Política da Boa Vizinhança escrita por BlackLady


Capítulo 2
Noite de Garotas


Notas iniciais do capítulo

Vamos ler??



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– Talvez você devesse vir conosco, Laís – sugeriu Renata, guardando os livros e as muitas canetas coloridas na bolsa – Você precisa de uma noite de garotas. Você sabe, maquiagem, fofoca, garotos... Você pode chamar Jade também, se quiser.

Só para deixar claro: eu nunca gostei de noite de garotas. Eu já tinha a minha Noite da Depressão com a Jade. Maquiagem, fofoca e garotos, se faziam parte da minha vida, era num contexto totalmente diferente do imposto na voz dela.

– Eu vou ver se posso.

– Qual é, Laís. Você sabe que pode. Sua mãe não proíbe você de fazer nada – ela engatou a bolsa no ombro e começou a caminhar ao meu lado, para fora da sala de aula – Esse é um mérito adquirido por ser a filha exemplar, que estuda, ajuda a mãe em casa e nunca pede para ir a festas.

– Eu nunca peço para ir a festas porque elas nunca me parecem interessantes.

– Você nunca pede para ir a festas porque tem medo de finalmente encontrar o amor da sua vida.

– Eu não vou achar o amor da minha vida numa balada.

– E vai encontrar ele sentada na sala, olhando pela janela?

– Talvez...

– Você lê livros demais – reclamou ela – Por isso, não vive a realidade: está sempre presa a ficção de um final feliz.

E era assim que ela queria me mostrar o amor, dizendo que finais felizes não existem? Devo dizer que não foi muito produtivo. Eu nunca precisei de alguém para me dizer o quanto eu estou bonita, o quanto eu sou inteligente, que me amava mais que qualquer um no mundo. Eu sempre muito autossuficiente e eu estar bem comigo mesma me bastava.

Isso e os meus livros.

– Vamos combinar o seguinte: você passa uma noite lá em casa, sem livros, e, se você não gostar nunca mais eu perturbo você.

Essa foi uma proposta tentadora. Renata foi uma das poucas amigas que eu fiz no último ano e eu só me aproximei dela porque fomos forçadas a fazer um trabalho juntas. Antes disso, para mim, ela era uma menina mimada que achava que o mundo girava ao redor dela e de seu perfume 212, da Carolina Herrera. Depois, bem, descobri que ela tem um cérebro.

– E então?

Suspirei pesadamente – Certo.

Ela quicou no lugar, dando pulinhos controlados e fazendo suas canetas balançarem ruidosamente – Você não vai se arrepender.

– Sério? Na casa da Renata?

– Sim – respondi a Jade, que experimentava um vestido novo que a mãe comprara – Uma noite de maquiagem e conversas. Ela me disse para chamar você. E você sabe que eu não vou a lugar algum se você não for junto comigo.

– Mas, na casa da Renata?

– Sim. Tem algum problema com a Renata?

– Nenhum. O meu problema é com a casa da Renata. Aquele lugar me dá arrepios.

Ri, esparramada na cama de molas que eu detestava e que me fazia lembrar uma passagem de um livro:

“... e estou tão exausta que quase não sinto as espirais de metal que ameaçam perfurar minha pele”.

Estou lendo mais um livro novo. Jade me convidara para almoçar na casa dela e como eu não resistia ao empadão de frango da tia Raquel, mãe de Jade...

– Só vai ser por uma noite. E ela disse que se eu não gostar, ela não me perturba mais.

Ela me olhou como quem olhava para um anjo – Às vezes, sua ingenuidade me assusta.

– Quem fala palavras bonitas nessa relação sou eu.

– Bem, talvez, eu tenha prestado atenção no que você diz. Apenas uma vez.

Sempre foi assim. Nossa amizade sempre foi bem fácil. Éramos complementares uma da outra. Onde eu me excedia, ela era controlada e o seu exagero era a minha quietude.

– O que acham de almoçarmos agora? – perguntou tia Raquel, entrando no quarto – O que você está fazendo com o meu vestido?

– Só experimentando minha próxima nova peça de roupa.

– Esse você não vai tomar – rebateu – Tire logo isso e venham almoçar.

