Kaos - A Lenda de Asay escrita por PaulaRodrigues


Capítulo 12
A Comitiva


Notas iniciais do capítulo

Finalmente Kaos chegou no porto de Tarcia, que infelizmente uma comitiva alegre lhe esperava. Como Kaos está com a perna machucada e não quer ajuda de ninguém e muito menos que mais pessoas vejam seu sofrimento, ela tem um grande e inexplicável ataque de fúria.



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— Terra a vista! - Rato gritou da cofa central.

Respirei aliviada, finalmente havíamos chegado na Tárcia para entregar o estúpido e imaturo Mario que decidiu subir escondido em meu navio e se aventurar conosco. Porém algo inesperado aconteceu quando nos aproximamos do porto, vi toda uma comitiva, com cavalheiros com espadas, música e muita alegria, todos prontos para nos receber. Aquilo me deixou incrivelmente nervosa, digo isso porque até eu fiquei surpresa com a quantidade de raiva que senti, eu queria explodir a todos e tirar todos aqueles sorrisos felizes. Mais pessoas para me ver mancar? Eu queria destruir todos eles pra ninguém ficar ali pra me ver andar. Ouvi as velas do Embaixador balançando com mais força, olhei pra cima impaciente, sabia que esse vento era minha culpa, pois de alguma forma o clima ao meu redor estava bem mais sensível ao meu humor e então tentei me acalmar, antes que prejudicasse a minha tripulação também.

Quando atracamos no porto da Tárcia eu quis descer sozinha, sem ajuda, mesmo com a grande dor que sentia na minha perna. Jack tentou me ajudar discretamente me entregando seu braço, mas eu o rejeitei com muita raiva, não queria nem olhar pra ele.

— Kaos, é melhor não forçar tanto - ele disse.

— Para, chega! - eu disse baixo mas com muita raiva em minha voz. - Ninguém vai me ver sendo carregada, entenderam? Sou a Capitã e vou caminhar até lá, sozinha.

Eu estava muito impaciente desde que voltei da caverna e eu sabia pelo menos uma parte do motivo, eu não consegui dormir nenhuma vez desde aquele dia, por mais que tentasse, sempre que eu conseguia pegar no sono eram muitos gritos, visões, sentimentos e eu só queria ocupar minha mente e esquecer tudo aquilo, eu só queria me aventurar no mar e ir embora, para encher minha cabeça com outros problemas. 

Enquanto fui caminhando com muita dificuldade e bem devagar, tentando disfarçar a imensa dor que estava sentindo quando meu pé tocava o chão, vi Laura vir correndo e se jogar nos braços de Mario.

— Mario, querido! Que bom que está vivo, está bem! - ela o abraçava e fazia carinho no rosto dele realmente preocupada.

Continuei a caminhar lentamente, ignorando-os. Eu precisava focar em chegar no palácio.

— Eu estou bem, Kaos que não está - ouvi Mario dizer a ela e tive vontade de esmagar a cabeça dele.

— Eu percebi - Laura respondeu e não senti nem um pouco de preocupação vindo da parte dela. Por um lado eu até gostei disso. Não queria ninguém com pena de mim, principalmente uma princesinha.

— Kaos, querida, está tudo bem? - meu avô disse preocupado se aproximando de mim.

— Eu tô bem - respondi de forma seca, sem nem olhar para ele direito e continuei andando com dificuldade e bem devagar. Não queria ver a cara deles, eu queria matá-los por ter feito essa humilhação pública e eu sabia que todos ali não concordavam com o meu comportamento.

Entramos no palácio de meu avô e saímos dos olhos dos curiosos.

— Pode pegar uma cadeira? Kaos não está bem - disse Kyle imediatamente.

— Kyle! - eu o repreendi furiosa e senti meu cabelo começar a voar.

— Pare com isso Kaos, essa teimosia não vai te levar a nada!

— Você é mais um querendo me humilhar? É isso?

