homens com quem não podia lutar, então, pouco a pouco, fui moldado, esculpido e hoje, eu sou um daqueles que os novos garotos não podem derrotar, mesmo assim, a ideia de estender a mão ainda me atormenta e embora eu tente terminar meu trabalho da forma mais rápida possível, causando menos dor possível, isso ainda me atormenta. E em alguns dias, eu realmente tenho vontade de largar tudo, de correr para minha mãe, seja lá onde ela esteja, e me esconder em seu abraço, mostra a ela que eu ainda posso ser aquele garoto que enfrentou os Comensais naquela noite tempestuosa, que apesar de tudo, eu ainda sou filho dela.

Outras vezes, eu simplesmente penso em me entregar, deixar que o lado negro que vive em mim tome conta e eu me transforme naquilo que todos enxergam ao me olhar, um verdadeiro Homem de Voldemort. Parece tão mais fácil para aqueles que já não sentem nada. Então, nesses momentos de desespero, o olhar assustado, mas repleto de esperança, invade minha mente. Ela ainda é tão pequena, mal sabe o que é viver, tudo o que ela conhece se resume a um quarto sem vida e medo, mas ainda assim, ela tem aquela esperança no olhar, ela não sabe o que é sorrir, mas se pudesse ver seu próprio sorriso, ela saberia que é por ele que eu luto, que é por aquela fé tão inocente, que eu tanto demorei para entender que se direcionava a mim, que eu enfrento cada dia. É por ela que a cada dia, eu digo a mim mesmo para aguentar um pouco mais, faltam apenas alguns anos agora, então ela vai estar em uma floresta, aprendendo a conjurar patronos, haverá alguém olhando por ela, ensinando-a que existe esperança para nosso mundo. E então, quem sabe, em um fim de tarde, possamos deixar tudo para trás e partir ao encontro da nossa mãe.

Um aperto em meu ombro me trás de volta a realidade, a marca negra paira alta sobre nós, o trabalho foi concluído, é hora de partir para próxima batalha. Eu não olho a minha volta antes de aparatar, e quando me vejo naquela tão familiar colina, com Voldemort a nossa espera, eu já não me desespero, apenas respiro fundo, apago qualquer expressão do meu rosto e digo a mim mesmo, ao caminhar em sua direção, para aguentar um pouco mais. 


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