Ela esperou a mãe sair para me confirmar sua presença – Se você precisa de mim naquele mausoléu, eu vou.

Levantei e abracei-a – Obrigada.

– Amigo é para isso.

Se eu disser que não me assustei com as batidas que sacudiam as janelas de vidro transparente da mansão de Renata, eu estaria mentindo. A casa gigante e completamente branca estava quase demolindo com as ondas sonoras potentes. Acho que eu me esqueci de mencionar que Renata era a amiga mais rica que eu tinha.

– Você veio! – Renata disparou para me dar um abraço apertado. Ela era muito baixinha comparada a mim que sempre fui alta, então ela basicamente rodeou minha cintura – Que bom. E trouxe a Jade – ela deu dois beijinhos nas bochechas de Jade – Laís sempre fala de você.

– Eu duvido muito – respondeu ela.

Eu sei que, devido à resposta um pouco grosseira da minha prezada amiga, você esteja pensando que ela é mal-educada, mas ela me conhece. Ela sabe que eu não ficaria falando com qualquer um sobre ela. Na verdade, eu não ficaria falando com qualquer um sobre nada.

Como Renata disse: eu leio livros demais.

­- Vamos entrar? – disse Renata, não se incomodando com Jade – Está frio aqui e a verdadeira diversão é lá dentro.

Ela caminhou na nossa frente, atravessando o jardim de grama baixa e poucas flores se requebrando ao ritmo da batida que emanava da casa. Chegamos à porta e Renata logo adentrou, deixando escapar pela fresta aberta luzes roxas fortes. Paramos antes de entrar e olhamos uma para a outra, já imaginando o que estava se passando lá dentro. Jade viu que eu pedi desculpas com o olhar.

Abrimos a porta.

Eu já tinha ido à casa de Renata várias vezes para fazermos trabalhos escolares. Sempre ficávamos no quarto dela, que era, praticamente, três vezes maior que o meu e tinha mais rosa e dourado do que a minha visão era capaz de suportar. Mas eu lembrava muito bem da sala de estar: sofás largos e pretos preenchiam os cantos do espaço, mesa de centro, lareira, minibar; era tudo muito chique e preto, contrastando a cor da casa, nada comparado à arruaça que acontecia naquela noite.

Luzes e fumaça ocupavam o ar gelado do lugar, me deixando cega e um pouco sufocada. As portas de outros cômodos da casa estavam fechadas, restringindo a noite de garotas apenas para aquele ambiente. Prestando bem atenção nas pessoas que dançavam com copos vermelhos nas mãos, não era bem uma noite só de garotas. Muitos garotos se balançavam contra o quadril de meninas que não se incomodavam com tal proximidade, me deixando um pouco abismada.

– Achei que tinha dito que haveria maquiagem e conversas – falou Jade no meu ouvido. O som estava tão alto que quase não ouvi, mas fitei-a mais uma vez com meu olhar de desculpa – Bem, talvez o conceito de “noite de garotas” dela seja diferente do nosso.

– Obrigado por ter vindo comigo.

– Aqui – Renata apareceu em nossa frente, segurando um copo em cada mão – Bebam.

– O que é isso?

– Bebe logo – ela empurrou o copo na minha boca, forçando-me a provar a bebida gelada e forte, com gosto de limão e fogo – É bom, não é? Se quiserem mais, tem ali naquele barril no fim daquele corredor - e saiu rebolando outra vez.

Devo dizer que eu realmente me arrependi de ter saído de casa naquela noite. Não por ter ido a uma festa da qual a minha mãe não tinha conhecimento e nem por ter posto o meu primeiro gole de álcool na boca. Eu me arrependi porque eu achei que era uma noite de garotas e pus o jeans mais velho e minha camiseta mais confortável do guarda-roupa, além do meu All Star. Infelizmente, confortável e apropriado para a ocasião não eram sinônimos naquele instante.

Certo, eu sei que disse que me sentia bem comigo mesma do jeito que eu sou, mas isso não significa que eu iria a uma festa de jeans surrado e tênis.