— Tragam uma cadeira e chamem o médico, rápido - meu avô ordenou.

— Não! Parem! Eu estou bem! - eu estava realmente furiosa e senti o chão rachar após o meu grito.

Eles se assustaram um pouco e os empregados trouxeram a cadeira. Kyle me fez sentar, me empurrando de leve para cair nela.

— Na perna direita - disse Jack ao médico, apontando onde estava meu machucado.

— Traidor - acusei Jack olhando-o com desprezo.

— Prefiro ter você bem e viva, então fica tranquila e quieta e deixa os médicos cuidarem disso - ele disse seriamente se aproximando de mim e me enchendo de sorrisos amarelos.

Fiquei de cara fechada. Aaah Jack, não sabe o quanto queria socar oa sua cara... fiz uma careta contida de dor quando o médico começou a mexer no ferimento. Me levaram ao quarto que pertencia à minha mãe para fazer o curativo e iniciar o tratamento. Ordenei que ninguém estivesse presente além dos médicos. Não quero ninguém assistindo o meu momento de fraqueza.

O médico analisou mais a ferida, não consegui ver o que ele estava fazendo mas senti uma dor enorme.

— Isso aqui foi bem fundo. Como está conseguindo andar? - perguntou o médico.

— Muita força de vontade. Agora me ajude logo que preciso voltar para o mar - disse tentando mostrar que não estava doendo e que aquilo não era nada, como se fosse rotina.

— Claro, em duas semanas acho que você já pode voltar.

— O que? Duas semanas? - fiquei indignada.

— Você obedecendo às orientações de cuidados, você volta em duas semanas.

— Ah não! Pelos deuses! Quero voltar antes! - comecei a ficar angustiada.

— Tem um jeito mais simples, onde arrancamos seu pé e colocamos um de madeira, aí você pode voltar em três dias para o mar, prefere assim?

Fiquei calada encarando o médico com um olhar de fúria. Como eu queria explodir a cabeça dele! Da mesma forma que o dragão fez com a cabeça da minha mãe, só esmagar, com minhas próprias mãos ou uma pedra...

— Que eu fique duas semanas então - eu disse de cara fechada. Era óbvio que eu não queria ter uma perna de pau, isso me limitaria, como havia falado com Kyle. Mas não garanto a ele que vou aguentar ficar duas semanas parada aqui de forma pacífica.

O médico fez toda a limpeza, costura e tratamento. Doeu, e muito, uma dor que quase me fez desmaiar, eu chorei e gritei com uma almofada na boca de tanta dor que estava sentindo. Quando ele terminou, precisei de um tempo para me recuperar antes de permitir aos outros que entrassem. Jack, Kyle, Rato e Túlio entraram no quarto para me ver. Eu estava pateticamente imóvel e com o pé coberto por faixas, como uma doente na cama.

— Ela deve ficar esses três ou quatro primeiros dias em repouso total - orientou o médico aos meus cuidadores.

— O quê? Tá brincando comigo, não é? Qual o seu problema? - eu estava realmente furiosa e quase chorei. Ele não disse sério que nem da cama poderei levantar, disse?

— É isso ou podemos aumentar sua estadia aqui, qual prefere? - disse o médico diretamente para mim e eu dei um berro de tanta fúria. Senti essa fúria fluir em todo o meu corpo e parece que causei alguns danos leves a alguns vasos de flores. 

Por fim me joguei na cama impaciente e olhei para o teto indignada. Ficar quieta durante todos esses dias? Que droga!

— Boa sorte senhores, virei visitá-la em três dias.

Vi ele ir embora e fiquei o tempo todo com olhar de ódio na direção que ele foi. Eu só queria ir embora dali, voltar para meu navio, para o mar. Eu só queria... Dormir... Fiquei olhando para a sacada do quarto que dava vista para o mar, nem dali eu conseguia ver meu amado mar direito. Que tortura! Que pesadelo! Não... Nada de chorar Kaos, todos estão aqui, pode engolir.

Jack então se deitou ao meu lado na cama e Kyle e Rato se ajeitaram nos pufs do quarto.

— Parece que passaremos um tempo sem aventuras. Ou viveremos uma grande aventura chamada, ficar quieto - ele riu e passou a mão nos meus cabelos.

— Está realmente tentando me ajudar? Porque está fazendo o oposto - eu disse nervosa encarando-o.

Jack olhou ao redor do quarto com um ar de despreocupado e notou que estava surgindo rachaduras.

— É melhor você se acalmar um pouco, Kaos, senão seu avô ficará sem um lar, ou pior - ele olhou profundamente nos meus olhos ficando um pouco em cima de mim - você vai destruir o quarto da sua mãe. Tudo o que restou dela para o seu pobre avô.

Fiquei brava com ele, ele mexeu no ponto certo, claro que eu não queria destruir nenhuma lembrança da minha mãe. Dei um tapa no peito dele e joguei minha cabeça pra trás ficando ainda mais impaciente. Como eu queria gritar!

Por fim irei poupá-los dos dias mais tediosos da minha vida pirata. Até mesmo quando morei em Port Royal e tinham longas reuniões que eu devia me comportar como uma donzela, não me senti tão entediada ou angustiada como naquele momento. Fiquei sentada esperando minha perna melhorar durante dias e eu não tinha nada de interessante pra fazer, principalmente porque não conseguia dormir.

Em cerca de três dias eu comecei a poder andar novamente, mas ainda era bem devagar. O que ainda me irritava, mas pelo menos eu sairia daquela cama. Pedi Jack para me ajudar a ir ver o mar, não na varanda, mas sim lá fora, próximo ao porto. Jack me levou pacientemente.

— Por que anda tão irritada, cherry? - ele me perguntou quando ficamos a sós.

— Eu não sei, Jack. Provavelmente algo naquela caverna me incomodou.

— Por isso não consegue dormir?

Me surpreendi, parei de andar e olhei para ele surpresa.

— Eu vejo você se levantando a noite, ou sinto mexendo sem parar. Eu não me importo de acordar por causa disso, mas me importo se você está bem.

— Eu estou... são só alguns pesadelos...

— Não precisa esconder isso de mim. Somos parceiros - ele disse sorrindo e pegando no meu queixo com o jeito dele dançante. - Estarei aqui para te ajudar, em qualquer furada, aventura ou nada que nos metermos - ele riu e eu ri com ele.

— Obrigada, Jack. Pode contar comigo também, mas você já sabe disso.

— Claro que sei, não é qualquer pessoa que iria ao Fim do Mundo e enfrentaria uma deusa por mim. Claro que você encontrou com a sua deusa, mas só você estava ali exatamente por minha causa e não por algo que eu tenho.

Nos beijamos ali e depois continuamos a nossa caminhada para a praia. Jack conseguia me entender e, como sempre, sabe usar as palavras certas. Chegamos na praia e senti a água bater em meu pé que não estava machucado, pois o médico recomendou que ainda não podia deixar a água do mar entrar nos ferimentos em processo de cicatrização. Não sei muito bem o que seria isso, mas vou obedecer para que meu tempo aqui seja ainda menor. Fechei os olhos para sentir o vento, a água e aproveitar o barulho gostoso do mar, de uma onda quebrando ao longe... Sorri. Como aquilo era maravilhoso.

— Eu só quero ir pra casa - eu disse chateada.

— Nós vamos, em breve, já está quase terminando. Confesso que é realmente muito tedioso ficar aqui.

— E mais difícil para encontrar o Pérola. Afinal, estamos parados aqui.

— De um jeito ou de outro o Pérola sempre volta pra mim. Pode ficar tranquila, o encontraremos. Mas preciso de você boa para ir nessa aventura comigo e em algo que acabei descobrindo com o mapa que peguei de Barbosa - ele sorria de canto de boca de um jeito muito sedutor.