– Bem, se estamos aqui – disse Jade, bem baixinho – vamos aproveitar – e virou o copo de uma só vez, acabando ao passar a mão na boca molhada com a bebida verde – Nossa, velho, que troço forte! Acho que eu vou cuspir fogo.

Ri e olhei em volta, dando de cara com alguns conhecidos da escola e outras pessoas que eu nunca tinha visto na vida. Os garotos estavam vestidos como eu: jeans e camiseta. Já as garotas estavam com vestidos impossivelmente curtos, saltos perigosamente altos e maquiagem escandalosamente gritante. Sentindo-me completamente deslocada, segurei o braço de Jade e puxei-a para o canto do sofá.

– Se quiser ir embora...

– Laís, eu disse que vamos aproveitar, e vamos aproveitar. Vai, experimenta isso. Quem sabe te deixa mais solta – olhei com desconfiança para o copo – Vamos, não vai matar você.

– Isso, você não sabe – e tornei a calda melosa e quente. Tive a certeza de que engolir gasolina e jogar um fósforo aceso na garganta tinha o mesmo efeito.

– Isso! – gritou Renata, com um braço enganchado no braço de um garoto alto e loiro – É assim que se faz! Mas eu estou achando vocês muito paradas, então chamei uma ajudinha – ela sorriu – Esse é o Matheus. Matheus, essas são Jade e Laís. Talvez você faça uma delas se libertar essa noite.

O rapaz sorriu e se sentou entre nós duas, abrindo os braços e enchendo meu nariz com seu perfume forte, porém agradável. Pensei em mil formas de me livrar dessa situação, olhando meu copo vazio.

Copo vazio...

– Eu vou pegar alguma coisa para beber – declarei, me pondo de pé e me livrando do abraço do loiro – Querem também?

– Não, obrigado – respondeu ele, educadamente e com um tom sério demais para alguém tão jovem. Voltei-me para Jade, que me fuzilava com os olhos por eu ter ousado me levantar dali. Ignorei-a e sai dali, caminhando apressadamente em direção ao barril. Passei entre pessoas que apenas se sacudiam e outras que pareciam ter saído de um clipe de dança tosco, finalmente chegando ao corredor, que quase não tinha ninguém. Ainda assim, passei de cabeça baixa por todo o trajeto, mesmo sem luz nenhuma para revelar o meu rosto para quem quer que fosse, chegando ao tonel, que tinha um freezer pequeno ao lado. Guiei meu copo para a torneira do barril, mas pensei bem e decidi ver o que tinha além de álcool.

Uma mão grande e forte cobriu a minha assim que tentei abrir a porta do freezer.

– Me desculpe – pediu-me uma voz suave e grave no escuro, tirando a mão da minha.

– Tudo bem – respondi à sombra alta, sem graça, me afastando do freezer – você, primeiro.

– Não, fique a vontade. Eu só estava procurando uma cerveja.

– Cerveja?

– Sim, é só o que tem no freezer... – disse garoto no escuro, pendendo um pouco a cabeça para o lado e rindo – Essa é sua primeira festa na casa da Renata, não é?

– Como sabe?

– Você, com certeza, estava procurando algo sem álcool para beber e é uma lei não entrar nem água nas festas dela.

Fiquei mais que sem graça, sentindo o sangue berrar em minhas bochechas morenas, que graças à melanina, não me permitiam corar. Depositei o copo em uma lixeira entupida, descartando qualquer chance de beber mais.

– Bem, então é melhor eu voltar para lá.

Levantei a cabeça ao mesmo tempo em que um flash de claridade iluminava o corredor.

Sua feição era sorridente, divertida sem sarcasmo. Seus lábios eram cheios e rosados e mostravam os dentes retos e brancos. Seu nariz era fino e seus olhos eram bem abertos, apesar de eu não ter conseguido ver a cor. Suas sobrancelhas eram grossas e escuras, com uma falha no canto da esquerda. Seu cabelo comprido liso e cheio quase tocava o ombro. O roxo das luzes não me deixava saber se ele era branco ou moreno.

Ele era, bem, lindo.

Seu sorriso ficou diferente, mais charmoso – Talvez – falou ele – essa festa não esteja tão ruim assim.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?? Eu quero comentários!!
Beijos.
BL.



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