— Você está com o mapa! Que maravilhoso! - eu disse sorrindo de volta pra ele. - O que achou nele?

— A fonte da juventude - ele disse se aproximando de mim para falar o mais baixo possível.

— Isso é real?

— Kaos, você conversou com uma deusa, tem um quinto dos poderes dela, me tirou do fim do mundo que é o lugar dos mortos e ainda duvida se é possível existi uma fonte da juventude?

Eu realmente não havia pensado nisso.

— Bom, mas vamos falar disso depois. Então se concentre em melhorar sua perna, precisarei muito da sua companhia nessa aventura.

Sorri de volta pra ele. Agora sim ele estava sabendo me deixar motivada e empolgada.

Há três dias atrás Jack e eu voltamos a nos relacionar, passando mais tempo sozinhos no quarto e isso era maravilhoso, só que após um bom tempo de espera, agora estávamos com vontade a qualquer momento, com qualquer olhar um pouco mais sedutor que fosse já queríamos nos envolver.

Mario tentou me perturbar durante alguns dias. Ele tentou me visitar, mas eu sempre fechava a porta na cara dele com força usando meus poderes de deusa ou lançava um olhar de fúria quando ele se aproximava para intimidá-lo e deixá-lo bem longe. Laura nunca vinha ao quarto da minha mãe, não cheguei nem mesmo a conhecer meu tio nesse tempo que fiquei mofando lá. Sinceramente? Nada disso me incomodava, uma pessoa muito importante eu já havia conhecido: meu avô Túlio, que vinha todos os dias me fazer uma visita e me contar aventuras da minha mãe, de quando ela era pequenininha, de quando era jovem, sobre como ela era fora dos padrões e ainda assim tentava se adequar, com muito esforço, mesmo reprimindo seus sonhos. Ela era tão maravilhosa e a cada dia me encantava ainda mais com ela.

Um belo dia, o mais maravilhoso de todos, o médico veio ao quarto e disse que eu estava curada e que podia andar normalmente, sem muitas extravagancias. Olhei pra o médico com um sorriso malicioso e saí correndo do quarto.

Eu corria pelos corredores do castelo de meu avô e sentia o vento como uma imensa liberdade, pulei em um sofá e dei uma gargalhada, que sensação maravilhosa.

Saí na porta, subi na sacada e me equilibrei ali em cima segurando na pilastra. Senti o vento que trazia o cheiro do mar. Eu ia voltar pra casa, para o meu mar, finalmente!

— Melhorou mesmo, não é? - disse Mario estragando o clima. Revirei os olhos e olhei pra ele com olhar de superioridade, como se ele fosse o ser mais insignificante que eu conhecia na minha vida, o que era, de certa forma, verdade.

Comecei a equilibrar na sacada até alcançar a próxima pilastra, para me afastar dele.

— Não vai falar comigo? Eu que devia evitar você, afinal você é... você! - ele disse fazendo um sinal levantando os cabelos. Ele se referia a quando eu usava os meus poderes e meus cabelos começavam a flutuar.

— Então não fale comigo também e tudo fica resolvido - disse nervosa tentando ignorá-lo.

— Não é tão difícil, não é mesmo? É só... - desci da sacada pulando para o outro lado, eu não queria ouvir o tom irônico de um garotinho mimado. Comecei a correr pra ele não me alcançar e entender que tudo que eu quero é ficar em paz.

Para minha infelicidade ele veio correndo atrás de mim. Peguei um pedaço de pau que encontrei no chão, um pedaço grande. E então me escondi de Mario usando meus poderes de deusa, me deixando no meio das sombras feitas pelas árvores. Eu confesso que nem sabia que era capaz disso. Produzi um som como se ainda estivesse correndo, para enganar Mario. Ele passou tão distraído por mim, seguindo a voz, que não percebeu quando acertei o rosto dele com o pedaço de pau.


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